sexta-feira, 29 de junho de 2018

A Rota das Emoções. 5. Parnaíba. O Delta das Américas.

O próximo ponto da "Rota das Emoções" seria a cidade de Parnaíba, já no Piauí. A grande atração da cidade é a de ser o portal de entrada para o Delta do rio Parnaíba, o Delta das Américas, formado por cinco grandes braços do rio e setenta e três ilhas fluviais. Num folheto turístico, que li no hotel em Parnaíba, vi que existem no mundo apenas três grandes deltas, a saber: o do rio Nilo, no Egito; o do rio Mekong, no Vietnã e o do rio Parnaíba, o Delta das Américas, nos estados do Piauí e Maranhão. A maior parte fica no estado do Maranhão.
A caminho de Parnaíba.
Ainda a caminho de Parnaíba. Que folga.

O deslocamento de Barreirinhas até Parnaíba foi feito também em carro traçado 4X4, fechado, mas não havia necessidade para tal. Já estava incluído no pacote, mas você também pode contratá-lo no local. Esta rota não é tão conhecida, tanto assim, que eu fui o único passageiro nesta viagem. A distância é de aproximadamente duzentos quilômetros, percorridos em quatro horas. A paisagem é maravilhosa. Dunas dos Lençóis, coqueirais de babaçu e de carnaúba, pequenos riachos e centros pesqueiros e de recreação estão espalhados ao longo do caminho. Passamos por Paulino Neves, Oásis do rio Novo, Lagoinha e Tutóia.
A grande atração no Delta das Américas são os passeios de barco.
O cenário dos Lençóis continua presente.

Fiquei hospedado no Hotel Arrey Beach, pertencente a uma rede espanhola. Apesar de ser muito bom e novo, não faz o meu gênero, pela sua localização, entre as cidades de Parnaíba e Luís Correia. Gosto de ficar próximo a centros históricos. Por isso e por um acesso da "doença dos reis", a gota, conheci muito pouco da cidade, especialmente, do porto das barcas, onde se localiza a parte histórica da cidade. A cidade tem em torno de 200.000 habitantes e é a segunda mais populosa do estado. Os casarões do porto das barcas rivalizam com os de Oeiras, que já foi a capital do Estado.
Parnaíba, o rio de águas barrentas.

O litoral do estado do Piauí é muito pequeno, o menor entre os estados litorâneos brasileiros. É de apenas 60 quilômetros. Foi conquistado a duras penas, em confrontos de fronteiras com o estado do Ceará. Estes conflitos ainda persistem. Vou pesquisar sobre o tema. Apenas quatro municípios são litorâneos: Parnaíba, Luís Correia, Ilha Grande e Cajueiro da Praia. O estado não possui um porto marítimo. Me disse o guia/condutor que o Ceará não permite. O acesso ao mar foi conseguido pela troca do município de Crateús por Luís Correia. Parnaíba, no tupi guarani significa rio de águas barrentas.
A alternância no passeio do Delta. Agora entre pequenos igarapés.

Recolhido em meu hotel, comprei o passeio da maior atração turística local, que só poderia ser uma viagem de barco pelo Delta das Américas. Este passeio custa R$ 122,50 e é feito pela tarde. O embarque é feito às 13h30 no porto das barcas. O rio é enorme e muito caudaloso. A primeira parada foi feita no local em que o rio separa as terras do Piauí do Maranhão. A partir daí, enveredamos por terras maranhenses. Flora e fauna são maravilhosas. Parada para ver um casal de iguanas descansando em galho de árvore, caranguejos se movimentando livremente nos mangues, ostentando o seu vermelho que dá a tintura para os guarás, passagem por igarapés, raízes suspensas em virtude do fenômeno das marés.
A primeira vista da ilha dos Guarás. A partir das 17h00 eles começam a chegar.

O ponto de parada maior foi quando este braço do rio chega ao mar. A paisagem é a dos Pequenos Lençóis Maranhenses. Pequenas choupanas de pescadores dividem a paisagem com as dunas e as lagoas. Mas a maior atração estaria por vir. Ela começaria a partir das 17h00, quando um número infinito de guarás e garças pousam numa pequena ilha, depois de cumprida a tarefa diária da busca da alimentação. A ilha dos Guarás é bem pequena e é buscada estrategicamente pela inteligência destas aves. Por ser muito pequena, ali não existem cobras, lagartos ou macacos a lhes perturbarem o sono. A cor vermelha, em virtude da alimentação dos caranguejos, lhes dão a beleza ímpar.
Agora já um número bem maior dos guarás.
Quase todos já tinham chegado.


