Em meados do século XIX começaram
a se estruturar as doutrinas contrárias ao sistema capitalista. Em 1864 se
reúne, em Londres, o Primeiro Congresso da Associação Internacional dos
Trabalhadores (AIT) e as disputas ideológicas se davam entre os anarquistas e
os seguidores das doutrinas de Marx. Já em 1889, quando se dá o Segundo
Congresso, os anarquistas já haviam sido excluídos da AIT, mas as suas lutas
não pararam.
Na Itália, Giovanni Rossi promovia
várias experiências de auto-organização de camponeses, e no horizonte figurava
o sonho de uma colônia anarquista em terras da América do Sul. Em 1890 sai do
porto de Gênova, no Cittá di Roma, o primeiro grupo com a intenção de realizar
tal sonho. Depois da chegada ao Rio de Janeiro, embarcam com direção ao sul e,
em vez de irem até o Rio Grande do Sul, desembarcam em Paranaguá, para se
estabelecerem no estado do Paraná. Sob a influência de um médico italiano, Franco
Grillo, estabelecido em Palmeira, rumam para esta cidade.
Giovanni Rossi, o idealizador da colônia anarquista, localizada na cidade de Palmeira. PR.
Giovanni Rossi, o idealizador da colônia anarquista, localizada na cidade de Palmeira. PR.
O Brasil de então vivia tempos
conturbados. A escravidão fora abolida, assim como também, o regime monárquico.
A República ensaiava seus primeiros passos e lutava para se afirmar. Para
substituir a mão de obra escrava, uma política de favorecimento à imigração
estava em curso. Assim, a passagem destes italianos foi paga pelo governo
brasileiro, que também lhe destinou as terras e lhes deu a primeira
oportunidade de trabalho, na abertura de estradas na região em que se
estabeleceram. A escolha da cidade de Palmeira também se deu pelo fato de ser a cidade
um importante ponto de passagem dos tropeiros, que faziam a mediação entre os
campos do sul e o mercado paulista.
A Colônia Cecília se localizava a
18 quilômetros da cidade de Palmeira, em direção a Curitiba, sendo vizinha a
uma pequena colonização de franceses e outra de poloneses, esta um pouco maior,
a vila de Santa Bárbara. Mandaçaia e a estrada da Serrinha também eram nomes
familiares no entorno da colônia. A Colônia Kitti, em Porto Amazonas, também entra
em cena frequentemente. Os sobrenomes mais comuns, de alguma forma ligados a
Cecília, são Agottani, Artusi, Mezzadri, Colli, Torti, Carzino, Parodi, Códega,
Riva, Faccini, Cini, Del Frate ou Dalfrate, Boni, Fecci, Dusi, Capraro,
Capelaro e o do idealizador da colônia, Giovanni Rossi. O nome Cecília é uma
homenagem a um personagem feminino do romance de Rossi, Un Comune Socialista.
Tarefas do anarquista. Liquidar com a ordem e os seus agentes.
A colônia se manteve por pouco
tempo, entre março de 1890 e abril de 1894. Entre as razões de seu não êxito
estão os próprios princípios do anarquismo, as dificuldades próprias ao seu
tempo histórico, os desentendimentos internos e externos e, por fim, o
envolvimento com a Revolução Federalista quando foram trucidados pelas tropas
leais ao marechal Floriano Peixoto.
As primeiras famílias mal haviam
se estabelecido, quando Rossi volta à Itália para arregimentar mais colonos.
Quando estes chegam começam os problemas com os pioneiros. A liberdade
individual e a ausência de leis determinantes da organização começam a gerar
conflitos e alguns abandonam o empreendimento, se julgando no direito de
levarem alguns instrumentos agrícolas. Alguns simplesmente não se submeteram ao
trabalho. Embora pregassem o amor livre, uma menina, entre eles, fazia a festa
de solteiros e casados. O amor livre nunca se efetivou entre os colonos. O
governo também nem sempre contribuiu com a sua parte de efetuar o pagamento do
valor dos dias trabalhados na abertura das estradas. Eles teriam o direito de
receber um terço em espécie. O restante serviria para amortizar o valor das
terras.
O volumoso livro de Arnoldo M. Bach. 1.057 paginas de história e ricos depoimentos.
O volumoso livro de Arnoldo M. Bach. 1.057 paginas de história e ricos depoimentos.
A propriedade era formada por 200
hectares de terras e, no seu auge, chegou a ter 300 moradores. O perfil dos
colonos era o mais diverso possível. Tinham em seu meio, desde analfabetos
absolutos, até pessoas com formação universitária, como era o caso do
idealizador, Giovanni Rossi, formado em agronomia. Economicamente recorreram
aos produtos de subsistência, com especial predileção pelo cultivo do milho,
para a produção da polenta diária e principal componente de sua alimentação. Além
de pequenos animais também cultivaram frutas, entre elas a uva, para não deixar
faltar o vinho, tão próprio aos italianos. Comercialmente também aderiram ao
cultivo da erva mate, que formava o ciclo econômico do período.
Entre os problemas externos, devem
ser considerados os problemas do isolamento, as condições de infraestrutura, e
as desavenças com os vizinhos. Em geral eles procuravam manter excelentes
relações com os vizinhos, mas a sua doutrina os isolava. Estes eram dominantemente poloneses, com a marca registrada de seu catolicismo. Os padres
envenenavam a relação e os qualificavam como ateus e comunistas e, como tal, gente
de extrema periculosidade. Chegaram ao absurdo de lhes negar o cemitério para os seus mortos. Em
compensação, o Pimpão, um anarquista bem arretado, lhes meteu um salão de baile
em frente a sua igreja.
A destruição da colônia ocorreu
com a revolução Federalista, quando alguns colonos foram envolvidos com amigos
maragatos de Curitiba. Isso bastou para que a República oligárquica e positivista do
marechal Floriano desse um fim para a colônia. Isso ocorreu em abril de 1894.
Apenas uma família, a família Artusi ficou morando no local. Numa república que
pregava a Ordem e o Progresso não
poderia haver espaço para a anarquia. Mas o pensamento anarquista se disseminou
na região. Entre os descendentes houve sérios problemas com a ditadura militar
em 1964 e muitos deles, depois - abraçaram as campanhas do PT, como herança de seus
ancestrais que tinham plantado, possivelmente, a única experiência anarquista
do mundo.
Os dados deste post, foram
coletados a partir do livro Colônia Cecília, de autoria de Arnoldo Monteiro
Bach, que reconstitui bem o pensamento de Giovanni Rossi, narra esta epopeia
histórica e dá voz aos descendentes. Ele é proprietário do espaço cultural Sítio
Minguinho, que deve ser na região onde era a sede da colônia. O meu próximo
empreendimento será uma visita à esta região. Tenho um bom guia para isso, o
meu amigo Marco, que é hoje o presidente do núcleo de Irati, da APP-Sindicato.
Meus avós ancestrais eram Danielle Dusi e Catarina Birbes
ResponderExcluirOs DUSI aparecem no pequeno relato que fiz. Uma pesquisa sobre as famílias originárias não deve ser tão difícil. Foi uma experiência relativamente breve. O meu contato com a região foi uma experiência fascinante. Gostei demais. Agradeço a sua manifestação.
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