terça-feira, 30 de setembro de 2014

Será que a democracia corre risco? A semana antes da eleição.

No Brasil, por mais céu de brigadeiro que acreditamos ter, alguém deve estar tramando contra a democracia. A geração que hoje tem em torno de quarenta anos pode achar estranha esta afirmação, pois, depois da Constituição de 1988 conhecemos uma democracia bastante estável, não tendo sido registrada nenhuma ocorrência mais grave que ameaçasse a jovem democracia brasileira. Mas é bom não esquecer a nossa história. Vou recorrer a Chico Oliveira para fundamentar a minha preocupação:

"Se fizermos a conta, de 1930 até 1932, 1934, 1935, 1937, 1945, e 1947, o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade através de um golpe legal por que no Brasil, o Parlamento também dá golpes. Em 1954, houve o suicídio de Getúlio Vargas, a tentativa de dois golpes, sendo um da marinha e outro da aeronáutica contra Juscelino, que havia sido eleito. Antes, tivemos a tentativa de impedir a posse de Juscelino, quando Lott retrucou com um pré golpe, passeando aqui, na baía da Guanabara, com o vice-presidente preso dentro de um navio. Depois houve a renúncia de Jânio Quadros; uma tentativa de golpe. A seguir uma tentativa de impedir a posse do vice, impasse resolvido através de um acordo para a aceitação do parlamentarismo; outro golpe legal dado pelo Parlamento. Logo depois, via um plebiscito foi restaurado o presidencialismo. Em 1964, temos o golpe civil-militar. Depois vieram os golpes dentro golpe, como em 1967, 1968, a doença de Costa e Silva com a posse da junta militar, o caso do general Sílvio Frota no Governo Geisel e uma distensão lenta e gradual. Uma média de um golpe para cada três anos.
No livro organizado pelo Frigotto e pela Maria Ciavatta, o belo texto de Chico Oliveira.

Espantoso, porém, é ver essa história como a história de um país harmônico, que resolve suas disputas da melhor forma. Quero mostrar que esse violento processo dava lugar à construção de hegemonia burguesa. Nós tivemos dois golpes de estado neste período, duas longas ditaduras: a de Vargas (15 anos) e a ditadura militar (20 anos).

Ditaduras querem dizer, sempre, impossibilidade de hegemonia". OLIVEIRA, Francisco A nova hegemonia burguesa no Brasil dos anos 90 e os desafios de uma alternativa democrática In: FRIGOTTO, Gaudêncio & CHIAVATTA, Maria. Teoria e Educação no Labirinto do capital. pág. 53. Petrópolis: Vozes. 2001. Chico Oliveira com este texto queria exatamente provar que a burguesia construiu sua hegemonia ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso. Esta hegemonia, no entanto, não se consolidou. Após 8 anos de efetivo poder, as forças populares que se articularam em torno dos movimentos da década de 80 chegaram ao poder, através de Lula e do Partido dos Trabalhadores, com amplos apoios da sociedade civil e dos movimentos populares.

Sem revolucionar as estruturas sociais, reformas foram feitas. Em vez da aplicação dos arrochos neoliberais, o Estado foi usado como instrumento de cidadania e mexeu-se na estrutura da pirâmide social brasileira. O andar de baixo se movimentou de forma ascendente. O Estado, em vez de reprimir este movimento, estimulou-o com uma política que foi chamada de crescimento com distribuição de renda. Milhares de pessoas saíram da condição de miséria absoluta e outras milhares atingiram a condição de classe média. Isso contradiz o capitalismo, um sistema de acumulação e não de distribuição. O capitalismo desenfreado, não regulamentado, se apodera da riqueza e produz a miséria.
Como a direita não consegue uma construção hegemônica, tentativas de golpe sempre pairam no ar.

A cada eleição, a direita brasileira, o conservadorismo (queria achar um termo melhor, mais amplo) quer conter essa política. Se travestem em paladinos da moralidade e achincalham os líderes dessas transformações. Pela via eleitoral, pela via democrática poucas possibilidades existem para chegarem ao poder. São fracassos eleitorais sucessivos, mesmo inventando e reinventando candidatos, como esta última tentativa do lançamento de Marina Silva, a da pós-política, de uma política sem conflitos e sem tensões. Santa ingenuidade.

O que preocupa? Há tempos uma direita ultra radical (tipo Tea Party) está se organizando e atuando organicamente, especialmente pela mídia, soltando petardos e imprecações diárias contra o Governo e contra o PT. e, agora, especificamente no quadro eleitoral, vejo com muita preocupação que o candidato Aécio Neves perdeu todo e qualquer objetivo em sua campanha, que não seja a de derrubar o PT e a presidente Dilma. Até sobra para a Marina, por esta já ter sido do PT. A única pregação que sobrou é o vulgar FORA PT. Quanto a Marina Silva, o que mais preocupa é a recente viagem feita aos Estados Unidos e a sua fala de campanha de não dar prioridade ao pré-sal. Lembrem-se que estamos falando de petróleo.

Escrevo este post, especialmente, em função do ato terrorista hoje (29.09) ocorrido em Brasília. Tomara que seja apenas um fato isolado de um lunático. É porém estranho que isso ocorra juntamente com a tentativa de vincular a presidente Dilma com grupos terroristas islâmicos. Tomara que as minhas preocupações estejam destituídas de fundamento, mas me preocupa sumamente a bela e jovem democracia que está formando uma bela e grande Nação no mundo, já livre da fome, ao menos pelos critérios da ONU. Enquanto o Brasil tiver  a Petrobras, o BNDES e os Bancos Públicos como a Caixa e o Banco do Brasil, instrumentos de impulsão da riqueza nacional, haverá os olhos gordos do capital em cima deles.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Patrimônio. Philip Roth.

O livro de Philip Roth, Patrimônio, tem na capa uma nota explicativa interessante - "uma história real". E é verdade. O consagrado autor descreve os anos finais da existência de seu pai, que aos 86 anos, se vê acometido de graves doenças, como um tumor no cérebro e outras, quase todas decorrentes do tumor e da idade. A narrativa é dramática mas em momento nenhum perde boas doses de humor.  Como é que um livro desses ganha o título de Patrimônio?  Encontrei a explicação, já na segunda metade do livro.
A morte do próprio pai. O tema deste livro. Por isso, uma história real.
Creio que a impotência e o medo de incomodar os outros seja uma das mais graves situações que um paciente enfrenta, junto com as suas doenças. Deve ser uma vergonha sem fim, o fato de sentir-se inútil e impotente. Herman Roth tem uma paralisia facial provocada por um tumor e se encaminha para o seu desenlace final. Ele precisa de cuidados. Estes cabem, especialmente ao filho escritor, que em meio a isto sofre, ele próprio, um colapso cardíaco quase fulminante.  Em momentos finais, memórias em retrospectiva passam a ser o grande tema. 

