quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Parceria do Blog com a Companhia das Letras.

Por muito tempo adiei a decisão da aposentadoria. Esta veio, de forma definitiva, em julho de 2012, após 43 anos passados em sala de aula. Hoje a minha principal ocupação é a de ser um administrador de tempo livre. Tempo livre é uma categoria, da qual aprendi a gostar, a partir das reflexões que sobre ela fez o pensador alemão Adorno. Ao me aposentar, me dei ao luxo de me dar um presente. Uma viagem ao berço da cultura ocidental, uma viagem para a Grécia e para a Itália. Repeti a dose em 2013, conhecendo as origens da nossa América, num passeio que superou todas as expectativas, por Portugal e Espanha e, de gorjeta, ainda uma passada por Paris.
Troca de e-mails para acertar a parceria com a Companhia das Letras.

Divido este meu tempo livre entre viagens, palestras, leituras, muitas leituras, filmes, festas com os amigos e, especialmente, me dedicando ao blog. O blog me obriga a elaborar sínteses e me mantem, ao menos culturalmente, extremamente ativo. No blog me dedico a temas culturais, à política e ao relato das viagens, num compartilhamento das minhas experiências. Estou muito satisfeito com este meu modo de viver, neste mundo do pós trabalho. Não busco nenhuma remuneração nestas atividades. A minha principal preocupação é fazer um agito cultural e, se possível, contribuir com a elevação de seu nível, ainda que, num grau, dentro dos meus limites. Afinal de contas, a mente que se abre, tende para a expansão, sempre.

Eu gosto muito de frases postas em epígrafe. Elas são boas, à medida que são simbólicas e são o reflexo de toda uma situação. Na minha dissertação de mestrado, em História e Filosofia da Educação, na PUC/SP., a epígrafe principal diz sobre a relação entre a profissão, ou a atividade exercida e a alegria ou a felicidade que isso te pode trazer. Se houver uma identidade entre estas relações, estará aberta uma grande porta para uma vida equilibrada e, até diria, feliz. Se não houver esta sintonia, a tendência será para a inversão deste resultado. Eis a minha frase posta em epígrafe:
A bela frase em epígrafe é de Marx.

"A história conta entre os maiores, aqueles que, agindo no sentido do interesse comum, se tornarem eles mesmos melhores! A experiência considera ser mais feliz aquele que tornou feliz o maior número. [...] Quando tivermos escolhido a situação que nos permitirá obrar ao máximo para o bem da humanidade, nunca nos poderemos dobrar sob o seu fardo, porque os sacrifícios feitos sê-los-ão para o bem de todos. Não gozaremos então de uma alegria irrisória, limitada e egoísta mas a nossa felicidade será partilhada por milhões de seres humanos; as nossas ações viverão, silenciosas mas eternas, e as nossas cinzas serão regadas pelas lágrimas ardentes de nobres seres humanos". A frese é de Marx.

Por uma indicação da minha amiga, a professora Ileizi, da Universidade Estadual de Londrina, preenchi um formulário para fazer uma parceria entre o meu blog e a Companhia das Letras, simplesmente, a principal editora deste país. A parceria funciona nos seguintes termos: Por uns dois ou três meses eles ficaram observando o blog. Depois disto veio a proposta para a parceria. É muito simples e não não altera em nada a lógica do funcionamento do blog. A Companhia das Letras me manda a relação dos livros que são lançados no mês, eu escolho um deles,  faço a resenha para o meu blog e mando o link para eles. Eles me mandam o livro da minha escolha para ser resenhado.
Capa do livro de Solomon Northup, doze anos de escravidão, da Penguin&Companhia das Letras.

O que eu ganho com isso? Eu ganho o livro. O que ganha a Companhia das Letras? Ela ganha divulgação. Eu também ganho com a divulgação do meu blog. E o que isto tem a ver com a frase em epígrafe, da minha dissertação? Ao fazer a divulgação do livro, creio que ajudo a provocar a sua leitura. Eu acredito piamente   no princípio de que nós somos aquilo que nós lemos. Com a leitura desvelamos um mundo, um mundo amplo, plural e humano. Pelo livro elevamos o nosso ser em sua cultura, bondade e humanidade. E, ainda por cima, eu faço ou pratico uma atividade que me é extremamente prazerosa. O meu trabalho produzirá bons resultados com os compartilhamentos daquilo que eu faço.

Pois bem, o primeiro trabalho a fazer será a resenha de Doze anos de escravidão, um livro que é um marco na história dos Estados Unidos. O tema é delicado. Um homem livre é sequestrado e na qualidade de escravo é transformado em mercadoria humana, sob os beneplácitos da lei e da religião. Fato real, vivido e escrito por Northup, o narrador de suas desventuras. O tema é delicado, pois, a mentalidade escravocrata ainda persiste em nós, pois, do contrário, além da abolição também já teriam acabado com a sua obra, com a sua herança, refletida na imensa miséria que ainda grassa pelo mundo. Deixo no ar uma afirmativa de Northup: "Ai! Eu ainda não havia aprendido a extensão da 'desumanidade de um homem para outro homem', tampouco até que infinita medida de maldade um homem é capaz de ir pelo amor ao lucro". Segue a referência do livro: NORTHUP, Solomon. Doze Anos de Escravidão. São Paulo: Penguin&Companhia das Letras. 2014.





quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Do Discurso da Ditadura à Ditadura do Discurso. Bernardo Kucinski.

"A ditadura não me deixava escrever aquilo que penso. O pensamento único não me deixa pensar o que escrevo". Frase encontrada na sede do Sindicato dos Jornalistas, em Buenos Aires.



Uma cena marcante em minha vida. Participar do Fórum Social Mundial,  que por várias vezes se reuniu na cidade de Porto Alegre. O Fórum surgiu em contraposição ao Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente, em Davos na Suíça. Davos reúne políticos, economistas e os homens do Capital. Já Porto Alegre reunia a intelectualidade humanista do mundo. Enquanto Davos se centrava no econômico, Porto Alegre se centrava no social. Depois de eleito presidente, Lula mal terminou de discursar em Porto Alegre, no Por do Sol, para mais de cem mil pessoas e depois - rumar diretamente para Davos. O Slogan que congregava o mundo de Porto Alegre era "Um outro Mundo é Possível".
Certificado de participação do primeiro Fórum Social Mundial. "Um outro mundo é possível".

A primeira sessão do Fórum aconteceu no ano de 2001, quando o neoliberalismo estava no auge de sua construção ideológica, mas já dando sinais de que estava fazendo água. Fernando Henrique Cardoso exibia no Brasil o desastre de seu governo com os dolorosos dados de violentíssima exclusão social. O clamor destes excluídos se fazia cada mais forte e multi-sonante. O mundo vivia o estágio do capitalismo em sua versão neoliberal, de capitalismo financeiro e parasitário, de pensamento único e de fim da história

Saí de lá conhecendo muitas pessoas, vendo e idolatrando ídolos, ouvindo muitas falas, trocando experiências, revendo amigos do velho mundo, estabelecendo novos relacionamentos e comprando livros mas, acima de tudo, renovando e reafirmando convicções, e porque não, tendo também algumas decepções. Com certeza, o mundo sob o meu olhar se tornou maior e mais plural. Humano. Um fato eu gostaria de destacar. Comprei uma revista, Cadernos Diplô do Le Monde Diplomatique, do qual um artigo, em especial, chamou minha atenção. Do discurso da ditadura à ditadura do discurso, de Bernardo Kucinski. Depois encontrei este texto num livro seu. Abaixo dou a referência. Usei-o bastante em minhas aulas, no curso de jornalismo.
A revista onde se encontra, entre outros, o artigo do Bernardo Kucinski.

