terça-feira, 11 de junho de 2013

Gabriela, cravo e canela.

Com certeza, Gabriela, cravo e canela figura entre os melhores romances de Jorge Amado. Ele é muito bem estruturado e o tema, as grandes transformações de uma sociedade agrária para urbana, está muito bem trabalhado. O romance é uma extensa e maravilhosa aula de sociologia e, também de história. E não deixa de ser também uma aula de psicologia, de psicologia feminina, com o retrato de Gabriela e também de Malvina, retrato este não bem concluído, especialmente, porque o grande personagem é Gabriela.
A edição de Gabriela, cravo e canela. Pela Companhia das Letras.

Do muito pouco que eu assisti de novelas, ao longo da minha vida, a que mais eu assisti, foi Gabriela. Por ela sacrifiquei muitas cervejas, vindo diretamente para casa, após as aulas. Creio, analisando hoje, que tive uma boa compreensão da obra. Ela foi tanto para a televisão, quanto para o cinema. Este livro e a venda de seus direitos, deram para Jorge, a possibilidade da compra de sua casa no Rio Vermelho, em Salvador. Jorge se gaba, que a ganhou, com o dinheiro do imperialismo ianque. A casa foi ganha da forma mais merecida possível.

A primeira narrativa do livro se ocupa do assassinato de Sinhazinha Guedes Mendonça e do Doutor Osmundo Pimentel, pelo marido de Sinhazinha, o coronel Jesuíno Mendonça. Com a morte do casal, o coronel lavara a sua honra e manteve a tradição ilheense, quanto a moral e os bons costumes. O encerramento do livro ocorre 28 anos depois, em que pela primeira vez, na história de Ilhéus, um coronel do cacau foi condenado por ter matado sua esposa adúltera e o seu amante. Mas esta não foi a única mudança que ocorreu em Ilhéus, nestes 28 anos.
Capa da primeira edição, lançada pela Livraria Martins Editora, em 1958.

Para esta mudança nos costumes, muito influenciou a atitude de seu Nacib Saad, que também flagrou a sua esposa Gabriela, em flagrante adultério com o mulherengo e amigo Tonico Bastos. Possivelmente o perdão de Nacib também ocorreu pela primeira vez na cidade de Ilhéus. A atitude de Nacib mereceu os maiores elogios de toda a sociedade ilheense. Nacib, inclusive, voltou a usufruir dos encantos de Gabriela, na cama e  na mesa, após a sua compreensiva atitude. Para lhe amenizar as dores em sua cabeça, o sábio amigo, dono da Papelaria Modelo, João Fulgêncio, lhe arrumou uma série de estratagemas em que se mudaram os papéis mas não o real. Nacib nunca se casara com Gabriela.

Gabriela foi a retirante que Nacib arrumou, no mercado de escravos, para ser a sua cozinheira. Fazia os melhores quitutes da cidade. Nacib, com o seu bar, o Vesúvio, começa a prosperar. Aliás, a cidade inteira está em prosperidade. Os sentimentos de Nacib com relação a Gabriela também vem num crescendo maravilhoso. Mesmo Gabriela dizendo que não havia precisão, Nacib lhe propõe casamento. O casamento tornou Gabriela infeliz. Nacib tentou transformar a sua arredia e xucra Bié, em venerável dama da sociedade, na venerável senhora Saad. A transmutação não aconteceu. A senhora Saad só deu dores, de corpo e de mente, no moço bom, que era o seu Nacib.
Capas de diferentes edições estrangeiras de Gabriela, cravo e canela.

Gabriela ganha de Nacib um pássaro preso em gaiola. Gabriela, com pena, o solta. Gabriela se soltou da gaiola do casamento. Gabriela gostava de Nacib, moço bonito e, de outros moços bonitos, também. Amarrada a Nacib não gostava não. Gabriela livre era doce e perfumada, era de cravo e de canela. Outra mulher, que enche os olhos de Nacib de satisfação, é Glória. Não é pela questão do sexo. Glória, que tinha casa posta por coronel, ficava sempre à janela. A casa ficava próxima ao Vesúvio, o bar de seu Nacib. Os curiosos por Glória, frequentavam o bar Vesúvio, usufruindo de suas bebidas e petiscos e, com os olhos, apreciavam Glória . Seus lucros aumentavam.

Personagem feminino fascinante foi Malvina, filha do terrível coronel Melk Tavares, companheirão de Ramiro Bastos. Ela encarna a mulher com imaginação e rebeldia. Não foi domada nem pela religião, nem pela moral e pelos bons costumes e, muito menos pelo coronel Melk, o seu pai. Se enamora do engenheiro que veio cuidar do porto, que era separado. O coronel põe o engenheiro a correr, a voltar para o Rio de Janeiro. Malvina é internada em colégio de freiras na Bahia. Jorge, dela dará apenas uma informação imprecisa. Trabalhava e morava em São Paulo. Não lhe descreve as felicidades e infelicidades. Malvina lera romances franceses. João Fulgêncio lhe vendera Eça de Queiroz. O crime do padre Amaro. Que romances franceses teriam sido estes? Flaubert certamente não faltou.
Mais capas de Gabriela, cravo e canela.

Bem, como chegamos a Ramiro Bastos, o coronel, que junto com Jesuíno Mendonça representam o velho e o arcaico em Ilhéus, vejamos agora o personagem do novo e do futuro de Ilhéus, de Itabuna e de toda a região cacaueira. Mundinho Falcão. Os grupos declaram violenta guerra pelo mando político da região, que quase chega a acontecer. Só não acontece por causa da morte do velho coronel. Com a sua morte e com a cadeia para Jesuíno Mendonça, o velho fora varrido da cidade, triunfando o novo, triunfando Mundinho Falcão e o seu mundo de comércio e de empreendedorismo. Jorge, em Gabriela, cravo e canela, já não é mais o militante comunista e faz muitas concessões de bondade ao burguês Mundinho Falcão. Ou seria a tal da dialética do progresso?

Gabriela, cravo e canela integra, junto com  Terras do sem-fim e São Jorge dos Ilhéus, o ciclo cacaueiro do autor. Não são, porém, as únicas. O tema de Gabriela já está presente nestas obras anteriores. Em Terras do sem-fim temos a história dos coronéis e os seus métodos de uso do poder. Em São Jorge dos Ilhéus, este poder lhes escapa das mãos, ficando em poder dos comerciantes exportadores de cacau. Gabriela é uma síntese dos dois. Mas o foco narrativo em torno dos desejos de mulher é algo muito fantástico. E que bom que estejam na literatura e, não apenas, em recônditos confessionários.

O livro tem um saboroso posfácio, escrito por José Paulo Paes. A primeira edição do livro é de 1958. Foi lançado pela Livraria Martins Editora.


4 comentários:

  1. Sempre atualizado e estudando,muito bom jovem.
    Sergio

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    1. É que agora disponho de tempo livre. Muito obrigado pelo comentário.

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  2. BOM DIA PEDRO ELOI ,GOSTARIA DE SEU COMENTARIO SOBRE ESSES 230 MIL CARAS PINTADAS DE PRETO E LARANJA PERDIDOS PELO BRASIL,AQUI NO PARANA JA SABEMOS QUE NÃO TEM MAIS "RICHA" ENTRE ELES ,SERÁ O MEDO DO FUTURO PROXIMO.
    ATT. SERGIO

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  3. Alô Sérgio. Está meio difícil de entender. Em janeiro eu postei três matérias sobre "O Brasil de 1964 estaria se repetindo" que creio, vão de encontro com a tua solicitação. Meus agradecimentos

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