quinta-feira, 5 de abril de 2018

Carta a um jovem professor - inconformado com o sindicato e meio desanimado.

Diante do maravilhamento provocado pela leitura deste livro Uma carta a um jovem professor, de Philippe Meirieu, quero compartilhar com vocês algumas reflexões do segundo capítulo. Por sinal, ele tem um título simplesmente fantástico - Nós ensinamos para que outros vivam a alegria de nossas próprias descobertas.  Meirieu passa por situações que não são estranhas a nenhum professor, especialmente, os do estado do Paraná, pela forma como foram tratados no governo do ignóbil Carlos Alberto Richa. Burocracia e bombas. Sofrimento físico e simbólico. Depressão e suicídios. Por outro lado, também se defronta com o seu sindicato, incapaz de grandes mobilizações e enfrentamento. Em meio a tudo isso, algumas palavras de alento.
O grande livro de Philippe Meirieu.

"... Mas, como explica Daniel Hameline (filósofo da educação francês) àqueles e aquelas que ainda sonham que a classe se torne uma verdadeira festa do saber, uma celebração coletiva consentida da inteligência das coisas, um grupo de descoberta alegre e espontâneo, 'a festa não é mais aqui'. Irremediavelmente, para a imensa maioria de nossos alunos, nunca mais haverá festa na escola... justamente porque, 'a festa é quando não tem aula'!

Eis-nos então de mãos vazias, vivendo na esperança de algo que hoje parece impossível, tendo escolhido um ofício com o intuito de realizar o que se revela impraticável. Eternamente insatisfeitos, e esperando em vão, ano após ano, ter diante de nós, finalmente a 'classe ideal', 'os alunos ideais', para poder reviver com eles a cena primitiva, que está na origem de nossa escolha profissional. É por isso, talvez, que, na educação francesa, a promoção consiste em uma aproximação, em função da antiguidade e classificação, desses públicos seletos - os 'grandes colégios', os cursos preparatórios para as grandes escolas - onde acreditamos que exista uma chance um pouco maior de encontrar aquilo a que aspiramos legitimamente. Mas só um pouco maior: pois, mesmo na universidade, a decepção não tarda! E no final da aula, acabamos quase sempre sozinhos, esperando em vão pela frase que justificaria, enfim, todos os nossos esforços: 'Ainda não, professor, é melhor continuar aquela nossa discussão...'

São coisas que a gente não diz quase nunca, mas que fazem parte da nossa sina comum: todos nós vivemos nesse descompasso, difícil de aceitar, entre nosso ideal e o nosso cotidiano. E sofremos com isso: de forma mais ou menos ostensiva, às vezes retornando o sofrimento contra nós mesmos - 'sou mesmo um incompetente e nunca deveria ter escolhido esse ofício!' -, às vezes transformando-o em agressividade contra a 'pseudodemocratização da escola' e 'a queda do nível provocada por políticas demagógicas'! Acreditem em mim: nenhum professor está livre dessas lamentações. E não se sinta culpado por ceder a elas eventualmente. É o reverso inevitável da medalha. O oposto da ambição luminosa que nos levou a escolher esse ofício...

Aliás, sou o primeiro a compreender - porque eu mesmo experimentei - esse sentimento de exasperação diante do que consideramos como perseguições administrativas irrisórias em relação ao nosso projeto de ensinar: 'professor Meirieu, o senhor não preencheu corretamente o diário da classe... O senhor está atrasado com seus boletins... O senhor esqueceu as últimas instruções ministeriais sobre a gramática? O senhor tratou de convocar os pais desse aluno? De encaminhar esse outro ao conselheiro de educação para a saúde e de procurar a assistente social para relatar o caso desse terceiro?'. Ou ainda: 'Professor Meirieu, o senhor não fez nada para a semana da imprensa na escola? O que o senhor está pensando em fazer para a semana contra o racismo? O senhor não está subestimando seu papel em matéria de educação para a saúde? O senhor parece estar esquecendo de nossas responsabilidades em matéria de prevenção de acidentes de trânsito. E o senhor tem certeza mesmo de que esse livro que está usando para ensinar seus alunos a ler faz parte do programa? A gente acaba explodindo! E se pergunta, nos momentos de cólera, se o objetivo daqueles que têm a incumbência de administrar nossa instituição não é, antes de tudo, o de nos impedir de ensinar!

