Dust in the wind -All we are is dust in the wind... - Poeira ao vento/Tudo o que somos é poeira ao vento. Dessa canção nasceu o título do novo romance de Leonardo Padura, que ele concluiu em Mantilla, o seu bairro na cidade de Havana, em abril de 2020 e que iniciara dois anos antes. "Tudo o que somos é poeira ao vento". É uma definição da vida. Poeira ao vento.
Como poeira ao vento. Leonardo Padura. Boitempo. 2022.
(Clara) "remexeu a bolsa, tirou suas chaves, abriu a porta e entrou na casa em que a receberam a solidão, o silêncio e suas lembranças. Clara e seu caracol". É a frase final do romance. A casa em que ela entrou é uma casa no bairro de Fontanar, um bairro nas proximidades do aeroporto José Martí, da cidade de Havana. Nessa casa se reuniram, a partir dos anos 1990, um grupo de jovens, amigos desde os tempos universitários e que formaram uma espécie de CLÃ. O ÍMÃ desse clã era Clara, uma das protagonistas, senão a protagonista do romance. Clara teve dois filhos, Ramsés e Marcos, que por sua vez tiveram seus filhos (netos de Clara), um nascido na França e outro nos Estados Unidos. É a diáspora cubana.
"A poeira ao vento", ou seja, a vida dos diferentes personagens que se reuniam na casa de Fontanar (há uma foto de uma dessas reuniões), é o teor do romance. Da casa de Fontanar, os personagem irão se espalhar pelos Estados Unidos (Nova York, Miami, Hialeah), Madri, Barcelona, San Juan, Buenos Aires, Toulouse, e outros recantos do mundo. Em suas vidas carregam as marcas de uma Revolução e os diplomas universitários que adquiriram no país que se esmerou em lhes dar uma formação universitária de elevadíssima qualidade, mas que lhes exigiu também muitas perdas. Para mim, a maior riqueza do romance é a construção desses personagens. As sua reflexões sobre perdas e ganhos em suas vidas. Reflexões filosóficas, profundamente existenciais.
Mas, vejamos o teor do livro, por sua contracapa: "Um encontro amoroso entre Adela, jovem nova-iorquina de ascendência cubana, e Marcos, rapaz cubano recém chegado aos Estados Unidos. O Clã: grupo de amigos que estudaram na mesma época em El Vedado, Havana, e mantiveram uma forte amizade e uma intrigante cumplicidade. Os destinos dos integrantes do Clã e a vida de Marcos e Adela se entrelaçam surpreendentemente e resultam neste novo romance de Leonardo Padura. Num enredo cheio de suspense, encontros, desencontros e reencontros, o autor acompanha a vida de cada um dos personagens, todas buscando soluções para as difíceis circunstâncias que se abateram sobre o povo cubano no fim do século XX e no início do século XXI. É a história de uma Cuba e de muitos destinos".
Na orelha, encontramos mais informações: "Uma fotografia captura o momento em que amigos aparentemente inseparáveis aparecem juntos. Estão alegres e sorriem. Parece que continuarão unidos pelo resto da vida. A partir de então, porém, tudo começa a mudar. As trajetórias pessoais, marcadas pelos tropeços da história cubana recente, se transformam em meio a despedidas, paixões, traições e reencontros. Perguntas que ficaram no ar ou sonhos que não se realizaram. Feridas que vieram com as decepções e por surpresas que encontraram no caminho. Todas, no fundo, remetendo de modo dramático e nostálgico àquela imagem.
Como poeira ao vento é um romance escrito em forma de coro. Aos poucos, vamos conhecendo cada um dos integrantes do chamado Clã. Cada amigo encarna, de certa forma, as diferentes reações humanas à diáspora cubana, numa cadeia temporal que se inicia nos anos 1990 e viaja até nossos dias.
Por meio de uma narrativa envolvente, Leonardo Padura nos leva a um país complexo, em que as coisas são muito mais que o preto e branco que a polarização política dos últimos anos nos faz crer.
Há personagens que saem da ilha, outras que nascem fora de lá, as que desejam voltar, as que retornam e não se reencontram de nenhuma maneira e as que permanecem e resistem. Ainda que sejam pessoas diferentes, todas parecem refletir parte das emoções do próprio autor.
Embora a trama nos leve também aos Estados Unidos, à Europa e à América do Sul, todos os lugares surgem desenhados pelas linhas que a citada diáspora neles contorna, assim como hoje o fenômeno da imigração vem transformando tantos cantos do mundo, consolidando-se como tema urgente.
