quinta-feira, 9 de outubro de 2025

AS REFORMAS DE BASE. As razões da queda de João Goulart.

Acabo de ler o fantástico livro A oligarquia brasileira - Visão histórica, de Fábio Konder Comparato. Na contracapa do livro aparece uma frase, que representa uma espécie de síntese do livro e define quem compôs, ao longo de nossa história, esta oligarquia. "Não se trata, porém, daquela oligarquia tradicional, em que o poder supremo pertence exclusivamente à minoria de abastados, mas sim de uma coligação oligárquica, típica do capitalismo, na qual a classe rica permanece sempre unida aos principais agentes do Estado, ficando o povo à margem de todas as decisões".

A oligarquia brasileira. Visão histórica. Fábio Konder Comparato. Contracorrente. 2018.

Portanto, ao longo de toda a história do nosso Brasil, proprietários e agentes do Estado (governantes, instituição jurídica, Igreja (padroado), militares), sempre estiveram unidos na salvaguarda de seus interesses privados, em detrimento do bem coletivo. Nas raras vezes em que se rompeu esta aliança, as reações sempre foram rápidas, através dos golpes. As aspirações populares sempre foram sufocadas, especialmente pela força das armas.

A partir de 1930 ocorreram no Brasil mudanças bastante significativas, mesmo sem afetar esta permanente aliança. Por isso mesmo este período é de  grande instabilidade política. O período contém uma ditadura, a de Vargas sob o Estado Novo, e vai culminar em 1964 com o golpe empresarial-militar de interminável tempo de 21 anos (1964-1985), passando pelo suicídio de Vargas e pela instituição do regime parlamentar contra a posse de João Goulart, sob o regime presidencialista, em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.

A finalidade deste post não é a de apresentar as causas, ou uma análise conjuntural que levaram ao golpe de 1964, mas sim, o de apresentar a intervenção das forças da aliança da oligarquia brasileira, exatamente para salvaguardar os seus interesses. Estes estavam ameaçados, quando um plebiscito popular restaurou o regime presidencialista, e Jango, agora governaria com os poderes de presidente restituídos. Antes de apresentar o texto de Fábio Konder Comparato, deixo um post sobre as reformas de base do presidente João Goulart. 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2017/01/jango-conversa-com-joao-vicente-12-1.html

Agora vamos ao texto. "Entrementes, no curso de 1962, o Governo João Goulart divulgou o Plano Trienal, elaborado pelo economista Celso Furtado para combater a inflação e promover o desenvolvimento econômico. O plano incluía as chamadas reformas de base, a saber:

- Reforma agrária, incluindo a desapropriação das áreas rurais inexploradas ou exploradas contrariamente ao princípio da função social da propriedade, notadamente aquelas situadas às margens dos grandes eixos rodoviários e ferroviários, recebendo os proprietários expropriados, a título de indenização, títulos da dívida pública;

- Reforma educacional, visando a valorização do ensino público em todos os níveis e do combate ao analfabetismo, com aplicação do método idealizado por Paulo Freire;

- Reforma fiscal, com fundamento no princípio da tributação proporcional ao valor da base de cálculo; além da limitação da remessa de lucros ao exterior;

- Reforma eleitoral, mediante extensão do direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente;

- Reforma política, compreendendo a legalização do Partido Comunista Brasileiro;

- Reforma urbana, 'visando à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitação condigna a todas as famílias';

- Reforma bancária, mediante ampliação do acesso ao crédito em favor dos produtores de bens;

- Nacionalização dos setores industriais de energia elétrica e químico-farmacêutico, bem como do refino de petróleo".

Cito um momento anterior. A abolição do regime monárquico após a abolição do regime da escravidão. Um golpe militar que derrubou a monarquia, em atendimento à elite cafeeira. Uma República nada pública. 

Cito também o momento presente. Há quanto tempo está tramitando na Câmara dos Deputados a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais. Em compensação, os super ricos, que integram a aliança oligárquica, devem arcar com a compensação da perda dessa arrecadação. Protelações e chantagens, é o que estamos vendo. E até hoje (29.09.2025), o projeto não foi votado.

Deixo também a resenha de um outro livro, que envolve o tema dos golpes contra a democracia. Trata-se de Utopia autoritária brasileira - Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje, de Carlos Fico.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/09/utopia-autoritaria-brasileira-carlos.html

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A OLIGARQUIA BRASILEIRA. Visão histórica. Fábio Konder Comparato.

