segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Final dos anos 1970. Os partidos comunistas perdem a hegemonia. De: A ditadura encurralada. Elio Gaspari.

Ao ler a monumental obra de Elio Gaspari sobre a ditadura militar brasileira, encontramos em seu volume IV, A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro, um importante ponto de inflexão em nossa história. Até o final da década de 1970, as causas populares, especialmente as do meio estudantil e operário, ficavam sob o comando dos partidos comunistas, obedecendo a uma tendência mundial. É um reflexo das "Internacionais" que chegam ao Brasil. O mais famoso deles foi o PCB, o Partidão, fundado em março de 1922. As dissidências são dos anos 1960. O trotskismo chega um pouco mais tarde.


A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014. Esta passagem está no quarto volume.

Um dado muito interessante a observar, quando se estuda o golpe militar brasileiro de 1964, é o de que nenhuma força organizada, nem de direita, nem da esquerda, lutavam pela democracia. Queriam impor ditaduras. Mais uma vez, a força das influências internacionais. No caso brasileiro, as esquerdas muito se inspiraram na Revolução Cubana e nos ideais propagados por Che Guevara. As formas de combater a ditadura militar dividiram as forças da esquerda. As suas organizações foram praticamente exterminadas pela "turma do porão" ou da "trigada" da ditadura militar. Ao PCB, o Partidão, se soma agora o PCdoB.

Mas, não é esta a finalidade deste post. A finalidade deste é a de mostrar que, mais uma vez, a exemplo do que ocorre no mundo, também no Brasil ocorrerão grandes mudanças, especialmente a partir da exaustão das forças da ditadura militar, já tão prolongada. Se a ditadura conseguiu praticamente exterminar com as organizações de esquerda, jamais ela conseguiu arrefecer os seus ideais. Esses ficavam latentes, qual água buscando jeito, insistindo em brotar.

Elio Gaspari mostra essa nova realidade, a partir da parte III desse seu quarto volume, A cama de Alice, já em seu primeiro capítulo, com o título de A "surpresa de Alice". O nome de Alice aparece numa referência ao livro de Lewis Carroll, quando Alice, despertando em novas e diferentes camas, procura ou busca a sua identidade. Já na abertura do capítulo, Gaspari pergunta: "Quem era quem no final de 1976"? E, de imediato, nos dá uma primeira resposta: "Três anos de abertura haviam mudado a cena política. Como Alice, a ditadura e a oposição sentiam-se diferentes" (página 319).

As esquerdas que permaneceram no Brasil se reagrupam e as que estão no exílio clamam por anistia. A demografia também ajudou nas mudanças. O país já contava com 110 milhões de habitantes. Destes, 70 milhões habitavam nas cidades e sete milhões eram jovens. Havia um milhão de estudantes universitários. Para eles, vejam esta fina observação de Gaspari, "em 1968, uma parte da juventude estudantil divergira do PCB, mas tivera-o como aliado anacrônico. Em 1976, o Partidão, aliado ao MDB, era um suspeito para a militância radical, ativa e predominante das universidades (página 323)."

Mas, para além das universidades também houve uma grande mudança no mundo do operariado. Vejamos a narrativa: "Em 1977, no ABC paulista, militantes da Liga operária foram ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo pedir que os trabalhadores organizassem um protesto contra a prisão de três de seus quadros. Foram recebidos pelo presidente, eleito dois anos antes com 97% dos votos dos operários. Ele lhes dissera que não misturaria sindicato com socialismo". Quem era este presidente? Gaspari, de pronto nos responde:

"Chamava-se Luiz Inácio Lula da Silva. Tinha 31 anos, língua presa e sotaque nordestino. Descera de Garanhuns, com a mãe, num pau de arara. Chegaram a São Paulo em 1952, buscando o pai, que carregava sacos de café no porto de Santos. Vendera amendoim e doces nas ruas, e aprendera a ler aos dez anos. Tornara-se metalúrgico aos catorze, mas só entrara na sede do sindicato aos 22.  Vivera a expansão industrial paulista, durante a qual, num raro processo histórico, a classe operária triplicara. Em apenas dezoito anos, a indústria automobilística brasileira saíra da irrelevância para a lista das dez maiores do mundo. Em 1976, o ABC produzia perto de 1 milhão de veículos por ano. Para muita gente, o jovem presidente do Sindicato de São Bernardo ainda era o irmão do militante comunista José Ferreira da Silva, apelidado Frei Chico por conta de uma calva que parecia tonsura. Lula devera sua entrada na diretoria do sindicato ao irmão, mas era um personagem mais complexo, novo".(página325-326). Gaspari continua a sua narrativa, afirmando antes, que tudo isso parecia um sonho, em que as empresas disputavam os empregados nas portas das fábricas, oferecendo condições e salários melhores:

"A oferta de empregos para metalúrgicos em São Bernardo crescia  uma média de 8,3% ao ano. É dessa época a primeira viagem internacional de Lula. Vinte anos depois de ter vindo para o sul de caminhão, foi para o Japão de jato. Passou pelos Estados Unidos e deixou lembranças no programa de sindicalismo da Universidade Johns Hopkins. Conseguira que a justiça do Trabalho obrigasse as empresas a computar as horas extras no cálculo do 13º salário e das férias, e expandisse a estabilidade das gestantes por dois meses além do parto. Tivera o governador de São Paulo na posse e numa festa do sindicato. Afastava-se prudentemente do radicalismo esquerdista. Nessa articulação, a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida já percebera que os operários de São Bernardo construíam uma 'nova corrente sindical'; algo próximo do 'sindicalismo de negócios' (business union) norte americano: combativo, 'apolítico', solidamente plantado na empresa, tecnicamente preparado para enfrentar e resolver os problemas gerais e específicos de seus representados" (página 327).