Em 2002 Lula se elegeu presidente. As diretrizes macroeconômicas continuaram sendo ditadas pela ordem dominante, mas junto com ela também foram incrementadas políticas sociais e de distribuição de renda. Em suma, no dizer do próprio Lula, foi implementada uma política de crescimento econômico, mas junto com o crescimento a distribuição de seus resultados, modesta porém, com resultados visíveis e que incomodam as velhas classes dominantes. O Brasil ganhou nova fisionomia e o mercado interno se expandiu. Muitos melhoraram de vida e de horizontes. Mas uma coisa não mudou. O governo não teve coragem de fazer qualquer mudança neste campo. O mundo da mídia, ou melhor, o mundo dos meios de comunicação. Feita esta constatação quero ir ao texto do Kucinski, para anunciar os dez paradoxos da mídia brasileira e sublinhar os destaques dados à matéria. Quem quiser mais, terá que ir ao texto. Apresentarei apenas uma espécie de enunciado destes paradoxos.
Do discurso da ditadura à ditadura do discurso. O que é pior? Aqui estão enunciados os 10 paradoxos.

Primeiro paradoxo: Não há mercado de ideias no neoliberalismo brasileiro. Não há mais laicos ou católicos. Existe a mesmice jornalística. Não há jornais de esquerda, nem mais os jornais alternativos.

Segundo paradoxo: Temos menos pluralismo na democracia do que tínhamos na ditadura. Caímos na ditadura do discurso único. Na ditadura havia, especialmente, os semanários alternativos.

Terceiro paradoxo: Na era neoliberal não é necessária a manu militari, porque nenhum jornal adota linha crítica. O jornalismo se tornou mais superficial e denuncista, que faz a denúncia da corrupção a partir de uma posição moralista, mas não estabelece os vínculos entre a corrupção e o modo de implementação do neoliberalismo.

Quarto paradoxo: O de uma mídia uniformemente conservadora numa sociedade claramente polarizada, com o aumento da exclusão social e o crescimento da sociedade organizada, dos movimentos sociais. A mídia se conserva monoliticamente neoliberal.

Quinto paradoxo: Os jovens jornalistas sofrem com a censura interna, da restrição à liberdade de crítica e de criação. Ameaças de demissões, a grande rotatividade e o abandono da profissão atestam os novos métodos. A ética jornalística  desapareceu das redações e a supressão da liberdade de informar se banalizou como condição natural.

Sexto paradoxo: O da concentração do monopólio, violando as leis antimonopólio. Um único grupo controla mais de 70% da audiência, com capacidade de configurar o imaginário popular. Este poder aparece espacialmente em tempos de eleição presidencial.

Sétimo paradoxo: No jornalismo neoliberal a mídia fala em nome do interesse público mas serve ao interesse privado. À privatização do Estado, correspondeu a privatização das concessões de rádio e TV.

Oitavo paradoxo: Como se explica que empresas de comunicação de massa,, que prosperam quando a renda aumenta e entram em crise quando a miséria toma conta, apoiem o projeto neoliberal? A indústria da comunicação está em profunda crise no Brasil, mas ainda assim, apoia entusiasticamente o projeto neoliberal.

Nono paradoxo: as empresas brasileiras de comunicação de massa planejam sua própria absorção pelos grupos globais da comunicação. É o suicídio empresarial de uma burguesia congenitamente entreguista e subserviente. É também o suicídio cultural da comunicação de massa brasileira.

Décimo paradoxo: A mídia celebra o advento da era pós-moderna como a da morte nas meta narrativas e o fim da história. Celebra a ausência de padrões dominantes nas artes, nos hábitos, na religião, na constituição da família e na sexualidade. Propõe a era da convivência dos contrários, da tolerância étnica, enfim do pluralismo em todas as suas formas. Menos no modelo econômico: nesse, o neoliberalismo se coloca como a derradeira meta narrativa. Não tolera a divergência, não admite valores que não sejam os seus.

Bravo Bernanrdo Kucinski. Não procurei interferir no texto. Apenas pinçar as ideias principais, no espírito da síntese. Tudo gera debate e aprofundamento. É necessário lembrar que o texto é datado. Edição nº 3 do Diplô, de janeiro de 2002. O texto em sua íntegra pode ser encontrado no livro: KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo na era virtual. Ensaios sobre o colapso da razão cínica. São Paulo: UNESP & Fundação Perseu Abramo. 2005.
O texto sobre os dez paradoxos também pode ser encontrado neste livro. Jornalismo na era virtual.

Vi com muita satisfação, na revista Cult nº 187, de fevereiro de 2014, Bernardo Kucinski se lançando às "memórias de um tempo que não deve ser esquecido", inaugurando um período de escrever contos "baseados em histórias da ditadura militar" em que "transforma a dor em arte". Lançou pela Kosac Naify, Você vai voltar para mim e outros contos.




  

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

São Bernardo. Graciliano Ramos. A Fazenda São Bernardo.


Depois de ler, em dezembro, a extraordinária biografia de Graciliano Ramos, O Velho Graça - Uma biografia de Graciliano Ramos de Dênis de Moraes, me comprometi com a leitura de seus principais livros. Como Graça não é literatura para final de ano, somente agora iniciei esta tarefa. E comecei bem. Terminei de ler São Bernardo, o seu segundo grande romance.


Capa da Record, do livro São Bernardo de Graciliano Ramos, com um belo posfácio.

Não resisto em transcrever o escrito na contracapa do livro sobre a literatura de Graça, que também merece amplo destaque em sua biografia: "Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de ter feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer." Depois verifiquei que isto está na contracapa de todos os livros dele, editados pela Record.

A literatura de Graciliano é árida como o sertão, como a fala do sertanejo. Os diálogos ou as conversas são diretas, sem rodeios desnecessários ou inúteis. Tudo é árido como a vida no sertão. "A palavra foi feita para dizer". O tema de São Bernardo é a fazenda do sertão. A fazenda, ou o latifúndio de Paulo Honório, o cinquentão proprietário. Fazenda em Viçosa, nas Alagoas, a terra do escritor. Conhecimento de causa.
São Bernardo, o romance de Graciliano também foi levado ao cinema.

A fazenda fazia o sonho do proprietário, que tivera vida difícil, alfabetizado em Bíblia protestante e prisão. Em terra sem lei e sem justiça, se fez um vencedor. "O meu fito na vida foi apossar-me  das terras de São Bernardo, construir esta casa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o descaroçador, introduzir nestas brenhas a pomicultura e a avicultura, adquirir um rebanho regular." Tudo isso ele conseguiu. O alvo foram os Padilha. Salustiano, seu antigo patrão, nem vivera, pois, queria ver o filho Luís como doutor. Luís, viciado em baralho e bebida, se tornou vítima fácil e lhe tomou as terras. A derrubada da cerca dos Mendonça, só fez aumentá-las.

