sexta-feira, 22 de maio de 2020

Os engenheiros do caos. Giuliano Da Empoli.

Em primeiro lugar quero indicar a fonte para essa leitura. Foi uma indicação de João Pedro Stédile, que dispensa apresentações. Em segundo lugar, apresentar, além do título, o subtítulo do livro. Os engenheiros do caos - como os fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. O livro, como o título indica, nos apresenta os engenheiros do caos e "o resultado é uma galeria de personagens variados, quase todos desconhecidos do público em geral, mas que vêm mudando as regras do jogo político e a face de nossas sociedades", como lemos na contracapa".
A edição original é de 2019 e a brasileira, pela Vestígio, é de 2020.

Quem são eles e como agem? Eles são apresentados na introdução do livro e os seus "feitos" são narrados ao longo dos capítulos. "Este livro é a história deles", lemos na introdução, onde também temos um breve relato biográfico. É a história de: Gianroberto Casaleggio, do Movimento 5 Estrelas (M5E). De Dominic Cummings, diretor da campanha do Brexit. De Steve Bannon, o fundador da Internacional Populista que conduziu Trump à vitória nos Estados Unidos em 2016. De Milo Yannopoulus, que se associará a Steve Bannon. É a história de Arthur Finkelstein, o conselheiro do ministro húngaro Vicktor Orban, o porta-voz da Europa reacionária e ressentida.

Ainda na introdução lemos: "Para os novos Doutores Fantásticos da política (ou engenheiros do caos), o jogo não consiste mais em unir as pessoas em torno de um denominador comum, mas, ao contrário, em inflamar as paixões do maior número possível de grupelhos para, em seguida, adicioná-los, mesmo à revelia. Para conquistar uma maioria, eles não vão convergir para o centro, e sim unir-se aos extremos", e prossegue nesse teor:

"Cultivando a cólera de cada um sem se preocupar com a coerência do coletivo, o algoritmo dos engenheiros do caos dilui as antigas barreiras ideológica e rearticula o conflito político tendo como base uma simples oposição entre "o povo" e "as elites". No caso do Brexit, assim como nos casos de Trump e da Itália, o sucesso dos nacional-populistas se mede pela capacidade de fazer explodir a cisão esquerda/direita para captar os votos de todos os revoltados e furiosos e não apenas dos fascistas". Se Bolsonaro não está na introdução, ele aparecerá ao longo do livro, também como um dos eleitos pelos "engenheiros do caos".

Além dessa preciosa e necessária introdução o livro tem seis capítulos e uma conclusão. Primeiramente apresento os títulos: 1. O Vale do Silício do populismo; 2. A Netflix da política; 3. Waldo conquista o planeta; 4. Troll, o chefe; 5. Um estranho casal em Budapeste; 6. Os "físicos" e os dados. Mais a conclusão: A era da política quântica. Sobra espaço ainda para as notas bibliográficas. O autor, Giuliano Da Empoli, nos é apresentado na orelha da contracapa, "dirige o grupo de pesquisa "Volta", com sede em Milão. Ex aluno da escola Sciences Po, Paris, foi secretário de Cultura da cidade de Florença e conselheiro político de Matteo Renzi (ex-primeiro-ministro italiano). Vive em Paris. Vamos aos capítulos.

1. O Vale do Silício do populismo: Esse vale não fica nos Estados Unidos. Fica na terra dos netos de Maquiavel. Após apresentar os efeitos devastadores da nova maneira de fazer política, o autor entra de forma explícita no tema proposto. É na Itália que se organiza a Internacional Populista. É para Roma que Steve Bannon fazia viagens mensais para se encontrar com Casaleggio e Grillo. Procuram agregar o ódio de todos os raivosos do mundo. Isso só poderia ocorrer na Itália, berço do fascismo e do maior Partido Comunista do Ocidente, portanto, um permanente laboratório. Fala rapidamente da operação "Mãos Limpas", onde juízes, que, antes de mais nada, aplaudiam a si mesmos, destruíram a política tradicional e abriram o caminho para Berlusconi. A Internacional é fundada em 2018, com o Movimento 5 Estrelas (M5E). Os algoritmos substituem a ideologia nos tempos "pós-ideologia". Esse movimento se expandiu e chegou ao Brasil. Na posse de Bolsonaro estiveram presentes Netaniahu e Orban, os dois maiores representantes do movimento na Europa. São contra o mundo das instituições, contra a imigração, o livre comércio internacional, minorias e os direitos civis.

