terça-feira, 16 de julho de 2019

O arquivo. Victor Giudice.

Já conhecia este conto, mas o havia posto no arquivo da memória. Agora, dentro da contextualização da greve estadual da APP-Sindicato (25 de junho a 13 de julho de 2019), o meu amigo Sebastião Donizete Santarosa o publicou, com direito a des dedicatória, para os diretores do sindicato e mais algumas lideranças do mesmo. Considero importante sua publicação. É um tratado sobre a rendição humana, meio incondicional, até a transformação em um mero arquivo. Ou seria sobre a irreversibilidade dos fatos, passiva e bovinamente metabolizados, sempre determinados pelos poderosos. Um eufemismo acabou com a dita greve. A palavra fim foi substituída pela palavra suspensão. Não entro em detalhes da negociação e da proposta, se é que houve uma proposta. Vamos direto ao conto. É ele que eu quero divulgar.
Victor Giudice, 1934 - 1997. O autor deste conto sobre a rendição.


O arquivo
Victor Giudice


No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.

joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.

No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.

Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.

Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.

O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.

Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.

Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.

Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.

Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.

joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.

Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.

Respirou descompassado.

— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.

joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.

— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.

O coração parava.

— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.

A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.

— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?

Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.

Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.

Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.

Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.

Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.

O corpo era um monte de rugas sorridentes.

Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:

— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.

O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:

— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.

O chefe não compreendeu:

— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?

A emoção impediu qualquer resposta.

joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.

João transformou-se num arquivo de metal.

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Seguem informações sobre o autor e sua vida literária.

No período em que trabalhou no Jornal do Brasil, de 1994 a 1997, Victor Giudice se destacou pelo companheirismo e pelo bom humor que marcava suas histórias. Os casos com que divertia seus colegas geralmente diziam respeito a duas de suas maiores paixões: os livros e a música.

Em 1995, foi agraciado com o Prêmio Jabuti pelos contos reunidos em "O Museu Darbot e outros mistérios", que recebeu o seguinte comentário da presidente da Academia Brasileira de Letras, a escritora Nélida Piñon: "Victor Giudice é um escritor contemporâneo completo. Sua busca por uma linguagem mais simples só prova que deixou de ser um escritor de vanguarda para se tornar um mestre. Já é um clássico." (Extraído do "Jornal do Brasil" , Segundo Caderno/1998).

Victor Giudice (1934-1997) nasceu em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Aos cinco anos de idade mudou-se para São Cristóvão, transformado, segundo a crítica, em seu "grande sertão ficcional" , onde viveu mais da metade de sua vida. Foi professor, bancário, jornalista, músico, ensaísta e crítico. A partir de 1968, intensificou suas atividades como escritor, tendo publicado seis livros: O necrológio (contos, Editora O Cruzeiro, 1972), Os banheiros (contos, Editora Codecri,1979), Bolero (romance, Editora Rocco, 1985), Salvador janta no Lamas (contos, Editora José Olympio, 1989), O museu Darbot e outros mistérios (contos, Editora Leviatã,1994) e O sétimo punhal (romance, Editora José Olympio, 1996).

Salvador janta no Lamas ganhou o Prêmio "Ficção 89", da Associação Paulista de Críticos de Arte. O museu Darbot e outros mistérios foi agraciado com a maior distinção literária do país, o Prêmio Jabuti, e foi lançado no Salão do Livro de Paris em 1998 (Le Musée Darbot et autres mystères, Editions Eulina Carvalho).

Para o teatro, escreveu Baile das sete máscaras, inédito, e o monólogo Ária de serviço, encenado pela atriz Bete Mendes, no Centro Cultural Banco do Brasil, em 1991. Compôs e executou ao vivo a trilha sonora da peça Prometeus, do Grupo Mergulho no Trágico.

Suas atividades como professor incluem, além de oficinas de criação literária, cursos de Introdução à Ópera, Wagner e Música Sinfônica, ministrados no Centro Cultural Banco do Brasil e em outras instituições. Participou das Rodas de Leitura, no CCBB, e na Casa da Leitura e viajou pelo país como conferencista.

Vários de seus contos foram publicados nos Estados Unidos, Argentina, México, Portugal, Alemanha, Hungria, Polônia, Bulgária, Tchecoslováquia. Uma de suas narrativas mais populares, O arquivo, foi o conto brasileiro mais publicado no exterior. Outro conto, Carta a Estocolmo, foi considerado, nos Estados Unidos, um dos quinze melhores trabalhos de ficção científica de 1983 e consta da antologia Antaeus (The Ecco Press, Nova York, 1983).

