quinta-feira, 25 de abril de 2024

Solo de clarineta vol. I. Érico Veríssimo. Memórias.

Ao terminar a releitura de O tempo e o vento, decidi também reler Solo de clarineta, o livro de memórias de Érico Veríssimo. O objetivo era o de ter um contato maior com o escritor para ter uma melhor compreensão de sua obra. Ao término do primeiro volume já me confesso por satisfeito. Veríssimo é também um grande memorialista.

Como nos livros da trilogia de O tempo e o vento, também na contracapa de Solo de clarineta existe uma pequena mas ilustrativa síntese da obra. Vamos a ela: "Livro de memórias peculiar, Solo de clarineta entrelaça a vida do escritor e sua obra. Nele, Érico Veríssimo reflete sobre as raízes de sua criação literária, confrontando-a com sua própria vida.

Solo de clarineta vol. I. Memória. Companhia das Letras.

Neste primeiro volume, que é também um testemunho sobre a história brasileira e mundial na primeira metade do século XX, Érico rememora sua vida desde a infância até a criação da saga O tempo e o vento. O leitor acompanha as lembranças do processo de formação de vários de seus personagens inesquecíveis e se familiariza com o dia-a-dia desse grande contador de histórias: editor, criador de coleções editoriais decisivas na formação intelectual brasileira, tradutor, autor de livros infantis e juvenis, radialista, diretor do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana e incansável paladino da liberdade". Lembrando que Érico Veríssimo nasceu em Cruz Alta no ano de 1905 e morreu em Porto Alegre em 1975.

O primeiro volume de Solo de clarineta é do ano de 1973. Tem apresentação de José Otávio Bertaso, da Editora Globo e seu ex patrão e Prefácio de Hildeberto Barbosa Filho, mestre e doutor em Literatura Brasileira. A apresentação de Bertaso é muito interessante e fala da recepção da obra do escritor junto ao clero, este representado por um padre jesuíta.

Este primeiro volume tem seis títulos: l. Álbum de família; 2. A primeira farmácia; 3. A ameixeira-do-Japão (nêspera); 4. A segunda farmácia; 5. Em busca da casa e do pai perdidos; O mausoléu de mármore. Ao final são apresentadas cronologias cruzadas e uma pequena biografia do escritor. As memórias são apresentadas de forma mais ao menos linear, do nascimento até os anos de 1950. O resto fica para o segundo volume.

No tópico de número 1, a família Veríssimo é apresentada: os avós paternos e maternos, o pai e a mãe e os seus desentendimentos. muitas páginas são preenchidas com o traçado de um perfil de seu pai, Sebastião Veríssimo. Um dado a destacar - ele possuía em sua casa - uma biblioteca com mais de dois mil exemplares. Isso na provinciana Cruz Alta daqueles tempos. A maioria dos personagens de O tempo e o vento procedem desse período. São personagens muito próximos à família.

A primeira farmácia, o tópico de numero 2, é a farmácia de Sebastião Veríssimo, que só teve fôlego financeiro enquanto o pai de Sebastião, o Dr. Franklin, lhe cobria as duplicatas vencidas. Depois da ruína financeira veio também a ruína do casamento. Abegahi, com a sua máquina Singer, entra em cena. A farmácia tinha uma estrutura meio hospitalar. Era um grande ponto de encontro, dos "intelectuais" de Santa Fé, digo, de Cruz Alta. Outros tantos personagens tem ali a sua construção. Neste tópico encontramos uma das mais belas passagens da obra de Veríssimo, quando ele põe diante de si a função de escritor: "Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender uma lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto" (página 65).

A ameixeira-do-Japão, título do terceiro tópico, é um retorno seu à sua mais remota infância. A ameixeira-do-Japão é um pé de nêspera que existia no terreno onde se situava a farmácia de seu pai. Lembranças e a construção do imaginário. Nesse tempo adquiriu os princípios básicos de sua formação, como o valor do trabalho e o equilíbrio financeiro entre ganhos e gastos. Vizinhança e os primeiros namorinhos são lembrados, além das questões do despertar da sexualidade. Lembra de suas leituras e do cinema, dos filmes que lhe deram a visão sobre o homem americano, branco, anglo saxão e protestante. A infância ainda o remete à Primeira Guerra Mundial, à sua ida a Porto Alegre e o internato no Colégio Cruzeiro do Sul e uma reprovação em matemática. Enquanto estava em Porto Alegre, em casa as coisas só pioravam; falência da farmácia e a derrota de seu pai para a bebida. Isso fez com que ele tivesse que voltar para Cruz Alta. No internato teve a sua formação literária bem iniciada. Era a sua área de interesse.

A segunda farmácia, título do tópico número 4, ela já é de sua propriedade. Teria que fazer alguma coisa para ajudar a mãe nas despesas do sustento da família. Tinha a farmácia em sociedade. O fiado levou também esta à ruína. Além da rotina da farmácia, dava aulas de literatura e de inglês e terá os seus primeiros artigos publicados. 1930 leva seu pai para São Paulo e ele para Porto Alegre, mesmo sem um destino. Arrumara também uma namorada, Mafalda Volpe, com quem se casaria em breve.

No quinto tópico, em busca da casa e do pai perdidos, o encontramos em Porto Alegre, onde irá trabalhar na revista O Globo. Problemas de saúde o impedem de ser um bom freguês do bar Antonello e sua rodinha de intelectuais. Na editora Globo encontra, em um de seus donos, Henrique Bertaso, uma amizade de vida inteira. Vem o casamento e os filhos e o primeiro livro Fantoches. Passará a trabalhar apenas no departamento editorial da editora e os livros seguem já em série. Olhai os lírios do campo, o tornará um escritor já meio consagrado. Lembra da Segunda Guerra Mundial e os seus reflexos em seu ânimo, estes expressos no livro Saga.  Depois da guerra empreenderá a sua primeira viagem aos Estados Unidos, para onde voltará mais tarde num cargo diplomático na União Panamericana. O ano de 1956 o trará de volta ao Brasil. Um bom espaço das memórias é dedicado à concepção e gênese de O tempo e o vento. A ideia é antiga, de 1935, ano do centenário da Revolução Farroupilha. A escrita começa em 1947. Os personagens são construídos ao longo desse tempo e eles ganham a sua primeira descrição.

O mausoléu de mármore, título do sexto tópico, é uma referência ao local de seu trabalho por cerca de três anos na sede da União Panamericna, em Washington. A palavra mausoléu, certamente é um indicativo de seu ânimo para com o trabalho burocrático, à frente do departamento de cultura dessa entidade. Fala do seu cotidiano de trabalho, de suas viagens e de seus discursos. Conclui afirmando, em mais uma demonstração de pouca afeição ao trabalho burocrático, que "Lázaro saiu do mausoléu". Neste tempo já iniciara a escrita de O arquipélago, a terceira e última parte de O tempo e o vento. O resto vem no volume de número 2.

Deixo ainda um post com a resenha de cada um dos sete volumes da trilogia:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/04/os-sete-volumes-de-o-tempo-e-o-vento.html


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