Sempre fui movido por muita
curiosidade em torno da Colônia Cecília, um experimento anarquista do final do
século XIX, na região de Palmeira, mas nunca me detive mais seriamente em
estudá-la. Uma primeira incursão mais séria se deu com a leitura de Italianos no Brasil. “Andiamo in ‘Merica”,
de Franco Cenni, que dedica as páginas 355 a 358 ao fato. Foi também, quando
entrei em contato com Giovanni Rossi, o idealizador da colônia.
Conversando com o meu amigo
Marco, morador em São João do Trinfo e, simpático das causas anarquistas,
percebi que ele tinha bom conhecimento sobre o tema. Agora o reencontrei e, voltamos ao assunto, e por um trabalho junto ao Núcleo Sindical da APP de
Irati, ganhei de presente o livro Colônia
Cecília, de autoria de Arnoldo Monteiro Bach. O livro contém mais de 1050
páginas. O livro tem o seu maior mérito nas transcrições de textos em que
Giovanni Rossi relata a concepção dos princípios anarquistas, a idealização do projeto e, ainda, avaliações do mesmo, Outra riqueza do livro é a coleta de depoimentos dos descendentes das famílias dos pioneiros.Estes depoimentos são verdadeiros tesouros de preservação de memória. São depoimentos de pessoas que em breve não estarão mais presentes.
O livro de Arnoldo M. Bach. A narrativa da epopeia anarquista.
O livro de Arnoldo M. Bach. A narrativa da epopeia anarquista.
Giovanni Rossi é de Pisa, onde
nasceu em 1856. Formou-se em agronomia e veterinária e trabalhou em
organizações agrícolas cooperativas, visando amenizar os sofrimentos dos
campesinos pobres da Itália. Era uma época de muitas dificuldades, de
guerras em torno da unificação italiana. O contato com a miséria do povo o fez
entrar em contato com as ideias socialistas que estavam se delineando. Na
década de 1870 entra na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).
Pertencia a vertente anarquista, que em breve seria expulsa da Internacional.
Além da especificidade profissional, gostava dos temas da filosofia, da
sociologia e da política.
Desde cedo também escrevia. De
sua escrita faziam parte artigos de propaganda anarquista e um livro com suas
ideias e projetos. Este se chamava Une
Comune Socialista, de 1878. Neste livro Cárdias é o narrador que junto com
Cecília, a sua companheira, denunciam as injustiças da época. O nome da colônia
Cecília é uma homenagem a esta
personagem de seu livro, nada tendo a ver, como vi em alguns escritos, com a
santa Cecília, a padroeira dos músicos. Basta lembrar que eram anarquistas,
para não fazer tal confusão.
Contra a ordem estabelecida, acabar com os homens da ordem.
Contra a ordem estabelecida, acabar com os homens da ordem.
“Anarquia nas relações sociais;
amor e mais que amor na família; propriedade coletiva dos capitais;
distribuição gratuita dos produtos do ajuste econômico; negação de deus nas
religiões”, pregava o personagem Cárdias. Cárdias imaginava uma terra
longínqua, Poggio al Mare, onde
pudesse, junto com Cecília, por seus ideais em prática. “Nós nos amávamos e o
nosso afeto não diminuía, mas agigantava-se com o amor pela humanidade. Falar
de socialismo, para nós, era falar de amor”.
Em de 1890, um grupo de jovens
deixa o porto de Gênova, no Cittá di
Roma, trazendo no seu destino incerto, pouca coisa além da esperança quase
infinita. Iriam formar uma colônia anarquista em terras da América do Sul. As
passagens eram pagas pelo governo brasileiro, em programas de incentivo à
imigração. Observem que neste período a nossa história política também estava conturbada. Tínhamos acabado de
abolir a escravidão e trocado a monarquia pela república. O navio chega ao Rio
de Janeiro, de onde, após alguns dias, os imigrantes partem para o sul, com destino a Porto
Alegre, mas resolvem ficar em Paranaguá. Lá chegaram em 28 de março e de trem sobem
até Curitiba. Para se estabelecerem em Palmeira foi fundamental a influência de
um médico italiano que já morava em Palmeira, o Dr. Franco Grillo, também
simpático às ideias socialistas.
Giovanni Rossi, o idealizador da epopeia anarquista de Palmeira.
Depois dos embaraços burocráticos, estes pioneiros ocuparão uma área de 200 hectares de terras que lhes foram
destinadas pelo serviço de imigração. “Eram os primeiros dias de abril de
1890... Nestas terras, perto de alguns pés de laranja, na frente de quatro
altas paineiras, tivemos a sorte de encontrar uma casinha de madeira abandonada
que, de imediato, ocupamos”, nos conta o Giovanni Rossi. São as primeiras
palavras sobre a colônia. Para situá-la, vamos a Palmeira. O lugar está distante
a 18 quilômetros da sede do município, vindo em direção a Curitiba. Próximo a
eles havia uma colônia de franceses e outra de poloneses, a colônia Santa
Bárbara,. Era uma região por onde passavam os tropeiros. Na
época também havia a colônia Kitti em Porto Amazonas, uma colonização inglesa.
As primeiras atividades estavam
ligadas a construção dos ranchos, ao cultivo de hortaliças e de milho. No
início também ajudavam na construção de estradas, recebendo pelo trabalho, um
terço em dinheiro e o restante como amortização pela terra. Depois se dedicaram
ao cultivo da erva mate, da plantação de parreiras, pois para um italiano não poderia
faltar um bom vinho caseiro. A alimentação básica era a polenta. Logo após a
chegada, Rossi volta para a Itália para arregimentar mais colonos. Em seu
apogeu a colônia chegou a ter 300 moradores. Em outro post irei relatar os
problemas e o fim das atividades na colônia.
Giovanni Rossi após o fim da Colônia, em abril de 1894, irá trabalhar na Escola Superior de Agricultura em Taquari,
RS., onde lecionará nos anos de 1894 a 1896. Depois foi ser professor em Rio dos
Cedros, SC, e Florianópolis. Em 1907 voltou para a Itália, onde permaneceu até o fim de sua vida,
morrendo em Pisa em 1943, aos 87 anos. Na Itália exerceu fortes atividades
intelectuais e teve contato constante com o seu biógrafo, Alfred Sanftleden, que
usava o pseudônimo de Slovak. Ele também foi o responsável pela tradução e
divulgação de seus artigos para a imprensa mundial, inclusive interessantes
artigos de avaliação da Colônia Cecília, a única experiência anarquista do
mundo.
Muito interessante. Me interesso pelo curto período em que Rossi esteve em Taquari, minha cidade Natal
ResponderExcluirVeja que interessante: as utopias andando pelo mundo. Pobre Giovanni, foi logo cair no Rio Grande do Sul, um ninho de positivistas, idólatras da ordem. Agradeço a sua manifestação, amigo.
ExcluirContam, na tradição verbal. Muitas histórias de sua passagem pela minha terra
ResponderExcluirConsigo imaginar. Procure coletar ao menos algumas delas, caso contrário elas desaparecerão, o que seria lamentável. Agradeço a sua manifestação.
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