Publicou ensaios e resenhas no Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Suplemento Literário do Minas Gerais, etc. Durante três anos assinou a coluna Intervalo, especializada em música erudita, no Jornal do Brasil, tendo sido esta sua última atividade.

A editora José Olympio planeja a publicação de uma coleção que reunirá todos os seus contos. Do primeiro volume, programado para 1999, constarão O museu Darbot e outros mistérios e o romance inédito e inacabado Do catálogo de flores.


Texto publicado originalmente no livro "O Necrológio", Edições O Cruzeiro — Rio de Janeiro, 1972, foi incluído por Ítalo Moricone em sua seleção dos "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século", Editora Objetiva — Rio de Janeiro, 2000, pág. 382.

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Com relação ao governador sugiro a leitura do conto O Flautista Mágico, dos irmãos Grimm. Um pouco de doçura, o som mavioso de uma flauta restaurou a alegria na cidade. Deixo um parágrafo da resenha da obra. "A alegre cidade de Hamelin foi invadida por uma ninhada de ratos e os moradores não sabiam mais o que fazer para acabar com os bichos. Mas, um músico e sua flauta surpreenderam a todos mostrando os poderes das notas musicais. Divirta-se nessa incrível aventura cheia de emoção e aprendizagem". Eles se jogaram ao rio Weser..
  

segunda-feira, 15 de julho de 2019

FLIP - 2019. Os dez mais vendidos.

Encerrou-se neste domingo, 15 de julho, a edição da Feira Literária de Paraty, a FLIP - 2019. O homenageado da edição foi Euclides da Cunha, o autor de Os Sertões.  Este, no entanto, não ganhou nem sequer uma biografia, apenas fala de pesquisadora. Lembrando que a FLIP é a maior e a mais glamourosa feira literária do país. Foi a primeira sob a égide bolsonarista, com um governo nitidamente anti intelectual e anti cultural. Os toscos bozos lá estiveram para importunar uma fala de Gleen Greenwald, detentor, simplesmente, de um prêmio Pulitzer de jornalismo.

O objetivo deste post é dar publicidade aos livros mais vendidos (os dez mais), na feira, pela sua livraria oficial, a Travessa, do Rio de Janeiro. O livro mais vendido atingiu a cifra de 648 vendas. Apenas um livro, entre os dez, não foi de autor convidado e presente ao evento. Trata-se de Djamila Ribeiro com o seu O que é poder de fala, o segundo mais vendido da edição de 2018. Pretendo adquirir vários deles em função de sua temática atualíssima. Por enquanto tenho apenas o livro da Lília Schwarcz, que ainda não li. Dos livros eu darei uma pequena resenha prévia, indicando a temática. Eis a relação:

1. Memórias de plantação - episódios do racismo cotidiano, de Grada Kilomba, editora Cabogó. Preço sugerido de R$ 48,00. São pequenas histórias psicanalíticas do cotidiano e de denúncia da não normalidade do racismo. Grada é portuguesa.
O mais vendido da edição 2019 da FLIP.

2. Fique comigo, de Ayobami Adebayo, editora Harper Collus, com preço sugerido de R$ 39,90. A escritora é nigeriana e o livro é ambientado em seu país. Ela dá voz a um casal, que conta a história de seu casamento. Fertilidade, poligamia, ciúmes e dificuldades políticas são os principais ingredientes.

3. Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak, Companhia das Letras, com preço de R$ 24,90. "Uma parábola sobre os tempos atuais, por um dos nossos maiores pensadores indígenas". O livro é resultado de duas palestras, realizadas em Portugal, nos anos de 2017 e 2019. É uma denúncia, sob forma de parábola, sobre a má relação entre a natureza e a humanidade. A intenção é salvar o rio Doce da exploração mineradora. O autor é natural deste vale ameaçado.

4. Também os brancos sabem dançar, de Kalaf Epalonga, Todavia. Preço sugerido - R$ 54,90. O escritor é angolano e o livro retrata um músico angolano que, com a sua banda, pretende se apresentar em Oslo. Tem problemas com o passaporte. Música e identidade são o grande mote do livro. 

5. Meu pequeno país, de Gael Faye, Rádio Londres, com preço sugerido de R$ 59,50. O escritor é nascido em Burundi, país em que se ambienta o romance. Grabriel, um menino de dez anos e a sua irmãzinha, são os personagens. São filhos de pai francês e mãe tutsi. O tema central é o genocídio ruandês mesclado com os problemas de relacionamento familiar. Este tema precisa de visibilidade.

