Mais um dos livros que ficou à espera de leitura por um bom tempo. Quase quinze anos. Comprei-o no ano de 2011, em promoção. O tema e a confiabilidade na editora certamente moveram a compra. Trata-se de Morte de um dissidente. O envenenamento de Alexander Litvineko (Sacha) e a volta da KGB. Os autores são Alex Goldfaber e Marina Litvinenko, sendo essa a esposa do morto, num dos muitos assassinatos atribuídos a Putin, ao seu grupo instalado no Kremlin. O crime aconteceu em Londres, em fevereiro de 2007.
Este assassinato por envenenamento serve de pretexto para examinar a política da Rússia, após o esfacelamento da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Assim os temas centrais são a ascensão de Boris Iéltsin ao poder e as reformas de Estado por ele praticadas, a atuação das antigas instituições do Estado, especialmente as ligadas as investigações, como a KGB, agora respondendo sob a sigla de FSB e especialmente a sucessão de Iétsin, com a passagem do poder a Vladimir Putin, um antigo membro da KGB, a tão temida KGB, e, como nos sugere o subtítulo do livro, a sua volta aos círculos do poder. Os fatos relatados vão até fevereiro de 2007. 2007 é também o ano da publicação do livro, um lançamento certamente mundial, uma vez que a edição brasileira também é desta data.
Uma frase fantástica sintetiza bem o que foi esta passagem de poder. Ela foi retirada de uma reportagem da revista Time, que "comparou o confronto entre Putin e Boris Berezovski ao de Stalin com Trótski". O título do livro nos dá a posição do mote da dissidência. Litvichenko (mais tratado pelo apelido - Sacha) também foi um integrante da antiga KGB, mas adversária de Putin. Alex Goldarb, o autor, também pertencia ao grupo dissidente, uma vez que estava umbilicalmente ligado a Berezovski. Mas o tema que mais espaço ocupa no livro é o dos conflitos da guerra com a Tchetchênia, tão comentada na época e ao mesmo tempo, muito pouco conhecida. Ela merece um olhar mais particular. Ela é também a grande marca dos personagens deste livro. Vejamos:
"De uma forma ou de outra, a guerra na Tchetchênia tornou-se o contexto definidor da vida de Sacha e Marina, de Boris e Putin, de Akhmed Zakaiev, minha, e de todos que faziam parte dos nossos círculos coletivos. A Tchetchênia foi o cemitério da democracia russa e o motivo final que levou a Rússia a se afastar do Ocidente. O confronto de Boris com o Partido da Guerra e seus conflitos com o FSB, que arrastaram Sacha para o torvelinho das lutas pelo poder no Kremlin, começaram com a Tchetchênia. Para Putin, a Tchetchênia passou a ser uma interminável disputa de judô e a liga que cimentou sua destrutiva relação de dependência com George Bush" (Página 361). Para compreender bem esta situação, vejamos mais alguma coisa.
A Tchetchênia hoje integra a Federação Russa, mas mantém um forte sentimento de autonomia. Os conflitos tem sua origem na desintegração do Império Soviético. Houve duas guerras. A primeira, entre 1994 e 1996 e a segunda, na verdade, uma continuação da primeira, entre 1999 e 2009. Ela tem apenas 1,5 milhão de pessoas, sendo que a maioria pratica o credo muçulmano. São uma província autônoma, com Constituição e idioma próprios. Se situa na região do Cáucaso e a sua importância é enorme, devido aos dutos de petróleo e gás, que ligam o Mar Cáspio ao Mar Negro, donde atingem os mercados globais. A região, ainda hoje não está inteiramente pacificada. Persistem os movimentos de guerrilha. A atuação da FSB, mais contribuiu para agravar os problemas do que para pacificar a região. É, "o cemitério da democracia".
O livro está dividido em cinco partes e quinze capítulos. As partes são: I. Como se faz um dissidente (Sacha); II. Briga pelo Kremlin (A sucessão de Ieltsin entre Boris Berezovski e Putin e o posicionamento do Ocidente); III. Os tambores da guerra (Tchetchênia); IV. Como se faz um presidente (À moda russa). Putim emerge dos quadros da KGB; V. A volta da KGB (As transformações de Putin no Poder). Alex Goldfarb, o co-autor, em nota do autor, nos adverte: "Esta é uma história sobre a vida e a morte de um homem, mas é também uma narrativa de eventos históricos e de realizações e iniquidades de líderes mundiais". Destaca que são testemunhos seus, baseados em fatos e que "A verdade final pode ser revelada pela História".
O livro cresce em suspense ao seu final, com a narrativa do envenenamento de Sacha, em Londres. Venenos radioativos que provocam morte lenta. O último capítulo é sobre as investigações. O autor implica este assassinato às forças do Estado, por implicações óbvias. A sofisticação e o acesso ao veneno, apenas seria possível às forças do Estado. O Estado terrorista é uma das marcas do livro. Os atos maldosos e de terror, são sempre praticados pelo FSB, mas sempre recaem, ou são atribuídos aos opositores. Leitura atraente e que flui espontaneamente.
Vejamos a contracapa: "Em 2006, o dissidente russo Alexander Litvinenko (Sacha) foi envenenado e, diante das câmeras do mundo todo, anunciou que o responsável era ninguém menos que o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Morte de um dissidente é a história desse crime, típico dos tempos da KGB, e também um retrato detalhado da Rússia atual, de sua nova dinâmica política e da subida de Putin ao poder.
Quem narra o caso é o ativista (e também dissidente) Alex Goldfarb, que ajudou Litvinenko a fugir da Rússia e cujas relações com o magnata Boris Berezovski - um dos protagonistas desta intrincada trama de espionagem - resultam num ponto de vista único dos acontecimentos, com a colaboração de Marina Litvinenko, viúva do espião, o que Goldfarb oferece neste verdadeiro Thriller político é uma visão privilegiada dos motivos que levaram a esse crime".
Mas, o que Litvinenko anunciou em seu leito de morte? Ele ditou o seguinte:"... Por isso, acho que chegou a hora de dizer uma ou duas coisas ao responsável por esta minha doença.
Talvez o senhor consiga me silenciar, mas esse silêncio tem um preço. O senhor mostrou que é tão bárbaro e implacável quanto afirmam os seus críticos mais ferozes. Mostrou que não tem respeito pela vida, nem pela liberdade, nem por nenhum valor civilizado. Mostrou-se indigno do seu cargo, indigno da confiança de homens e mulheres civilizados.
Talvez o senhor consiga silenciar um homem. Mas um urro de protesto, no mundo todo, há de reverberar em seus ouvidos, sr. Putin, pelo resto de sua vida.
Que Deus perdoe o que o senhor fez, não só a mim, como também à amada Rússia e ao seu povo" (Páginas 413-4).
Putin reagiu falando da insignificância do assassinado. E o povo russo se dividiu sobre Litvinenko, entre o herói dissidente ou o traidor da pátria russa. Essa última versão é a que predominou.
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