Como é gostoso não ter obrigações. Como é gostoso desfrutar de tempo livre. Como é gostoso fazer coisas sem nenhum caráter utilitário, apenas pelo prazer. Foi o que fiz com a leitura de Sócrates - A história e as histórias do jogador mais original do futebol brasileiro. A autoria da biografia é do jornalista Tom Cardoso e tem apresentação de Fábio Altman e prefácio do companheiro de copo Mauro Beting. "Mas é possível que nenhum brasileiro tenha jogado melhor pelo país que você em todos os campos", afirma o prefaciador Mauro Beting. Sócrates jogava tão bem, senão melhor, fora dos campos, quanto dentro deles.
Pelo país, ninguém jogou melhor do que Sócrates. A democracia era uma obstinação.
Pelo país, ninguém jogou melhor do que Sócrates. A democracia era uma obstinação.
A vida deste grande cidadão foi marcada, acima de tudo, pelo inconformismo e pela indignação, sentimentos que o levaram à ação. Sócrates nunca foi um cidadão passivo, pois senão, não seria um cidadão. Sempre foi linha de frente, sempre foi vanguarda. Sempre marcou muitos gols e que golaços! A sua vida é mostrada em 23 capítulos, começando pelo seu pai, um cearense pobre mas obstinado pela educação, sempre um autodidata, pois as portas da escola estavam fechadas para meninos pobres. Estudava para concursos públicos. Era metido a estudar filosofia. O seu dito filosófico preferido não era de Sócrates, mas sim, de Immanuel Kant: "O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele". Por sorte, Sócrates não foi batizado com o nome de Immanuel e muito menos pautou a sua vida pelas linhas retas do racionalismo.
Tom Cardoso escolheu bem. Biografar Sócrates deve ter sido um grande ato de prazer.
A primeira exigência de seu Raimundo para com os filhos era o estudo. Sócrates deveria se formar em medicina. Depois poderia ser jogador. Só admitia treinos após as aulas, na Faculdade de Medicina da USP, no campus de Ribeirão Preto, cidade em que moravam, já fazia um bom tempo. Sócrates nascera em Belém. Os concursos públicos foram melhorando a vida de seu Raimundo. Sempre foi um pai muito exigente.
A trajetória profissional de Sócrates começou em um dos times de sua cidade, o Botafogo. Depois veio o Corinthians, o time que o marcou. "Doutor, eu não me engano - meu coração é corintiano", cantava a torcida do timão. Sócrates era santista de coração, do Santos da era Pelé, de quem seria um grande desafeto, posteriormente. A vida de Sócrates se identifica com o Corinthians, onde, no entanto, não era nenhuma unanimidade. Era um jogador frio, avesso à preparação física, às concentrações e ao disciplinamento burocrático do futebol de resultados. O seu futebol era o futebol arte, que sempre aparecia, quando estava de bem com a vida. Quando ele efetivamente estava de bem com a vida, livre de obrigações e do enfadonho do cotidiano, os resultados apareciam. Sócrates, como atleta aplicado e disciplinado, nunca foi exemplo para ninguém. A sua insubmissão era o terror dos técnicos. Com o futebol arte de Telê Santana ele se dava bem.
A anti imagem do atleta. 1,91 metros de altura e pés tamanho 41. Teria que ser artista. E como foi!
Um dos capítulos mais bonitos de sua vida é a sua relação com a democracia, pela qual ele lutava em duas frentes, na democracia corintiana e pela democracia brasileira. Batia de frente com técnicos e diretorias e com os militares. O quarteto da democracia corintiana era formada pelo dirigente Adilson Monteiro Alves e pelos jogadores Sócrates, Wladimir e Casagrande. A relação com a torcida nunca foi das melhores. Queriam um jogador mais impulsivo, que comemorasse os gols com paixão, um jogador raçudo. Para isso o atleta não tinha preparo físico. A sua contribuição era o talento, o imprevisível, os desconcertantes toques de calcanhar. Gostava de jogar nas faixas do campo onde havia sombra.
Com Casagrande, parceiros da democracia corintiana. Depois Casagrande foi enquadrado pela Globo.
Uma passagem interessante foi a sua ida à Itália, para a cidade de Florença. Aí o seu embate foi com a nobreza italiana e com os colegas do time, que literalmente o boicotavam. Em meio a memoráveis festas e porres vivia o seu inferno de Dante, para desespero dos condes da família Pontello, diante do fiasco de sua contratação.
Um capítulo dos mais bonitos é o que narra os episódios da seleção Brasileira de 1982, a seleção de Telê Santana, do futebol arte. Foi a única vez em que Sócrates abriu mão de seus prazeres e se submeteu ao rigor dos treinamentos. Chegou a dar verdadeiros piques em campo. O autor da façanha foi Gilberto Tim, mas o inspirador fora Telê Santana, com quem tinha uma relação de profundo carinho e respeito. O atleta foi domado pela amizade, carinho, respeito e reciprocidade, jamais pela imposição disciplinadora. A rebeldia sempre fora a sua grande marca.
Cena rara. Sócrates gastando energias na comemoração de um gol.