6. Uma noite Markovitch, de Ayelet Gundar Goshan, Todavia. Preço de R$ 64,90. O escritor é de Israel. O romance precede os tempos da Segunda Guerra Mundial. Dois jovens, bastante diferentes, rumam para a Europa. A guerra e a criação do Estado de Israel são os temas.

7. Sobre o autoritarismo brasileiro, de Lília Moritz Schwarcz. Companhia das Letras e custo de R$ 49,90. O livro faz um mergulho histórico nas raízes do autoritarismo brasileiro, que sempre buscam ser ocultadas. Ela faz o desmascaramento. É o primeiro da fila para a leitura.

8. Maternidade, da canadense Sheila Heti. Companhia das Letras, com preço sugerido de R$ 49,90. O tema, como diz o título, é a maternidade, em que a personagem, alcançando a idade dos quarenta, reflete sobre o desejo e o dever de ser mãe. Polêmicas à vista.

9. O que é lugar de fala, de Djamila Ribeiro, Polen. Foi o segundo livro mais vendido na edição de 2018 da FLIP. É uma denúncia e ao mesmo tempo uma afirmação de poder de fala de vozes plurais, desbancando apenas a voz dos brancos.

10. Oráculo da noite, de Sidarta Ribeiro. Companhia das Letras com preço sugerido de R$ 79,90. O autor é neurocientista e o livro aborda a história e a ciência do sonho. 

Bem, vamos às escolhas. Como com a ridícula reposição salarial oferecida pelo ratinho (?), o governador do Paraná, não dá para comprar todos, vamos fazer uma seleção por temas. Assim que fizer a leitura, prometo a resenha.

sábado, 13 de julho de 2019

Roteiro de uma viagem. 2. Preparativos. Berlim - Praga - Budapeste e Viena. EuropaMundo.

No post anterior publiquei o roteiro de oito dias pela Alemanha Clássica e expus os motivos que me levaram a esta viagem. Hoje complemento a viagem com o roteiro por várias capitais europeias, ou especificando: Berlim, Praga, Budapeste, Bratislava e Viena. É um velho sonho e um mergulho profundo na história. Afinal de contas, não se faz uma viagem tão longa para ficar apenas uma semana. Dou o link do roteiro anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/07/roteiro-de-uma-viagem-1-preparativos.html

Só poderíamos começar por Berlim.

Vamos então para o nosso segundo roteiro:

Primeiro dia: BERLIM.Chegada ao hotel e tempo livre. Já estaremos em Berlim, em virtude do tour anterior. Espero poder dar uma boa saída à noite ou aproveitar alguma sugestão da agência da EuropaMundo.

Segundo dia: BERLIM. Repetiremos o tour. Faremos uma visita panorâmica pela incrível e pujante capital da Alemanha. Conheceremos o centro histórico, a ilha dos museus, o Reichstag, o Portão de Brandemburgo, suas artérias comerciais e seus parques. Conheceremos também o impressionante Memorial do Holocausto e o Museu-memorial do Muro de Berlim. Há ainda sugestões para passeios opcionais, com recomendação especial para Postdam, com seus belos palácios.

Terceiro dia: BERLIM - DRESDEN - PRAGA. Viagem entre bosques até DRESDEN, cidade que, graças ao seu excepcional patrimônio arquitetônico e artístico, transformou-se em um dos principais centros turísticos da Alemanha. Tempo para almoçar e conhecer seus palácios. Posteriormente, saída rumo à República Tcheca. Chegada a PRAGA, à tarde. Visita panorâmica da cidade, uma das mais belas da Europa, onde se destacam: O Castelo, a Praça da Prefeitura e a bela Ponte Carlos. Finalizaremos nosso dia, com um translado noturno ao centro da cidade, onde existem várias cervejarias tradicionais.

Quarto dia: PRAGA. Dia livre. Sugere-se passeio opcional para conhecer a "Praga Artística", visitando: Mala Strana, Menino Jesus de Praga, São Nicolas, cruzeiro pelo rio Moladava, bairro judeu, etc. Estou estudando com muito cuidado. Mas um dia livre em Praga é realmente um sonho. Um adendo. Eu nasci em Harmonia - RS. O padroeiro desta cidade é São João Nepomuceno. É um santo da cidade de Praga, mártir por causa do segredo da confissão.

Quinto dia: PRAGA - LETNICE - GYOR - BUDAPESTE. Saída de Praga no início da manhã. Na região da Morávia, tempo para conhecer os jardins e admirar os castelos de Lednice, declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. A viagem segue via Eslováquia até a Hungria. Em GYOR, tempo para almoçar e passear pela "cidade dos quatro rios". Continuação até BUDAPESTE, às margens do rio Danúbio e chegada ao meio da tarde. À noite translado incluído ao calçadão, repleto de restaurantes típicos, alguns com música ao vivo.