Para ter uma vida feliz, precisaria casar. Depois de muito escolher arranjou o consentimento de Madalena, a boa professora e sobrinha de Dona Glória. Aí começam os seus problemas. Digo e repito, os seus problemas. Invenções do imaginário. O narrador nos induz que Madalena era mulher ideal e perfeita em sua conduta, em seu cotidiano, mas não no imaginário de Paulo. Ali ela era a encarnação do demônio. Sorrateira e traiçoeira ela lhe aprontava e lhe infernizava. Tudo fazia, sem deixar pistas. A vida dos dois, ou melhor, dos três - teve um filho, se tornou insuportável. O choro do menino o incomodava. Madalena, à sua maneira deu um jeito em tudo. Depois Paulo reclamou de Solidão, nem choro de criança tinha mais.

O romance de Graciliano Ramos - São Bernardo - se ocupa do latifúndio nordestino e suas mazelas.

Vem a revolução e as crises. A fazenda se consome. Não vale a pena produzir e muito menos colher. Este era o cenário de angústia e crise em que Paulo Honório vivia. O narrador expressa assim a sua dor, angústia ou loucura em algumas frases finais. "Estraguei a minha vida estupidamente. Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige".

Em meio a esta aflição procura algumas explicações para a sua infelicidade. Culpa a sua profissão, ou o exercício dela. E assim vai se remoendo: "Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo. Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. [...] A desconfiança é também consequência da profissão". E, em desespero continua: "Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio." E ainda, um lamento final: "Se ao menos a criança chorasse... Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria."

Caricatura de Graciliano Ramos, um escritor incomparável, árido e essencial.

O livro vem acompanhado de um posfácio, escrito por Godofredo de Oliveira Neto. Ele se detém bastante na literatura de Graciliano, começando pela necessidade que o autor tinha em escrever. Termina com uma referência ao caráter ideológico da obra, sabendo-se que Graciliano Ramos era comunista, embora ainda não filiado ao Partidão, em 1934, quando o livro foi escrito. Godofredo assim se expressa: "Graciliano tinha mesmo em vista contribuir, com a arte, para transformar a estrutura social. E é conhecido que julgava indispensável viver como um miserável para poder falar do ponto de vista desse miserável. A busca desse real é a expressão estética de S. Bernardo. Através da arte, aproximar-se do real, com a certeza de que tal verdade jamais será tingida na sua essência. O grito de cunho social de que S. Bernardo é portador se faz dentro dessa limitação." E conclui:

"Se Paulo Honório, por abraçar caminhos individuais, sem se entrosar nos movimentos coletivos, foi punido, resta, ao se terminar a leitura de S. Bernardo, a sensação de que o homem, ser político, não pode aspirar à absoluta isenção e à racionalidade. Traz com ele um emaranhado de conflitos internos que lhe turvam necessariamente a razão." Creio que também é visível na obra, que não existem as mesmas facilidades de conquistas nas coisas materiais, do que aquelas que se referem ao campo das relações humanas. Ainda destaco a mais triste das conclusões a que Paulo Honório chegou. "Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige."


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Philomena. Uma história da católica Irlanda.

Introibo ad altare Dei, entoou  Buck (esteriótipo negativo a respeito dos irlandeses) Mulligan, se dirigindo para Kinch (apelido de Joyce): Suba Kinch! Suba, seu temível jesuíta. Assim, mais ou menos, começa Ulisses, o grande livro do irlandês James Joyce. Começo assim para caracterizar a Irlanda, para sua sorte ou azar, como um país católico e jesuítico. Uma coisa complementa a outra para conferir para a Irlanda, o caráter católico da alma de seu povo.
Cartaz do filme, com a dupla que investiga a trama da história.

Desde que li, ou lemos o Ulisses, com a ajuda do Caetano Galindo, num grupo de leitura, tudo que se refere a este singular país me atrai de uma maneira muita especial. E de uma maneira muito particular, os seus muitos e grandes escritores. Ainda não retirei da lista de meus desejos, percorrer as ruas de Dublin e lá tomar a sua cerveja mais característica, a Guinness. Agora, entre os filmes indicados ao Oscar, está Philomena, uma história real ocorrida neste país e, qual é o tema central de sua história? Mexer com os dogmas católicos do sexo e do desejo e a sua criminalização. Em nome disso, de sua ocultação ou abafamento, crimes atrozes passam a ser cometidos.

Nos anos 1950, Philomena era uma adolescente irlandesa e, em consequência, de família e de formação católica e de moral jesuítica, que sucumbiu aos desejos carnais, entregando-se a um homem, o pior dos crimes que uma jovem poderia cometer. Para aplacar a sua culpa e esconder o dito ato indecente, a família a entrega à uma congregação de freiras, que a recebem e se encarregam do parto em troca de trabalhos e da própria criança, que será (me falta a palavra...) comercializada com casais católicos, de irlandeses residentes nos Estados Unidos. Assim, as irmãs tinham uma dupla rentabilidade, a provinda do trabalho e a da criança. E o silêncio velava pelo zelo da moral e dos bons costumes.
Judi Dench e Stevie Coogan. Ela, atriz intérprete de Shakespeare no teatro, e candidatíssima ao OSCAR.

As cenas do convento são chocantes. Philomena observando o que se passa, as crianças sendo entregues aos casais, o seu parto e os trabalhos, sendo os piores, os da lavanderia. Em meio a tudo isso, os ensaios de canto e entre eles, um de extrema beleza, que nós cantávamos com todo o entusiasmo e fervor O res mirabilis, do Panis Angelicus, nos nossos tempos de seminário. Dá para imaginar as perturbações e sofrimentos dessa mulher e, acima de tudo, mãe.

Quando Anthony, este era o nome do menino, estaria por completar uns cinquenta anos, um jornalista político da BBC., bastante influente, fica sabendo da história. Aí se forma a dupla extraordinária deste filme, Philomena e Martin Sixsmith, Judi Dench e Steve Coogan, respectivamente. Em dupla fazem um trabalho investigativo muito interessante. Começam pelo convento na Irlanda, onde tudo dorme em silêncio sepulcral.
Martin desperta o interesse de uma editora pela publicação da história e consegue financiamento para que viajem aos Estados Unidos e continuem a sua investigação. Descobrem Anthony como uma pessoa muito bem sucedida, alto funcionário da Casa Branca, nos governos Reagan e Busch, porém morta. Morta em plena juventude. Morte por AIDS. Preservativos atrapalhariam os sentimentos. Relações homossexuais teriam que ser escondidas do Partido Republicano.
Judi Dench, interpretação soberana da sofrida Philomena.

O companheiro de Anthony é descoberto. Procuram-no. Ele não recebe Martin. Philomena faz a última tentativa. O resto da história se desvenda. Ele amava a mãe e amava a Irlanda. O companheiro lhe atendeu o seu último desejo, de ser enterrado em sua terra natal, no convento em que nascera. No convento, junto a sepultara se dão as últimas cenas do drama. A maior certeza que Philomena queria ter, era a de que o filho realmente tivera carinho e zelo para com a mãe, o que a leva à grandeza do gesto do perdão. Este perdão não foi compartilhado por Martin, que não metaboliza os horrores perpetrados em nome do zelo, da moral e dos bons costumes.

