terça-feira, 4 de agosto de 2015

Gomorra. Uma história real. Roberto Saviano.

Qual é a imagem que você faz da economia, da economia como um sistema completo e complexo? Roberto Saviano procura expor o DNA dessa economia, em seu livro Gomorra, que é apresentado como "a história real de um jornalista infiltrado na violenta máfia napolitana". A imagem que Saviano faz está assim descrita: "Foi assim  que imaginei o DNA da economia, suas operações comerciais, as subtrações e as somas dos comerciantes, os dividendos dos lucros: como essa enorme montanha. Uma cadeia montanhosa imensa que - como se tivesse explodido - se dispersou, sua maior parte no sul da Itália, nas primeiras quatro regiões com o mais alto número de crimes ambientais: Campânia, Sicília, Calábria e Puglia. As mesmas de quando se fala dos territórios com os maiores criminosos, com a maior taxa de desemprego e com a maior participação de candidatos nos concursos para voluntários do exército e das forças policiais"
Gomorra, a história real de um jornalista infiltrado na violenta máfia napolitana. A publicação italiana é de 2006.

O livro como consta na capa, numa espécie de subtítulo, trata da máfia de Nápoles e que está presente em todos os setores da economia e espalhada pelo mundo todo. O relato é de alguém que, como consta neste subtítulo, está infiltrado nessa máfia. A descrição parte de uma observação participante. Mário Vargas Llosa assim se referiu ao livro: "Gomorra é uma extraordinária reportagem sobre as máfias que agem em Nápoles e em toda a Campânia, a qual se lê com tanta fascinação quanto espanto e incredulidade".

Entrei em contato com o livro por causa da FLIP, a feira literária de Paraty. Saviano era o principal convidado para a edição deste ano de 2015. Não participou por motivos de segurança. Ele é jurado de morte e conforme o New York Times, Saviano é "uma espécie de Salman Rushdie italiano na luta infindável contra o crime organizado". O grande valor do livro, além de uma narrativa aprimorada é o seu caráter de denúncia.
Roberto Saviano, o jornalista napolitano, escrevendo sobre a máfia que atua em sua cidade.

O livro tem 349 páginas, divididas em duas partes, a primeira com cinco capítulos e a segunda, com seis. Os títulos da primeira parte são, o porto, que obviamente é o porto de Nápoles, Angelina Jolie, uma referência a um vestido usado pela famosa, numa apresentação do Oscar, confeccionado pela máfia, O sistema, uma descrição do funcionamento das máfias, Secondigliano, um dos mais famosos chefes mafiosos, possivelmente o S., a quem ele dedica o livro, acrescentando ao S. - "maldito seja" e Mulheres, sobre a sua participação nos esquemas.
O cinema inspira muitos comportamentos da máfia da Camorra.


Os capítulos da segunda parte são, Kalihsnikov, uma descrição da mais mortal das armas, o AK- 47 e o fascínio que ela desperta, Cimento armado, uma descrição de toda a região. Dom Peppino Diana, um religioso assassinado por causa de seus ensinamentos verdadeiramente cristãos e, assim, anti mafiosos, Hollywood, sobre as mansões dos chefes camorristas e as influências do cinema sobre os seus costumes, Aberdeen, Mondragone onde é relatada a extensão dos negócios da máfia na cidade escocesa e Terra dos Fogos, um impressionante capítulo sobre o destino do lixo, do qual a região é uma das depositárias.
Nem todos em Nápoles pertencem a Camorra. Eu e meu amigo Sérgio Marson, comendo uma pizza.

Rodrigo Fonseca, de O Globo foi extremamente generoso na apresentação do livro, na contracapa do mesmo. "Com uma prosa que lembra Euclides da Cunha em um detalhismo que abrange até o odor das ruas por onde a Camorra espalha seus negócios, Roberto Saviano se firma como um dos maiores nomes do romance investigativo contemporâneo". Eu imagino os italianos lendo o livro, com a riqueza de detalhes que o livro apresenta. Para nós, que não temos as mesmas informações cotidianas, estes mesmos, se tornam um tanto cansativos.

Há tempos estou impressionado com uma observação que consta do livro A grande transformação, de Carl Polanyi. Ele mostra que não vivemos mais apenas uma economia de mercado, mas uma sociedade de mercado, isto é, todos os valores que regem a sociedade são pautados pelos valores e princípios do mercado. Observem Saviano descrevendo o seu amigo chinês, Xian, e me digam se isso não é verdade: "Euro, dólar e iuane. Eis a minha tríade. Xian parecia sincero. Nenhuma outra ideologia, nenhuma espécie de símbolo e paixão pela hierarquia. Lucro, negócios, capital. Nada mais". Dinheiro, competição...
Mais uma bela vista de Nápoles, a terra de uma das máfias mais violentas.


E... uma observação final. Para quem pensa que a operação "Mãos Limpas", livrou a Itália dos crimes praticados pela máfia, tem no livro uma forte narrativa de sua continuidade. Assim podemos estabelecer um paralelo com a operação brasileira "Lava Jato", que muitos imaginam que possa erradicar a corrupção no Brasil. A corrupção é endêmica ao sistema que tem no dinheiro o seu valor supremo. E o sistema está contaminado por uma metástase que, no entanto, nunca entra em fase terminal. Uma espécie de fígado que se renova permanentemente.


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