Sexto dia: BUDAPESTE. Visita panorâmica pelas duas regiões que deram origem ao nome da capital: "BUDA" com seu antigo centro e "PESTE" com suas áreas comerciais. Poderão desfrutar do encanto da cidade do Danúbio. Tarde livre. Várias sugestões de passeios.

Sétimo dia: BUDAPESTE - BRATISLAVA - VIENA. Saída no início da manhã de Budapeste. Tempo para conhecer BRATISLAVA, cidade às margens do rio Danúbio que possui um atrativo centro histórico. Tempo para conhecer a cidade e almoçar. Após o almoço, viagem rumo a VIENA. Na chegada visita panorâmica da cidade com guia local, onde poderá conhecer suas majestosas avenidas, belos palácios e grandes parques. A noite faremos um translado à Praça da Prefeitura, onde você poderá desfrutar de sua iluminação e da atividade noturna das ruas vizinhas.

Oitavo dia: VIENA. Dia livre na capital austríaca. Poderão desfrutar, sem horário, do encanto dessa charmosa cidade. Tempo para passear e descobrir lugares inesquecíveis. Estudando programas opcionais, ou passeios a pé e a esmo.

Nono dia: VIENA. Após o café da manhã, fim dos nossos serviços. Translado ao aeroporto. Volta a São Paulo e Curitiba, via Frankfurt.

Na volta eu conto tudo. Um post para cada dia, enriquecido com muitas fotografias. Até a volta.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Roteiro de uma viagem. 1. Preparativos. Alemanha clássica. EuropaMundo.

Pronto para mais uma viagem. Desta vez, a primeira parte da viagem se destina à Alemanha, a terra dos meus longínquos antepassados. Consta que eles chegaram ao Rio Grande do Sul em 1828 e se estabeleceram na hoje cidade de São José do Hortêncio, a Picada dos Portugueses, ou a portugieserschneis de então. Entre as pessoas mais idosas este nome ainda se preserva. Eles eram oriundos do Hunsrück, região próxima da França. O motivo da vinda foram as guerras napoleônicas. Em 1835, já se defrontaram aqui, com a Revolução Farroupilha. Nunca tiveram vida fácil. A minha cidade natal é a de Harmonia. Em torno de cinco mil habitantes. Sobre esta história deixo um link http://www.blogdopedroeloi.com.br/2017/10/historia-de-sao-jose-do-hortencio.html


Tudo começou em Berlim.

Falo a língua alemã, no dialeto daquela região e daquele tempo, uma vez que, por aqui, ela ficou em estado de isolamento. Depois estudei o alemão clássico, mas a falta de oportunidades para exercê-la faz com eu tenha as naturais dificuldades. A língua portuguesa eu vim aprender, apenas na escola. Já estive na Alemanha em 1995 para a finalidade específica de estudos. Desta vez, apenas passeios. A viagem se divide em duas etapas. A primeira consta de um tour pela Alemanha Clássica, assim denominada pela empresa EuropaMundo, uma empresa espanhola, que recomendo muito. Dou o roteiro:

Primeiro dia: Chegada em BERLIM, via Frankfurt. Chegaremos ao hotel, já a noite, atentos aos recados da recepção para o tour do dia seguinte, na capital, a histórica cidade de Berlim, palco de grandes e tristes acontecimentos ao longo do século XX. 

Segundo dia: BERLIM. Da programação consta o seguinte: Faremos uma visita panorâmica pela incrível e pujante capital da Alemanha. Conheceremos o centro histórico, a ilha dos museus, o Reichstag, o Portão de Brandenburgo, suas artérias comerciais e seus parques. Conheceremos também o impressionante Memorial do Holocausto e o Museu-memorial do Muro de Berlim. Opcionalmente, sugere-se conhecer os arredores de Postdam com seus belos palácios. Pretendo fazer este tour histórico opcional.

Terceiro dia: BERLIM - DRESDEN - BAMBERG - NURENBERG. Lemos o seguinte: Saída rumo a DRESDEN, cidade que está situada junto ao rio Elba e onde se poderá admirar seu palácio. A viagem segue para a Baviera. Chegada em BAMBERG, belíssima cidade cheia de vida. Sugere-se passear pela "Pequena Veneza". Continuação em direção a cidade histórica de Nuremberg, a segunda cidade da Baviera, com longa história, onde se encontrava o Coliseu de Hitler.