O guia/condutor que me trouxe de Barreirinha para Parnaíba me contou que todos os guarás são do PT. Nunca vi tão grande concentração de vermelhos. Digo isso porque este guia/condutor me contou que o prestígio do Lula entre os guias é muito grande. Ele possibilitou o financiamento para a compra dos carros com os quais realizam os passeios. Carros Hilux substituíram os antigos bugs. A chegada dos guarás, que vem de todas as partes, dura em torno de meia hora, quando todos já estão acomodados.
A última cena da ilha dos Guarás. Para ficar na lembrança.

Aí começa a viagem de volta. Ao final dela já impera a plena escuridão. Ao recolher os passageiro e ao devolvê-los aos seus hotéis e pousadas, conheci um pouco da cidade. As pessoas com as quais eu conversei estão animadas com o progresso da cidade. Já tem um shopping center e um voo semanal da Azul para o aeroporto da cidade, vindo de São Paulo, sempre lotado. A cidade se constituiu a partir da pecuária, das charqueadas e dos entrepostos para a comercialização da carne. Foi elevada à condição de cidade em 1844. Além do turismo, a cera de carnaúba, o óleo do babaçu, a agricultura e a pesca complementam as suas atividades econômicas. O charme do momento, no turismo, é a praia de Barra Grande, no município de Cajueiro da Praia.
A ilha dos Guarás e o começo do por do sol.


Estas também são as riquezas econômicas do estado do Piauí, além da moderna agricultura e das minas de nióbio. Como eu não me lembrava de políticos de projeção nacional, o condutor/guia me lembrou do nada recomendável "Mão Santa". Hoje o estado é governado por Wellington Dias, do Partido dos Trabalhadores. Teresina fica distante do Delta uns 350 quilômetros. É uma cidade relativamente nova (1852) e que em função disso conta com a vantagem do planejamento. Tem hoje uma população em torno de 850.000 habitantes e é servida por metrô. As cidades mais populosas do estado são, além de Teresina e Parnaíba, Picos, Piripiri e Floriano. Em Parnaíba permaneci por duas noites. No dia seguinte a aventura continuaria com a viagem para Jericoacara.


quinta-feira, 28 de junho de 2018

A Rota das Emoções. 4. Barreirinhas. Lençóis Maranhenses. Rio Preguiças.

De São Luís eu seguiria para Barreirinhas, o local mais apropriado como base para visitar os Lençóis Maranhenses. São 254 quilômetros percorridos em torno de 4 horas. Este transfer estava no meu pacote e foi executado com extrema pontualidade e em ônibus. O ponto final para recolher o pessoal foi no aeroporto de São Luís. Seguimos por rodovias federais, as BR 135 e 402. Esta última me fez lembrar o governo FHC, pelo descaso na conservação. Muitos buracos. Fizemos uma parada para lanche e serviços hidráulicos, num lugar extremamente aprazível, em Axixá.
Os Lençóis Maranhenses seriam o grande e maravilhoso destino.

Em Axixá, produtos da fazenda. No caminho dos Lençóis.

Quando chegamos em Barreirinhas, agora já em carros menores, os turistas foram sendo levados para as suas respectivas pousadas. A minha foi a Pousada Boa Vista. Uma pousada nova, ainda com obras de embelezamento, muito bem cuidada pela sua proprietária, muito solícita no atendimento. A perturbar, apenas uma igreja, daquelas em que os fiéis acreditam que Deus sofra de surdez. Na chegada os passeios já nos foram anunciados. Ali eu permaneceria por três noites. Fiz a opção por dois passeios, o dos Lençóis Maranhenses e o de voadeira pelo rio Preguiças.
Pronto para o passeio nos Lençóis Maranhenses.

Tive muita sorte na escolha da época da viagem. Entre a primeira e a segunda década do mês de junho. É o fim do inverno, a estação das chuvas. É o momento em que as lagoas, nos lençóis, estão cheias e, assim, tornam a vista muito mais bonita. Além disso, não existem tantos turistas. Estes começam a chegar nas tradicionais festas juninas, nas férias brasileiras de julho e ainda, em julho e agosto, quando chegam os turistas europeus e japoneses, aproveitando o seu período de férias.
O caminho para os Lençóis é marcado por aventuras, como esta travessia do rio Preguiças.
Ou por estes poços de lama.

