quinta-feira, 19 de setembro de 2019

A Escola Pública do Paraná. Uma tragédia anunciada. Sebastião Donizete Santarosa


Ontem (18 de setembro de 2019) eu tinha agenda marcada com o professor Sebastião Donizeti Santarosa para escrevermos um texto em que analisaríamos as políticas educacionais do Paraná sob o governo do Rato e de seu secretário Feder. Pela manhã o professor Sebastião publicou o diálogo realizado entre um professor e o diretor do colégio em que ele trabalha. Quando o li, falei para o Sebastião, que não precisaríamos escrever mais nada. Não poderia existir texto melhor do que esse diálogo. Em razão disso solicitei permissão para a sua publicação. Com profunda tristeza eu o publico e, mais triste ainda, por ele não ser uma peça de ficção.
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Conversa entre um professor com afastamento médico das atividades de uma escola e o diretor dessa mesma escola. O professor foi afastado por crise nervosa:


- Puxa vida, diretor, tô mal. Nunca fui tão humilhado em minha vida. Dá vontade de abandonar tudo. Tenho ânsias de vômito e tremor de perna só de pensar em voltar pra escola... Você sabe que de dar aulas eu gosto, cara. Sempre gostei, você sabe, diretor. Curto a meninada. Sempre dei meu sangue, nunca falto, nunca atraso, tô sempre ai. Mas agora, desse jeito, desse jeito que tão me tratando, não dá mais...
- Sim, eu sei, cara. Você sempre foi parceiro. Mas tá difícil mesmo. Tá ruim pra todo mundo. Eu também tô tomando uns remédios. Isso tá acontecendo em todo estado do Paraná. Você tem que entender que nós diretores e as pedagogas estamos sofrendo muita pressão também... Ela fez a ata de você sim, mas fez só porque teve que fazer, se não, você sabe, sobra no dela ...
- Mas das três pedagogas que a gente tem, é só ela que pega no pé. Ela faz da vida da gente um inferno. Não aguento mais. Dou aula em todas as séries, em todas as turmas. Dá uns quinhentos alunos. Toda hora ela fica questionando plano de aula, vistoriando avaliação, cobrando resultado, fazendo ata, registrando tudo, quer que eu dê conta de aluno por aluno, como se eu pudesse conhecer cada um deles, fica indo na sala de aula toda hora pra ver o que a gente tá fazendo, fica espiando pelos corredores... Essa praga encarnou em mim. O que ela fez comigo ontem não se faz com ninguém. Me humilhou na frente de todo mundo, o que ela escreveu nessa ata, porra, quem ler vai me achar um canalha...
- Cara, calma, eu sou só o diretor da escola. Ela é pedagoga, precisa cumprir o papel dela. Você tem que entender. Descansa esses dias e depois você volta mais calmo. Comprou o remédio...
- Que mané remédio. Olha, eu não queria é voltar nunca mais. Não queria mais por os pés ai. Isso virou um inferno. Isso não é vida. Essa mulher é uma bruxa...
- Não é ela. Todos os pedagogos vão ter que acabar fazendo isso também. Os núcleos, os tutores, todo mundo tá em cima, estão pressionando. O Renato Feder quer levantar as notas do IDEB. O Ratinho quer que o Paraná tenha a melhor escola do Brasil. A gente vai ter que aprender a lidar com a pressão se a gente quiser continuar sendo professor... Ou a gente sai mesmo...
- Porra! É fácil falar a gente aguenta ou sai mesmo. Quer dizer que a gente tem que virar bundão pra ser professor! Vai ter que aguentar tudo isso quieto! Que merda de professor a gente é, meu?! O que a gente ensina pra meninada? Ser capacho?
- Calma, cara...
- Calma o cacete!!! Calma, calma, calma... Tem um monte de professor adoecendo e morrendo, você sabe, veja as notícias, as escolas viraram lugar de fazer doidos... E esse governo nojento piora tudo, a única coisa que faz é cobrar, cobrar, cobrar... Pensa que a gente é o quê? Você vem me pedir calma?! Pro inferno. Calma o cacete! Que merda de escola esses caras acham que tão fazendo? Como que alguém consegue ensinar alguma coisa desse jeito, doente, chicoteado a toda hora, puta que pariu!!!!
- Você tá nervoso. Precisa entender...
- Vá pra puta que te pariu!!!
De longe e de muito perto, como observador atento e indignado, vou vendo como o sonho da escola pública, democrática e de qualidade vem se transformando em um pesadelo, em uma tragédia que se anuncia a cada ação da atual gestão da escola pública do Paraná.