Bem, creio que o objetivo do post está concretizado. No meio estudantil e no meio operário há novas forças com novos princípios em sua organização. Aí já entramos nos anos 1980, cuja história acompanhamos mais de perto. São os anos da redemocratização. Quanto a trajetória de Lula, que coisa realmente extraordinária. Quanta percepção e que história. Como sugestão indico a recém lançada biografia sua, escrita pelo maior biógrafo brasileiro, Fernando Morais, que ainda não li. Compreender estas transformações é fundamental para compreender as mudanças em nosso processo histórico.

Deixo o post da resenha do volume IV. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/4-ditadura-encurralada-o-sacerdote-e-o.html 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

1974. Entre Gunnar Myrdal e Friedrich Hayek. Do livro 4. A ditadura encurralada. Elio Gaspari.

Antes de mais nada quero esclarecer o título dado a este post. Entre Gunnar Myrdal e Friedrich Hayek. Cheguei a ele pela leitura do volume IV, da coleção de cinco, de Elio Gaspari, sobre a ditadura militar brasileira A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro. Ainda na primeira parte do livro (a crise de 1975), já no seu segundo capítulo (a ópera de Salzburgo) encontramos os dados para a sua elaboração. É uma abordagem que o autor faz, da relação do governo Geisel com o empresariado brasileiro. Ao longo do livro, Geisel é agraciado com três adjetivações: autoritarismo, estatismo e nacionalismo. Esses adjetivos soam bastante estranhos aos nossos ouvidos, nesses anos de 2022, já há um bom tempo. Observemos bem a data. 1975.


A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014. Esta passagem está no quarto volume.

Por uma obsessão de professor, vamos contextualizar a data, mostrando acontecimentos de seu entorno. Crise do petróleo, os petrodólares e a guinada do mundo da economia com as eleições de Thatcher (1979), na Inglaterra, de Reagan (1980), nos EUA e Kohl (1982) na Alemanha.  Friedrich Hayek acaba de vencer Gunnar Myrdal, o economista sueco da social democracia. Os dois haviam empatado no ano de 1974, quando ambos foram agraciados com o Prêmio Nobel de Economia, com pensamentos opostos. Simplificando diríamos, que era um embate entre a social democracia, ou o Estado de bem-estar social versus o neoliberalismo, defendido por Kayek, já desde 1944, com o seu O caminho da servidão. 

De Gunnar Myrdal até comprei, na época, o seu livro Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas, mas confesso que não entendi muita coisa. A minha formação superior básica foi a de seminário, numa faculdade de filosofia. Até tínhamos a cadeira de economia política. Mas o tema sempre me interessou muito, especialmente naquilo que dizia respeito à distribuição de renda e a sua aplicação à realidade brasileira. Na época fiz até uma especialização em desenvolvimento econômico e social brasileiro com o professor Hélio Duque, que depois foi brilhante deputado constituinte. Hoje não sei dele.

Mas, um contato mais sistematizado, fui ter apenas no mestrado, no curso nota sete, da PUC/SP. em História e Filosofia da Educação. As políticas públicas para a educação nos fizeram virar o tema até pelo avesso. Gunnar Myrdal já havia sumido do horizonte. Lembro de um livro sobre a social democracia, que até hoje considero a sua melhor referência. Trata-se de Capitalismo e social democracia  de Adam Przeworski, muito próximo de Estado, capitalismo e democracia na América Latina, de Atílio A. Boron. Pelo lado neoliberal, além dos livros de análise, Hayek e Milton Friedman estiveram presentes.

Mas voltemos ao livro de Gasperi. Geisel mudara a orientação triunfalista do milagre de Delfim Netto. Queria a centralização. Isso incomodava o empresariado, que queria a previsibilidade. A economia, sob Geisel se dividia entre Mário Henrique Simonsen e Reis Velloso, do II PND. Geisel estava convencido de que "a iniciativa privada não se interessa pelo real desenvolvimento do país", e, por isso, "o Estado tem que dirigir" (página 57). Nesse sentido tomou uma série de medidas envolvendo siderurgia e  petróleo. Mas vamos ao embate sugerido pelo título do post. Reproduzo a questão na sua quase integralidade. É um dos momentos de inflexão na história econômica mundial, em que são abandonadas as teorias que provocaram a chamada era de ouro do capitalismo e se envereda pelo caminho dos livres mercados da doutrina neoliberal. No Brasil estaremos longe dessas duas vias. Aqui dominava o "primeiro crescer para depois dividir" de Delfim Netto e o estatismo/nacionalismo de Geisel.

"Não houve na mobilização privatista a consistência ideológica que pressupunha conter. Nem oposição ao governo, muito menos ao regime. Eram apenas reclamações. Pena, porque foi entre 1974 e 1975, numa época de refluxo mundial do conservadorismo, que surgiram os primeiros sinas da revolução liberal  que haveria de varrer o final do século XX.