O maior mérito do filme está em sua história, da maneira como esta história é contada, sem choradeiras, nem achaques, embora de uma forma vigorosa, junto com a interpretação magistral da dupla Philomena e Martin. É neste campo, justamente, que estão as suas indicações à estatueta. Melhor filme, o diretor é Stephen Frears, melhor atriz, a intérprete de Shakespeare no teatro, Judi Dench, melhor roteiro adaptado, onde o próprio Steve Coogan divide o trabalho com Jef Pope e ainda o de melhor trilha sonora, que é realmente maravilhosa e sentida nos momentos precisos. Só pela inclusão do Panis Angelicus....

Tenho para mim, que uma estatueta o filme leva. Nenhuma premiação para as quatro indicações será surpresa. O prêmio que levar será justo com toda a certeza. E, próxima etapa minha. Vou ao Mercado Municipal comprar uma Guinness, pois o merchandising desta cerveja ao longo do filme, não permite tomá-la apenas numa eventual ida a Dublin. Tem que ser agora. Voltando ao filme, só para dizer que o achei maravilhoso e extraordinário. E ainda, em tempo. A verdadeira Philomena da história foi recebida em audiência pelo Papa Francisco, num gesto muito bonito, como aliás, lhe é peculiar. 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Fábula dos Porcos Assados. O que não faz a burocracia?

FÁBULA DOS PORCOS ASSADOS.

Achei em meus arquivos esta impressionante história que revela, com muito humor, a irracionalidade da burocracia.  Uma história imperdível. Ela chegou em minhas mãos, ainda nos anos 80, pelas mãos do Dr. Olivar Coneglian, quando éramos professores na Faculdade de Direito de Umuarama.

Artigo publicado em “Juicio a La escuela”, Cirigliano, Forcade Tilich Editorial Humanitas. Buenos Aires, 1976.

“A burocracia é um meio usado pelo Estado para conseguir seus fins. Quando ela deixa de ser meio para se tornar um fim em si mesma, quando ela passa a alimentar-se de si mesma, está na hora de acabar com ela, ou ela acaba com o Estado”. Olivar Coneglian.

            Uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado é esta: certa vez um incêndio num bosque onde se encontravam alguns porcos fez com que estes fossem assados pelo incêndio. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosos. Logo, toda vez que queriam comer porcos assados, incendiaram um bosque... até descobriram novo método.
Para chegar a este método, um longo caminho foi percorrido.          

 Mas o que eu quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar O Sistema para implantar um novo. Fazia tempo que algumas coisas não iam bem: às vezes os animais ficavam queimados ou parcialmente crus; outras, de tal maneira queimados que era impossível utilizá-los. Como era um procedimento montado em grande escala, preocupava muito a todos, porque, se o Sistema falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também muitos milhões eram os que tinham ocupação nesta tarefa. Portanto, O Sistema simplesmente não devia falhar. Mas, curiosamente, à medida que se fazia em maiores escalas, mais parecia falhar e maiores perdas parecia causar.

            Em razão das deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente  O Sistema. Tanto assim que, todos os anos, realizavam-se congressos, seminários, conferências e jornadas para achar a solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo, porque no ano seguinte repetiam-se os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. E assim sempre.

            As causas do fracasso do Sistema, segundo os especialistas, deviam-se atribuir ou à indisciplina dos porcos que não permaneciam onde deviam, ou à inconstante natureza do fogo tão difícil de controlar, às árvores excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao Serviço de Informações Meteorológicas que não acertava o lugar, o momento e a quantidade de chuvas, ou...

            As causas eram – como se vê – difíceis de determinar porque, na verdade, O Sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura; uma grande maquinaria com inúmeras variáveis fora institucionalizada. Havia indivíduos dedicados a acender: os incendiadores que, ao mesmo tempo, eram especialistas de setores (incendiadores da Zona Norte da Zona Oeste, etc; incendiador noturno, diurno com especialização matutina e vespertina, incendiador de verão, de inverno, com disputas jurídicas sobre o outono e a primavera). Havia especialistas em vento: os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Florestação Incendiável, uma Comissão Nacional de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias  - ISCUTA – e o BODRIO – Bureau Orientador de Reformas Ígneo-Operativas.

            O BODRIO era tão grande, que tinha Inspetor de reformas para cada 7.000 porcos, aproximadamente. E era preciso o BODRIO que propiciava anualmente os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. Mas isto só parecia servir para incrementar o BODRIO em burocracia.

            Tinha-se projetado e encontrava-se em pleno crescimento a formação de novos bosques e selvas, segundo as últimas indicações técnicas (em regiões escolhidas segundo determinada orientação, onde os ventos não sopravam mais do que três horas seguidas, onde era reduzida a porcentagem de umidade).

            Havia milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques que logo teriam que ser incendiados. Havia especialistas, na Europa e nos Estados Unidos, estudando a importação das melhores madeiras, árvores, sementes, de melhores e mais potentes fogos, estudando idéias operativas (por exemplo, como fazer buracos para que neles caíssem os porcos). Havia também grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, mecanismos para deixá-los sair no momento oportuno, técnicos em alimentação, etc.

            Havia construções de estábulos para porcos. Professores formadores de especialistas na construção de estábulos para porcos. Universidades que preparavam os Professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos. Investigadores que forneciam o fruto do seu trabalho às Universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos; Fundações que apoiavam os Investigadores que davam o fruto do seu trabalho às Universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos, etc.

            As soluções que os congressos sugeriam, por exemplo, eram aplicar triangularmente o fogo após a  V-a-1 pela velocidade do vento sul, soltar os porcos 15 minutos antes que o fogo promédio alcançasse 47º; outros diziam que era necessário por grandes ventiladores que serviriam para orientar a direção do fogo e assim por diante. E não é preciso falar que poucos especialistas estavam de acordo entre si e que cada um tinha investigações e dados para provar suas afirmações.

            Um dia, um incendiador Categoria SO/DM/VCH (isto é, um acendedor de bosques especialista sudoeste, diurno, matutino, com licenciatura em verão chuvoso), chamado, JOÃO SENTIDO COMUM, falou que o problema era muito fácil de resolver. Tudo consistia, segundo ele, primeiramente, em matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal e colocando-o, posteriormente, numa jaula metálica ou armação sobre umas brasas, até que o efeito do calor e não das chamas o assasse ao ponto.

            Ciente, o Diretor Geral do Assamento mandou chamá-lo e perguntou que coisas esquisitas andava falando por ali, e depois de ouvi-lo, disse-lhe:

            - O que o senhor fala está bem, mas somente na teoria. Não vai dar certo na prática. Pior ainda, é impraticável. Vamos ver o que o senhor faria com os anemotécnicos, no caso de se adaptar o que sugere.
            - Não sei, respondeu João.
            - Onde vai por os acendedores das diversas especialidades?
            - Não sei
            - E os especialistas em sementes, em madeiras? E os desenhistas de estábulos de sete andares, com suas máquinas limpadoras e perfumadoras automáticas?
            - Não sei.
            - E os indivíduos que foram ao estrangeiro para se especializar durante anos e cuja formação custou tanto ao país? Vou pô-los para limpar porquinhos?
            - Não sei.
            - E os que tem se especializado todos esses anos em participar de congressos, seminários e jornadas para a Reforma e Melhoramentos do Sistema? Se o que você fala resolve tudo, que faço com eles?
            - Não sei.
            - O senhor percebe agora que a sua solução não é a de que todos nós necessitamos? O senhor acredita que, se fosse tudo tão simples, os nossos especialistas não teriam achado a solução antes? Veja só! Que autoridade pode avaliar sua sugestão? O  senhor, por certo, imagina que eu não posso dizer aos Engenheiros em Anemotécnica que é questão de pôr brasinhas sem chamas! O que eu faço com os bosques já preparados,ao ponto para serem queimados, que somente possuem madeira apta para o fogo-em-conjunto, cujas árvores não produzem frutos, cuja falta de folhas faz com que não prestem para dar sombra? O que faço? Diga-me.
            - Não sei.
            - O que faço com a Comissão Redatora de Programas Assados, com seus Departamentos de Classificação e Seleção de Porcos, com a arquietura Funcional de Estábulos, estatística, população, etc?
            - Não sei.
            - Diga-me: o Engenheiro em Porcopirotecnia, o Sr> J. C. da Figuração, não é uma extraordinária personalidade científica?
            - Sim, parece que sim.
            - Bem, o simples fato de possuir valiosos e extraordinários engenheiros em Porcopirotecnia indica que o Sistema é bom. E que faço com indivíduos tão valiosos?
            - Não sei.