Quarto dia: NUREMBERG - LANDSHUT - DACHAU - MUNIQUE. Eis a proposta: O dia de hoje nos prepara  grandes surpresas. Em Kelheim embarcaremos para realizar um rápido cruzeiro pelo vale do Danúbio, na zona das "gargantas do Danúbio". Chegada a KLOSTER WELTENBURG, um belíssimo mosteiro beneditino fundado no ano de 1040. Tempo para visita. Saída rumo a LANDSHUT, uma das cidades mais bonitas da Alemanha. Tempo para almoçar. À tarde, seguiremos para DACHAU, onde visitaremos o museu sobre o campo de concentração nazista. À tarde, chegaremos a MUNIQUE, visitaremos o impressionante  recinto da BMW WELT (mundo BMW), moderníssimas instalações de exposições multifuncionais do grupo BMW, a prestigiada  marca de automóveis alemã - depois disso conheceremos o parque onde está localizado o Olympiastadion de grande beleza arquitetônica e onde foram realizados os famosos jogos olímpicos de 1972. Posteriormente disporemos de tempo livre no centro histórico onde você poderá desfrutar das típicas cervejarias. (Será fácil de me encontrar em alguma delas).

Quinto dia: MUNIQUE - FÜSSEN - ROTEMBURGO - FRANKFURT : Entre altos cumes alpinos e belas paisagens, chegamos em FÜSSEN, onde se localiza o castelo de Neuschwainstein, subiremos de ônibus até a Ponte de Maria, onde desfrutaremos de de uma fantástica paisagem a partir de uma pequena ponte localizada entre barrancos, em que você poderá retornar caminhando ou de charrete (não incluído). Seguindo a "Rota romântica", a viagem segue para ROTEMBURGO, cidade cercada de muralhas. Entrada incluída ao belíssimo "Museu de Natal". Continuação até FRANKFURT, capital financeira da Alemanha. (Aí passarei um bom tempo cuidando das minhas múltiplas aplicações financeiras. Um mundo de preocupações).

Sexto dia: FRANKFURT - CRUCERO RHIN - COCHEN - COLÔNIA: Hoje é dia de conhecer o Vale do Reno e Mosela, dois rios históricos e com povoados cheios de encanto. Se fará um pequeno cruzeiro pelo rio Reno, entre os povoados de RUDESHEIM e ST. GOAR.  Sem dúvida, o lugar mais pitoresco do Reno. Posteriormente, tempo para almoçar em COCHEM, às margens do rio Mosela. Conheceremos também o incrível Burg Eltz, castelo medieval cercado de bosques entre montanhas.  Chegada em COLÔNIA prevista para o final da tarde, tempo para passear na ativa área da catedral antes de dar continuidade ao nosso hotel localizado em DUSSELDORF.

Sétimo dia: COLÔNIA - HAMELIN - HANNOVER: Um passeio por DUSSELDORF, cidade às margens do Reno, no centro da região mais industrial da Alemanha (Aí fica a sede da poderosa DGB, a Central Sindical Alemã). Continuaremos rumo a ZOLLVEREIN, um dos pontos mais importantes da "rota europeia da herança industrial", visitaremos seu complexo industrial da mina de carvão, declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Seguiremos para o norte, pararemos em HAMELIN, no norte da Alemanha. Esta cidade se tornou popular devido ao conto folclórico "O Flautista de Hamelin". Após passar pelas "pegadas dos ratos", a viagem continua até HANNOVER. Tempo para conhecer o centro desta importante cidade.

Oitavo dia: HANNOVER - GOSLAR - BERLIM. Tempo livre em HANNOVER, antes de continuar a viagem até GOSLAR, um dos mais belos povoados da Alemanha, com sua arquitetura de madeira, suas muralhas e praças.  Tempo para passear e almoçar. Continuação até BERLIM. Chegada ao meio da tarde. Tempo livre. Fim dos nossos serviços.

Neste dia pernoitaremos em Berlim, para no dia seguinte iniciar um novo tour. Desta vez visitaremos capitais, começando por Berlim e seguindo para Praga, Budapeste, Bratislava e Viena. Dou o roteiro detalhado em outro post. De Viena voltaremos ao Brasil, via Frankfurt.

terça-feira, 9 de julho de 2019

O Último dia de um condenado. Victor Hugo.

Não me lembro bem se cheguei a este livro através de uma recomendação ou por uma propaganda de livraria pelo facebook. O certo é que se trata de um livro de valor extraordinário. Trata-se de O último dia de um condenado, de Victor Hugo. O tema e o autor me levaram à compra. E como é bom ler um clássico. O livro é de 1829 e se constitui num dos maiores libelos contra a pena de morte. Argumentos racionais, morais e emocionais para que o crime público ou o "assassinato judicial" não mais seja cometido.
A bela edição da Estação Liberdade. Dois prefácios que complementam a obra.