Um, simbólico, viera de Estocolmo, com a divisão do Prêmio Nobel de Economia entre o austríaco Friedrich von Hayek e o sueco Gunnar Myrdal. Este, socialista, era um dos pais da teoria do desenvolvimento econômico, e seu livro fora editado pelo ISEB em 1963. Em 1967 o Itamaraty desaconselhara a presença dele no Brasil para uma série de conferências. Hayek era um adorador da liberdade de mercado e considerava o planejamento econômico um "caminho para a servidão" (título do livro que publicara em 1944). Julgava-se subestimado pela comunidade acadêmica do pós-guerra. Vivia em Salzburgo, numa pequena casa que comprara com o dinheiro da venda de sua biblioteca. Tinha por vizinhos um bombeiro e um ferreiro aposentados. Myrdal era fava contada para o Nobel. A novidade estivera no reconhecimento de Hayek e na divisão da láurea entre duas concepções praticamente antagônicas. Ele e Myrdal mal se falaram durante a cerimônia de entrega do prêmio" (página 62).

A partir daí iniciam as ofensivas liberais contra "trinta anos de moda socialista", tanto na Inglaterra, quanto nos Estados Unidos. Enquanto isso "o empresariado e o conservadorismo brasileiros estavam noutra, a de atração de capitais e empréstimos externos. A campanha contra a estatização foi afogada num lance teatral. Chamou-se I Seminário Internacional sobre Investimentos no Brasil, ou Salzburg-75. Um sucesso. No final de maio baixaram na pequena cidade austríaca de Salzburgo 2 mil empresários e banqueiros americanos, europeus e japoneses. Um casal Matarazzo não achou quarto nos hotéis lotados e dormiu na casa do motorista. O maestro Herbert von Karajan teve de interromper seus ensaios da Filarmônica de Viena para liberar a sala da Konzerthaus. Todas as grandes casas bancárias do mundo mandaram diretores. Vieram os presidentes da Volkswagen, da Mercedes, da Brown Bovery e um Agnelli da Fiat. Mais o presidente da  agência de investimentos do Kuwait, e os ministros da economia  da Alemanha e de Finanças da Áustria. A conta foi rateada entre noventa entidades das classes produtoras brasileiras. A delegação nacional tinha três ministros e trezentas pessoas. O Banco do Brasil enviara onze representantes. A caravana incluía 33 jornalistas.

A ideia, a montagem e o espetáculo foram produto da imaginação e da agilidade do novo presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Automóveis, a Anfavea. Aos 37 anos, Mário Garnero chegara a posição pelo casamento com uma herdeira da família Monteiro de Carvalho, acionista da Volkswagen. Tinha vocação de palaciano, o gosto por eventos e a aparência dos grã-finos que sempre parecem ter saído do barbeiro... ". 

Na contramão da austeridade dos gastos públicos, o Brasil vive a farra dos empréstimos forjados com o endividamento externo. O texto continua: "Nada adiantaria que o ex-ministro Octávio Gouveia de Bulhões escrevesse a Geisel advertindo-o do 'endividamento da economia brasileira que impede acelerar o desenvolvimento e cria obstáculos ao desaceleramento inflacionário, com reflexos negativos sobre o equilíbrio do balanço de pagamentos'". E Gaspari conclui o seu texto: "Entre 1973 e 1975 a América Latina e o caribe duplicaram seu endividamento. O Brasil também" (Páginas 62 a 65). O preço que pagamos foi alto. 

Na América Latina e no Brasil a hegemonia neoliberal só se concretizou na década de 1990, após os ensaios de Collor e da consolidação sob Fernando Henrique Cardoso. O neoliberalismo é um sistema extremamente eficaz para produzir desigualdades sociais. Quando no Brasil, o governo assume a responsabilidade de estabelecer políticas públicas para combater estas desigualdades, vem os golpes de Estado, tão frequentes, como vimos ainda recentemente em 2016.

Acho que esse tema que estuda a política econômica e os investimentos públicos um tema fascinante e de repercussões fundamentais para o encaminhamento dos destinos da Nação. Até hoje assistimos, em nível mundial, essa briga de 1974, entre a social democracia de Gunnar Myrdal e o neoliberalismo de Hayek, com ampla vantagem para os neoliberais. No Brasil, a rigor, nem mesmo uma política de bem-estar social um dia tivemos. E... se tem tanto medo do comunismo. Que elite! 

Para melhor contextualização, deixo três links relativos ao tema. O primeiro sobre o liberalismo clássico, o segundo sobre a social democracia e o terceiro sobre o  neoliberalismo:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/11/temas-em-debate-i-o-liberalismo-uma.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/11/temas-em-debate-ii-social-democracia.html?m=1

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/11/temas-em-debate-iii-o-neoliberalismo.html


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

4. A ditadura encurralada. O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari.

Este volume IV, da coleção de cinco, de Elio Gaspari sobre a Ditadura Militar é uma radiografia profunda do que foi o governo do general Ernesto Geisel. Ele tem por título A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro. Então a pergunta óbvia a se fazer é: quem a encurralou? A resposta é longa e ocupa todas as 527 páginas do livro. Geisel não tem nenhum alívio ao longo de seus cinco anos de governo (1974-1979), a começar pela Opinião Pública, que se manifesta de forma devastadora com as eleições de 1974. Este fato reascende a "linha dura" e a "anarquia militar" que busca endurecer o governo contra os "comunistas" que atentam permanentemente contra a ordem. Só que eles, como organização, já haviam sido praticamente exterminados.