2. A Netflix da política. O tema ainda foca o M5E da Itália. A partir do blog de Casaleggio o movimento se organiza e atua como uma espécie de Partido, impulsionado pelos algoritmos. O que repercute é multiplicado ao infinito. Temas de pouca repercussão ganham toda a evidência desejada. O Partido funciona como uma grande cadeia de lojas, hoje sob o comando de Davide Casaleggio, filho do fundador. O título do capítulo é uma referência a uma frase em que Casaleggio compara os partidos tradicionais com os blokbusters e o M5E e a difusão de suas teses pelos algoritmos, como a Netflix. Entre as teses estão o desmantelamento das instituições, dos políticos tradicionais e o desfazer de reputações. Elegeram 25% dos parlamentares, na primeira eleição de que participaram. Exigem fidelidade absoluta e não se coligam.

3. Waldo conquista o planeta. Waldo é um urso digital, movido por Jamie, especializado em ridicularizar pessoas, especialmente os políticos. Fez enorme sucesso. Waldo torna-se o porta-voz de todos os desalentados. Conta as tramas do Brexit, os artifícios eleitorais utilizados. Para mim, de longe o mais importante dos capítulos. Fala da arquitetura psicológica do Facebook e do Instagram, pela voz de seus fundadores. A simples curtida é um afago no ego, que preenche múltiplas carências. Por eles foi catalizada a raiva e você, de indivíduo, passa a ser legião. Eles promovem um casamento entre a cólera e os algoritmos. Eles permitem o direcionamento dos afetos e sentimentos. Está aí a sua face mais perversa.

4. Troll, o chefe. É outro capítulo precioso que mergulha fundo na cultura americana, a partir das análises de Philipp Roth (Pastoral americana) e das influências da Escola de Frankfurt sobre esta cultura, conferindo-lhe uma visão negativa. Mas antes vamos buscar na Wikipedia a definição da palavra Troll: "pessoa cujo comportamento tende sistematicamente a desestabilizar uma discussão e provocar e enfurecer as pessoas nelas envolvidas". O capítulo mostra a impossível eleição de Trump à presidência dos Estados Unidos, sob a influência dos engenheiros do caos. Steve Bannon que já estava associado a Bretbart ganha a soma de mais um dos engenheiros, Yannopoulos. Este é qualificado pelo autor como um niilista imoral e que  confere um novo sentido à 'liberdade de imprensa" e à "livre expressão", com o poder de falar o que se quer. Sob sua influencia, em primeiro lugar são destruídos os "inimigos" internos do partido. Depois serão mirados os democratas Bill e Hillary Clinton e o presidente Obama, o "não nascido" nos Estados Unidos. Troll e Hastag  agora são palavras incorporadas à política. E o "impossível" é que tornou possível a eleição de Trump, segundo o New York Times. Uma campanha contra o instituído, que somou todos os ódios do país, inclusive, o racismo que parecia sepultado com a eleição de Obama.

5. Um estranho casal em Budapeste. O casal é o ministro Orban e o "engenheiro" Finkelstein. A Hungria é um país propício ao florescimento do ódio. Ao final da Primeira Guerra perdeu território e população para os vizinhos Romênia, Checoslováquia e Iugoslávia.  Muito ressentimento, hoje canalizado contra Bruxelas e contra a imigração. Está no poder desde 2010. São especialistas em criar problemas inexistentes.

6. Os físicos e os dados. A essência do capítulo está numa entrevista com o físico Antonio Eredidato. É sobre a aplicação da física à política. É o mecanismo dos algoritmos. Essa forma de fazer política permite reativar todos os ódios latentes nas pessoas, que permite que pessoas intolerantes determinem a história com a liberação das pulsões mais primitivas e das perversidades mais secretas. Permite a eleição de pessoas como Salvini, Trump, Orban e Bolsonaro. E, ao final do capítulo, uma advertência para as novas gerações: "As novas gerações que observam hoje a política estão recebendo uma educação cívica feita de comportamentos e palavras de ordem que irão condicionar suas atitudes futuras. Uma vez os tabus quebrados, não é mais possível colar de novo: quando os líderes atuais saírem de moda, é pouco provável que os eleitores, acostumados às drogas fortes do nacional-populismo, peçam de novo a camomila dos partidos tradicionais. Sua demanda será por algo novo e talvez ainda mais forte".

Da conclusão, retiro apenas uma frase de Woody Allen: "Os maus sem dúvida compreenderam algo que os bons ignoram".  E para concluir, que tal a indicação do João Pedro Stédile? Me somo a ele para indicar, também para você, essa chocante leitura.

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