Na sua volta da Itália peregrinou pelo futebol. Uma tentativa fracassada de retorno para a Ponte Preta, formar dupla com Zico no Flamengo e até uma passagem pelo time de seu coração, o time da vila. O livro passa também pelos seus desafetos. Os jogadores individualistas e personalistas como Leão e Paulo César Caju, especialmente. Muitas relações de bastidores do futebol também são relatadas. Sócrates inclusive chegou a se candidatar a presidente da CBF., ou a se anti candidatar. Enveredou também pelos caminhos do jornalismo, sempre batendo de frente com o enquadramento das emissoras e não se conformando com o longo tempo de Casagrande na Globo. Também enveredou pelos campos da medicina e da política.
Se seu Raimundo controlava de perto a vida do filho, ao menos em uma coisa não conseguiu controlá-lo. Na bebida. Sócrates bebia poucas bebidas, apenas cerveja e vinho, mas estas, ele bebia em doses industriais. Bebia sempre e em todas as ocasiões. Parecia não sentir a bebida. De todos os companheiros de copo era o mais resistente. Enquanto estes perdiam compromissos em função da ressaca, ele permanecia impassível, esperando pelo próximo porre. Parecia o Sócrates filósofo, saindo de O Banquete, de Platão. Nunca admitiu ser alcoólatra. Não parou de beber, nem mesmo quando já diagnosticado de cirrose hepática e de sofrer hemorragias, que o levaram a internamentos e à morte. Chegou a tentar tomar cerveja sem álcool, mas a considerava intragável.
Sócrates com o amigo Lula. Em seus delírios de morte ainda lhe fazia cobranças.
O cineasta Ugo Georgetti encontrou uma explicação para a relação entre Sócrates e a bebida: "Sócrates simplesmente deixara de lutar e iniciara um processo autodestrutivo sem volta, motivado pela constatação de que o mundo não tinha espaço mais para sujeitos como ele, idealistas e sonhadores". A bebida lhe serviu de mediação para suportar as dores do mundo, que ele tão vivamente percebia e contra as quais levou uma vida inteira de rebeldia. Sócrates morria num domingo, 4 de dezembro de 2011, enquanto o Corinthians entrava em campo para ser o campeão brasileiro daquele ano.
Na sede do Corinthians existe um busto em sua homenagem. Pouco antes de morrer, no Bar da Torre, em Ribeirão Preto, ele, em mais uma saideira brindou o seu epitáfio: Se tivesse me dedicado mais, não seria uma pessoa tão completa como sou agora. Definitivamente, a arte nunca anda por linhas retas.
Com seu Raimundo, um pai atento e vigilante.
Sócrates foi um homem de muitos chopes, de muitos vinhos, de muitas e belas mulheres e acima de tudo, de muitos gols. Foram 331, cujo histórico compõe o apêndice do livro. Também tem um álbum de fotografias. Me encantei com o livro. Bela sugestão para presentar amigos, especialmente se forem corintianos.
Tom Cardoso escolheu bem. Biografar Sócrates deve ter sido um grande ato de prazer.
A primeira exigência de seu Raimundo para com os filhos era o estudo. Sócrates deveria se formar em medicina. Depois poderia ser jogador. Só admitia treinos após as aulas, na Faculdade de Medicina da USP, no campus de Ribeirão Preto, cidade em que moravam, já fazia um bom tempo. Sócrates nascera em Belém. Os concursos públicos foram melhorando a vida de seu Raimundo. Sempre foi um pai muito exigente.
A trajetória profissional de Sócrates começou em um dos times de sua cidade, o Botafogo. Depois veio o Corinthians, o time que o marcou. "Doutor, eu não me engano - meu coração é corintiano", cantava a torcida do timão. Sócrates era santista de coração, do Santos da era Pelé, de quem seria um grande desafeto, posteriormente. A vida de Sócrates se identifica com o Corinthians, onde, no entanto, não era nenhuma unanimidade. Era um jogador frio, avesso à preparação física, às concentrações e ao disciplinamento burocrático do futebol de resultados. O seu futebol era o futebol arte, que sempre aparecia, quando estava de bem com a vida. Quando ele efetivamente estava de bem com a vida, livre de obrigações e do enfadonho do cotidiano, os resultados apareciam. Sócrates, como atleta aplicado e disciplinado, nunca foi exemplo para ninguém. A sua insubmissão era o terror dos técnicos. Com o futebol arte de Telê Santana ele se dava bem.
A anti imagem do atleta. 1,91 metros de altura e pés tamanho 41. Teria que ser artista. E como foi!
Um dos capítulos mais bonitos de sua vida é a sua relação com a democracia, pela qual ele lutava em duas frentes, na democracia corintiana e pela democracia brasileira. Batia de frente com técnicos e diretorias e com os militares. O quarteto da democracia corintiana era formada pelo dirigente Adilson Monteiro Alves e pelos jogadores Sócrates, Wladimir e Casagrande. A relação com a torcida nunca foi das melhores. Queriam um jogador mais impulsivo, que comemorasse os gols com paixão, um jogador raçudo. Para isso o atleta não tinha preparo físico. A sua contribuição era o talento, o imprevisível, os desconcertantes toques de calcanhar. Gostava de jogar nas faixas do campo onde havia sombra.
