terça-feira, 1 de outubro de 2013

Conservatória II. Um Final de semana.

Você já foi à Bahia, nega?
Não!
Então vá... (Dorival Caymmi).

Com esta frase em epígrafe Jorge Amado abre o seu maravilhoso livro de cantos em louvor à sua querida Bahia de todos os santos - guia de ruas e mistérios.  Peço licença aos dois, não para dizer que não devam ir para a Bahia, mas para irem sim, também para Conservatória. Então o verso ficaria assim:

Você já foi à Conservatória, nega?
Não!
Então vá...
A antiga estação ferroviária, que hoje é a rodoviária de Conservatória. O prédio antigo a dar boas vindas.

E continuo com Jorge Amado. Agora tomando a sua primeira frase."E quando a viola gemer nas mãos do seresteiro, na rua trepidante da cidade mais agitada, não tenhas, moça, um minuto de indecisão. Atende ao chamado e vem. [...] Se vieres eles tocarão mais alto ainda". Conservatória não tem ruas agitadas e, provavelmente, não tocarão mais alto se vieres. Mas mesmo assim eles te enfeitiçarão completamente. Se você não quiser se apaixonar por este lugar, então não vá. Mas se quiseres sentir o teu coração em alta elevação do cotidiano e te refazeres, venha para este lugar, onde "vive-se muito, rastejando a longevidade por 80 e 90 anos", como contava o historiador Noronha Santos, já pelos idos de 1928, em seu livro A Conservatória dos Índios - um arraial esquecido.
A locomotiva 206, dos tempos da ferrovia que transportava o café. Hoje você pode tirar uma fotografia de época.

Mas o que existe de tão especial nesta cidade, que aliás, nem cidade é. Não é cidade, por não ser sede de município, por ser um distrito de Valença. Mas neste local pulsa um coração que faz os corações arderem em encanto e paixão, com as dores gostosas da vida, das paixões correspondidas e perdidas, com ou sem culpa, por causa de novos amores, sempre multiplicados. Ali pulsa uma cidade que não deixa a música morrer, a autêntica música brasileira, dos tempos em que, uma cantada correspondia a um jogo de sedução e não uma vil e ascosa grosseria. Ali ainda se vê a lua e as noites cheias de estrelas, apenas e sem nenhuma finalidade a mais, do que "enfeitar a noite do meu bem".

Isto é sábado. Dez horas da manhã. Chorinho na Praça. Para abrir o apetite.

Quem são estas pessoas que se dedicam ao ócio e que nos intervalos de suas músicas nos lançam a questão do por que trabalhar? Que compõem músicas para o Zeca Pagodinho cantar e que se divertem com ousadas apalpadas pelo corpo da mulher, mas em que o pudor não permite chegar até as partes tidas como as mais pudendas. Que povo é este que canta para o povo até após a meia noite na rua e depois ainda nos bares, para no dia seguinte, já cedo, cantarem novamente para o povo reunido e, esperando ansiosamente, na praça. Donde provem tanta vitalidade, que faz com que senhores com visível avanço em idade, terem a resistência de jovens e serem os últimos a abandonarem a noite alta e os primeiros a abraçarem a manhã, só para agradar os visitantes?
Isto é domingo. Onze horas da manhã. Solarata na rua de lazer. Quem canta é seu Olavo, que já ficou viúvo por três vezes e está a procura da quarta esposa. Dizer ter um dote extraordinário. Entendam... um bom contracheque.

Quem é este povo que está por toda parte, te mostrando as belezas da Serra da Beleza, o saudosismo das fazendas centenárias dos tempos áureos do café, ainda sob os chicotes da escravidão? Quem é este povo das tantas pousadas familiares, que aumentaram as suas casas e as dotaram de um maior conforto, para te receberem com tanta devoção e carinho? Quem são estas pessoas, que nos restaurantes e bares te esperam para trocarem o contar de histórias, das suas e das nossas, em meio a comidas tão saborosas que guardam com toda a certeza, tantos e tão antigos saberes, carinhosamente recebidos em herança?

Sim, posso assegura-vos. Este lugar existe. Já se chamou de santo Antônio do Rio Bonito, mas que ostenta o belo nome de Conservatória, lembrando um verdadeiro conservatório musical. Conservatória tem entre 4 e 5 mil habitantes, aos quais se somam mais mil, nos finais de semana para prestigiar as serestas feitas pela sua população nativa. Está distante da sede do município - Valença - 34 quilômetros e a 28 da Barra do Piraí, que é a melhor referência para os viajantes que chegam, normalmente pela rodovia presidente Dutra. Conservatória está 370 quilômetros distante de São Paulo e 142 do Rio de Janeiro.
A beleza do casario. É lei. Precisa ser como era nos tempos do Segundo Reinado. Muitas casas são hoje aconchegantes pousadas.

Se você quiser se inebriar de paixão e elevar o seu espírito a 500 metros acima do nível de suas preocupações cotidianas, vá a Conservatória. Lá a cena mais comum é ver alegria estampada no rosto das pessoas e num lugar muito próximo de você alguém estará cantando uma canção da mais pura e autêntica música popular brasileira. Ah, sim. Apesar de você estar no Rio de Janeiro, você não precisa ter nenhum receio com problemas de segurança. Amanhã eu conto o que se faz num final de semana em Conservatória. E... para terminar - como começamos;
Você já foi à Conservatória, nega?
Não!
Então vá...


  

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