quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Diário de uma Viagem. Fátima.

Ao final da tarde de um dia muito intenso, chegamos em Fátima. Nos instalamos no hotel, muito próximo ao santuário e nos foi servido um jantar. A grande atração seria a procissão internacional das velas, anunciava o nosso prospecto de viagem. Eu era todo curiosidade. Fátima foi uma das devoções mais cultivadas no meu tempo de juventude, passado no seminário. Também em casa, em Harmonia, a lembrança de Fátima era constante. Não se imaginava dormir, sem antes ter rezado o terço. Uma das imagens de minha mãe, que eu mais trago presente em minha memória, é ela com o terço nas mãos, em qualquer momento de folga, a qualquer hora do dia.
Vista da Basílica do Santuário de Nossa Senhora de Fátima. Quatro milhões de peregrinos por ano.

Sentimentalismos a parte, reconheci imediatamente a catedral basílica. O que eu mais queria ver era o famoso pé de azinheira, a azinheira grande, ao lado da capela das aparições. Afinal, foi sob uma azinheira que N. Sa. de Fátima pousou. É realmente uma belíssima árvore, de muita tradição em Portugal. Depois de uma breve andada pelos lugares históricos, jantamos e nos preparamos para a anunciada procissão das velas. As luzes partem de uma vela central. A partir dela são acendidas inúmera outras, em série. Simultaneamente de todos os recantos surgem centenas de pessoas, portando suas velas acesas, rumando para o entorno da capela das aparições, onde é rezado um terço. Cada mistério é rezado em uma língua diferente. No dia, os mistérios, precedidos de reflexões, que eu considerei muito boas, de ordem existencial, foram rezados em português, em espanhol (uma delegação de Málaga), em italiano, em polonês, junto com uma delegação da Irlanda e o quinto e último mistério, por peregrinos indonésios.
A azinheira grande. Ao lado desta árvore, numa igual a esta é que N. Sa. de Fátima teria aparecido. Ali se situa hoje a capela das aparições, junto a qual ocorrem as grandes solenidades.

Paralelo a isso, eu assisti uma cena, que no meu modo de ver, é deprimente. Inúmeras pessoas vieram se arrastando de joelhos para as proximidades da capela das aparições. Certamente estavam cumprindo promessas ou pedindo intercessões junto a Fátima. Os peregrinos, ou peregrinas, em sua maioria, estavam visivelmente extenuados. No meu entendimento, existem formas mais suaves para demonstrações de fé. Prostração não é uma palavra do meu vocabulário e agrado. Muito humilhante.

O guia, já no ônibus, fizera uma pequena coleta e, nos prometia em troca, algum material. Não existe, ao menos eu não percebi, muita exploração financeira em Fátima. Como isto não é feito de forma muito ostensiva, certamente é feito de forma mais organizativa. O que existe de ostensivo são as inúmeras lojas com material religioso, ligado a Fátima e as três crianças. Recebemos dois santinhos com orações e um fôlder com todo o histórico das aparições, da construção do santuário, das festas e das visitas papais em peregrinação à cidade. Fátima é o maior centro de peregrinos de Portugal, recebendo-os, em número de quatro milhões por ano.O segundo centro é o Santuário de Bom Jesus do Monte, na cidade de Braga.
A Capela das Aparições. Fica no exato local onde N. Sa. teria aparecido. É o grande local das solenidades.

Vamos contextualizar um pouco as aparições que ocorreram em Fátima e da significação que a elas foi atribuída. A primeira aparição teria acontecido em 13 de maio de 1917, por volta do meio dia, para três pastorezinhos, duas meninas, Lúcia de Jesus e Jacinta Marto e, para o menino Francisco Marto. Jacinta e Francisco eram irmãos. A principal protagonista foi Lúcia, mesmo porque as outras duas crianças, muito cedo morreram. Francisco em 1919 e Jacinta em 1920. Lúcia fez a profissão de votos religiosos e veio a falecer em fevereiro de 2005, aos 98 anos de idade. A aparição teria se dado por volta do meio dia, quando as crianças viram um enorme clarão. Pensando se tratar de um raio, trataram de voltar para casa, quando foram surpreendidas por um novo clarão. Foi então que viram, em cima de uma azinheira, uma senhora muito mais clara do que o sol e, de cujas mãos pendia um terço branco.
Vista dos peregrinos penitentes se arrastando sobre os joelhos.