Com toda certeza, este livro eu comprei por causa de seu autor. Fábio Konder Comparato é um dos meus santos. Um santo leigo, por óbvio. Também por óbvio, que o tema é de interesse fundamental, o tema da oligarquia, sempre tão presente em nossa história. Estou falando de A oligarquia brasileira - Visão histórica, de Fábio Konder Comparato. A idolatria ao meu santo leigo tem origem em outro livro seu.  Ética - Direito, moral e religião no mundo moderno.

A oligarquia brasileira - Visão histórica. Fábio Konder Comparato. Contracorrente. 2018.

Na brevíssima introdução ao livro lemos que, - para conhecer a nós mesmos,  bem como a sociedade em que vivemos, - precisamos conhecer as forças sociais dominantes que nos moldaram. Este é o teor do livro. Estudar as forças sociais dominantes, sempre presentes na formação da sociedade brasileira. Desde já podemos afirmar que elas sempre foram o entrelaçamento dos interesses dos grandes proprietários e os agentes do Estado. Isto nos é apresentado ao longo de 236 páginas, divididas em: Introdução, cinco capítulos e conclusão. Da conclusão eu tomo uma ideia mais precisa do livro:

"O objetivo do presente livro é (ou foi) demonstrar que este princípio fundamental da convivência humana (A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 - 'Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos') foi muito pouco respeitado na sociedade brasileira. Desde os primórdios da colonização portuguesa até hoje, nossos aborígenes têm sido tratados como seres inferiores, podendo ser escravizados, mortos e desalojados impunemente. Durante os três séculos e meio em que vigorou legalmente a escravidão no Brasil, os africanos para aqui trazidos foram considerados oficialmente como coisas e não como pessoas: não tendo, portanto, direito algum e sendo objeto de propriedade e posse. Embora abolida oficialmente em 1888, e em seguida definida como um crime, a escravidão continua a ser praticada ocultamente ainda hoje.

Da mesma sorte, a instituição não oficial dos latifúndios agrícolas como senhorios, atribuindo-se aos respectivos senhores poderes absolutos sobre todos os que neles viviam, inclusive os membros da família senhorial, perdurou no grande sertão até o século XX.

Tais práticas acabaram por consolidar na mentalidade coletiva a convicção, que continuamos a manter oculta, de que no Brasil nunca existiu uma sociedade una, mas a divisão permanente entre uma minoria que manda e tudo decide, e uma imensa maioria dos que 'nasceram para mandados e não para mandar', segundo a expressão camoniana.

Eis a razão pela qual o regime oligárquico sempre existiu entre nós como um fato natural, embora nunca reconhecido oficialmente. Não se trata, porém, daquela oligarquia tradicional em que o poder supremo pertence exclusivamente à minoria de abastados, mas sim de uma coligação oligárquica, típica do capitalismo, na qual a classe rica permanece sempre unida aos principais agentes do Estado, ficando o povo à margem de todas as decisões" (Páginas 227-228). Vamos agora aos capítulos:

Capítulo I. Os fatores estruturantes da sociedade brasileira. Uma verdadeira aula de introdução à teoria política: Relações de poder, a classificação histórica dos regime políticos a partir dos gregos, as relações de poder na sociedade brasileira expressos na mentalidade e nos costumes sociais. Essa mentalidade e os costumes sociais são apresentados em suas características: O privatismo, o personalismo, o predomínio dos sentimentos sobre as convicções racionais, a dissimulação de caráter e a duplicidade das instituições e o multissecular costume da corrupção no nível oligárquico.

Capítulo II. A herança lusitana. Outra impressionante aula sobre a análise dessa herança, com um fantástico poder de síntese. Eis as heranças: A. Concentração dos poderes de comando, com a ruptura das tradições feudo-vassálicas. O soberano absoluto. B. Precoce ascensão social da burguesia e acentuado espírito mercantil da aristocracia, do clero e do próprio monarca. Com as navegações, a rápida ascensão dos comerciantes. Em vez de nobres, clientes do Estado. C. Estreita aliança da monarquia com a igreja católica nos empreendimentos coloniais. A instituição do padroado e a legitimação da escravização. D. Cultura da personalidade e tibieza das formas de organização social. A absoluta prevalência dos interesses pessoais sobre os coletivos. E. Permanente supremacia do interesse privado sobre o bem público. A privatização do poder, especialmente, as instituições jurídicas. Estes dados são fundamentais para a explicitação dos capítulos seguintes. Eles formam a mentalidade dominante, impregnados nos costumes.

Capítulo III. A oligarquia colonial. A formação do poder oligárquico com o entrelaçamento entre os proprietários (capitanias e sesmarias) e os administradores do Estado. Esse entrelaçamento não mais será desfeito. O tráfico e o trabalho escravo. Caracterização dos agentes do Estado e do clero. A corporação militar.