Como não dava para fazer os passeios no dia da chegada, fomos ao centro da cidade, que começa a ter vida, apenas ao final da tarde. Mais precisamente, visitamos o calçadão da avenida Beira-Rio. No caso, o rio Preguiças. Um mundão de lojinhas, com souvenirs, lanchonetes, restaurantes e agências de turismo a vender passeios. Era um dia de jogo, FLA X FLU. O povo apinhado em frente às TVs, torcendo loucamente pelo Flamengo. No dia, até o Paraná Clube ganhou. Barreirinhas tem toda sua atividade econômica voltada para o turismo. Lá também existem muitas casas de veraneio. Foi num dos condomínios, que abrigam verdadeiros palacetes, que apareceu aquele mundão de dinheiro, quando Roseana Sarney foi pré-candidata a presidente da República (2002, pelo PFL, atual DEM). A aventura parou por aí mesmo. Hoje Barreirinhas tem um pouco mais de 60.000 habitantes.
A minha primeira foto das dunas dos Lençóis.
Mais um brinde para os olhos com a paisagem típica dos Lençóis.

A diversão nesta ida ao calçadão foi o taxista. Nos contava dos turistas, especialmente, dos franceses e dos japoneses. Nos contava do cheiro dos franceses e do falar dos japoneses, que quando ele percebia, já havia cinco ou seis deles dentro do carro e todos conversando ao mesmo tempo, feito periquitos em milharal. E ele tinha o dom da imitação. O táxi em seus deslocamentos tem um preço de R$ 20,00. Para o passeio dos Lençóis, você tem duas opções de horário. Você pode fazê-lo pela manhã ou pela tarde. O mais aconselhável é fazê-lo à tarde, por duas razões: o calor é menor e você vê o por do sol do alto das dunas. Um detalhe interessante, o sol não aquece as areias.
Mais uma vista dos Lençóis.
Mais lagoa e dunas.

O passeio começou as 13h30. Uma Hilux 4X4 já estava a nossa espera. A primeira aventura foi a travessia do rio Preguiças, de balsa. Logo adiante um transtorno. Uma árvore caída. Tentaram tirá-la. Impossível. Tinha abelhas. Outra trilha foi buscada. Primeiro atravessamos uma vegetação de cerrado. A necessidade do carro ser traçado 4X4 são os enormes areais que formam o leito da estrada. Um pouco mais em frente, já com vegetação de restinga, é a lama. Inclusive atolamos. Tivemos que descer, mas nada de empurrar. As Hilux andam sempre em comboio, para que ninguém se perca nas trilhas ou fique sem socorro em caso de necessidade. Esse trecho todo já é feito dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
No caminho, em meio aos areais.
Ou na lama, como no caso em que atolamos.



O Parque foi criado em terras devolutas da União, no ano de 1981. Ele abrange um território de 156.584 hectares. O local é habitado por algo em torno de seis mil habitantes e não recebe novos moradores. Nenhum comércio é permitido no local. O Parque ocupa áreas de três municípios: Barreirinhas, Primeira Cruz e Santo Amaro do Maranhão. A finalidade da criação do Parque é a de "proteger a flora, a fauna e as belezas naturais". Estas são formadas pelas dunas de areias branquíssimas e por lagoas que são formadas no período das chuvas. A paisagem é deslumbrante. Nas lagoas você pode tomar banho. A beleza da paisagem é de perder o fôlego. A subida das dunas, também. O por do sol seguramente figura entre os mais belos do mundo. A volta à cidade já se dá sob plena escuridão (20h00) Não aconselho para ninguém os tais bate-volta, de um único dia, partindo e voltando para São Luís. O preço do passeio é de R$ 80,00.
A última atração do dia. Um esplendoroso por de sol.


O dia seguinte estava reservado para um passeio pelo rio Preguiças (R$ 90,00). Passeio em lancha, as chamadas voadeiras. Passeio de dia inteiro, com saída as 9h30 e volta para depois das 16h00. Como vimos, o rio atravessa todo o parque e na sua margem, na avenida Beira-Rio, se dá todo o movimento e agitação em Barreirinhas. O passeio é marcado por três paradas: Povoado de Vassouras, Povoado do Farol de Mandacaru e na Praia do Caburé.  Em Vassouras você tem um reencontro com os Lençóis, desta vez, os pequenos Lençóis, com uma feira de artesanatos, bebidas e lanches e a possibilidade de se divertir com inúmeros macacos prego, bem safados e atrevidos no avanço às bolsas em busca de comida.
O passeio e as belas paisagens. Rio Preguiças.
O farol no povoado de Mandacaru.