Após uma verdadeira calamidade ocorrida no banheiro, com sujeira para todo lado e depois que o autor faz uma limpeza provisória e de ter enfiado toda a roupa suja numa fronha ele descreve a situação e chega à conclusão sobre o que seja, de fato, o patrimônio: " Levei a fronha fedorenta para baixo e a pus num saco de lixo preto que fechei bem fechado, jogando-o no porta-malas do carro para deixar na lavanderia. E, agora que a tarefa fora concluída não podia estar mais clara para mim a razão pela qual aquilo era certo e era o que tinha de ser. Aquilo era o patrimônio. Não porque limpá-lo simbolizasse alguma outra coisa, mas porque não simbolizava nada, porque era nada mais, nada menos do que a realidade existencial nua e crua. Ali estava o meu patrimônio: não o dinheiro, não os tefilins, não a tigela de barbear, mas a merda". Se não estivesse escrito, eu teria que dizer, que o texto é profundamente existencialista.
A descrição do ocaso de uma existência. No caso, a do próprio pai.
Reminiscências e sofrimento se intercalam no livro. A sensibilidade e o cuidado sempre estarão presentes, orgulho e altivez, mesmo quando tudo conspira ao contrário, também. Descrever o ocaso de um ser humano, ainda mais quando este é o próprio pai, não deve ser tarefa fácil para nenhum escritor, por mais experiente e provado que ele seja.

As reminiscências se voltam para a infância difícil de imigrantes judeus poloneses, as discriminações sofridas na vida profissional, impostas pela condição judaica, a vizinhança e as transformações que nela ocorrem  e o esforço de todos na realização de seus sonhos. A superação na vida profissional de um corretor de seguros e a busca de uma estabilidade financeira na velhice, que foi afinal conseguida, são os grandes temas.

Os sofrimentos maiores começam a se intensificar quando aparece uma paralisia facial parcial, os diagnósticos em torno de sua causa, a descoberta de um tumor craniano, a cegueira quase total de um olho e a necessidade de cirurgia de catarata no outro, a conversa com os neurocirurgiões sobre as possibilidades frente ao tumor e o esvair-se da vida como consequência de tudo isso, somado com o ciclo da vida que chega ao seu final. Decisões precisam tomadas. O que é prioritário? Manter a visão de um olho ou extrair o tumor? Vale a pena extrair o tumor, se coletar material para a biópsia já é quase pior do que morrer. Atenção redobrada, cuidados e muita sensibilidade na fase final da vida, quando se é tão indefeso, quanto na fase inicial são os outros componentes do livro.
Patrimônio: "Não é o dinheiro, não os tefilins, não a tigela de barbear, mas a merda.

Li este livro, enquanto estive em repouso da fratura de uma costela. Embora nada grave, as coisas, a necessidade, a atenção e o cuidado se revestem de um significado mais profundo. Uma tossida, uma saliva engolida de forma errada, um ar que não se solta, por um pum aprisionado, passam a ser incômodos profundos e a dependência dos outros então passa a ser um ato supremo de humildade. Mas vamos a cena final.

"Depois disso, só me restou seguir sua maca até o quarto onde o puseram e me sentar ao lado da cama. Morrer dá trabalho, e ele era um trabalhador. Morrer é pavoroso, e papai estava morrendo. Peguei sua mão, que ao menos eu ainda sentia como sendo sua mão, afaguei sua testa, que ao menos ainda parecia ser sua testa, e lhe disse todo tipo de coisas que ele não podia mais registrar. Por sorte, de tudo que eu lhe disse nessa manhã, nada havia que ele não soubesse". Ternura ímpar.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Coxinha. Uma definição mais do que sensacional.

Sempre que recebo uma solicitação de amizade eu faço um passeio pela linha do tempo do solicitante, para mais ou menos identificar a sua linha de pensamento. Muitas vezes, a amizade nem se concretiza. Isso eu faço independentemente de conhecer ou não a pessoa.  Afinal de contas as pessoas modificam a sua maneira de pensar. Estes dias recebi uma de um ex aluno, daqueles que não se esquece facilmente ou tão cedo, Adalberto Schlumberger Vitchmichen. Olhando as suas publicações, encontrei esta preciosidade.

Nos comentários que se seguiram a este texto, havia uma pergunta sobre a sua origem. A resposta foi mais ou menos a seguinte: está entre aspas, pois a definição não é minha.  Como eu achei esta definição sensacional e como conheço pessoas, às quais cabe perfeitamente esta definição e ainda mais, por ser o blog um espaço mais definitivo do que o facebook, tomei a liberdade de, não fazer nem uma cópia, mas um simples copiar e colar, sem mexer no texto, corrigir alguma coisa ou fazer qualquer tipo de observação. Deixo o texto como o encontrei e confessando publicamente que a autoria não é minha e lamentando não dar o crédito a quem o merece.

O publico também, pelo fato de estarmos em época de política, ou melhor, de eleições, época em que o texto se reveste de um significado maior. Posteriormente o Adalberto fez uma observação muito generosa com relação a minha pessoa, sobre o final da história, ... de que tem cura. Adalberto, agradeço a observação mas digo que isto ocorre muito raramente. Sempre afirmo que nunca tive êxito, como educador, em dois tipos de situação, com aqueles que acham que sabem tudo e com aqueles que definitivamente recusam o conhecimento e a abertura para ele. Mas sem delongas vamos ao texto:

"Me perguntaram o que é um Coxinha. Fui no dicionário e lá estava:
Coxinha : Pessoa nascida no Brasil,altamente influenciável, anti-PT, anti-tudo,odeia tudo que se faz no seu país,apartidário,odeia Cuba ou qualquer outro país latino-americano, ama os EUA (principalmente Miami), leitor de Veja(?),acredita na Globo(?),odeia a Rússia (ou qualquer outro país que conteste os EUA),odeia muçulmanos, acredita em um golpe comunista iminente. Acha que todas as ditaduras assassinas do mundo foram comunistas, desconhece a existência de ditaduras capitalistas (inclusive é simpático à ditadura brasileira, de 1964 a 1985). Defende o Estado mínimo na hora de cobrar impostos e Estado máximo na hora que precisa de seus serviços, é fã de Jair Messias Bolsonaro, odeia Lula, acredita em super-heróis (Joaquim Barbosa de capa) e não em partidos, simpatiza com o PSDB(?) e no DEM(?). Agora vai votar na Marina Silva porque a revista Veja está fazendo propaganda para ela. Não tem ideologia , não confia em nenhum político(principalmente no Lula) , não gosta de direitos iguais,gosta do Status Quo, acredita somente no dinheiro e na meritocracia(?), odeia o comunismo,socialismo ou qualquer coisa parecida, desconhece que os países com maior IDH no mundo tem a carga tributária próxima a 50% do PIB (Suécia, Suíça, Dinamarca), o que é muito superior à brasileira (36% do PIB). Apesar disso, sempre fala que "o Brasil tem a maior carga tributária do mundo". Também desconhece o fato de que os países com menor IDH no mundo tem a cargas tributárias baixas, por volta de 10% do PIB (Somália, Uganda, Índia). Acredita cegamente que o capitalismo é o sistema mais justo do mundo, ignora a Crise de 2008 (em que o Estado socorreu o "livre mercado" com dinheiro público e evitou uma tragédia), idolatra as grandes empresas que aparece na Exame, seus ídolos são George Soros e Warren Buffet, odeia o Bolsa Família,as Cotas em universidades,o Minha Casa,Minha Vida,o Pronatec,o Enem,o Mais Médicos ou qualquer outra coisa petista.
Se você se identificou com algumas características do Coxinha,não se preocupe......tem cura!"
Não seria a leitura de um livro do Olavo ou da revista Veja?

