segunda-feira, 10 de junho de 2019

A greve de 1917 - Os trabalhadores entram em cena. José Luiz Del Roio.

Ao ler o livro de Jessé Souza, A classe média no espelho, deparo com a indicação do livro A greve de 1917 - Os trabalhadores entram em cena, de José Luiz del Roio. Sempre alimentei o desejo de ler algo de maior profundidade a respeito e por isso comprei o livro. Na introdução o autor compara este movimento com a Comuna de Paris, tal a sua importância. São Paulo praticamente parou nestes meses de junho e julho de 1917. Os livros oficiais de história do Brasil não são nada generosos em mostrar esta realidade ao povo brasileiro. Esta greve foi fruto do chamado sindicalismo revolucionário, influenciado por anarquistas e comunistas, estes inspirados pelo 1917 da Rússia.
Simplesmente um livro necessário.

O livro é um primor, chamando a atenção o belo português do autor, bem como a sua exposição, extremamente didática. Poderíamos qualificá-lo como um pequeno grande livro. Possui apenas 129 páginas, com bons espaços e direito a fotos da época relacionadas ao triste evento. O livro tem um prefácio, escrito por Gilberto Moringoni, em que conta a história, tanto do livro quanto a de seu autor, lembrando também o esforço em reconstituir a memória desta greve. Os acervos de 1917.

O livro divide-se em introdução, cinco capítulos, indicação bibliográfica e 17 páginas de fotografias. Os capítulos tem os seguintes títulos: 1. Onde tudo começou; 2. Eles, os trabalhadores; 3. Braços cruzados; 4. Vitória suada e 5. O legado da greve. A publicação é de 2017, ano do centenário, pela editora Alameda e pela Fundação Lauro Campos.

Na introdução o autor nos brinda com uma bela contextualização da época, mostrando o Brasil do final do século XIX e início do XX, com acento nas transformações ocorridas na formação econômica e social brasileira, pelos fatores internos e externos. Sobra espaço, ainda, para a apresentação do sindicalismo revolucionário, de raiz anarquista.

No primeiro capítulo, Onde tudo começou, o autor aprofunda o tema da introdução, mostrando a incompatibilidade entre o trabalho escravo e a sociedade capitalista, mostrando a abolição da escravidão (mas não a de sua obra, lembrando Joaquim Nabuco), e a substituição pela "mão de obra" imigrante. Isso também fazia parte do branqueamento da raça, uma vez que teorias higienistas conspiravam contra a presença maciça de negros. Os negros foram, praticamente, empurrados para fora da economia brasileira. Apresenta também a característica dos imigrantes, italianos e católicos, obedientes e submissos, de preferência. A lavoura cafeeira se expandia e a elite se inspirava na vida burguesa de Paris e de Londres.

O segundo capítulo, Eles, os trabalhadores mostra que a incipiente industrialização brasileira já necessitava de trabalhadores mais especializados. Estes, como inconveniente, trouxeram também as bases de sua formação na "luta de classes". Surgiram os primeiros bairros industriais/operários em São Paulo, como o Brás, a Mooca e o Belenzinho. O patronato continuava absolutamente escravista e, agora, com o adendo de colonizados. São Paulo contava em 1890 com 65.000 habitantes, número que saltou para 500.000 em 1917. Surgem as primeiras associações das "classes laboriosas". Mostra a forte presença dos anarquistas, inclusive, os seus princípios educacionais das doutrinas de Francisco Ferrer. Mostra também a entrada do mundo na I Guerra Mundial, a revolução de 1917 na Rússia e a presença, no Brasil, do anarco sindicalismo.

No terceiro capítulo, Braços cruzados, o autor entra em cheio no tema do livro. Conta, em rápidos traços, a história da família Crespi, o seu envolvimento com o fascismo italiano e os seus métodos de trabalho aterrorizante em São Paulo. A sua fábrica de tecidos tinha mais de dois mil funcionários e  o trabalho era ininterrupto. A jornada de trabalho atingia 12 horas diárias para todos, homens, mulheres e crianças, acompanhadas de um forte esquema de vigilância e punições. Foi nesta fábrica, que em junho, a greve teve início. A narrativa da sua expansão, das passeatas, das mortes é de extraordinário vigor e constituem as páginas mais significativas do livro. O nome das lideranças ganha certo destaque, em especial o alemão Edgar Leunroth, além de Theodoro Monicelli, Gigi Damiani, Francesco Cianci, Antônio Candeias Duarte e  Rodolfo Felippe. Embora ele não cite nenhuma mulher, elas foram decisivas. A indústria têxtil sempre empregou muitas mulheres. Em julho São Paulo, literalmente parou. Surgem as mediações, sendo os Street a favor da mediação e os Crespi contra. Obviamente que os Street foram chamados de comunistas, apesar, também, de toda a sua dureza para com os trabalhadores. Elabora-se uma pauta mínima e forma-se um Comitê de Imprensa para a mediação.

No quarto capítulo, Vitória suada, mostra os trabalhadores em festa cantando "a oração leiga dos revolucionários de todo o planeta", a Internacional. Depois da pacificação vem a vindita patronal. Mortes, demissões e deportações. Todos os mecanismos de controle são reforçados em todo O Brasil. Pouco depois o anátema que se dirigia contra os anarquistas ganha o endereço dos comunistas. Em 1924 foi criado o DOPS.

No quinto capítulo, O legado da greve, são mostrados os limites do sindicalismo revolucionário e a crítica à sua recusa de participação política, além da não preocupação com a formação de um projeto para a nação brasileira. Mostra ainda a formação de um sindicalismo mais burocrático, com sedes e organização por categorias de trabalho, a partir da fundação do PCB, em 1922, na cidade de Niterói, sob a liderança de Astrogildo Pereira. Para combater a carestia são criadas as feiras populares livres.

As indicações bibliográficas são valiosas e as 17 páginas de fotografias se constituem numa rara preciosidade. Eu, numa fala de Paulo Freire, ouvi dele mais ou menos o seguinte: Conheço todas as elites do mundo. De longe, a elite brasileira é a mais perversa. Com a leitura, agora entendo melhor a afirmação de Paulo Freire. Ela não contém nenhum tipo de exagero. A elite é escravocrata e colonizada. Leitura necessária, inclusive, para entender o atual momento brasileiro, às vésperas de uma greve geral contra a destruição da previdência e da seguridade social.


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