A segunda parada é no povoado onde se situa o farol de Mandacaru. A atração são as crianças que oferecem os produtos de artesanato em várias lojinhas. As crianças se organizam em jogral para anunciá-los. Fica bem interessante e mexem com a sensibilidade das pessoas. Se você estiver disposto a subir um monte de degraus pelo interior do farol, você descortinará uma bela paisagem. Muita cachaça, doces, artesanatos e peixes postos a secar.  Mas a parada mais longa ocorre já em plena praia de mar. A foz do rio ocorrerá mais adiante ainda, uns dez quilômetros. A Praia recebe o nome de Caburé. É a parada mais longa, para passeios de bug, para almoço ou simplesmente para deitar em rede com o corpo encoberto pela água.
Na última parada, na Praia de Caburé, almoço.


De noite, uma nova ida à Beira-rio, ao encontro do forféu, para lanche e uma cervejinha. Para o dia seguinte estavam programadas novas emoções. Desta vez, para o que se chama especificamente de rota das emoções, no trecho que ligaria Barreirinhas à cidade piauiense de Parnaíba, para conhecer o delta do rio Parnaíba, o chamado Delta das Américas. Amanhã eu conto.

terça-feira, 26 de junho de 2018

A Rota das Emoções. 3. A cidade de Alcântara.

Ir a São Luís e não ir a Alcântara é o que eu consideraria como um erro muito grave. Não creio que ela integre oficialmente a "Rota das Emoções", embora o balanço do barco, na travessia marítima, as proporcione, com direito a vômito, para muitos. É o efeito das ondulações e sacolejos do barco, provocados pelas ondas. O tempo de travessia é de pouco mais de uma hora. Enquanto você se afasta da baía de São Marcos você vê de forma bem mais nítida a baía de São Marcos, onde tudo começou, o porto de Itaqui e a parte nova da cidade, na beira-mar, onde estão os metros quadrados mais caros da cidade.
A embarcação que faz a travessia de São Luís a Alcântara. R$ 15,00 de ida e mais R$ 15,00 de volta.

Para ir a Alcântara você não precisa contratar passeio por agência. Vá ao cais, que você já avista a partir do Palácio dos Leões, e compre o seu ticket ao custo de R$ 30,00, ida e volta. O nosso embarque se deu as 9h30, com volta já definida para as 13h00. Este horário é variável, de acordo com a tabela das marés. Chegando em Alcântara, aí sim recomendo a contratação de um guia, ao custo de R$ 50,00, pelas circunstâncias deste nosso passeio. Para tal alego três motivos: o pouco tempo que tínhamos e a íngreme subida para os locais históricos. Com o guia você vai de táxi; o forte calor do horário é outro motivo bem plausível. Alego ainda as explicações que são dadas ao longo do trajeto. Se tivesse mais tempo, faria tudo a pé.
Os três são Beneditos da igreja do Rosário dos Pretos.
A música acompanha a liturgia. Os instrumentos são os próprios da cultura afro.



O guia nos levou até o ponto mais alto da cidade. Ali tem duas atrações. A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, com as três imagens negras de São Benedito, cada uma com o seu significado, a de santa Ifigênia, também negra e os instrumentos musicais usados na liturgia religiosa. Instrumentos de percussão. O responsável pela igreja fez, inclusive, uma demonstração. Ao lado situa-se o Centro de Lançamento de Alcântara. Ele não permite visitas. Apenas existe um espaço onde se situa o visitante sobre as atividades que são ali desenvolvidas.
O Centro de Lançamento de Alcântara. Desde 1983.


Deste lugar, depois de atravessar o povoado, paramos na igreja do Carmo, local onde fizermos uma  parada um pouco mais demorada. Certamente é esta a igreja mais valiosa do ponto de vista da arte com o seu barroco joanino. A sua construção foi iniciada em 1691. Em frente e ao lado da igreja encontramos dois palácios. Um em ruína completa e outro com as paredes ainda em pé. Os palácios foram construídos para hospedar Dom Pedro II. O mais bem conservado foi construído pelo Partido Conservador e o outro pelo Partido Liberal. Obras de enorme fausto. Resultado final da disputa pela construção do maior e melhor Palácio: Para não descontentar ninguém o Imperador suspendeu a visita.
A mais preciosa das igrejas locais. Nossa Senhora do Carmo.
O barroco joanino presente na igreja do Carmo.