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Indignação. Bertrand Russel na voz de Marcus Messner.

É impressionante como Philip Roth utiliza a literatura em seus livros. Em  O professor do desejo ele passeia pela literatura erótica e, agora, no livro que acabo de ler, Indignação, aparece o ensaio de Bertrand Russell, Por que não sou um cristão? Ele aparece na boca de um revoltado jovem de 19 anos, ao receber reprimendas do diretor de alunos da universidade de Winesburg, em que ele estuda. A universidade segue os padrões morais dos fundadores da instituição, de credo batista.
Um dos pontos altos do livro Indignação é o dialogo mantido entre o jovem Marcus e o diretor de alunos da universidade de Winesburg. Bertrand Russel é o tema.

Marcus Messner é um jovem em fuga. Primeiro foge da autoridade superprotetora do pai e depois dos preceitos morais impostos pela universidade. Em sua fuga é atropelado pela morte na guerra da Coreia, no ano de 1951. Ir para a guerra da Coreia era o destino reservado aos jovens que não conseguiam seguir a carreira universitária. O encontro com o diretor se dará por uma querela de dificuldades que o jovem tem com colegas no alojamento e a sua expulsão da universidade será causada por não se submeter ao cerimonial religioso da universidade, sendo flagrado, pagando um substituto que fazia a sua vez, frequentando credos religiosos. Coisas da pequena moralidade.

O diálogo com o diretor de alunos se dá após interrogações de Marcus sobre a obra de Bertrand Russell: "Estou perguntando se o senhor conhece esse importante ensaio de Bertrand Russell. Entendo que a resposta é não. Bem, eu conheço porque resolvi memorizar longos trechos do ensaio quando era capitão do time de debates da minha escola. Ainda não os esqueci e me prometi que nunca os esquecerei. Esse ensaio e outros semelhantes contêm os argumentos de Russell não apenas contra a concepção cristã de Deus mas contra as concepções de Deus sustentadas por todas as grandes religiões do mundo, vistas por ele como mentirosas e prejudiciais.
Bertrand Russel. Nobel de literatura (1950) Por que não sou um cristão é um de seus ensaios mais famosos. No Brasil existe uma edição pela LPM.

Se o senhor lesse este ensaio, e em nome da honestidade intelectual peço que o faça, veria que Bertrand Russell, um dos mais destacados especialistas em lógica do mundo, além de filósofo e matemático, utiliza um instrumento lógico inquestionável para desmentir o argumento da causa primeira, o argumento da lei natural, o argumento do desígnio, os argumentos morais para justificar uma divindade e o argumento do combate à injustiça. Para lhe dar dois exemplos. Primeiro, explicando por que não tem a menor validade o argumento da causa primeira, ele diz: 'Se tudo precisa ter uma causa, então Deus precisaria ter uma causa, tanto pode ser o mundo quanto Deus'. Segundo, quanto ao argumento do desígnio, ele diz: 'Você acha que, se recebesse o dom da onipotência e da onisciência, além de milhões de anos para aperfeiçoar seu mundo, não seria capaz de produzir nada melhor do que a Ku Klux Klan ou os fascistas?'

Ele também discute os defeitos dos ensinamentos de Cristo tal como aparecem nos evangelhos, observando que, do ponto de vista histórico, é bastante duvidoso que Jesus Cristo tenha realmente existido. Para ele, o maior defeito na estrutura moral de Jesus é sua crença na existência do inferno. Russell diz 'não sinto que ninguém que seja profundamente humano pode acreditar na punição eterna', e acusa Jesus de demonstrar uma fúria vingativa para com as pessoas que não davam atenção a suas pregações. Ele discute com absoluta franqueza como as igrejas atrasaram o progresso humano e como, por sua insistência no que resolveram chamar de moralidade, infligiram sofrimento imerecido e desnecessário a todo tipo de gente.


Por Que Não Sou CristãoEdição brasileira de Por que não sou cristão?

A religião segundo ele, baseia-se predominantemente no medo - medo do misterioso, medo da derrota e medo da morte. O medo para Bertrand Russell, é o pai da crueldade, e por isso não surpreende que a crueldade e a religião tenham caminhado de mãos dadas ao longo dos séculos. Devemos conquistar o mundo pela inteligência, diz Russell, e não nos deixando escravizar pelo terror que vem de vivermos nele. Toda a concepção de Deus, ele conclui, é indigna de homens livres".

Marcus termina a sua preleção ao diretor; "Esses são os pensamentos de um vencedor do Prêmio Nobel (1950), renomado por suas contribuições à filosofia e por seu domínio da lógica e da teoria do conhecimento, com os quais estou de pleno acordo. Tenho estudado esses pensamentos e refletido sobre eles, pretendo viver em conformidade com esse ideário, coisa que, doutor Caudwell, estou certo o senhor admite ser meu direito".

A resposta vem de bate pronto e é característica. Desqualificar o interlocutor e ao autor: "Admiro sua capacidade de memorizar e reter textos de difícil compreensão, mesmo se não admiro necessariamente os autores e as obras que escolhe para ler e a credulidade com que aceita sem questionamento as blasfêmias racionalistas que jorram da boca de um indivíduo tão amoral como Bertrand Russell, casado quatro vezes, conhecido adúltero, defensor do amor livre e socialista confesso que perdeu sua posição na universidade por causa da campanha antibelicista conduzida durante a Primeira Guerra Mundial, sendo condenado à prisão pelas autoridades inglesas".
Philip Roth na orelha da contracapa de Indignação.

Conclusões. Apenas as suas. O texto em referência é de um vigor extraordinário. Ao final do livro ele ganha uma nota explicativa, em que se afirma que os diálogos foram tomados quase ípsis litteris da palestra de Bertrand Russell - Por que não sou um cristão - proferida em 6 de março de 1927 na Prefeitura de Battersea, Londres, e incluída na coletânea de ensaios publicada com o mesmo título pela Simon and Schuster em 1957. A coletânea foi editada por Paul Edwards e tem como principal tema a religião.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Indignação. Phipip Roth.

"Por que é que você o persegue tanto até fazer ele ir embora de casa? Um momento de raiva, e veja no que deu! Que diferença fazia a hora em que ele chegava em casa? Ao menos estava em casa ao voltar! E agora onde é que ele está? Onde é que você está, meu querido? Marcus, por favor. a porta está destrancada, volte para casa!" Este é o lamento da senhora Messner, quase centenária, que perdera o marido e o filho, por causa dos excessos da pequena moralidade.
Mais um grande livro do grande escritor.