A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Intrínseca . 2014. O quarto volume da trilogia.

Se observarmos bem, na apresentação que Elio Gaspari faz de seus livros, ele nos conta que começou a escrever um ensaio que inicialmente deveria ter em torno de cem páginas. O tema central seria a atuação de Golbery e Geisel em 1964 e à frente do governo entre os anos de 1974 a 1979). O ensaio tinha até título O sacerdote (Geisel) e o feiticeiro (Golbery). Enquanto o volume III mostrou a ascensão da dupla ao poder, este volume IV mostra os dois, no exercício do poder. Creio que a principal observação a fazer é a de que Geisel efetivamente assumiu o poder, ele governou. Pouco deixou se influenciar. É, se o foi, por muito poucas pessoas. Muitos foram os seus adversários, pessoas poderosas, a começar pelo irmão Orlando e, especialmente, os promotores da "anarquia militar", que queriam endurecer o regime para nele se perpetuar. Geisel tinha a percepção clara de que teria que redemocratizar o país, pelo jogo do endurece e afrouxa, da sístole e da diástole, da forma lenta, gradual e segura com que se faria esse processo. Geisel, em seu governo, não abriu mão de governar sem os poderes conferidos pelo AI-5.

Quem mais atormentou o seu governo foi a "anarquia militar" e o "porão", que teve em Sylvio Frota, ministro do exército, o seu principal nome. A tortura como método de investigação, a tortura até a morte e a força de nomes de triste memória ganharam muita força, nomes como Brilhante Ustra, Fleury, Curió, Erasmo Dias, entre outros. No período existe um endurecimento das ditaduras militares na América Latina, onde, pela Operação Condor, se forma uma espécie de "esquadrão internacional da morte". Apontaria ainda dois momentos da conjuntura que mudaram bastante o cenário. No nível internacional, a eleição de Jimmy Carter e a sua defesa dos direitos humanos, enquanto que no cenário nacional, os partidos comunistas perdem a hegemonia nos movimentos populares. É o surgimento de um novo sindicalismo no ABC paulista. Também no meio estudantil as siglas comunistas perdem muito de sua influência. Mas a grande conclusão a que Elio Gaspari chega é a de que "Ernesto Geisel restabelecera a autoridade constitucional do presidente da República sobre as Forças Armadas". É esta a frase de encerramento do livro.

Mais uma vez, o livro é longo. São 527 páginas, divididas em quatro partes, a saber: Parte I. A crise de 1975; Parte II. O murro na mesa; Parte III. A cama de Alice; Parte IV. A hora de Ernesto Geisel. Embora eu tenha vivido intensamente esses fatos, devo reconhecer o quanto deles a gente estava afastado. Eram tempos de muita censura e cerceamento da liberdade de expressão. É impressionante o nível de fofocas que tomava conta das nossas Forças Armadas. O livro termina com uma breve nomenclatura militar, uma cronologia, fontes e bibliografia, créditos das imagens e agradecimentos. E mais uma vez, dois blocos de fotografias históricas aparecem em encartes.

A parte I, A crise de 1975, tem nove capítulos: 1. Recuo, rápido, gradual e seguro. É uma referência a uma trégua com a imprensa liberal, pelo abrandamento da censura prévia. Por outro lado, Sylvio Frota adota a posição de "patrono do porão". Esse fantasma acompanha todo o seu governo; 2. A ópera de Salzburgo. É um dos mais belos capítulos. Mostra a relação entre governo e empresários. Há mudanças na política econômica. Delfim será contido. Geisel mostra suas inclinações econômicas pró estatização. Há aqui uma bela referência às teorias econômicas internacionais, às quais dedicarei um post especial. Uma disputa entre a social democracia de Gunnar Myrdal (Nobel de economia - 1974, dividido com Hayek) e o neoliberalismo emergente de Friedrich Hayek. Salzburgo é uma referência a um encontro de empresários na cidade de Mozart, no país de Hayek. 3. O deslocamento de Golbery. É lançada a "novela da traição", que seria encabeçada por Golbery em favor do "comunismo internacional", numa trama da "turma do porão", contra a abertura política; 4. Uma zona de sombra. Golbery enfrenta sérios problemas de visão. Faz tratamento em Barcelona e perde uma das vistas. A "turma do porão" trama a sua morte. Geisel o mantém no Poder; 5. A comunidade da indisciplina. É uma relação à comunidade das informações que se transforma num sistema policialesco de controle interno. Impera a desordem e a indisciplina; 6. Com as tropas de Fidel. Aborda as relações internacionais no governo Geisel. Acordo nuclear com a Alemanha, a relação com as ex-colônias portuguesas na África, especialmente a complicada relação com o MPLA (Angola); 7. Mataram o Vlado. Uma referência ao jornalista Vladimir Herzog e seu suposto suicídio no DOI, do II Exército, ao ato ecumênico da Praça da Sé, ao discurso de Leite Chaves e a promessa de caça aos comunistas pelo coronel Erasmo Dias. Situação tensa. Vejam a frase do Senador paranaense "...Hitler, quando desejava praticar atos tão ignominiosos como os que estamos presenciando, não se utilizava do Exército, mas sim das forças da SS"; 8. "Merda! Merda!" Geisel reage a Sylvio Frota, que, em festa, recebe vivas ao futuro presidente. "Merda"! é a reação de Geisel ao seu ministro. 9. Mágica besta. Frota estará para Geisel, assim como Costa e Silva estivera para Castello Branco, um obstáculo para a abertura política. Ocorre uma outra morte no DOI do II Exército, o operário Manoel Fiel Filho, também acusado de suicídio. Haveria reações.