            - Viu? O senhor tem que trazer solução para certos problemas, como fazer melhores anemotécnicos, como conseguir mais rapidamente acendedores do Oeste (que é a nossa maior dificuldade), como fazer estábulos de oito andares ou mais, em lugar de somente sete, como até agora. Tem que melhorar o que temos e não mudá-lo. Traga-me uma proposta para que nossos bolsistas na Europa custem menos ou mostre-me como fazer uma boa revista para a análise profunda do problema da Reforma do Assamento. Isto é o de que necessitamos. Isto é o de que o País necessita. Ao senhor, falta-lhe sensatez, sentido-comum! Diga-me, por exemplo, o que faço com o meu bom amigo (e parente), o Presidente da Comissão para o Estudo de Aproveitamento Integral dos Resíduos dos ex-bosques?

            - Realmente, eu estou perplexo!, falou João.
            - Bem, agora que conhece bem o problema, não diga por aí que o senhor conserta tudo. Agora, o senhor vê que o problema é mais sério e não tão simples como o senhor imaginava. Tanto os de baixo como os de fora dizem: “Eu conserto tudo”. Mas tem de estar dentro para conhecer os problemas e saber as dificuldades. Agora, entre nós, recomendo-lhe que não insista com sua idéia, porque isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim! Eu falo pelo seu próprio bem, porque eu o compreendo, ou entendo seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior mais intransigente e menos compreensivo. O senhor sabe como são, às vezes, não é?

            João Sentido Comum, coitado, não falou um “A”. Sem despedir-se, meio assustado e meio atordoado com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu e nunca mais ninguém o viu. Por isso é que falam que, nestas tarefas de reforma e de melhoria do Sistema, falta o Sentido-comum.

Tradução de I.L. Gualazzi.

            

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Poema Pedagógico. A. S. Makarenko.

Makarenko ganhou notoriedade a partir de 1920, quando dirigiu instituições educacionais correcionais para crianças e adolescentes abandonados. A Colônia Maxím Gorki, em Poltava (1920-1928) e a Comuna F. M. Dzerjinski, em Khárkov (1927-1935). Estas experiências foram narradas no livro Poema Pedagógico, em três volumes. São experiências do regime socialista soviético num dos campos mais difíceis da educação, que é o da formação de menores infratores. A leitura destes três volumes foi para mim uma das experiências mais impressionantes da minha vida. Lembro-me mais especificamente das questões ligadas à disciplina.
Estes três livros deixaram em mim profundas repercussões.

Na sua abertura tem um diálogo, ou uma conversa, que nunca mais consegui esquecer. A conversa é com o Zavgubnarobraz - chefe do Departamento de Educação da Província. Este diálogo mostra as dificuldades que um educador de verdade, encontrou junto ao regime soviético. Não obstante, o livro é um poema de respeito ao ser humano, àquele ser humano, que muitas vezes, ou quase sempre não recebe nenhuma atenção. Lembro-me especificamente desta questão, sendo tratada em Jorge Amado em seu fabuloso livro Capitães da Areia. Mas vamos à conversa, ou ao diálogo não muito amistoso.

Em setembro de 1920, o Zavgubnarobraz me convocou à sua presença e disse:

-Olhe aqui, meu caro, ouvi dizer que você anda reclamando à beça... porque eles... do Conselho Econômico da Província... lhe cederam aquele lugar ali... para a sua escola profissional...

-E como é que eu não havia de reclamar? O caso não é só reclamar, é caso de sentar e chorar aos uivos: que espécie de escola profissional é aquilo? Imunda, empesteada de fumo! Então aquilo ali parece uma escola?

-Pois sim, já sei do que é que você gostaria: que construíssem um prédio novo, colocassem carteiras novinhas, aí então você se poria a trabalhar. Não são os prédios que importam, meu caro, o que importa é educar o homem novo, mas vocês, pedagogos, sabotam tudo: é o prédio que não lhes agrada, são as mesas que não lhes servem. O que lhes falta é aquele... o fogo, sabe - aquele... o revolucionário. Janotas, é o que vocês são.
O grande educador Makarenko, autor do Poema Pedagógico( 1888-1939). De óculos...

-Eu até que não sou janota.

-Vá lá, você não é... Intelectuais sarnentos! Eu procuro e procuro, temos uma tarefa tão grande pela frente: proliferam esses vagabundos, moleques abandonados - não se pode mais andar pela rua, até residências eles invadem. E só o que eu ouço é, isto é assunto seu, responsabilidade do Departamento de Educação Pública... E então?

-E então, o quê?

-É isso aí: eles não querem nem saber, com quem quer que eu fale, só recebo recusa redonda - eles vão nos esfaquear, falam. O que vocês querem é um bom escritorinho, seus livrinhos... Olhe só para você, até óculos já botou...

Desatei a rir:

-Ora vejam, agora até meus óculos atrapalham!

-O que eu quero dizer é que vocês só querem saber de leitura, mas se lhes puserem pela frente um ser humano vivo, lá vão vocês: O tal ser humano vivo vai me matar! Intelectuais!

O Zavgubnarobraz me espetava com seus olhinhos negros enfezados, e de sob o bigode nietzschiano, emitia impropérios contra toda  a nossa confraria pedagógica. Só que ele não tinha razão, esse Zavgubnarobraz.

-Mas ouça-me, por favor...

-"Ouça-me, Ouça-me..." Ouvir o quê, para quê. O que é que você pode me dizer? Vai me dizer, ah, se fosse daquele jeito... como na América! Há pouco eu li um livreco a esse respeito, alguém me empurrou. Reformador... ou, como é mesmo, espere... isso mesmo, reformatórios. Pois bem, isso nós ainda não temos.

-Não é isso, o senhor me escute.

-Muito bem, estou escutando.

-Mesmo antes da Revolução já se sabia lidar com esses vagabundos. Já existiam as colônias para delinquentes juvenis.

-Isso não nos serve, sabe... O que foi antes da Revolução não presta para nós.

-Certo. Isso significa que temos de criar o homem novo de maneira nova.

-De maneira nova, isso mesmo, nisso você está certo.

-Mas ninguém sabe de que jeito fazer isso.

-Nem você sabe?

-Nem eu sei.

Pois aqui comigo, sabe... eu tenho uns caras aqui mesmo no Departamento de educação da província que sabem...