Marcos Messner é um jovem interiorano, filho único de um açougueiro kosher, isto é, um açougue que segue rituais judaicos no trato com a carne. O centro de toda a narrativa é a frase que aparece já no final do livro e aqui já destacada, com os profundos lamentos da mãe, uma eterna esposa e auxiliar do açougueiro. Em torno deste tema, da pequena moralidade, gira mais um romance de Philip Roth, seguramente um dos maiores escritores dos dias atuais. Marcus, ao concluir seus estudos básicos ingressa na pequena universidade de sua cidade, a Robert Treat, mas logo percebe que não poderá ali continuar, pois precisaria fugir da vigilância da moralidade imposta por seu pai. Winesburg será o seu caminho.

Em Winesburg, outros problemas surgirão. Como se daria a socialização de um frágil indivíduo em busca de liberdade e de autonomia. Desentendimentos com colegas de quarto, dificuldades com Olívia, a namorada que lhe fez um boquete (em 1951) e lhe suscita um imaginário repressivo conservador (Só fez isso porque seus pais eram separados), um diretor de alunos, fiel aos princípios centenários da universidade de origem batista, a necessidade de tirar notas sempre excelentes (dez) e o vislumbre de morrer na guerra da Coreia se fracassasse. Isso ocorre no ano de 1951.
Philip Roth. Um dos maiores escritores dos tempos atuais. Os dramas da existência humana.

Philip Roth, desta vez não se ocupa com as intrigas entre os professores da universidade mas com as incongruências da própria universidade. Esta descrição é magnífica. Como eram os costumes, como eram os namoros, como era a disciplina nos dormitórios e como se davam as relações e a vigilância entre os dormitórios masculino e feminino, as obrigações da universidade para além do trato da ciência, como as obrigações religiosas que a instituição impunha. Em 1951 estão presentes todos os sintomas que explodiriam depois, no ano de 1968, no mundo inteiro.

Uma das cenas extraordinárias ocorre quando Marcus é chamado ao gabinete do diretor de alunos, o dr. Caudwell. Caudwell representa a moral centenária da instituição de origem religiosa. O tema do encontro são as dificuldades de socialização de Marcus, percebidas pelo diretor. Marcus, já ateu, contesta o diretor, com um texto clássico do ateísmo, que teria ajudado o seu autor a galgar o Prêmio Nobel de literatura (1950), a palestra proferida em 1927, Porque não sou um cristão? A contra argumentação vem fulminante.

 "Admiro sua capacidade de memorizar e reter textos de difícil compreensão, mesmo se não admiro necessariamente os autores e as obras que escolhe para ler e a credulidade com que aceita sem questionamento as blasfêmias racionalistas que jorram da boca de um indivíduo tão amoral como Bertrand Russell, casado quatro vezes, conhecido adúltero, defensor do amor livre e socialista confesso que perdeu sua posição na universidade por causa da campanha antibelicista conduzida durante a Primeira Guerra Mundial, sendo por isso condenado à prisão pelas autoridades inglesas".
Bertrand Russell, idolatrado pelo jovem Marcus e destratado pelo Dr, Caudwell.

Outro relato interessantíssimo é aquele em que jovens universitários invadem o dormitório feminino em busca de material altamente combustível e revolucionário, calcinhas brancas. Este episódio termina com a expulsão de 18 jovens da universidade e a sua provável morte na guerra da Coreia. Também merece destaque o irado discurso do diretor da instituição, o dr. Lentz, "o Todo-Poderoso Bafo de Tigre", após o episódio das calcinhas brancas. O discurso é uma memorável peça da oratória conservadora. "E, se algum de vocês decidir que quer sair de vez, se algum de vocês decidir que o código de conduta humana e as regras da contenção civilizada que esta administração pretende aplicar com rigor a fim de manter a Winesburg íntegra não servem para machões como vocês - vou achar isso ótimo! Tratem de ir embora! Saiam! As ordens foram dadas! Empacotem sua insolência rebelde e deem o fora da Winesburg esta noite!"

Outro relato que merece destaque é o pacto celebrado entre Marcus e a mãe. Por este pacto Marcus não procuraria mais Olívia, pois esta já tentara o suicídio e a mãe não procuraria mais se divorciar de seu pai, decisão que tinha tomado. Sempre a questão de valores. Deixo aqui também registrada uma das frases mais significativas: "a retidão que tiranizava a minha vida".

Marcus Messner (1932 - 1952) morreu três meses antes de completar 20 anos, na guerra da Coreia, que terminou em 1953, 11 meses antes que Marcus se formasse e provavelmente ter sido o orador da turma. Isto poderia ter facilmente ocorrido se Marcus tivesse sido capaz de tolerar a igreja que comandava a universidade. Marcus fora expulso de Winesburg por ter sido flagrado, pagando a um colega para frequentar, em seu lugar, as cerimônias religiosas às quais os alunos eram obrigados a frequentar. Se ele próprio, conformadamente, tivesse ido à igreja, por quarenta vezes, nada disso teria ocorrido.
Foto de Philip Roth, na orelha da contracapa de Indignação.

Não costumo ler resenhas antes da elaboração dos meus posts. O faço depois. Uma frase me chamou a atenção. "Uma parábola pós-moderna sobre tragédias da pequena moralidade".

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O tetrapharmakon. A ética em Epicuro.

Quem efetivamente quiser estudar a ética, precisa recorrer ao tempo anterior a consolidação das religiões, especialmente das vinculadas ao judaico-cristianismo. Elas se apoderaram de princípios éticos e os converteram em princípios morais, em mandamentos ou códigos de bom ou mau comportamento. Nos tempos atuais é pior. Ética virou código de bom mocismo, editado pelas empresas, ao gosto do patrão, do capital e do lucro. A melhor forma de estudar a ética originária, de seu ponto de vista filosófico, desvinculado das religiões, é recorrer aos gregos.

A filosofia nasceu na Grécia e nasceu da interrogação e da observação. As interrogações são as existenciais e a observação diz respeito essencialmente à observação dos fenômenos da natureza. Na natureza se encontra uma certa paz, uma certa serenidade, uma certa constância, que o homem passou a desejar também para a sua existência. Com este simples dado já encontramos a essência do fenômeno ético. A busca de uma certa paz, constância e serenidade para a nossa vida. É um encontro da pessoa consigo mesmo, procurando dar sentido e significado para a existência.
Adoro o conceito de ética como uma estética da vida, ou então como a arte de viver.

De uma certa forma dá para dizer que os gregos foram os primeiros iluministas. Procuravam encontrar explicações racionais, isto é, providas de uma certa lógica, para a existência. Não deve ser errado pensar que os gregos, com a visão racional do mundo foram os precursores do iluminismo, num movimento interrompido, por uma longa pausa, pelas imposições dogmáticas da religião. Os gregos já procuravam se livrar dos mitos, embora a eles sempre recorressem, quando enfrentavam dificuldades com a explicação racional. procuravam se livrar de obscurantismos que determinariam heteronomamente os humanos.
São dois vídeos sobre ética, produzidos pela TV Cultura, nos anos 1990. Espetacular.