Na Parte II, O murro na mesa, temos cinco capítulos: 1. Uma noite de cão. É a noite passada por Geisel, após ficar ciente de nova morte sob a responsabilidade do II Exército. Teria que tomar providências. Ocorre a demissão do comandante do II Exército e do CIE, generais Ednardo Mello e Confúcio Avelino. Geisel encarava a situação, não pela violação dos direitos humanos mas como violação da disciplina militar. Muito triste; 2. A campanha do regresso. Embora Geisel estivesse comprometido com Figueiredo na sucessão presidencial, "o porão", insistia com a candidatura de Sylvio Frota. Pesam contra Figueiredo a sua saúde e a falta de uma estrela; 3. O terror de casa. É o recrudescimento da "direita explosiva". Os remanescentes dos tempos de Costa e Sila se insurgem e  tornam "o porão" extremamente agressivo, com bombas na OAB, ABI e novas agressões, sequestros e torturas. A indisciplina grassa solta nos quarteis e provocam o terrorismo militar de 1976; 4. O buraco negro. Diante da economia, Geisel realiza viagens internacionais (França e Inglaterra) e obtém financiamentos fáceis. Geisel promove uma centralização absurda em seu governo, se preparando para enfrentar novas eleições; 5. Abaixo a ditadura. A morte de expressivas personagens da política brasileira faz a população brasileira voltar a aspirar a democracia. São as mortes e os enterros de JK e Jango. É lançada a campanha da ANISTIA.

Na parte III, a cama de Alice, tem sete capítulos: 1. A surpresa de Alice. A partir do romance de Lewis Carroll, uma pergunta pela identidade. As oposições lançam o "Biotônico Vitalidade", que "não deve ser ministrado àqueles que propõem a morte como única forma de vida". Ocorrem significativas mudanças no mundo estudantil e operário brasileiro. Os partidos comunistas deixam de ser a bússola que os orientava. Surge um novo sindicalismo. Esta parte também merecerá um post à parte: 2. A tortura da pessoa jurídica. Também um belo capítulo, que por óbvio, pela força do título, mostra as relações do governo com o empresariado. São apresentadas três fortes características de Geisel: autoritarismo, estatismo e nacionalismo; 3. Um país empacotado. É o terrível "pacote de abril" de 1977, com a emergente figura do "senador biônico"; 4. Bye, bye, brother. Ao mesmo tempo em que recrudescem as ditaduras militares na América Latina, com a formação de um "esquadrão internacional da morte", com a Operação Condor, Jimmy Carter se elege presidente dos USA, com a bandeira da defesa dos direitos humanos. Carter manda sua mulher, Rosalynn, discutir política com Geisel. Imaginem a cena, qualificada como "70 minutos de desentendimentos"; 5. A rachadura do Planalto. A crise sucessória se agrava. Hugo Abreu se aproxima de Frota; 6. A geração de 1977 vai para a rua. São os novos movimentos estudantis nas universidades brasileiras. Geisel não usa o decreto-lei 477, o AI-5 da educação; 7. O jogo da tensão. Ela tem vários focos: a organização da campanha de Sylvio Frota e a divisão nas Forças Armadas, o reaparecimento do movimento estudantil e o áspero discurso e a cassação do deputado Alencar Furtado (as viúvas do talvez). Geisel, mais uma vez promete demitir o ministro.

Na parte IV, temos quatro capítulos: 1. Figa mostra um rosto. Sobre o "primitivo" general Figueiredo é construída uma imagem palatável de presidente da República; 2. Habeas Faoro. A "turma do porão" radicaliza a política na perseguição aos estudantes (PUC/SP). Faoro aparece para, em nome da OAB negociar a volta à democracia. 3. "Um dos dois vai ter que sair". E saiu o Sylvio Frota. Foi a forma de barrar o avanço de sua candidatura; 4. Um saiu. Foi no dia 12 de outubro de 1977. Em menos de cinco minutos de audiência a questão estava consumada. Frota não reagiu. A ele permaneceram fiéis apenas Brilhante Ustra e Curió). O caminho do general "primitivo" para a presidência estava aberto. É o que veremos no quinto e último livro da série.

Vejamos a resenha dos três volumes anteriores:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/1-ditadura-envergonhada-as-ilusoes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/a-ditadura-escancarada-as-ilusoes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/3-ditadura-derrotada-o-sacerdote-e-o.html

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Uma aula de política - de governabilidade. Do livro de Elio Gaspari. 3. A ditadura derrotada.