Sem dúvida, os responsáveis pela máquina-escola não têm a medida exata desse fenômeno. Às vezes, a gente chega até mesmo a se perguntar se eles não sonham com uma instituição sem professor: uma espécie de self-service em que os alunos estariam a cargo, alternadamente, de computadores e interventores externos, com avaliação em tempo real das competências adquiridas e retribuição imediata em 'grupos provisórios e adaptados'. Os diretores de escola poderiam assim, a partir de um diagnóstico inicial dos alunos, se aproximar o máximo possível da eficácia imediata, identificar melhor os refratários e pôr em prática as medidas necessárias... sem ter de se incomodar com o estado de espírito dos professores que ainda sonham em passear de vez em quando à beira do Ilissos (Rio de águas cristalinas em Atenas).

Da minha parte, não tenho a menor simpatia por esse devaneio tecnocrático que lembra os cenários mais sombrios da ficção científica. Continuo sendo professor, acima de tudo, e, como você, só me sinto verdadeiramente feliz quando me aproximo um pouco de minha fonte interior, quando saio de uma aula com a sensação de que 'as coisas funcionaram'.

Sei muito bem que, ao confessar isso, assumo o duplo risco da ingenuidade e da provocação. Ingenuidade em relação aos espíritos fortes das ciências ditas humanas que podem enquadrar-me para sempre no campo dos ultrapassados: 'Olhem como o Meirieu se perde no inexprimível... Um pouco mais e ele nos levará a uma crise de misticismo!'. Provocação aos olhos dos defensores dos 'saberes disciplinares' que veem em mim um demolidor da cultura: 'Depois de todos os discursos que ele fez sobre o projeto de estabelecimento e a pedagogia diferenciada, como acreditar nessa mixórdia indecente?' E, no entanto, diante de um jovem professor, eu reafirmo com veemência: não se construirá uma 'escola onde todos obtenham êxito', como nos pedem os políticos, contra aquilo que move todo professor em seu projeto mais íntimo. Não se construirá, tampouco, sem os professores em seu conjunto. Impondo-lhes de fora uma série de obrigações desconectadas de suas preocupações fundamentais e que eles experimentam frequentemente como obstáculos à sua missão.

É por isso que defendo a ideia iconoclasta segundo a qual toda pessoa que assume responsabilidades administrativas ou pedagógicas deveria manter um contato regular com os alunos: que o diretor da escola continue lecionando algumas horas por semana em sua disciplina de origem, assim como o inspetor e mesmo o inspetor geral. Que os funcionários da administração central do ministério assim como os reitores e seus colaboradores continuem a assumir cargas de ensino escolar ou universitário.

Para que ninguém esqueça jamais de onde emana e onde se pode regenerar permanentemente o projeto de ensinar". Páginas 26- 27 e 28.
O livro de Meirieu faz uma referência a este extraordinário livro.

Tomo outras frases interessantes: "Na época, eu era um militante pedagógico e político nutrido de cristianismo social e de socialismo libertário". Página 31. "Ser exigente consigo e com os alunos". Página 55. "As mídias exaltam o infantil quando a escola tenta fazer a criança crescer". Página 61. "Todos os professores são 'instituidor' de humanidade". Página 67. "Você se tornará assim, ao mesmo tempo, um profissional da aprendizagem e um militante político - no sentido mais nobre do termo - engajado, no dia a dia, na construção de um mundo à altura  do homem. Como professor de Escola, você será construtor de humanidade". Página 80. Esta é a frase final do livro.

E, ainda, três princípios a serem buscados e que são analisados no capítulo final do livro: - A escola como instituição do encontro da alteridade; - a escola como instituição da busca da verdade e - a escola como instituição de uma sociedade democrática.

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