Um dos conceitos mais trabalhados entre eles é o de liberdade e autonomia. Não sei se já usavam estas palavras. As suas noções de ética tinham duas abrangências fundamentais: um plano individual e outro coletivo. A ética tinha que dar conta destas duas dimensões. No plano coletivo a ética ganhou o nome de política, da convivência na pólis. Encontrar maneiras de viver bem, já que o viver só se materializa na pólis. Viver é conviver. Assim os gregos nos deram os primeiros tratados de política. No plano individual, a noção de indivíduo, da individuação lhes era clara. Assim como na dimensão coletiva os indivíduos buscavam o viver bem, através de certos princípios por eles determinados (democracia), buscavam também princípios, que seguidos, lhes dariam a perspectiva da boa vida ou, como diríamos hoje, da felicidade. os gregos já confrontavam a autonomia com a heteronomia.

Nestes vídeos José Américo Pessanha nos fala sobre a ética em Epicuro. 40 minutos de muita sabedoria.

Mas o meu objetivo hoje é falar de Epicuro. Vamos situá-lo, ou datá-lo. Ele nasceu em 341 a.C. e morreu em 271-2 a. C. Se conferirmos as datas vemos que as pólis gregas já tinham perdido a sua autonomia, dominados pela Macedônia de Felipe e de Alexandre. Adeus liberdade política. Na dimensão coletiva da vida a heteronomia passou a reger as relações. O império domina a cidade. Ainda será possível viver bem? Epicuro dará respostas para esta questão. Entra em cena, o jardim, o Jardim de Epicuro.
O Jardim é um lugar distante das turbulências da pólis. É um espaço privado, junto com amigos, onde nem Felipe, nem Alexandre pode chegar. É uma vivência da liberdade, fora dos determinismos.

O jardim é o espaço em que se reúnem os amigos do saber, que buscam viver a dimensão da felicidade interior, onde nenhum Felipe ou Alexandre venha incomodar. O espaço interior sempre será o espaço do exercício da autonomia. O que se fazia na academia ou no jardim de Epicuro? No jardim se reuniam pessoas em busca da serenidade ou da felicidade, que acreditavam que seria uma conquista, jamais uma dádiva. Ela seria alcançada pelo esclarecimento que libertaria de crendices e superstições e pela luta do auto domínio, da auto libertação, ou da autonomia.

A doutrina de Epicuro teve muita repercussão. Ela só foi abafada com a ascensão da doutrina do cristianismo. O essencial da doutrina de Epicuro foi encontrado em escavações na Turquia, onde foi encontrado o chamado tetrapharmakon, os quatro remédios apregoados por Epicuro, também denominado como "o médico da alma". Estes princípios foram levados para a Turquia por um de seus discípulos, Diógenes de Oenoanda. Os quatro princípios que garantiriam a vida serena e prazerosa seriam:
A receita da felicidade. O tetrapharmakon de Epicuro.

1. Não há nada a temer quanto aos deuses (Eles vivem em outra esfera e não se incomodam com os humanos).
2. Não há necessidade de temer a morte (Não haverá castigos).
3. A felicidade é possível (Ela é conquista, esforço na busca da areté, da excelência. Não é dádiva divina).
4. Podemos escapar da dor (seleção no imaginário apenas dos bons momentos).
A ética como uma estética da existência. Uma matéria prima a ser trabalhada com o estilete, para imprimir à vida um estilo, uma singularidade.

Em suma: O território humano é exclusivo do humano - é um espaço onde autonomamente construímos a nossa felicidade. Este post foi elaborado a partir de uma fala de José Américo Pessanha sobre a Ética em Epicuro. https://vimeo.com/130140672

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Bonito. MS. - Roteiro de uma viagem. A força de uma imagem. O parasitismo.

A grandeza turística de Bonito é a natureza. Suas águas límpidas, azuis e transparentes, os peixes, as aves, os rios e os balneários. Para mim, no entanto, uma outra imagem se tornou muito forte, quase preponderante sobre todas as outras belezas. A vegetação típica de Bonito e região é a do cerrado, com destaque para as aroeiras. Já em nosso primeiro passeio uma palmeira me chamou a atenção. Depois vim a saber que o seu nome era Bacuri. No nosso passeio de barco, na barra do rio Sucuri, vi muitos bacuris e, próximo a eles, as figueiras. A imagem da figueira próxima ao bacuri foi a que marcou. Foi a melhor imagem que já vi na minha vida sobre a figura do parasitismo.
Para começar com leveza e suavidade. A beleza da água da Gruta Azul.

O parasitismo é uma relação na qual um se aproveita do outro sem oferecer nenhum benefício em troca. Este fenômeno é muito frequente na natureza e também entre os humanos. A relação é perversa em todos os sentidos. Ela se dá entre o parasita e o parasitado ou entre o parasita e o seu hospedeiro. Em Bonito eu vi esta relação numa proporção nunca vista, por isso me chamou tanta atenção. Foi a da figueira, como parasita e a da palmeira do bacuri como a parasitada, ou hospedeira. As duas saem prejudicadas. A palmeira chega a ser totalmente sufocada e a figueira se desenvolve de forma tortuosa, na disputa pelo sol, que ela mantém com a palmeira hospedeira, na busca da sobrevivência.
Vejam a figueira parasitando o bacuri. Ficam deformados, tanto o parasita, quanto o parasitado.

No ano passado li o livro A América Latina. Males de origem. Este livro de Manoel Bonfim data de 1905. É um vigoroso ensaio que, conforme consta no título, sobre a origem dos males que são comuns a toda a América Latina. Manoel Bonfim os atribui a nossa origem ibérica, em que tanto a Espanha, quanto Portugal se constituíram como países, com o saque e a rapina dos povos árabes que ocupavam a península. Após a sua expulsão, com os descobrimentos marítimos, o saque e a rapina continuou. As civilizações nativas da América seriam as novas vítimas, as plantas hospedeiras a serem sugadas.
América Latina - Males de origem. Uma das melhores interpretações de Brasil. O livro data de 1905.

A comparação se torna óbvia. Os povos ibéricos se habituaram ao fenômeno do parasitismo. Primeiro sugaram as riquezas dos povos árabes e depois dos povos aqui da América. Assim os ibéricos são os parasitas e árabes e americanos os parasitados ou hospedeiros. Aqui esta relação tomou a forma da escravidão indígena, africana e do saque das riquezas naturais. Esta relação, de acordo com Bomfim, não é interessante para ninguém, pois além do definhamento do hospedeiro, o parasita enfraquece as suas forças próprias, atrofiando-as, desenvolvendo apenas as da apropriação, num natural processo de acomodação.
A figueira lançando os primeiros tentáculos contra a palmeira. Um primeiro abraço.