O nosso roteiro agora continuou a pé. Pela rua da Amargura. Bela paisagem nos aproximava do mar e de seu porto, onde o principal comércio era o de seres humanos, os escravos. Estes tinham um mercado próprio, onde se fazia o seu comércio. As ruínas estão bem conservadas e causam forte impressão pela sua imponência. Andando mais um pouco você chega ao centro das atividades atuais. A igreja matriz e a sua praça, o pelourinho e o museu histórico. O pelourinho, em pedra lioz, é o original. O museu histórico ocupa um dos casarões do baronato rural dos tempos do Império. No museu comprei um livreto sob o título Museu Casa Histórica de Alcântara. Está na fila da leitura. Um dos casarões, o Palácio Negro, recebe este nome em função de uma história que narra o seguinte:
Casarão preparado para receber a visita de Dom Pedro II.
Na rua da Amargura, o mercado dos escravos, o palácio negro.
Ruínas da igreja matriz e o pelourinho.

 "Faustoso palacete construído no início do século XIX pelo brigadeiro José Theodoro de Azevedo Coutinho - Barão de Mearim. Recebeu essa designação devido às cortinas negras que velavam as janelas do sobrado, em sinal de luto pelo casamento de uma das filhas do barão com um mulato. Em consequência, ela foi deserdada através de escritura pública". É hora de dar uma verificada no livro de Aloísio de Azevedo, O Mulato, um dos filhos da terra. O Mulato tem por tema esta aristocracia rural maranhense. No museu histórico, onde se encontram lembranças de um tempo que se foi, tudo indica que este período foi de muita riqueza e ostentação. A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro influenciou os costumes desta longínqua paragem.
Praça da matriz, vista a partir do museu Casa Histórica de Alcântara.

O nosso passeio terminou numa pequena capelinha, creio ser a de Nossa Senhora do Desterro, santa de enorme devoção dos tantos desterrados portugueses. Lá você tem o direito de fazer três pedidos, que prontamente serão atendidos.  Bem, já era o tempo de irmos até o ancoradouro onde a embarcação da volta já estava nos aguardando. Deixei Alcântara com um profundo desejo de mais. Nem mesmo um almoço, por mais simples que fosse, ali fizemos.
Capela Nossa Senhora do Desterro.


Alcântara é hoje praticamente uma cidade fantasma, a viver de seu passado. Possivelmente é a cidade que tem as ruínas mais recentes do mundo. É em Alcântara que morava a aristocracia agrária maranhense. Com a decadência ela se mudou, ou para a corte, no Rio de Janeiro ou para São Luís. O arroz e o algodão foram os seus produtos mais importantes. O algodão sempre teve as suas flutuações, alternando períodos de prosperidade e de crise, com a concorrência do algodão produzido no sul dos Estados Unidos. Esta lavoura também exigiu grande quantidade de escravos, que por ocasião da abolição, por ali permaneceram, formando a região de maior concentração de quilombos do Brasil, num total de 156 áreas.
Ladeiras e casas de Alcântara.


Ao contrário do Rio de Janeiro, onde os escravos do vale do Paraíba se deslocaram para o Rio de Janeiro, especialmente, em torno do porto em busca de trabalho, eles permaneceram na área rural do município. Até hoje brigam pela legalização de suas áreas. Eles foram muito prejudicados com a criação do Centro de Lançamento de Alcântara (1983) em terras por eles ocupadas. Ainda hoje o são, em virtude dos planos de expansão deste Centro. Dos 22.000 habitantes da cidade, 70%  é formada por quilombolas. Eles cultivam muito as suas tradições e muitos vivem da cerâmica, que de sua produção utilitária passou para as belezas do artesanato.

A grande festa popular é a festa do divino, que se realiza no mês de maio. É festa de fartura, de distribuição de licores e de doces. Os doces são famosos. A festa do divino me remeteu a Darcy Ribeiro, que em O povo brasileiro - A formação e o sentido do Brasil, apresenta esta festa, ainda em Portugal, como uma festa de generosidade e fartura ímpar. Ela deve conservar muito de suas origens. Estas festas populares me dão grande fascínio. O Maranhão foi também a sede da revolta popular chamada de Balaiada.
Sentado na porta das ruínas de um dos palacetes famosos.


Alcântara oferece bem mais do que as aproximadamente duas horas em que ali permaneci. Li que o maior erro é andar de carro pelo lugar. Eu, premido pelo tempo, cometi este erro. O local é destinado a andar e contemplar. Existem até comparações com Roma, enquanto museu a céu aberto. Você compra um mapa Alcântara - Maranhão - Mapa ilustrado, por R$ 8,00, no primeiro ponto de chegada, ou por R$ 5,00 no museu histórico. Se você não for com guia, ele é imprescindível. Estou aqui escrevendo este post com a sua ajuda. As grandes atrações da cidade são, obviamente os seus casarões, o seu museu, a sua história, suas praias, praticamente intocáveis e, de modo todo especial o seu povo e o cultivo de suas tradições. Existem pousadas para a permanência por mais tempo. Outra atração é ver a revoada dos guarás, que figuram entre as mais belas das aves do mundo, pelo seu vermelho tirado da alimentação dos caranguejos e, de maneira toda especial, alguns momentos de convivência com o seu magnífico povo, seguramente um encontro com a alteridade.





segunda-feira, 25 de junho de 2018

A Rota das Emoções. 2. São Luís do Maranhão.