O volume III da coleção de Élio Gaspari sobre a ditadura militar - A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro contém uma preciosidade em termos de política, de uma aula sobre a governabilidade, de como se manter no poder. Esse volume abrange, desde a escolha de Geisel para a sucessão de Médici, até o final de seu primeiro ano de exercício no poder, passando pelos preparativos e temores em assumir o governo. Tempos de encrencas e de dificuldades. No cenário internacional há o estouro dos preços do petróleo e no cenário interno as insatisfações com a economia começam a se manifestar. A "anarquia militar" volta a pressionar em favor do endurecimento do regime. Deixo o link da resenha: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/3-ditadura-derrotada-o-sacerdote-e-o.html

O que efetivamente me chamou a atenção nessa leitura, a tal da aula de governabilidade, apontada no título, está contido na parte II do livro (O caminho de volta), no capítulo que versa sobre as primeiras encrencas que Geisel enfrentaria ao assumir o governo, assumi-lo de verdade. Lembrando que Geisel, para governar, não abriu mão do poderoso e terrível instrumento do AI -5, que tinha prazo de validade por tempo indeterminado. Mesmo assim, Geisel tinha medo. Vejam essa expressão do seu medo: "O pior é que chega um dia em que o sujeito transige para não ser deposto".

A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Esta passagem está no terceiro volume.

Geisel tinha certeza absoluta de que chegara ao poder por forças excepcionais, jamais chegaria pelas vias normais, pela via da democracia, por um processo de eleições diretas; "Só num país como o Brasil na atual situação eu poderia chegar a presidente da República", afirma. Com relação à permanência no poder repetia uma frase de Rodrigues Alves: "Quem senta nesta cadeira não perde". Mesmo assim temia e temia muito.

As frases mais preciosas sobre esta situação estão na página 225, onde ele enuncia três possibilidades efetivas de perda do poder: "Ao assumir uma função dessas de presidente, a primeira principal preocupação é assegurar os cinco anos. [...] Quer dizer, não ser posto para fora. 

Um presidente perde o poder na esteira de três tipos de crise: uma incompatibilização total com a opinião pública (caso de Jango), um conflito decisivo com as forças políticas (em parte o caso de Jânio); mas essas duas coisas hoje em dia seriam difíceis; resta uma confrontação com as forças armadas, aí sim, pode acontecer". E... segue a frase que já destacamos: "O pior é que chega um dia em que o sujeito transige para não ser deposto". O temor lhe vinha por parte das próprias forças que o levaram ao poder (a anarquia militar). Quanto às forças políticas não precisaria ter nenhuma preocupação. Elas estavam completamente domadas.

Geisel era diferente de Médici. Médici deixou governar e Geisel queria efetivamente governar. Tinha medo do seu gênio, de sua irredutibilidade: "Há o risco de um grande fracasso. Eu não sou flexível o suficiente" (Página 227). Vejam bem, temores de governabilidade, mesmo com os poderes do AI- 5 em mãos. Governar exige uma habilidade excepcional.

Ao ler estas páginas me lembrei muito de 2.016, do golpe de Estado branco sofrido pela presidente Dilma Rousseff . Um golpe midiático (a incompatibilidade com a opinião pública, devidamente trabalhada pela mídia em consórcio com parte do Poder Judiciário, da operação da lava-jato), parlamentar (incompatibilidade com a classe política, dominada pelo Centrão e a sua maneira peculiar de agir, domadas  ou abastecidas com dinheiro público). As forças armadas devem ter ficado na surdina, espreitando a situação. Todas as instituições estavam contra uma presidente, que não cometeu improbidades, "com Supremo e com tudo". Ah, a inflexibilidade! Não transigir. E onde ficam os princípios?

Quantas possibilidades de análise política! E se o LULA não tivesse sido impedido para assumir a Casa Civil, a sua habilidade política, ou a sua capacidade de transigir, teria evitado o golpe? E agora, no atual cenário da sucessão de 2022, como explicar a aproximação que LULA está buscando com Geraldo Alckmin, como seu candidato a vice-presidente? Não é a tal da governabilidade que está em jogo? Ah Maquiavel. Vamos ler O Príncipe, e mais ainda Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. O exercício da política, e, acima de tudo, da tal da governabilidade é um ato de suprema habilidade na capacidade de transigir, de ser flexível e de fazer uma grande leitura da realidade em que se está inserido.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

3. A ditadura derrotada. O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari.

Santo Deus! Quanta encrenca. Creio que o tema deste terceiro volume foi a razão de ser dos cinco volumes publicados. Na apresentação do primeiro, Elio Gaspari nos conta de sua pretensão de escrever sobre Geisel e Golbery, sobre o sacerdote e o feiticeiro. O tema seria sobre o envolvimento deles com a "Revolução", em 1964 até a articulação para uma saída honrosa do golpe, a partir do governo em que foram os protagonistas. Tinham a clara percepção de que um golpe militar não se sustentaria por um longo tempo. Tal é a rede de intrigas, do fogo amigo, da chamada "anarquia militar". Deixo o link dos livros anteriores:http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/1-ditadura-envergonhada-as-ilusoes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/a-ditadura-escancarada-as-ilusoes.html


A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014.É o terceiro dos cinco volumes.