Sei que esta imagem é recorrente mas eu quero reforçá-la. Nesta relação todos perdem. Em pouco tempo o parasita perde as aptidões vitais próprias pelo atrofiamento, aperfeiçoando, no entanto, os instrumentos de parasitagem e assim se degenera. Por outro lado o parasitado se depaupera, tendo todas as suas energias sugadas e incorporadas ao parasita. O que eu vi concretamente foi o seguinte. Vi palmeiras em diferentes fases, desde as que receberam os primeiros tentáculos da figueira, até as que desapareceram quase por completo. Em compensação eu não vi figueiras em toda a sua pujança, como aquelas que se veem sozinhas nos campos. Eu as vi mirradas e retorcidas, muito longe de sua esbelteza e grandeza original.
Nem a palmeira e nem a figueira ficaram esbeltas. Transfira esta imagem para a sociedade.

Manoel Bonfim, depois de descrever os males de origem da América Latina no fenômeno da parasitagem, parte para a análise dos valores morais que grassam em tal tipo de sociedade. A conclusão dele é óbvia. Só podem ser valores absolutamente conservadores, pois só assim se mantém a estrutura parasitária. Estes males de origem são assim os responsáveis pelo extremo conservadorismo arraigado em nossa sociedade, sendo estas relações regidas exclusivamente pela força. Qualquer abertura para a mudança poderia significar a ruptura dos parasitados, dos hospedeiros com o seu parasita. Significaria mobilidade social ascendente, autonomia.

Darcy Ribeiro tem uma frase que eu adoro. Ela diz assim: "Fracassei em tudo o que tentei na vida. tentei alfabetizar as crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei construir uma universidade séria, não consegui. Meus fracassos são as minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem venceu". Os fracassos de Darcy representam tentativas de emancipação enquanto que os vencedores são os que mantém as estruturas parasitárias, exploradoras e sugadoras do esforço alheio. As forças que lutam pela permanência.
As estruturas do parasitismo são os alicerces do conservadorismo da sociedade brasileira. Não são aceitas rupturas, embora estas beneficiassem a todos.

Creio ser fácil identificar as estruturas parasitárias presentes na sociedade nos dias de hoje. O são toda a estrutura exploradora e imperialista do sistema capitalista, especialmente, em seu estágio atual de capitalismo financeiro. A voracidade da figueira, no caso da minha imagem, é tão cruel que suga e atrofia, inclusive, todo o sistema produtivo que o alimenta. Com isso junta forças para manter, sob o manto do conservadorismo, da não mudança, toda uma sociedade com as marcas visíveis de atrofia e deformação.

Para terminar, uma frase memorável de Darcy Ribeiro, na apresentação do livro: "O aspecto com que mais me identifico na obra de Manoel Bonfim é aquele que o opõe a todos os antigos e modernos pensadores coniventes com os grupos de interesse que mantêm o Brasil em atraso. É sua extraordinária capacidade de indignação e de esperança. É sua convicção de que construiremos aqui uma civilização solidária e bela, assim que retiramos o poder das mãos de nossas classes dominantes, infecundas e infiéis". Em outras palavras, parasitárias.
A capacidade de produzir, quando a palmeira não serve de hospedeira para a figueira.

Certamente que a pequena mudança de estrutura havida no Brasil em seus último anos, embora pequena e silenciosa, provocou uma reação conservadora desproporcional. Muitos se sentiram deslocados de sua zona de conforto. O Brasil dos últimos anos está sendo julgado por estes valores morais decorrentes do conservadorismo de uma sociedade parasitária e condenado, não pelos seus erros, mas pelos seus inúmeros acertos.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Entre a modernidade e a pós-modernidade e o Analfabeto Político.

Conflitos entre a modernidade e a pós-modernidade. Esta é a grande marca dos tempos atuais. Faço este post em virtude de vivenciarmos o processo eleitoral, em que me parece que o pós-moderno está sendo fortemente colocado. Não irei aqui fazer reflexões mas darei a diferenciação fundamental entre o que é moderno e o que é pós-moderno, através de um texto do professor José Carlos Libâneo, intitulado Pedagogia e modernidade: presente e futuro da escola. Este texto faz parte do livro Infância, escola e modernidade, organizado por Paulo Ghirardelli Jr., da Cortez editora, junto com a editora da UFPR.
Libâneo e uma bela caracterização e diferenciação entre o moderno e o pós moderno.

Neste texto, o autor, juntando análises de Giroux, agrupa características e faz a diferenciação do que é o moderno e o pós-moderno nos campos filosófico, econômico, político e cultural. Transcreverei um trecho do campo filosófico e a íntegra do campo político. Farei ainda um acréscimo do texto atribuído a Brecht, O analfabeto político, que creio ser muito oportuno. Vejamos a caracterização de Libâneo:

"Do ponto de vista filosófico, o pós-modernismo rejeita certas ideias-mestras formuladas no âmbito do Iluminismo e da tradição filosófica ocidental: a existência de uma natureza humana essencial, a ideia de um destino humano global ou coletivo, a ideia de que os fatos, os acontecimentos, as opiniões se juntam numa totalidade, a ideia de que se pode ter uma teoria condutora da nossa ação pessoal e coletiva. Em troca dessas categorias universais, haveria ações específicas de sujeitos individuais ou de grupos particulares, existências particulares e locais, diferenças culturais, étnicas, raciais. Não se contaria mais com sistemas teóricos de referência, sejam eles lastreados na ciência, na ideologia ou na religião [...].
Junto com o livro de Frederic Jameson, os meus preferidos para o estudo do tema.

Do ponto de vista político, reduz-se a crença moderna no Estado/Nação, à medida que as forças de produção que conduzem a economia global estão cada vez mais se dispersando através do multinacionalismo das empresas, inclusive fora do bloco das nações industrializadas ocidentais. Há além disso, uma redução do poder de atração e convicção dos ideais da modernidade relacionados à vida pública, levando a uma atitude de desconfiança à prática política convencional ou mesmo uma despolitização. Por outro lado, tendem a crescer movimentos particularistas, locais, setorizados, dando à política uma conotação diferenciada".

Certamente deu para perceber que novas categorias fazem parte da vida política, como a despolitização, a fragmentação e o hiper indivíduo, junto com a ideia do pós. Vivemos numa sociedade sem ideologias e sem classes. A conciliação sempre será possível se contarmos com os melhores. No fundo isto é a velha concepção positivista, extremamente autoritária, de que os melhores deverão conduzir o povo. Resta um pequeno problema; o que faz que um seja o melhor ou o bom e o outro não, de quem ordena e de quem obedece. Segue o texto, que não se sabe ao certo, mas que já ficou convencionado ser de Brecht.
Quando eu era presidente do núcleo de Umuarama, da APP-Sindicato, nós tínhamos um quadro, na sala de atendimento, com o texto do analfabeto político escrito sobre a imagem de um burro.

O Analfabeto político.