A Senhora lhes dirigiu a palavra pedindo muitas orações e prometendo voltar mais cinco vezes, sempre na mesma data e no mesmo horário. Na última aparição já estavam presentes mais de 70.000 pessoas e Ela se apresentou como a Senhora do Rosário e, pediu para que no local Lhe fosse construída uma capela, além de pararem de fazer pecados e assim ofenderem a Deus. Para entender o significado de Fátima é preciso, em primeiro lugar atentar para o ano da ocorrência, 1917, portanto, em plena efervescência da Primeira Guerra Mundial.

Portugal estava envolvida nesta guerra. Dela participaram mais de duzentos mil portugueses, calculando-se em torno de dez mil, os que que nela morreram. Em função disso, os apelos de Nossa Senhora, sempre foram apelos para a paz. Em Portugal a ditadura salazarista procurou tirar muito proveito com as aparições, transformando suas mensagens em mensagens anti-soviéticas, anticomunistas e pró colonialistas, os eixos fundamentais da ditadura. Após a segunda guerra, com o surgimento da Guerra Fria, o caráter anticomunista foi reforçado, especialmente com os mistérios em torno do terceiro segredo de Nossa Senhora, que teria alertado contra os inimigos da igreja nos dias de hoje, como os sistemas ateus e materialistas. Em suma, o regime comunista soviético.
Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13 a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma última vez.

Eu, pessoalmente, em Porto Alegre, tive uma experiência destas, logo no início do regime militar brasileiro. O regime ditatorial trouxe ao Brasil o padre irlandês/americano, Patrick Peyton para fazer a propaganda anti comunista, falando dos horrores praticados pelos comunistas na Guerra do Vietnã e, pedindo a reza do terço, diariamente, para que Nossa Senhora de Fátima salvasse o Brasil do comunismo. Eu pessoalmente tinha feito a promessa desta oração diária. Os meus pais também já o tinham feito por mim. O padre Peyton organizou enormes passeatas em nome da cruzada (sempre essa palavra) do Rosário em Família. João Paulo II, o papa polonês, oriundo portanto, dos países da chamada cortina de ferro, empenhou o seu enorme prestígio em favor de Fátima, visitando o local três vezes, durante o seu pontificado.
Uma vista panorâmica de Fátima. A cruz, a Capela das Aparições e a Basílica.

A minha visita a Fátima se cobriu de muito respeito. Aprecio muito a mensagem por ela transmitida aos pastorezinhos "Não tenhais medo". Aliás esta era também a mensagem deixada por uma enorme faixa estendida em frente a catedral basílica. Também apreciei as mensagens transmitidas durante a oração do terço. Nada tem a ver com o vale tudo dos padres pop star brasileiros, em suas cruzadas para impedir a perda de fiéis para as chamadas igrejas da teologia da prosperidade. Em suma, eu gostei muito de ter visitado Fátima. Me fez bem, especialmente, como já me tinha feito, nos meus momentos de definição na saída do seminário, a marcante frase do "Não tenhais medo".

   

4 comentários:

  1. Muito boa tua abordagem, mestre! :)

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  2. Eu respeito muito, tanto o aspecto religioso quanto o cultural. O problema é o proveito que disso se tira. Fiz este post com muito cuidado. Obrigado pelo seu generoso comentário, Aline.

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  3. Beleza, meu irmão. Não tenhais medo. O pior medo é o medo do medo. Esta mensagem é maravilhosa e tranquilizadora.

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