O terceiro volume, da coleção de cinco, dos livros de Gaspari, tem por título A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro. O sacerdote seria uma referência a Geisel e o feiticeiro a Golbery. Na explicação que antecede os capítulos, o livro é apresentado em sua centralidade e delimitação: uma saída para a ditadura, que se agravara com o AI-5, os encontros de Geisel com Golbery, os seus desentendimentos com Costa e Silva, a indicação de Geisel para a presidência e a sua condução à frente do poder, em seu primeiro ano de governo. O volume termina com a grave crise política, com a perda das eleições em 1974 e com a crise militar, liderada pela turma da repressão, com a prisão da professora Maria da Conceição Tavares, sem o conhecimento da mais alta hierarquia militar.

O livro está dividido em quatro partes: Parte I: O sacerdote e o feiticeiro, sendo que cada um tem uma espécie de sub parte; Parte II. O caminho de volta, também dividido em duas partes: a costura e o poder; Parte III. No Planalto; Parte IV. A derrota. O livro também é longo, são 544 páginas. Mais uma vez tem dois blocos de fotografias históricas, a apresentação de uma nomenclatura militar, de uma cronologia, das fontes, crédito das imagens e agradecimentos.

A parte A, da parte I., com o título Geisel, o sacerdote, tem seis capítulos, a saber: 1. Moita, é o alemão. São contados os bastidores da indicação de Geisel na sucessão de Médici, além da apresentação de dados biográficos seus; 2. Uma dor que não acaba. Relata a morte do filho num acidente em linha de trem, em Quitaúna, região de Osasco, além de novos dados de sua biografia; 3. O perigo vermelho Mostra a continuidade da sua trajetória militar, com destaque para a eleição e a renúncia de Jânio Quadros. Mostra ainda o cenário da política internacional, com a Bipolaridade e a Guerra Fria, bem como o seu inconformismo com a intelectualidade toda ela pendendo para o lado comunista, como Picasso e Charles Chaplin e os brasileiros, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Drummond, Vinícius... Geisel defende o monopólio estatal da Petrobras, empresa da qual será presidente; 4. Um general da (i)legalidade. É relatada a crise política após a renúncia de Jânio e a posse de Jango, sob o regime parlamentarista. Os irmãos Geisel queriam o bombardeio do Palácio do Piratini, onde Brizola comandava a Rede da Legalidade. 5. 1964. Mostra a sua  atuação em relação ao golpe de 1964, do qual foi conspirador e defensor de seu aprofundamento. 6. O pijama togado. Volta à ativa quando já era considerado "fósforo riscado". Atua com dureza , como ministro do STM.

A parte B, da Parte I, com o título Golbery, o feiticeiro, tem cinco capítulos. 1. Criptocomunista. Trata-se de uma mini biografia, mostrando as suas origens na cidade de Rio Grande, a sua biblioteca de dez mil volumes e a sua aproximação com o marxismo-leninismo. Era uma leitor voraz. Mostra ainda o seu ingresso no exército; 2. O escriba. Com a Guerra Fria e a Bipolaridade ele muda de lado e se torna um dos idealizadores do 'festival de redundâncias", que foi a ESG. Parte para os estudos de geopolítica e se familiariza com termos como guerra global e permanente. Torna-se o intelectual do exército e o writher de seus principais manifestos; 3. Pés de veludo. É uma referência à sua forma de atuação discreta e sempre imperceptível. Isso o leva ao Serviço Nacional de Informações; 4. O paliteiro do IPÊS. Ele agrega e direciona o empresariado brasileiro para o anticomunismo, com a criação do IPÊS. Segundo Gaspari, os empresários estavam lá e o dinheiro era abundante. Também havia financiamento dos USA. Todos vinham comigo "palitar os dentes". 5. No Palácio. Isso ocorre pela terceira vez, agora com Geisel.

A parte II, O caminho de volta, foi para mim, a parte mais interessante do livro. Ela também se divide em duas partes: Parte A - A costura (a preparação para assumir o governo) e parte B - O poder (o seu primeiro ano no exercício do poder). A parte A tem cinco capítulos: 1. O peso do irmão. Orlando Geisel foi decisivo na sua indicação junto ao presidente Médici. Também o cacifava o seu posto na presidência da Petrobras; 2. A turma da Candelária. Uma referência ao local do escritório onde se reuniam, nas proximidades da famosa igreja. Aí se reunia a turma da "linha dura", que defendia o uso da repressão contra o "terror". Neste local começaram os preparativos para o governo. 3. Um voto, o voto. Eram três as pessoas decisivas no processo sucessório: os irmão Geisel e Médici, mas o decisivo era o Orlando; 4. Primeiras encrencas. São quase trinta páginas primorosas. Geisel teria que aprender a transigir para não ser deposto. Ele temia o fracasso de seu governo. O principal obstáculo era o fogo amigo, vindo das forças armadas. Este capítulo merece um post especial. É uma lição de política, de governabilidade, mesmo em tempos de pleno poder, sob o instrumento do AI-5, do qual ele não abriu mão; 5. A grande encrenca. Ela veio da conjuntura externa e afetou a economia. O estouro dos preços do petróleo.

A parte B, da parte II, sob o título O poder, tem três capítulos: 1. A equipe. Mostra o delicado processo da formação do ministério, que pretendia ser de notáveis; 2. Jogo de fichas. Mostra as duas surpresas na formação de seu ministério: a de Armando Falcão na Justiça e de Azeredo da Silveira, nas Relações Exteriores. Seriam os ministros indigestos. Tinha dois grandes problemas a lhe esperar: as liberdades individuais e a relação com a Igreja progressista; 3. "Esse troço de matar". É expressiva a frase de seu ministro do exército, Dale Coutinho: "Começou a melhorar quando começamos a matar". Uma sinalização clara de que a censura e a repressão continuariam. A abertura seria lenta.