A minha curiosidade sobre a cidade de São Luís aumentou muito com a leitura de O Mulato, de Aluísio de Azevedo. O romance trata da aristocracia rural maranhense e pode ser considerado o primeiro grande romance que aborda a questão do preconceito racial na literatura brasileira. Ele data de 1881, antes ainda, da abolição da escravidão. Com esta leitura tive um primeiro contato com a cidade de São Luís e com o estado do Maranhão. Fiquei sabendo que São Luís é considerada como a Atenas brasileira.
Na baía de São Marcos foi fundada a cidade de São Luís.


Como não conhecia São Luís e nem Fortaleza, coloquei as duas cidades na minha agenda e fui pesquisar roteiros. Foi aí que entrei em contato com a chamada "rota das emoções". Ela interliga as duas cidades pela via costeira. Optei por começar por São Luís. O voo me levou de Curitiba para Belo Horizonte, de Belo Horizonte para Belém e de Belém para São Luís. Os serviços da Azul e do receptivo da CVC foram perfeitos. Fiquei hospedado em pleno centro histórico da cidade, no Grand Hotel São Luís, localizado entre a Catedral de Nossa Senhora da Vitória e o Palácio dos Leões. Da janela do quarto do hotel eu via as palmeiras da ala residencial do Palácio dos Leões, sede do governo do Maranhão.
O belo Palácio dos Leões, sede do governo do Maranhão.

Cheguei pelo meio da tarde e, já munido de um mapa, fiz a minha primeira incursão pela cidade. Mas logo começou uma chuva, que não mais parou. Jantei no próprio hotel, descansei cedo e esperando o city tour marcado para as 8h20 do dia seguinte. Mais pontual seria impossível. A minha guia seria a Fátima, que além de formada como guia se enveredou também pelo estudo dos causídicos. Tive o privilégio de ser o único turista do dia. Nos painéis do hotel, construído no local onde se situava o forte dos portugueses, fui me inteirando dos momentos fundadores da cidade. São Luís foi a única cidade brasileira fundada pelos franceses (1612), invadida pelos holandeses e, finalmente, colonizada pelos portugueses. Os holandeses, que professavam o credo calvinista, puseram diante de seu forte uma estátua de São Benedito, crentes de que os portugueses não atirariam contra o santo. Os portugueses, no entanto, atiraram e consagraram o seu feito para Nossa Senhora da Vitória, nome com que homenageiam a catedral da cidade.
 A catedral de Nossa Senhora da Vitória e o antigo colégio dos padres jesuítas.

Fátima me conduziu primeiramente para a rua Grande, a grande rua do comércio. Ela fica na parte alta da cidade, para onde os comerciantes tinham migrado, vindos da parte mais baixa, que ainda hoje é tomada pelo comércio de artesanatos e sedia inúmeros movimentos culturais. Nesta rua Grande estão começando a chegar as lojas das grandes redes. O assunto do momento era a chegada do Magazine Luíza. As lojas são obrigadas a manter as fachadas. Da rua Grande voltamos para outros pontos históricos: Igreja do Carmo, teatro Arthur Azevedo, fruto dos tempos do algodão, o ouro branco, a fonte Ribeirão, por monumentos em homenagem a Benedito Leite e ao grande batalhador pela liberdade Othelino Nova Alves. Benedito Leite fora governador (1906-1908) e ficou famosa uma história sua, retratando tempos de crise. Pediram-lhe para fazer cortes na educação para conter gastos e ele respondeu de pronto, que preferia perder a mão do que fazê-lo. O monumento lhe oculta a mão, em alusão ao fato.
São Luís sempre foi fortemente marcada pela cultura. O teatro Arthur Azevedo.


A esta altura uma chuvinha começou. Nos abrigamos sob o tribunal de justiça. Logo, logo ela passou e continuamos o tour. Casarões e histórias. A mais interessante se referia a Ana Jansen, baronesa famosa pelo mau trato dispensado aos escravos. Vou pesquisar-lhe a história. São Luís também tem a sua Chica da Silva, na pessoa de Catarina Mina. Já estávamos à frente da prefeitura e do monumento a La Ravardière, o fundador da cidade. Mas ao lado da prefeitura se situa o Palácio dos Leões. Ele abriga a sede do governo e é dividido em três partes: a residencial, a administrativa e o museu. Está aberto a visitação e você ainda ganha uma fotografia (de graça) como recordação. Ele lembra tempos de muito fausto. Antes passáramos pelo Centro de Informações Turísticas e por um espaço que lembra a arte típica do estado do Maranhão.
Benedito Leite, o governador que se  recusou a fazer cortes na educação.