Capítulo IV. O poder oligárquico no período imperial. A preservação da oligarquia colonial. 1824 e a Constituição liberal da Casa Grande. A formação da Guarda Nacional. A aliança entre fazendeiros e o imperador. Mauá e a contenção do desejo de industrialização. As medidas protelatórias da abolição do tráfico e da escravidão. A abolição e o fim do regime monárquico.

Capítulo V. A oligarquia republicana. O mais longo dos capítulos. Ele tem as seguintes subdivisões: A. A adoção de um falso regime republicano. Uma democracia sem povo. Soberania nacional e nunca a soberania popular. Um golpe militar. O positivismo. A questão social. As rebeliões e o fim da República velha. B. A "Era Vargas". Um forte capitalismo de Estado. Uma sociedade de massas, o rádio e as comunicações. O populismo. O Estado Novo. O sindicalismo sob controle do Estado. Leis trabalhistas que não afetam os interesses do latifúndio. As transformações provocadas pela 2ª Guerra Mundial. C. A reconstitucionalização do Estado e o interregno do governo Dutra. Um governo de empresários e o alinhamento aos Estados Unidos. Bipolaridade e Guerra Fria. D. O novo governo Vargas. Três bases: Nacionalismo; direitos trabalhistas e política externa independente. Planejamento das atividades econômicas. Petrobras - Eletrobras - BNDE. Turbulência militar - Ideologia da Segurança Nacional. E. O governo JK, ponto alto da eficiência oligárquica. Consenso. Plano de Metas: Energia, transporte, alimentação, indústrias de base, educação e construção de Brasília. Criação de conselhos para abrigar as oligarquias. A hostilidade da aeronáutica (Jacareacanga e Aragarças). 50 anos em 5. F. Os governos imediatamente posteriores a JK. O histrião Jânio Quadros. O populismo demagógico. A renúncia após sete meses. Jango. Brizola. O parlamentarismo. O Plano Trienal. As reformas de base. Cisões. O clima da Guerra Fria. G. O Golpe de Estado de 1964 e a instauração do regime empresarial-militar.  Empresários abraçam as Forças Armadas. Adesões da sociedade civil. Os Estados Unidos. AI-5. As mutilações da democracia. O milagre econômico.  Anistia. Os crimes conexos. H. O período posterior ao regime empresarial-militar. Sarney e a restauração oligárquica. Inflação e Planos Econômicos. Collor de Mello. Corrupção e cassação. Itamar Franco. Plano Real e o controle da inflação. O Governo FHC.  Globalização e privatizações. Consenso de Washington. Lula: um intruso no regime oligárquico. Sem preocupar as oligarquias. Carta aos brasileiros. Dilma e o impedimento pelo golpe parlamentar jurídico. Temer e a restauração da velha aliança com as oligarquias.

Conclusão. Um prognóstico sobre o futuro do Brasil. Uma espécie de proposições para debate. Qual será o futuro do Brasil sob a radicalização do capitalismo, na sua passagem para o capitalismo financeiro que substitui a produção pelo rentismo e a quarta Revolução Industrial, a chamada Revolução 4.0. Termina com uma última questão: Haverá alguma mudança na organização dos poderes em nossa sociedade. O desejo do autor está expresso no último parágrafo:

"Oxalá saibamos organizar, paralelamente aos partidos políticos, movimentos que abram a consciência do povo para a nossa realidade política, que sempre foi avessa aos princípios fundamentais da República, da Democracia e do Estado de Direito".

A parte final merece um destaque todo especial, a parte em que entra em cena o presidente Lula. Uma frase síntese dessa fase está inscrita no livro e sublinhada na contracapa: "Lula foi, efetivamente, o único chefe de Estado no Brasil escolhido fora do esquema oligárquico. Foi esta a única vez em que a coligação oligárquica, notadamente o empresariado e os principais partidos políticos, utilizando-se largamente de seu oligopólio dos meios de comunicação de massa, não souberam manipular o processo eleitoral em favor do candidato que haviam escolhido". 

O livro teve a sua primeira edição em 2017. Ele chega até a operação Lava jato. Não abrange, portanto, o governo Bolsonaro e a retomada do governo pelo presidente Lula, na eleição de 2022. Trata-se de um interessantíssimo livro de história, da história política do Brasil. Deveria ser livro de leitura obrigatória, no mínimo, para os professores da área. Deixo também a resenha de um livro que explica a Utopia autoritária brasileira - como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje. Há inúmeras razões.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/09/utopia-autoritaria-brasileira-carlos.html