-Mas não querem por mãos à obra.

-Não querem, os safados, quanto a isso você acertou.

-Mas se eu começar alguma coisa, eles vão infernizar-me a vida, vão acabar comigo. Faça o que fizer vão dizer que não é nada disso.

-Vão mesmo, os desgraçados, nisso você está certo.

-E o senhor vai acreditar neles e não em mim.

-Não vou acreditar neles, vou dizer-lhes: e por que não começaram vocês mesmos?

-Mas, e se eu de fato meter os pés pelas mãos?

O Zavgubnarobraz deu um murro na mesa:

-Mas que conversa é essa de meter os pés pelas mãos? Meter os pés pelas mãos? Então você vai meter os pés pelas mãos, e daí, ora bolas! O que é que você quer de mim? Acha que eu não compreendo nada, ou o quê? Então faça as suas trapalhadas, meta os pés pelas mãos, mas o trabalho tem de ser feito. Faça e depois veremos. O principal é que, sabe... não se trata de alguma colônia de delinquentes juvenis qualquer, mas, você entende, é a Educação Social... Precisamos de um homem novo assim... um que seja nosso! E você trate de construí-lo. De qualquer jeito, todos tem que aprender, Então você vai aprender, também. Até foi bom você me dizer na cara que não sabe. Pois então está tudo resolvido, e tudo bem.

- Mas existe um lugar? Uns prédios sempre são necessários, apesar de tudo.

-Existe, meu caro. Um lugar e tanto. Exatamente no local onde ficava a antiga colônia de delinquentes juvenis. Não é longe - umas seis verstás (milha russa). É gostoso ali: bosques, campos - dá para criar umas vacas.

Tudo na medida correta, mas quem sabe o que é a medida correta? Um educador maravilhoso.

-E gente?
Vou já, já tirar gente do bolso, para você. Quem sabe vai querer também um automóvel?

-E dinheiro?

-Dinheiro temos. Aqui receba.

-Ele tirou um pacote de notas da gaveta da escrivaninha. - Cento e cinquenta milhões. Isto dá para qualquer tipo de despesa de organização e para alguma mobília de que precise...
-E para as vacas?

-As vacas vão ter que esperar; lá não há nem vidraças. E para o ano você me prepara uma estimativa.

-Mas fica meio esquisito, assim - não seria bom eu dar uma olhada ali, antes?

-Eu já olhei...e daí, acha que você vai enxergar mais do que eu? Vá para lá duma vez e e pronto!

-Pois muito bem - disse eu, aliviado, porque naquele momento nada me parecia mais assustador do que o recinto do Conselho Econômico da Província.

-Assim é que se fala- disse o Zavgubnarobraz. Vá em frente! A causa é sagrada.

Apesar de tudo isso, Makarenko fez um trabalho que foi reconhecido pelo mundo inteiro, apesar desse primeiro capítulo do livro e do título do segundo, O inglório começo da Colônia Górki. Resultados maravilhosos começaram a aparecer.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

American Hustle. Trapaça. O Filme de David Russell.

O título em inglês American Hustle, vai aí de propósito. É mais um desses filmes em que os americanos, ou os estado-unidenses, fazem humor e comédia de seu estilo ou de sua filosofia de vida, de que necessariamente devem enriquecer, e enriquecer de forma fácil. Os aspectos da legalidade ou ilegalidade dos meios, fica em segundo plano. Creio que o humor, a ironia, o trabalho com os personagens, são as maiores virtudes com os quais o filme se apresenta ao público.
A beleza e a sensualidade de Amy Adams é impressionante. São os componentes de sua atuação.

Não é uma grande história. O cenário do filme é uma investigação do FBI, dos anos 1970/80, batizada de ABSCAM, que flagrou alguns políticos envolvidos em corrupção. Nenhum peixe grande foi pego, só bagrinhos. O personagem do filme é Irving Rosenfeld (Christian Bale), que não satisfeito com as lavanderias herdadas, se lança em aventuras mais picantes e mais rendosas. Irving, embora casado, envolve em suas aventuras a bela e sensual Sydney Prosser (Amy Adams), que prontamente topa as paradas. A esposa de Irving, Rosalyn (Jennifer Lawrance) passa a ser o grande problema. Calar a sua boca, pois é de fala fácil, de fácil entrega das situações é que passa a ser a grande tarefa de Irving e Sydney, o casal de trapaceiros.

As trapaças do casal são descobertas pelo ambicioso agente do FBI, Richie DiMaso (Bradley Cooper), que os acompanha de perto. O casal, para atenuar situações se envolve com o agente, que ansiosamente, busca incluir em seu currículo, a prisão de políticos corruptos, vinculando-os com as ações da máfia. As suas intenções iam até bem, até que Rosalyn entregou toda a história a um mafioso, com quem se envolvera. Essa é a trama do filme, do qual vi vários expectadores, em seus comentários, se queixaram.
Atuações perfeitas de Richie DiMaso, o agente do FBI e de Irving Rosenfeld, o trapaceiro.

O filme não recebeu muitas críticas. A mais favorável é a que está relacionada ao humor, aos diálogos inteligentes e às piadas feitas, que, embora americanas, são inteligentes. O Estadão em sua crítica cita gregos e romanos e o seu trato com o humor. Cita Horácio que dizia que o riso corrige os costumes. Além de corrigir os costumes libera também o riso. Processo de catarse. Rir sempre faz bem. O filme provoca o riso, mas não risadas e, muito menos, gargalhadas. Humor fino, leve.

O diretor caprichou na formação do elenco. Até Robert de Niro aparece como um mafioso, numa pontinha do filme. As atuações mais impressionantes são as do trio, ou do quarteto que protagoniza a trama. O casal trapaceiro, Irving e Sydney, a sua mulher Rosalyn, em sua ingenuidade e comodismo e o agente do FBI, Richie DiMaso, que usa o casal para incrementar a sua carreira. Não é por acaso que todo o quarteto está indicado para o OSCAR. Christian Bale e Amy Adams, como melhor ator e melhor atriz e Bradley Cooper e Jennifer Lawrance, que receberam as indicações para melhor ator e atriz coadjuvante.


O cartaz do filme. O destaque para atores e atrizes. Só aí são quatro indicações.

Juntamente com Gravidade, Trapaça recebeu o maior número de indicações para a estatueta famosa. Concorre na condição de:
-melhor filme;
-melhor ator;
-melhor atriz;
-melhor ator coadjuvante;
-melhor atriz coadjuvante;
-melhor diretor - David Russell;
-melhor roteiro original - Eric Warren e David Russell;
-melhor figurino;
-melhor edição;
-melhor desenho de produção.

A minha preferência, embora eu tenha gostado bastante desse, ainda vai para O Lobo de Wall Street.  O outro que eu assisti e, em nada gostei, foi Gravidade, embora todas as indicações recebidas.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A Vênus das Peles. Sacher-Masoch.


O livro estava em oferta. 50% de desconto e frete grátis. A oferta era da Travessa. Como iria comprar Tolstói - A Biografia, de Rosamund Bartlett, comprei também, movido por uma enorme curiosidade, A Vênus das Peles, de Sacher-Masoch. O livro tem uma pequena apresentação bibliográfica do autor, uma pequena resenha do livro, de Saulo Krieger, o tradutor e de Flávio Carvalho Ferraz, responsável pela introdução ao autor e ao livro e, ainda, uma pequena apresentação da Série Erótica, coleção a que o livro pertence. A editora é a Hedra.