Como já citei, o livro apareceu em 1829 e, já neste ano, ele teve três edições e na terceira, teve um prefácio que se tornou famoso. Ele foi escrito em forma de uma pequena peça de teatro, em que os atores se mostram perplexos diante do fato de alguém ser contra a pena de morte. Nestas edições o livro ainda não mostrava a pessoa do famoso escritor. Em 1832 apareceu outro prefácio famoso, desta vez com todas as argumentações contra esta pena, fora dos parâmetros da civilização. 

O livro não é longo. A edição da Estação Liberdade tem exatas 198 páginas, mas nela estão incluídos os dois prefácios e um pequena resenha biográfica do escritor. Ao todo o livro consta de 40 capítulos, sendo que muitos deles não passam de meia página. O crime cometido não é relatado, valendo assim para todos os tipos e circunstâncias em que foi praticado. Por outro lado ele tem um autor e este, embora não nominado, possui família, mulher e uma filha, a pequena Marie. Esta relação ocupa as páginas mais sensíveis do livro.

O enredo se passa em três locais diferentes: primeiro no Bicêtre, que é o local para o qual os condenados são levados após a sentença de condenação. Ali permanecem por seis semanas, até se esgotarem todos os recursos de apelação; o segundo é a da Conciergerie, a ante sala da morte, onde são feitos os últimos preparativos para a morte. Finalmente aparece a praça de La Grève, local onde os condenados são guilhotinados. A guilhotina "humanizou" a morte, fazendo-a durar menos de trinta segundos.

As primeiras reflexões se voltam ao condenado após ele receber a sentença da condenação. Aí começam as reflexões sobre a vida, e uma primeira grande frase de efeito: "Os homens estão todos condenados à morte com direito a sursis indefinidos". Na mente não sai a onipresente sentença: Condenado à morte. Depois os sonhos de vida e de liberdade não lhe saem da mente. Neste local também estavam os condenados as galés. No início preferiu a pena morte aos trabalhados forçados, mas à medida que a morte se aproximava passou a aceitar plenamente a possibilidade da troca da pena. Começa a escrever o diário de seus sofrimentos.

As reflexões mais profundas se dirigem a seus familiares, a mãe, a mulher e a filha. Serão elas as maiores vítimas. Enquanto lê as frases deixadas nas paredes pelos hóspedes que o precederam, pensa na filha, a pequena Marie, de três aninhos. Recebe a sua visita. Ela o chama de senhor. No seu imaginário o pai tinha morrido. Perguntando se não era ele, ela respondeu que não, que o seu era muito mais bonito. A ausência da perspectiva de vida já o tinha feito abandonar os cuidados com o corpo e a barba já estava crescida e desalinhada. E, ainda em sonhos, projeta fugas mirabolantes.

Um encontro muito comovente vai se dar com o padre. Ele o rejeita. Quer ser atendido por um outro padre, não o capelão do cárcere. Este já estava habituado com a morte. Ela já lhe dizia muito pouco. O cotidiano abrandara os seus sentimentos, emoções e afetos. Queria um outro padre, ainda sensível à terrível pena. A visita de um arquiteto, diretor do presídio, o aborrece profundamente. Ele lhe fala sobre as melhoras que passarão a ser introduzidas. Haja sensibilidade. Outro preso lhe pede para que, após a morte, ele volte para ditar os números premiados da loteria. Ele não quer deixar dívidas para seus familiares.

Finalmente chega o estágio final. Aí não são mais contados os dias, mas as horas e os minutos, até chegar a hora fatal. Quatro horas. Os horários precisam ser rigorosamente cumpridos, sem atrasos. Ainda pensa em escrever para Marie, explicando para ela as razões de sua condenação.

Do prefácio de 1832 selecionei uma bela reflexão sobre o espírito punitivo reinante. Aliás, Beccaria já é citado. Mas fiquemos com esta bela reflexão sobre as causas que levam ao crime: "pobres diabos que a fome leva ao furto, e o furto ao resto; crianças deserdadas de uma sociedade madrasta, que a casa de detenção pega aos doze anos, as galés aos dezoito e o cadafalso aos quarenta; desafortunados que com uma escola e uma oficina os senhores poderiam ter tornado bons, morais, úteis, e com os quais não sabem agora o que fazer". Seria uma antevisão de Os miseráveis? 