XXXXX

E eu, cá a lamentar, que a escola não mais seja local de exercício da prática da LIBERDADE e a refletir que a indignação é o começo para qualquer mudança.

14 comentários:

  1. Exatamente, isso mesmo que está acontecendo nas escolas públicas do Paraná. Sou pedagoga e me identifiquei na fala do professor, estão nos tornando fiscais nas escolas, nossa função deixou de ser pedagógica para ser fiscalizadora, estamos todos reféns desse governo que só pensa em números e índices. E o diretor? Quer mostrar serviço, quer ser "bem visto" pelo governo e assim continuar no poder, mesmo não sabendo que posição tomar. Estamos sozinhos no caos.

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    1. Situação lamentável a que chegamos. Muito triste. Que escola é essa, que perdeu o espaço como espaço de exercício da liberdade. Agradeço o seu comentário.

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  2. Exatamente desse jeito está acontecendo comigo. Inclusive da pedagoga pegando no pé e fazendo ata sem sentido.
    Parece que o texto me descrevia.

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  3. Creio que o Sebastião Conseguiu fazer uma síntese perfeita da triste realidade das escolas do Paraná. Agradeço o seu comentário.

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  4. O profissional da Educação está revivendo um Verdadeiro HOLOCAUSTO Pseudo Cristão! É de se Lamentar!

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    1. Lamentos profundos, meu caro. Holocausto pseudo cristão. Agradeço o seu comentário.

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  5. O pior é que as chefes dia nre estão mandando a gente dar um jeito e aprovar todos os alunos... Mais quem vai ficar com esses alunos que não fizeram nada durante o ano, vão ser nós professores no ano seguinte, e ainda cheios de razão e sem interesse.... Lamentável

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  6. Vivemos os tempos daquilo que Hannah Arendt chamou de banalidade do mal. Isso ocorre quando se obedece por obedecer, mesmo a ordens absurdas. Agradeço o seu comentário.

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  7. Em algumas capitais do NE a fundação Lemann está "sutilmente" introduzindo-se e dando os comandos. Fiscalizar o professor é um deles.

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  8. "Educação como prática da liberdade". É o título do primeiro grande livro de Paulo Freire. Meu caro, avaliação é necessária em todo o trabalho, agora fiscalizar é.... Agradeço o comentário.

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  9. Essa e a Realidade e o pior que tem pedagogos adorando essa situação de mandar no professor mas existe a justiça divina e ainda bem que temos ainda muitos pedagogos que realmente são pedagogos de verdade .

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    1. O autoritarismo também se reproduz, meu caro. Quanto a pedagogos comprometidos, conheço muitos. Quanto à justiça divina, não concebo uma ideia de Deus sem a ideia dessa justiça. Agradeço o comentário.

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  10. Me parece que os desgovernos do bozonazi e o do rato estão sabotando a educação pública para vender baratinho a militarização e a privatização do ensino.
    A tristeza é que o povo compra toda essa estória.

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    1. Perfeito o seu comentário, Luís. Existe um ódio histórico da elite brasileira contra qualquer mecanismo de ascensão social. E hoje temos a visão mercadológica avançando com passos gigantescos. Agradeço o seu comentário.

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