A Vênus das Peles. Sacher-Masoch.


Na contracapa do livro se lê o seguinte: "A obra de Sacher-Masoch, bem como a de Sade, ficou marcada por sua associação com os desvios patológicos da sexualidade, com a libertinagem e com a imoralidade [...] esta visão acabou por injustiçar estes autores, cujas obras foram muito além do que se pode considerar como literatura pornográfica". O texto faz parte da introdução do livro, escrito por Flávio Carvalho Ferraz, mestre, doutor e livre docente, ligado à Universidade de São Paulo.

O livro é para leitura de um fôlego só. É um pequeno livrinho, de umas 150 páginas, que conta a história de Severin e de Wanda. Severin se fez escravo de Wanda e a história contém "os mais diversos ingredientes da paixão encerrada pelo sofrimento físico e moral. Descerra de maneira explícita e detalhada, o universo das fantasias poderosas que nutrem a paixão e regem aquela excitação que se condiciona aos sofrimentos físico e moral. Deixar-se amarrar e ser chicoteado pela amante corresponde ao primeiro; obedecê-la cegamente, deixar-se humilhar por ela, entregar-se-lhe como posse e, requinte da fantasia, assisti-la entregar-se a outro amante, corresponde ao segundo. Mais do que retirar o véu que costuma cobrir as fantasias mais estranhas e secretas, o texto de Masoch põe em marcha as ações necessárias a sua consubstanciação, ali condensadas no instituto emblemático do contrato".


O contrato era um compromisso firmado entre Severin e Wanda e constava de dois documentos. No primeiro se lê o seguinte: [...] (Severin) "Na condição de escravo da senhora Von Dunajew, atenderá pelo nome de Gregor, satisfará a todos os seus desejos, obedecerá todas as suas ordens, se mostrará sempre completamente submisso à sua dona, considerando todo e qualquer sinal de benevolência desta tão somente um ato excepcional de piedade.
A senhora Von Dunajew deverá punir seu escravo a seu bel-prazer, não só pelo que lhe pareça o menor descaso ou a menor falta, como também terá o direito de o maltratar, seja por capricho, seja por passatempo, como bem lhe convier, matá-lo até mesmo, se assim o preferir; em suma, terá sobre ele um direito de propriedade ilimitado.
Se a senhora Von Dunajew vier a conceder a liberdade a seu escravo, o senhor Severin von Kusiemski se compromete a esquecer tudo o que experimentou ou suportou como escravo, e jamais, em tempo algum, sob nenhuma circunstância, cogitará vingança ou retaliação".

O segundo documento continha apenas as seguintes palavras: "Após anos de uma existência atribulada por fastios e decepções, por livre e espontânea vontade eu ponho fim à minha vida inútil". Este é o cenário em que se desenvolve esta estranha história de amor, que mais ou menos poderia ser assim resumida: "Tenho a impressão de que não há beleza sem espinho, como não há sensualidade sem tormento".

Do livrinho tiro duas passagens para definir o que é o masoquismo, se é que isso ainda não ficou claro. A primeira é bem curtinha: "Quanto maior a crueldade, melhor.Também isso não será um gozo?". A segunda explicita um pouco mais: " - Sim, com toda a seriedade eu digo que é meu desejo ser teu escravo. Quero que teu poder sobre mim seja sacramentado pela lei, que minha vida esteja em tuas mãos, que nada neste mundo me proteja de ti ou me salve de ti. Ah! Volúpia, sentir que estou completamente sob o teu arbítrio, que dependo de teu humor, de um gesto de teus dedos. E então - que ventura! -, se fores piedosa, se o escravo puder beijar teus lábios, depender de ti na vida e na morte. Ajoelhei e apoiei em seu regaço a minha fronte, que ardia".

O livro contem muita ironia. Tem muito da presença do Fausto de Goethe, da moralidade cristã da sexualidade e da racionalização da vida sexual. Não sei se teve contato com a obra de Nietzsche, meio difícil, mas senti a presença de O Nascimento da Tragédia, ao longo da história. Masoch nasceu em território austro-húngaro, hoje pertencente a Ucrânia, mas ele se considerava um alemão. Nasceu em 1836 e morreu em 1895, após breve internação no sanatório de Mannheim, por crises de demência.

Deixo ainda, para deleite de vocês, a frase registrada em epígrafe, uma frase bíblica, do Antigo Testamento. Do livro de Judite, 16,7 "E Deus o puniu, e o entregou às mão de uma mulher". Já no corpo do texto ele acrescenta: "A frase não me sai da cabeça. Quão pouco galantes são os judeus, pensei, e seu deus... Poderiam arranjar expressões mais adequadas ao falar do belo sexo. 'E Deus o puniu e o entregou à mulher'. Eu repetia comigo. Então, o que devo perpetrar para que Ele puna também a mim?"

Uma última observação, o livro termina com uma lição de moral: "Agora temos nós a escolha de ser o martelo ou a bigorna, e eu fui o burro, ao me fazer escravo de uma mulher. Entendes? Daí a moral da história: Quem se deixa açoitar merece os açoites". Vale a pena dar uma conferida.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Planejamento Atividades 2014. APP-Sindicato - Irati.

Como participei das atividades  do Fórum Permanente de Controle e Fiscalização dos Recursos da Educação, em sua 13ª Sessão, em outubro de 2013, na cidade de Arapongas e lá esteve presente a professora Tatiana Maia, presidente do Núcleo Sindical da APP-Sindicato de Irati, agora recebi dela o honroso convite para participar das atividades de planejamento daquele núcleo da APP-Sindicato. Plenamente aceitei o convite para fazer uma análise de conjuntura da realidade brasileira, para a partir da visão desta realidade, fazer o planejamento das atividades.
Da participação nossa no Fórum realizado na cidade Arapongas.

Ficaríamos três dias numa pousada em Rio Azul e eu faria duas intervenções neste encontro. Primeiramente falaria aos diretores do núcleo e num segundo momento falaria às professoras e professores dos municípios da região de Irati, verdadeiras lideranças regionais, exercendo importante influência. Participei de mais uma atividade, quando foi analisado um documento de autoria de Paulo Vannuchi, intitulado Valores do militante e dirigente sindical. Os valores focados foram os da solidariedade, do compromisso, da democracia e da honestidade. Terminava com uma análise sobre a mística, sobre a sua necessidade, em meio a um mundo dominado pela racionalidade.
Participantes das atividades de planejamento do núcleo sindical de Irati, em Rio Azul.

Pautei a minha fala sob duas frases, postas como epígrafes. A primeira foi a de Paulo Freire, a de que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra" e a segunda, eu a retirei do livro de Jean Claude Forquin, Escola e Cultura, de que "ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos". Em síntese, eu preciso me situar no mundo, conhecer os seus mecanismos de funcionamento e a partir daí, com convicções firmadas, definir a direção do meu trabalho e das minhas atividades nesta mesma sociedade. No caso específico, planejar a direção das atividades do sindicato, para o ano de 2014, diante de seus principais eventos.