Escritor cubano que segue vivendo na casa em que nasceu e cresceu, Padura reafirma sua posição de observador atento a cada característica do caráter cubano: a sensualidade, a música, o amor, a gastronomia, as paixões políticas.
Fazendo referência à canção "Dust in the Wind" (Kansas), o autor convida a refletir sobre a vida e a amizade. De forma incisiva, também questiona os comportamentos geracionais dos cubanos: tanto o discurso muitas vezes duplo da geração que fez a Revolução como a dos que saíram da ilha.
Uma boa história de ficção é aquela que nos faz mirar a realidade e compreendê-la em todas as suas dimensões. É justamente a esse gênero literário que pertence Como poeira ao vento". O texto da orelha é assinado por Sylvia Colombo.
Mas creio que a mais preciosa indicação nos vem do próprio escritor em - nota e agradecimentos. Vejamos o seu primeiro parágrafo: "Como poeira ao vento é um romance e deve ser lido como tal. Os acontecimentos históricos a que se faz referência no livro aconteceram na realidade, mas sua presença no romance é assumida sob a perspectiva da ficção. Muitas das conjunturas sociais invocadas também foram extraídas da realidade e da experiência pessoal e geracional, embora seu tratamento tenha sido mediatizado pelos interesses ficcionais. Os personagens e suas histórias são inspirados em indivíduos reais, às vezes em somas de várias pessoas concretas, mas suas biografias são fictícias. Em contrapartida, os lugares pelos quais se move a trama - desde o bairro havanês de Fontanar até um haras nos arredores de Tacoma, no noroeste dos Estados Unidos - são locais com existência real, e transformei-os na medida do necessário para adequá-los aos fins dramáticos do relato. A obra da imaginação foi apenas convocar todos os elementos históricos, humanos e físicos de uma época e diversos espaços, para lhes dar forma de romance. Como escritor, eu me alimento da realidade, mas não sou responsável por ela para além de meus avatares individuais e de meu comportamento civil, como cidadão e como testemunha com voz, que pretende apenas deixar um testemunho pessoal de meu tempo humano".
O romance é longo. São 542 páginas que comportam dez capítulos. Neles, de uma maneira geral, os diferentes personagens do Clã são apresentados. Dou como exemplo, o capítulo sete. A mulher que amava os cavalos. Nele é retratada Elisa ou Loreta, a mãe de Adela. Ela é veterinária e uma personagem extremamente complexa e complicada. Está sempre em fuga. Mas, como já afirmei, o ponto alto do livro é a construção dos personagens. Vejamos Adela e Marcos, os personagens que abrem o livro. Adela é filha de Loreta Fitzberg, a veterinária cubana, o seu pai, ao menos no início do romance é um psicanalista argentino, judeu, exilado na qualidade de vítima da ditadura militar argentina. E Marcos é filho de Clara, possivelmente a mais generosa e aglutinadora dos personagens e de Dario, possivelmente o personagem da mais humilde origem e que, na qualidade de neurocirurgião, título que conseguiu revalidar em Barcelona, permaneceu nesta cidade, levando uma vida burguesa e, aparentemente, sem traumas de consciência com as suas origens.
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Com Leonardo Padura. Capela Santa Maria. Curitiba. Agosto - 2019.
Outro ponto forte do livro é a abordagem que o Padura faz sobre o desenraizamento dos personagens. Sobre o que significa viver no exílio. Tem personagens que simplesmente não conseguem sair do país, ou que, em todos os momentos tem o seu sentimento voltado e comprometido com as suas raízes e com o recebido pelo regime originário da Revolução cubana. Eu tive a oportunidade de assistir uma palestra do escritor, na Capela Santa Maria, aqui de Curitiba. Dizia-se sitiado de água por todos os lados e que não conseguia escrever fora de sua amada ilha. Um sentimento de cubanidade, de pertencimento. E isso está fortemente traduzido no romance. Outra coisa. Um relato sincero sobre a situação dramática que Cuba viveu na última década do século XX e nas duas primeiras do século XXI. Há perdas e ganhos. Creio que este seja o mais "cubano" dos livros do escritor.
Deixo aqui a resenha dos livros anteriores de Padura, já lidos e resenhados, começando pelo O homem que amava os cachorros. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2014/05/o-homem-que-amava-os-cachorros-leonardo.html . Continuando com Hereges.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/10/hereges-leonardo-padura.html. Com O romance da minha vida.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/11/o-romance-da-minha-vida-leonardo-padura.html. E Água por todos os lados.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/08/agua-por-todos-os-lados-leonardo-padura.html