O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem de decisões políticas.
O analfabeto político
é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo
que odeia a política.
Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio
das empresas nacionais e multinacionais.


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Bonito. MS. - Roteiro de uma viagem. O terceiro dia.

O nosso terceiro dia em Bonito amanheceu com um frio curitibano. Na nossa programação constava o passeio de barco, incluso no pacote, com flutuação no rio Sucuri. O rio Sucuri é um rio pequeno em sua extensão, em compensação é bastante volumoso e tem uma temperatura constante, em torno de 23 a 24º. Por isso, embora todo o frio, a flutuação poderia ser feita. Só não a fizemos em função do vento gelado, na saída da água. Fizemos, no entanto, o passeio de barco. O rio tem este nome de Sucuri, porque visto de cima, ele em seu volteado, imita uma sucuri. Não é porque existam sucuris em seu leito. Deve ser o rio mais preservado de Bonito.
Uma vista do rio Sucuri já nas proximidades de sua confluência com o rio Formoso.

No passeio estão incluídas as vestimentas apropriadas para a flutuação e o mergulho e desta forma você pode ver os peixes e as plantas que se encontram no fundo do rio. Toda a paisagem é maravilhosa. Na parte que serve de base para o passeio existe um bosque com as árvores nativas do cerrado, com destaque para as aroeiras, para as palmeiras de bacuri e as figueiras. Você faz uma pequena trilha e chega ao rio, na barra ou na confluência do rio Sucuri com o Formoso. Como estávamos apenas em dois, subimos num pequeno barco e navegamos rio acima, ajudando inclusive, a remar. Andamos mais ou menos uns mil e quinhentos metros, rio acima e voltamos. Nesta volta é que, correnteza abaixo, se daria a flutuação e os mergulhos.
Na paisagem, nas águas os peixes, nas margens as aves e o cuidado com os filhotes.

O cenário se compõe em primeiro lugar de peixes e, mais vez, com a predominância da piraputanga, de pequenas aves, de porcos selvagens e, embora não tenhamos visto, bugios. Chegamos a ouvir o seu ruidoso e poderoso ronco. Outra atração é a flora aquática. Mas o encanto mesmo é a clareza e a transparência da água. Desta vez o nosso guia ou canoeiro foi o Gilmar. Muito prestativo e atencioso. Esta água, embora toda a sua limpidez, não é potável em função dos seus componentes químicos. Dizem que provoca diarreia. Me impressionou muito o caráter parasitário da figueira que suga a força das palmeiras de bacuri, até a sua última força. Sobre isto também farei um post a parte, devidamente ilustrado.
Nas águas límpidas e transparentes, milhares de peixes.
O passeio não é muito demorado. Menos de duas horas. A barra está distante da cidade, uns 20 quilômetros, também, em estrada de terra. O transporte ao local, mais vez não está incluído no pacote. É uma regra geral. Na volta à cidade, um almoço típico. Peixe no cardápio, num belo restaurante. Eu preferiria uma moqueca com um pirão, mas o meu filho preferiu um dourado grelhado, que foi o que comemos. A tarde fomos ao Balneário Municipal. O frio intenso não nos possibilitou muito usufruto do local. Já comentei sobre o absurdo dos ingressos a estes balneários.
Vista do balneário municipal. A quantidade de peixes é enorme.

O resto da tarde foi ocupado com uma visita à fábrica dos sonhos da Taboa, onde compramos uma linda cerâmica para servir caldinhos e às lojas da principal avenida da cidade. Como já mencionei, o artesanato é bonito e variado. Animais nativos, entre peixes e aves, cerâmica indígena, entalhes, tudo muito colorido. Os preços são compatíveis, sem grande exploração. Lembro que viemos fora da temporada. Existem lojas ao longo de toda a avenida mas os preços são sempre muito parecidos. Comprei um belo tuiuiú e o Alexis uma colorida arara, além de coisinhas menores. O frio não deu tréguas e fez com que a noite somente a parte interior do Taboa Bar funcionasse.
Produtos do artesanato de Bonito. Araras, tuiuús, tucanos e outros animais. Além disso, destaque para a cerâmica indígena.

Ainda não falei de cachaça em Bonito. Não é o seu forte. Perguntado sobre, fui informado que havia a Taboa e  tinha, em outra época a Taruim. Mas uma briga judicial da Taboa retirou a Taruim do mercado. Comprei uma Taboa empalhada para a minha coleção, junto com uma outra produzida em Coxim, com a marca de preferida. Tem muito licor de Guavira, uma espécie de gabiroba nossa, típica do cerrado e de vegetação rasteira. A frutinha tem até festa própria, por ocasião de sua colheita. A fruta é famosa pela sua vitamina C e outras propriedades, provavelmente brotadas do imaginário popular. Devolução de juventude e de rigor.
Em Bonito encontrei estas cachaças. O nome da Taboa obedece a duas referências, uma é relativa à qualidade, a outra, a palha que cobre a garrafa.

No dia seguinte iniciaria a nossa odisseia. Não durou dez anos, mas bem que poderia ter sido mais demorada, de tão agradável que foi. A visita aos nossos amigos a fez ser tão agradável. Depois eu conto. Tem Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, Alto Paraíso e Umuarama no caminho.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Peixe à pantanal. - Receita do Giovani.

O meu post de hoje é fotográfico. Recentemente visitei o meu amigo Giovani, que mora em Dourados, no MS. Chegamos, eu e o meu filho Alexis, ao final de tarde de um sábado. Logo começou o encaminhamento do preparo do peixe com o qual ele nos recebeu. A sequência de seu preparo obedeceu a toda uma liturgia, quase sagrada. Como é bom rever amigos e, melhor ainda, quando se é assim tão bem recepcionado.
Este é o meu amigo Giovani. Aqui começa o preparo do peixe. As folhas de bananeira já tinham sido devidamente providenciadas.

As folhas são levadas ao fogo para serem levemente abanadas ou ligeiramente abafadas.

Da nervura da folha são retiradas tirinhas, que também precisam ser abafadas ao fogo. Elas servirão como uma espécie de barbante que não queima, para amarrar o embrulho com o peixe.

 O peixe deve ser temperado a gosto. Com ou sem recheio. No caso, ele não tinha recheio. O peixe escolhido foi um tambaqui. Ele é da mesma família do pacu. O passo agora foi o de embrulhar o peixe com todo o cuidado e fechá-lo com as nervuras da folha. A camisa não precisa ser necessariamente do Grêmio.

 Depois de embrulhado o peixe é levado ao fogo na churrasqueira, colocado em cima de uma grelha. A churrasqueira deve estar bem aquecida, com um bom braseiro e sem chamas. Assim deve ficar por uma hora, para cada um dos lados.

Depois do devido tempo ao fogo, o peixe é retirado da churrasqueira e a folha de bananeira deverá ser descartada. O couro do peixe estará grudado na folha e sairá junto. Assim ele está pronto para ser servido, de preferência com um arroz branco. Também pode ser acompanhado de pirão.

Ao final, deixamos o peixe assim e ainda sobrou para o dia seguinte.