Muito mais do que dados conjunturais, sempre procuro inserir em minhas falas elementos estruturais, pelo simples fato de que estes são permanentes. Assim eu comecei examinando o pensamento da elite brasileira sobre o país, anterior a 1930. Ela apontava para a impossibilidade de qualquer êxito para o Brasil, uma vez que este país trazia a marca de determinismos impossíveis de serem removidos, determinismos biológicos, de raça e de fatores climáticos. Tínhamos a presença de raças inferiores em meio a nossa população e estas raças, para a complementação de nossas desgraças, ainda haviam se misturado. Numa adaptação da frase de Dante, nós aqui diríamos: "Deixai toda a esperança, vós que aqui estais", em vez do original, que subtrai a esperança para aqueles que entrassem no inferno. Aqui você já estava irremediavelmente perdido pelo simples fato de aqui ter nascido. Terrível.
Outra vista dos participantes das atividades de planejamento, realizadas em Rio Azul, pelo núcleo sindical de Irati, da APP-Sindicato.

Passamos pelos anos 1930, pelos modelos de desenvolvimento econômico, auto sustentados e de dependência, pela ditadura militar e a concentração de renda pela via da repressão. Passamos pelos movimentos da anistia, pelas diretas já, pela Assembleia Nacional Constituinte,  e pelos movimentos surgidos a partir da organização da sociedade em suas bases, como o renascer dos sindicatos, dos movimentos sociais e de um partido socialista e de massas, qual seja, o Partido dos Trabalhadores. Como os anos 1990 foram marcados pelos governos FHC e a primeira década dos anos 2000 pelos governos do PT., nos detivemos na análise das diferentes concepções que nortearam estes governos: a concepção neoliberal, de prioridade ao mercado e de seus valores, de competição, de seleção e a consequente exclusão social e a concepção pós neoliberal, de privilegiar políticas de crescimento econômico, com distribuição de renda, de combate a miséria e de políticas afirmativas para a construção da igualdade.

Também mostramos os resultados econômicos e sociais gerados por estes modelos que se contrapõem. Fizemos uma análise da correlação de forças e refletimos sobre a nossa inserção neste quadro e diante das eleições deste ano de 2014.  Foi o trabalho de leitura do mundo que fizemos. Devo dar o testemunho de como efetivamente as pessoas sentiram a melhora e, a percepção desta melhora, embora ainda persistam algumas dúvidas em relação às políticas afirmativas e de construção da igualdade social. A concepção liberal  e racionalista de homens livres e iguais está profundamente arraigada.
Em Rio Azul tem a capela do Senhor Bom Jesus. A pintura desta capela é arte única e inigualável. Foi pintada por um excêntrico pintor, chamado Antônio Petrek.

Também gostei da disponibilidade das pessoas, da diretoria do núcleo, no sentido de assumirem tarefas, afinal, estávamos fazendo planejamento. Quanto às professoras municipais o foco maior foi dado para a necessidade de organização, frente as realidades das atuais políticas educacionais, no sentido de garantir piso salarial nacional e estruturas de carreira que melhorem as condições de trabalho dos educadores e de melhoras para o quadro educacional como um todo. Afinal, uma verdadeira revolução educacional se torna necessária e que esta gere impactos positivos sobre a qualidade deste processo.

Quero deixar aqui registrados os meus agradecimentos, especialmente à professora Tatiana, a presidenta do núcleo sindical e à professora Manoela, a professora da cidade anfitriã, a cidade de Rio Azul. Não cito os demais nomes, por medo de omitir algum e, assim cometer injustiças. Gostei muito do encontro e creio que a frase de abertura do meu blog, a frase de Einstein, se tornou realidade. "A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original.".

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Mensagem de Início de Ano Letivo.

Como fiz um post com mensagem de Ano Novo que teve muitos acessos e como percebi que tinha gente procurando mensagem de início de ano letivo, e como estamos novamente diante de um, recorri a minhas agendas, para localizar alguma. Me lembro de uma, de maneira muito particular, que recolhi junto ao primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, no ano de 2001. Trata-se de um provérbio chinês, cuja mensagem eu aprecio muito. A usava sistematicamente, ano após ano, a partir dessa data de 2001.
"Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um com um pão, e, ao se encontrarem, trocarem os pães, cada um vai embora com um.
Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um com uma ideia, e, ao se encontrarem, trocarem as ideias, cada um vai embora com duas".

A mensagem contida está mais do que explícita. Ela contem a imagem da soma e da multiplicação. Como teríamos, ao longo do ano muitos encontros, os aproveitaríamos para fazer a troca das ideias. Jamais perderíamos as nossas e somaríamos a elas, as que receberíamos dos outros. A isto eu acrescentava D. Hélder Câmara, quando ele, no livro O Deserto é Fértil, fala que é sabedoria dos andantes pelas estradas, se fazer acompanhar de bons caminheiros, diversos, plurais e discordantes, porque "abrir-se às ideias, inclusive contrárias às próprias, demonstra fôlego de bom caminheiro. Feliz de quem entende e vive este pensamento: 'Se discordas de mim, tu me enriqueces'"
Amar as diferenças, a pluralidade. "Se discordas de mim, tu me enriqueces".

E D. Hélder, em sua sabedoria, continua: "Ter ao próprio lado quem só sabe dizer amém, quem concorda sempre, de ante mão e incondicionalmente, não é ter um companheiro mas, sim, uma sombra de si mesmo. Desde que a discordância não seja sistemática e proposital, que seja fruto de visão diferente, a partir de ângulos novos, importa de fato em enriquecimento".

Das minhas primeiras aulas, também a música fazia parte. Estes dias ainda reencontrei pelo FB, uma ex aluna muito querida, que lembrou da primeira aula e lembrando a música, que era a do Gonzaguinha O que é, o que é. Esta música é um dos maiores poemas de exaltação à vida e à coragem de ser sempre um aprendiz. vejamos o seu final:
Gonzaguinha, com o pai. Muitas divergências e uma bela reconciliação. Superação de diferenças. O eterno aprendizado.

"Viver
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz.

Ah Meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita".

Outra música que sempre esteve presente era Tocando em frente, de Almir Sater e Renato Teixeira. Para esta, eu nem  me atrevo a fazer comentários, em compensação dou a letra toda. Ela é linda demais. Eu tenho ela num CD, dos melhores que eu tenho, Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho - Ao vivo em Tatuí. Esta versão simplesmente é bonita demais. Mas vamos à letra:
RENATO TEIXEIRA & PENA BRANCA & XAVANTINHO - AO VIVO EM TATUÍ
A capa do CD mencionado. Uma das preciosidades aqui de casa.

"Ando devagar
porque já tive pressa
E levo esse sorriso
porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe,
Eu só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei
Conhecer as manhas 
e as manhãs
O sabor das massas 
e das maçãs
É preciso amor
Prá poder pulsar
É preciso paz prá poder sorrir
É preciso chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja 
simplesmente
Compreender a marcha e ir
tocando em frente
Como um velho boiadeiro
levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela 
longa estrada, eu sou
Estrada eu vou
Todo mundo ama um dia, 
todo mundo chora
Um dia a gente chega
e no outro vai embora
Cada um de nós compõe
A sua própria história
E cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz".

Com isso, um bom começo está garantido. E começar bem, sempre é tão importante. Um bom ano de trabalho para todo mundo, e sempre, na busca do mais humano. E, lembrando a fábula mito do cuidado, o significado de homem, isto é humus, ou seja, terra fértil. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2013/04/a-fabula-mito-do-cuidado.html