O tour continuou pela parte antiga da cidade, aquele em que se situava o comércio e hoje dedicado a pequenas lojas de artesanato e a espaços culturais, como o museu do reggae, o teatro João do Vale, espaços de criatividade e fortes lembranças das festas do bumba meu boi e do tambor da crioula. Num sebo, com atendimento precário, consegui comprar O ABC do Bumba-Boi do Maranhão. Num destes centros de criatividade encerramos o nosso tour. Deixo aqui registrados os meus agradecimentos para a Fátima, excelente guia. Não sei se perceberam, todo o tour foi feito a pé. Isso é São Luís. A presença muito forte de sua história e de um centro histórico inteligentemente aproveitado. São mais de 3.500 casarões tombados, que fazem parte do Patrimônio Cultural da Humanidade, desde 1997. Os bairros residenciais se situam na orla marítima, como a praia do Calhau e outras.
A parte "nobre" da cidade, na avenida beira-mar.


Almocei no restaurante do SENAC, onde experimentei o arroz de cuxá, o prato típico, além de outras iguarias da cozinha maranhense, com a forte presença do peixe. Ainda comprei o ticket para ir a Alcântara. É preciso tomar cuidado com os horários, pois, eles são determinados não pelos relógios, mas pelas marés. Fui no horário das 9h30, com volta estipulada já para as 13h00. Ainda andei bastante e de noite fui jantar em frente a Catedral de Na. S. da Vitória. Que ambiente culto.
A fonte do Ribeirão. Local cheio de histórias.


Ainda uma palavra sobre o estado do Maranhão. Ele teve grande importância econômica durante o império, com o seu ciclo agrícola, com destaque para a cultura do algodão. Com a abolição e com a modernização da agricultura começou a decadência. Hoje a sua economia se fundamenta na indústria, com destaque para alumínio e celulose, o extrativismo da madeira e dos derivados do babaçu, da moderna agricultura, dos serviços e do crescente turismo proporcionado pelos Lençóis Maranhenses. Não tem Sarneys e Lobãos a travarem a sua economia (Hoje o estado é governado por Flávio Dino do PCdoB). Além disso contam com o moderno porto de Itaqui. A palavra Maranhão deriva de Mar Anhã, isto é, mar que corre. As cidades mais importantes são as de São Luís, que fica numa ilha, Imperatriz, o novo centro agrícola, São José de Ribamar, Timon, ao lado de Teresina, Caxias, Codó, Paço do Lunar, Açailândia e Bacabal.
 Uma primeira amostra da grande atração turística: Os Lençóis Maranhenses.

São Luís e toda a sua história é hoje povoada por cerca de 1.100.000 habitantes e mais de 1.600.000 em sua região metropolitana. Sua localização é estratégica entre o nordeste e o norte do país. O seu porto, o de Itaqui é um dos de águas mais profundas e dos mais modernos e bem aparelhados do mundo. As festas populares são as do mês de junho e as do divino. Sobre o bumba meu boi, ainda falarei com maiores detalhes.E para me por ao par das histórias de São Luís já comprei, de Josué Montello, Os tambores de São Luís. E com outro filho ilustre da terra, termino este post. "Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá / as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá". Quem que não se lembra de Gonçalves Dias?

sexta-feira, 22 de junho de 2018

A Rota das emoções. 1. De São Luís a Fortaleza.

Como eu não conhecia as cidades  de São Luís e de Fortaleza e, querendo conhecê-las, fui estudar detalhadamente um roteiro para tal. Nestes estudos me deparei com o que ficou denominado "rota das emoções". Esta rota liga as duas cidades pela via litorânea. Vários trechos são possíveis de serem feitos apenas em carros traçados 4X4. Isso para passar pelos areais e pela lama que se forma no período das chuvas, que ocorrem no período do inverno. Isso não significa que no verão as condições das estradas estejam em melhores condições.
Não se assustem com os carros 4X4. São todos carros em perfeitas condições de uso.