Com Casagrande, parceiros da democracia corintiana. Depois Casagrande foi enquadrado pela Globo.
Uma passagem interessante foi a sua ida à Itália, para a cidade de Florença. Aí o seu embate foi com a nobreza italiana e com os colegas do time, que literalmente o boicotavam. Em meio a memoráveis festas e porres vivia o seu inferno de Dante, para desespero dos condes da família Pontello, diante do fiasco de sua contratação.
Um capítulo dos mais bonitos é o que narra os episódios da seleção Brasileira de 1982, a seleção de Telê Santana, do futebol arte. Foi a única vez em que Sócrates abriu mão de seus prazeres e se submeteu ao rigor dos treinamentos. Chegou a dar verdadeiros piques em campo. O autor da façanha foi Gilberto Tim, mas o inspirador fora Telê Santana, com quem tinha uma relação de profundo carinho e respeito. O atleta foi domado pela amizade, carinho, respeito e reciprocidade, jamais pela imposição disciplinadora. A rebeldia sempre fora a sua grande marca.
Cena rara. Sócrates gastando energias na comemoração de um gol.
Na sua volta da Itália peregrinou pelo futebol. Uma tentativa fracassada de retorno para a Ponte Preta, formar dupla com Zico no Flamengo e até uma passagem pelo time de seu coração, o time da vila. O livro passa também pelos seus desafetos. Os jogadores individualistas e personalistas como Leão e Paulo César Caju, especialmente. Muitas relações de bastidores do futebol também são relatadas. Sócrates inclusive chegou a se candidatar a presidente da CBF., ou a se anti candidatar. Enveredou também pelos caminhos do jornalismo, sempre batendo de frente com o enquadramento das emissoras e não se conformando com o longo tempo de Casagrande na Globo. Também enveredou pelos campos da medicina e da política.
Se seu Raimundo controlava de perto a vida do filho, ao menos em uma coisa não conseguiu controlá-lo. Na bebida. Sócrates bebia poucas bebidas, apenas cerveja e vinho, mas estas, ele bebia em doses industriais. Bebia sempre e em todas as ocasiões. Parecia não sentir a bebida. De todos os companheiros de copo era o mais resistente. Enquanto estes perdiam compromissos em função da ressaca, ele permanecia impassível, esperando pelo próximo porre. Parecia o Sócrates filósofo, saindo de O Banquete, de Platão. Nunca admitiu ser alcoólatra. Não parou de beber, nem mesmo quando já diagnosticado de cirrose hepática e de sofrer hemorragias, que o levaram a internamentos e à morte. Chegou a tentar tomar cerveja sem álcool, mas a considerava intragável.
Sócrates com o amigo Lula. Em seus delírios de morte ainda lhe fazia cobranças.
O cineasta Ugo Georgetti encontrou uma explicação para a relação entre Sócrates e a bebida: "Sócrates simplesmente deixara de lutar e iniciara um processo autodestrutivo sem volta, motivado pela constatação de que o mundo não tinha espaço mais para sujeitos como ele, idealistas e sonhadores". A bebida lhe serviu de mediação para suportar as dores do mundo, que ele tão vivamente percebia e contra as quais levou uma vida inteira de rebeldia. Sócrates morria num domingo, 4 de dezembro de 2011, enquanto o Corinthians entrava em campo para ser o campeão brasileiro daquele ano.
Na sede do Corinthians existe um busto em sua homenagem. Pouco antes de morrer, no Bar da Torre, em Ribeirão Preto, ele, em mais uma saideira brindou o seu epitáfio: Se tivesse me dedicado mais, não seria uma pessoa tão completa como sou agora. Definitivamente, a arte nunca anda por linhas retas.
Com seu Raimundo, um pai atento e vigilante.
Sócrates foi um homem de muitos chopes, de muitos vinhos, de muitas e belas mulheres e acima de tudo, de muitos gols. Foram 331, cujo histórico compõe o apêndice do livro. Também tem um álbum de fotografias. Me encantei com o livro. Bela sugestão para presentar amigos, especialmente se forem corintianos.
Sócrates é meu ídolo no futebol. Não só pela elegância que desfilava dentro de campo, mas também pelas posições políticas corajosas em um tempo em que era perigoso manifestar posição política. Eu também magro e alto, cabelos compridos e barba ainda rala, tentava imitar o ídolo, mas ficava só na aparência, pois o futebol de Sócrates era extraordinariamente excepcional. Com a Democracia Corinthiana, ganhou de vez e para sempre minha admiração. Hoje faz falta a voz do Doutor, que, penso, poderia estar combatendo a tentativa de golpe, de frente, com coragem e determinação, como poucos sabem e conseguem fazer.
ResponderExcluirOi Rogério. Bom dia. Foi uma satisfação enorme conhecê-lo no seminário anarquista. Quanto a Sócrates, temos ídolos em comum. O anarquista Pimpão também. Com certeza que Sócrates nos faz muita falta. Grande abraço.
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