Me lembrei muito das discussões, ou júris simulados, que se faziam nas faculdades de Direito em torno do tema. Quantos vezes já fui entrevistado ou solicitado a dar referências contra a aplicação da pena! Deixo, assim, aqui esta preciosa referência, junto com uma observação final. Como é bom ler livros escritos por intelectuais, quando os intelectuais efetivamente eram ouvidos. O mundo pós-moderno simplesmente os substituiu por especialistas, que falam, tanto a favor, quanto contra, dependendo da oferta recebida para se manifestar. Dá uma tristeza.

Deixo ainda os últimos parágrafos da orelha do livro: "Em O último condenado, o poeta engaja toda a sua eloquência a serviço dessa causa, demonstrando a injustiça, a ineficácia da pena, a barbárie e os horrores da execução e de suas consequências: "esse homem tem uma família; e então acham o golpe com o qual o degolam fere apenas a ele? Seu pai, sua mãe, seus filhos não sangrarão também? Não? Matando-os, os senhores decapitam toda a família.

Ao mesmo tempo que apresenta técnicas narrativas extremamente avançadas para a época, Victor Hugo nos faz acompanhar as seis últimas semanas de um condenado à morte, desde o tribunal onde foi declarada a sentença capital até o pé do cadafalso.

A polêmica que a obra causou permitiu a sequência de edições (três no ano do lançamento) e o acréscimo de dois prefácios, que trazemos nesta edição. No ano de 1829, com uma paródia em forma  de peça de teatro, Victor Hugo rebate as primeiras críticas à obra. Mas em 1832, o requisitório racional e argumentativo pela abolição da pena de morte é o complemento perfeito à defesa literária e sentimental de seu romance-manifesto.

Por vezes ingênuo em seu papel de reformador social, Victor Hugo é, no entanto, um magistral e eloquente porta-voz da condição humana e de seus direitos". Um monumento de livro.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

A República dos bugres. Ruy Tapioca.

Vou começar com uma frase em epígrafe: "Há duas histórias: a história oficial, mentirosa, que se ensina, a história ad usum Delphini; depois a história secreta, onde estão as verdadeiras causas dos acontecimentos, uma história vergonhosa". Honoré de Balzac, As ilusões perdidas, 3, XXXII. Com certeza, o romance histórico - A República dos bugres, de Ruy Tapioca, pertence ao segundo grupo, aos livros de história secreta, "uma história vergonhosa". Encontramos esta epígrafe na abertura da segunda parte.
"É difícil não escrever sátira". Um grande livro. Muitas risadas e muito latim.

Cheguei ao livro através de uma pergunta do meu amigo, o professor Sebastião Donizete Santarosa, se eu conhecia o livro. Ele estava lendo Os tambores de São Luís, de Josué Montello e um outro professor lhe fez esta pergunta, afirmando que os livros tinham similaridades. Confesso que nunca tinha ouvido falar, nem do livro, nem de seu autor. Consultei a Estante Virtual e quando vi que havia apenas quatro volumes à disposição e com uma diferença exorbitante de preço entre o primeiro e os outros volumes, fui à compra. Em conversa com a professora Cláudia Gruber, ela me contou que este livro fez parte de uma disciplina de mestrado, que focava nos romances históricos. Só passo pela vergonha de dizer que não conhecia nem o escritor e nem o livro, pelo fato de ele pertencer aos livros da "história secreta".

Ao final do livro, à página 530 lemos a seguinte nota: Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1995 a 16 de junho de 1998". É o tempo que o escritor dedicou à pesquisa e à escrita do livro. Na orelha, lemos outra preciosa informação: "o resultado final é uma alentada contribuição às comemorações dos 500 anos do Brasil". Uma informação dada dentro do espírito irônico do livro. Ele foi editado pela Rocco, em 1999. Sua maior premiação foi o Guimarães Rosa, no ano de 1998, antes, portanto, de sua publicação. Uma outra epígrafe, esta na abertura do livro, nos alerta que "É difícil não escrever sátira", retirada de Juvenal, de seu Sátira I, 30.

Este romance histórico, aliás um longo romance, está dividido em dez partes, sem títulos, mas com frases em epígrafes. Estas partes são divididas em trinta capítulos, também sem títulos, mas com tópicos que indicam a localização e a data do ocorrido. A história começa com a chegada da família real portuguesa ao Brasil e termina com a proclamação da República, pelo doente e monarquista marechal Deodoro da Fonseca. Mas não é só este o período retratado. Existem também os apontamentos do bacharel Viegas de Azevedo, que iniciam com o descobrimento e vão até 1755, ano da vinda do bacharel ao Brasil, em virtude do terremoto que castigara a cidade de Lisboa. A partir desta data ele passa a ser testemunha dos fatos, em notas esparsas e genéricas sobre as peculiaridades da formação do povo brasileiro, ou da "República dos bugres".