Comecei o meu roteiro por São Luís, onde permaneci por três noites. Fiz um city tour e um passeio em Alcântara. O city tour foi todo ele feito a pé, pela centro histórico, um passeio fantástico, que detalharei em post especial. Lembrando que São Luís foi colonizada pelos franceses, que brigaram com os holandeses, para, finalmente, os portugueses ali se estabelecerem. O seu centro histórico é bem maior que o de Salvador e foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade no ano de 1997. Já Alcântara é quase uma cidade fantasma, remanescente dos tempos da cultura algodoeira, o chamado ouro branco.
O Palácio dos Leões, sede administrativa e residencial do governo do Maranhão.

Em Alcântara, ruínas da casa que receberia o Imperador D. Pedro II.

O próximo destino seria a cidade de Barreirinhas, ponto de apoio para a visita aos Lençóis Maranhenses. Uma paisagem absolutamente deslumbrante. Ali permaneci por mais três noites, fazendo dois passeios maravilhosos: o dos lençóis, necessariamente feito em carro traçado 4X4. Depois de passar por vegetação de cerrado com muitos areais, onde os encalhes são fáceis, se chega à área das restingas, onde os encalhes se dão na lama. O melhor período para fazer esta viagem é no mês de junho, por ocasião das festas juninas e do fim das chuvas de inverno, quando os lagos, formados pelas águas das chuvas, estão cheios. Julho e agosto também são meses interessantes, só que são meses de férias, primeiro as nossas e, depois, as dos europeus. Estes são os maiores frequentadores, junto com os japoneses. É melhor fazer o passeio pela tarde, por duas razões: menos calor e o por do sol.
Uma vista dos Lençóis.
Vista do rio Preguiças, pelo qual fizemos um belo passeio de barco.

Outro passeio maravilhoso é de barco pelo rio Preguiças. É passeio de dia inteiro, com paradas em Vassouras, no Farol de Mandacaru e a última, já na praia de mar de Caburé, a parada mais longa para o almoço, com opção de passeios de bug.

No dia seguinte a viagem prosseguiria para duas noites em Parnaíba, já no delta do rio de idêntico nome. Na verdade, o hotel ficava mais perto de Luís Correia, a única praia de mar do estado do Piauí. Tenho uma longa história para contar mais adiante sobre as brigas de fronteira entre o Piauí e o Ceará, brigas que, por sinal, ainda continuam. A viagem foi calma e tranquila, com belas paisagens, sendo eu o único passageiro.
O pouso dos guarás, uma belíssima atração no Delta do rio Parnaíba.


O passeio escolhido foi pelo Delta do rio Paraíba, o chamado Delta das Américas. Existem três grandes deltas pelo mundo afora: O delta do Mekong, o do rio Nilo e o do Parnaíba. Seguimos por terras maranhenses, buscando os pequenos lençóis e uma pequena ilha que serve de abrigo noturno para os guarás, pássaros totalmente vermelhos em função dos caranguejos dos quais se alimentam. Foram estes guarás que deram nome a nossa praia de Guaratuba, aqui no Paraná. Até recentemente correu a notícia de que eles teriam voltado a aparecer, mas como a crueldade humana não tem limites, foram, alguns dizimados, e outros para paragens mais hospitaleiras.

De Parnaíba a vigem seguiria para Jericoacara. Aqui realmente o carro traçado 4X4 se faz efetivamente necessário. Fui mais uma vez um turista solitário. Isso mostra que a rota ainda não é muito conhecida. A viagem é simplesmente deslumbrante. Antes de Jericoacara, passamos por uma das atrações de seus passeios, a lagoa de Tatajuba. Em Jericoacara fiquei mais duas noites. A praia fica num pequeno povoado de apenas cinco ruas e que pertence ao município de Jijoca. Não tem como não se encantar por este lugar.
Últimos raios de sol ao final de mais um dia em Jericoacara.


Começou então a última etapa desta nossa rota. De Jericoacara a Fortaleza, para ali permanecer mais três noites. A viagem começa com carro traçado 4X4 até Jijoca e depois segue de ônibus, com os perto de cinquenta lugares tomados. Ali o turismo já é intenso pelo ano todo. Gostei de Fortaleza, onde fiz city tour e passeio para Cumbuco e visita ao centro histórico da cidade. Depois desta apresentação volto a cada uma destas atrações do roteiro com descrição pormenorizada. Para quem se interessar, montei este passeio e o indiquei e comprei na CVC. O preço básico varia entre sete e oito mil reais, dependendo dos voos e dos hotéis, mais as despesas locais. O passeio também pode ser feito de forma invertida. Até breve, para eu contar sobre a viagem e sobre São Luís.
Não poderia faltar esta imagem símbolo de Fortaleza, a virgem dos lábios de mel. Iracema.