Os comensais do banquete. Os anfitriões Jayne e Giovani e os convidados, o Alexis e eu. O meu amigo Giovani é um artista. Um artista no preparo de uma comida, no toque de uma gaita, de um violão ou de uma viola caipira, mas acima de tudo um artista do bem viver. No momento, o brinde de celebração de uma grande e longa amizade e da arte do bem viver. Da oração constava: "Fazei Senhor, com que estes encontros se repitam com mais frequência".







Bonito - MS. Roteiro de uma viagem. O primeiro dia.

O meu filho Alexis trabalha no COMPERJ, na nova refinaria da Petrobras, que está em construção na cidade de Itaboraí, no Rio de Janeiro e ganharia uma semana de férias.  Juntamos os nossos tempos livres e planejamos uma viagem. Como eu tenho um grande amigo morando em Dourados, o Giovani, a quem há muito eu desejava fazer uma visita, olhamos para as adjacências desta cidade e encontramos, a uns 300quilômetros de distância, a cidade turística de Bonito, uma cidade que, como pudemos constatar, realmente faz jus ao nome.
Meu filho Alexis. Na foto, no jogo da copa entre  Equador e Honduras. Agora parceiro nesta viagem.

Quando fui ao aeroporto, por coincidência, o Aeroporto jornal tinha como matéria de capa, a cidade de Bonito. Já me animei mais, mas foi apenas uma coincidência. Meu filho providenciou as reservas no hotel, que em tempos de baixa temporada, tem preços bastante razoáveis. Escolheu o hotel Wetiga (pronuncia-se uetirrá), que inclusive era citado na reportagem do jornal. Junto com as diárias do hotel constavam também dois passeios. Sobre o hotel e os passeios eu falarei em outros posts.

Saímos de Curitiba bem cedo e fomos tomar o café da manhã em Ponta Grossa, junto com o meu irmão que é irmão leigo da ordem religiosa do Verbo Divino. Não nos demoramos. A próxima parada era para ter sido em Maringá. Eu estava com saudades do meu velho e grande amigo, o professor Elson, mas em ligação na véspera, ele me contou que estava de partida para tomar uma bênção especial junto ao velho Fidel. Elson estava viajando para Cuba. Que maravilha. Para não demorar na viagem, nem sequer fizemos uma parada em Umuarama, que necessariamente seria mais demorada. Fomos direto para Dourados, cruzando as pontes do rio Paraná, no Porto Camargo.
Nós em Dourados. Com Jayne e Giovani, brindando e celebrando uma longa e duradoura amizade.

Em Dourados fomos recepcionados pela Jayne e pelo Giovani. O meu amigo estava muito emocionado e me confidenciou que já tinha tomado todas. Fui conferir na geladeira e constatei que era verdade. Sorte que, estrategicamente, o Giovani foi morar perto de uma distribuidora de bebidas. No jantar fomos agraciados com um tambaqui a pantanal, numa "celebração de uma longa amizade", conforme palavras do Giovani. O peixe a pantanal, aquele enrolado em folha de bananeira eu prometo ensinar como se faz. Tenho fotos da sequência de seu preparo. Nos recolhemos apenas depois que a grade de cerveja acabou. Sim, eu ia esquecendo. De entrada foi servida uma linguiça de Maracaju, típica do MS, inclusive, com direito a festa nacional.
Tambaqui a Pantanal. Giovani é um artista, no preparo de uma comida, no toque da gaita, do violão e da viola. Mas a sua grande especialidade está na arte de viver.

No domingo comemos uma costela, tão boa como aquelas que a gente comia no CTG de Umuarama, preparada pelo saudoso Tião. E por falar no saudoso Tião, passamos aquele tempo e aquelas pessoas em revista. Recordar é viver! Giovani é músico e vários artistas nativos participaram do nosso almoço. A única coisa desagradável do dia foi a derrota do Grêmio, agora sob o comando do Felipão, para aquele outro time lá do RS. Mas não foi por 7 x 1. A noite ainda reunimos forças para uma tábua de frios e curtir MPB, num misto de bar e restaurante. Mesas ao ar livre, um costume pouco praticado em Curitiba, por razões óbvias.
Águas límpidas e peixes são a grande atração de Bonito. Os peixes também estão presentes na praça principal da cidade. O peixe mais abundante é a piraputanga.

Cedo partimos para Bonito. Chegamos por volta do meio dia, a tempo de comer peixe. Peixe é o que mais existe nesta cidade. Depois nos acomodamos no hotel, um hotel que ostenta um pomposo título - hotel de natureza. Já a caminho, ficamos sabendo que o ilustre morador de Umuarama, o sr. João Izumi era o proprietário deste hotel. Eu pouco convivi com ele, pois, ele ainda morava em Goioerê na época. Mas os meus filhos e os dele foram criados juntos e são muito amigos. Quando ficaram sabendo que nós estávamos hospedados no hotel, fomos brindados com uma gentileza, numa bela surpresa. Chegou ao nosso apartamento um bom vinho chileno. No próximo post eu falarei um pouco do hotel.
O belo hotel Wetiga (Uetirrá) onde nos hospedamos. O hotel carrega consigo todo um conceito.

Fizemos a primeira incursão pela cidade, a pé. Ela é pequena e vive totalmente voltada ao turismo. A sua população gira em torno de 20.000 habitantes. A sua rua principal é tomada por restaurantes e pequenas lojas de artesanato, além das muitas agências de turismo. O artesanato é bonito e bastante variado. Destacam-se a cerâmica indígena, as aves, os peixes e as feras que ainda são encontradas na região. Os preços na cidade, me refiro em especial aos preços cobrados nos restaurantes, estão absolutamente condizentes com a realidade, isto é, não são absurdamente caros. Caros são os passeios, mas sobre eles também falarei no próximo post.
O local das nossas jantas. Taboa bar. Nem procuramos outro lugar, de tão bom que estava. Caldo de piranha no cardápio.

A noite, jantar no Taboa Bar (leia-se Tá boa). Um caldinho para reorganizar o estômago depois de algum possível excesso cometido em Dourados. Tomei o famoso caldo de piranha, prato típico do lugar. Ainda uma última observação. Em tempos messiânicos, em que é atribuído a Deus a subida, ou não, em avião que se acidenta, acho que foi uma inspiração superior que nos levou para a mesa onde sentamos. Ela era, como podem ver pela foto, a de número 13. Considerei uma boa indicação a ser posta em prática. Tenho um certo gosto especial para contar isso, para incomodar o nosso amigo Leo (aquele decalque do carro!), que encontraríamos no dia seguinte. Ele é fazendeiro em Bodoquena e mora em Campo Grande. Sua esposa, a Sílvia, é filha dos meus eternamente saudosos compadre e comadre Jair e Imeir.
 Não sei qual foi a força mágica que me conduziu a esta mesa. Atribuo a isso um significado ou uma indicação toda especial.

Amanhã iremos aos passeios, para as atrações turísticas de Bonito.