É difícil fazer a resenha do livro sem reescrever a longa história narrada. Vou fazê-la através de alguns de seus personagens, seguramente os mais marcantes. Vou centralizar tudo no bacharel Viegas de Azevedo e dois personagens de seu entorno, o negro e ex escravo padre Jacinto Venâncio e seu amigo de infância Quincas, um mestre-escola, que não se tornou padre por ter apelidado um padre de "padre perereca", um ato de indisciplina grave. Quincas viera junto com a corte em fuga e era filho bastardo do príncipe regente e depois imperador Dom João VI. O bacharel é o portador da voz mais ferina.

Todos os fatos da história oficial passam a ser reescritos sob o ponto de vista da história não oficial. Vejam como ele nos apresenta D. Pedro, o nosso libertador, na voz do irreverente bacharel: "Quincas: boa bisca não dará esse libertador da pátria dos negros e dos botocudos, tendo na ascendência um avô senil, uma avó louca, um pai corno e uma mãe puta!". Só com isso já dá para perceber que os personagens preferidos nesta sátira são os da família real. Um fato sempre presente no livro é a guerra do Paraguai. Exalta as qualidades de Osório e Caxias e tripudia D. Pedro II e o Conde d'Eu por não terem oferecido armistício ao Paraguai, preferindo o  covarde massacre de feridos, crianças e mulheres. Na guerra encontraremos o padre Jacinto Venâncio, colega de infância de Quincas, o filho bastardo de D. João VI. É um padre negro, um venerável personagem. Os dois encerram o livro com o seguinte diálogo: "Cá habitamos a terra que é a esperança do mundo. Quincas! Viva a República do Brasil! - exclamou o padre, afagando-me o rosto. Pelas alminhas de quem lá tem, padre! Só se for a República dos Bugres". Está aí a referência ao título.

O tema preferido do bacharel Viegas de Azevedo é a formação do povo brasileiro, oriundo de "três matrizes raciais vagabundas". Apresenta o exército brasileiro como um exército de escravos e que a guerra do Paraguai obedeceu a um ditame de branqueamento do povo brasileiro, com a morte de milhares de negros, despreparados para a guerra. O último episódio é o da proclamação da República, onde um marechal, entre a vida e morte, a proclama em meio a vivas ao Imperador. 

Apresento ainda a contracapa do livro: "Romance histórico, em tom picaresco, A República dos bugres revisita a história do Brasil desde a chegada da família real portuguesa até a Proclamação da República, situando o leitor entre o embrião do futuro Estado monárquico e o embrião da presente ordem republicana.

Fatos históricos relativos à Família Real são apresentados com singeleza através das ações de Quincas, o filho bastardo de João VI, assim como fatos relativos à história da escravidão, Guerra do Paraguai e campanha abolicionista são evocados por meio do padre negro e ex escravo. Ademais, personagens célebres povoam as páginas desse romance e, sem nenhuma afetação, o leitor deparará, entre outras, com Dona Maria I e sua loucura; Carlota Joaquina e seus amantes; Dom João VI e suas indecisões; Pedro I e sua impetuosidade; um oportunista Caxias em início de carreira; Machado de Assis, menino e brilhante aluno de latim do mestre-escola Joaquim Manuel (Quincas); até chegar a Pedro II e ao marechal Deodoro da Fonseca. Todo esse vasto panorama, numa apresentação pouco cerimoniosa dos personagens, que leva o leitor a rir com gosto de inúmeras passagens.

Na atmosfera de celebração dos 500 anos, A República dos bugres propõe uma reflexão crítica e, ao mesmo tempo, muito divertida sobre a formação da sociedade brasileira". Um livro imperdível.

Dois adendos: 1. Sobre a importância da educação no Brasil: "Nunca te esqueças que moras no Brasil: a educação para brasileiro tem a mesma importância que mulher tem para eunuco". Página 455. 2, O mestre escola Quincas falando para um aluno que queria ser escritor: "Todavia, reitero-te minhas preocupações, filho: larga dessa ideia maluca de, no futuro, escrever romances, que isso é coisa para franceses, ingleses e russos. Poderias, isso sim, ser um mestre-escola como eu, ou um vigário como o Jacinto Venâncio, por que não?  Não serias abastado, por certo, longe disso! Mas ganharias o suficiente para uma vida minimamente digna. Viver de escrever livros no Brasil é o mesmo que pintar para cegos, ou tocar música para surdos!... Tira essa doidice da cabeça! - aconselhou-o o mestre Quincas". Páginas 352-3. O menino que queria ser escritor era o Machado de Assis.