terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Jango conversa com João Vicente (12) 1. Reformas de Base.

Já falei, em outro post, que o livro Jango e eu - Memórias de um exílio sem volta, de João Vicente Goulart é um sério candidato ao Oscar de melhor livro lido ao longo do ano de 2017. Um livro cheio de sentimentos, da bela relação entre pai e filho, mesmo sob todas as atribulações de em exílio sem volta. Um livro para ser lido com sentimento e emoção, entrecortado por constantes lágrimas a embaçar a vista.  No meu julgamento Jango foi o mais humano dos presidentes brasileiros.
O pai explica ao filho o que foram as reformas de base que ele pretendi implantar.

O livro todo é extraordinário e narra, desde as primeiras cenas do exílio no nebuloso abril de 1964, chegando até dezembro de 1976, o ano da morte na Argentina. Li o livro com os meus olhos e, por isso mesmo, algumas coisas me chamaram mais a atenção. Assim o capítulo 7, Uma nova vida, dia a dia, ganhou minha preferência. Começa sobre a situação de um exilado, sobre o qual, muitas vezes, é construída a imagem de pessoa má e indesejada. As conversas entre Jango, o pai e João Vicente, o filho, são revestidas de uma profunda ternura e mostram uma enorme preocupação para deixar ao filho o legado político de suas ideias.

Assim Jango explica ao filho, agora com 12 anos, o que foram as reformas de base, que foram o real motivo do golpe que afastou o pai do cargo de legítimo presidente do Brasil. Agora existe mais uma fonte para estudá-las, vistas de uma forma muito simples, na recepção e percepção de um menino de doze anos, que as reconstituiu em sua memória. Vejamos:

" - Pai, podes me explicar o que eram as reformas?
- Olha, filho, nosso país tem uma estrutura social arcaica, valores morais e éticos excludentes que privilegiam apenas os poderosos. Essas elites pensam que o Estado e suas estruturas devem estar a seu serviço e que as riquezas do país devem servir a seus privilégios. Isso é profundamente injusto, pois devemos pensar no bem-estar coletivo e gerar oportunidades iguais para todos. Claro que devemos dar valor ao mérito pessoal, àqueles que conquistaram e construíram seus patrimônios com o próprio esforço, mas temos que oferecer oportunidades iguais de estudo, de trabalho, de igualdade e de consciência nacional a todos. O Estado tem compromisso com todos os cidadãos brasileiros, e não somente com aqueles que vêm de famílias abastadas e querem usufruir os bens do Estado como se fossem seus: a educação estatal; a poupança pública para financiar o desenvolvimento de todos e não apenas de algumas empresas; o uso da arrecadação pública para a criação de um sistema digno de saúde pública. Mexer na estrutura bancária que recolhe o dinheiro público da poupança e a circulação tributária da nação, deixando de priorizar os créditos somente para as macro e grandes empresas, e destinando parte das verbas também à iniciativa individual é um profundo desafio, pois toca na chaga do sistema capitalista, que quer exclusivamente dirigir esse capital para seus interesses e investimentos, sejam eles produtivos ou especulativos. O sistema capitalista ainda mede a riqueza dos povos em números absolutos de resultados econômicos e financeiros, não em resultados humanos.

Como assim, meu pai?
- Verás um dia que o mundo não poderá mais conviver com esses parâmetros. Um país rico não é necessariamente aquele medido por seu Produto Interno Bruto, o PIB, por suas reservas monetárias ou por sua balança comercial. Um país realmente rico é aquele em que seu povo é feliz, tem saúde, não existe analfabetismo, oferece oportunidades, educação, cultura e, principalmente dignidade.

Naquela época , ainda não existia  o que hoje chamamos de Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH. Ele continuou:
- Vou te contar uma coisa, João Vicente, que vai te surpreender: o ouro é um dos metais mais vagabundos que existe.
- Meu pai, é o mais valioso! Como podes dizer uma coisa dessas?
- Não como metal, pois se fizerem uma ponte com ouro, sem dúvida ela vai cair. O ouro só tem valor porque os homens fizeram um acordo e convencionaram o seu preço, mas, como metal, não cumpre sua função: é mole, não suporta peso e deforma-se com uma força inferior à do ferro. O próprio dólar americano, que era lastreado em ouro, já não é mais, pois os americanos precisavam emitir papel moeda para sustentar sua indústria bélica e, forçados pelo presidente De Gaulle, deixaram de fazer essa equivalência - explicou meu pai." (...) Esses diálogos se encontram nas páginas 81 a 83.
Um belo por de sol sobre o rio Uruguai, na cidade de São Borja.


Mais adiante, em outros posts, vou transcrever a visão de Jango sobre a reforma agrária, que foi a que trouxe os maiores incômodos e foi o motivo mais profundo para o golpe, e sobre a sua concepção de um sistema educacional, com Paulo Freire a seu lado. As reformas preconizada por Jango, elaborados por colaboradores da qualidade de um Celso Furtado, não foram executadas até hoje. Se constituem assim, num Programa de Governo e num Projeto de Nação, para quem efetivamente quiser fazer reformas mais profundas na estrutura da sociedade brasileira.

Lembrando que as reformas de base do governo Jango abrangiam amplos setores, apenas para especificar melhor a descrição feita acima, pelo próprio Jango.  Ele pretendia fazer uma reforma bancária; fiscal, urbana, administrativa, agrária, educacional e eleitoral. Elas teriam a marca ética da justiça social, do patriotismo e do nacionalismo.

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