A parte III, No Planalto, tem sete capítulos e tem, como um título geral, a seguinte afirmação: O regime é implacável. 1. A escolha essencial. Essa escolha é uma referência a João Batista Figueiredo; 2. Um mundo difícil. Trata-se de uma bela análise de conjuntura do panorama internacional (crise do petróleo, os problemas de Nixon e um panorama dos vizinhos latino americanos); 3. A costura da púrpura. A púrpura remete à relação com a Igreja, cada dia mais complicada São quatro descendentes de alemães em campos opostos: Os irmãos Geisel no governo e os primos Lorscheider na CNBB; 4. O porão intocado. Em outras palavras, a repressão (censura e tortura) continuam. O inimigo da vez é o Partidão. Surge também uma outra voz, no meio intelectual, o CEBRAP. Geisel é ameaçado pelo "porão"; 5. Interlúdio pessoal. Dois temas são abordados: a relação familiar e os próximos ao poder, ou seja, Geisel, Golbery, Heitor F. Aquino (a quem são devidos cadernos e mais cadernos de anotações) e a espécie de relação, quase filial, com Humberto Barreto; 6. O regime é implacável. Após o vencimento de dez anos das primeiras cassações Geisel age praticamente sozinho nas principais indicações para o governo, como também o afastamento de pessoas indesejáveis, como a de Delfim Netto, no governo de São Paulo; 7. O pé no acelerador. Entram em cena os petrodólares e o endividamento externo para dar continuidade ao processo de crescimento econômico. Entra em cena também o segundo PND, uma peça publicitária, de ficção, que não precisaria ser cumprida.

A parte IV, A derrota, é breve. Tem apenas dois capítulos: 1. "É isso e pronto". A censura e a repressão continuam correndo soltas. Há a proibição de abordar a crise de meningite em São Paulo e o deputado baiano, Chico Pinto é preso, por seis meses, por haver criticado o ditador chileno, Pinochet.; 2. A autonomia sepultada. À acachapante derrota eleitoral de 1974 se somam as insubordinações nos quarteis. Maria Conceição Tavares é presa sem haver comunicação às instâncias superiores do governo. Em suma, o povo está insatisfeito e essa insatisfação também está presente nos quarteis. Geisel está diante de uma encruzilhada. Terá que tomar atitudes perante a situação. O volume IV, nos aguarda.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

2. A ditadura escancarada. As ilusões armadas. Elio Gaspari

Seguramente um dos livres mais tristes e deprimentes que eu já li. O título foi muito bem escolhido. A ditadura escancarada. Isso ocorria de um lado, do lado oficial. Enquanto isso, do outro lado, havia as ilusões armadas. Militares que se transformaram em guerrilheiros e jovens estudantes sacrificaram  suas vidas pelos seus ideais, de verem um país socialmente justo. O marxismo lhes dava os fundamentos teóricos. São os anos de chumbo, que se iniciaram com o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, e que perdurou por todo o governo do general Emílio Garrastazu Médici, indo além, durando a eternidade de dez anos. Médici simplesmente burocratizou a ditadura, normalizando-a. Esta ditadura foi acompanhada da tortura, pelo simples motivo de que ela funcionava, ela dava resultados. As torturas levavam às confissões, que facilitaram o combate ao "terror".


A ditadura escancarada. As ilusões armadas. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014. É o segundo dos cinco volumes.

Os piores acontecimentos desse período foram, seguramente, o surgimento dos esquadrões da morte em São Paulo e as milícias no Rio de Janeiro. Uma aliança de militares e policiais com o crime organizado. Alguns nomes se tornaram triste e vergonhosamente célebres. Entre eles, o delegado Fleury, o coronel Brilhante Ustra, o capitão Guimarães e, ainda, na guerra do Araguaia, o major Curió. Estes nomes são idolatrados e há enormes esforços para que pessoas herdeiras das ideias do grupo retornem ao poder de forma ditatorial. Que triste momento histórico! O que não foi este Golpe de Estado "com Supremo e com tudo", de 2016? E esperanças... para 2022. Para uma sequência destes estudos deixo a resenha de "A República das milícias - dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/02/a-republica-das-milicias-dos-esquadroes.html

O livro é longo. Tem 526 páginas. Está dividido em quatro partes, mais apêndice, nomenclatura militar, cronologia, bibliografia, fontes e crédito de imagens. As imagens estão em dois blocos, com fotografias de imenso valor histórico. Lembrando que o Primeiro volume da coleção, termina com a chamada "Missa Negra" do AI-5. Deixo a resenha: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/1-ditadura-envergonhada-as-ilusoes.html

As quatro partes do livro vem precedidas de uma nota explicativa, em que diz que foram os "anos de chumbo", do aparecimento da TV em cores, da Copa de 1970, do "milagre econômico" e do pleno emprego. Ironicamente o autor diz que houve mais chumbo do que milagre. As quatro partes tem os seguintes títulos: Parte I. O choque; Parte II. A derrota; Parte III. A vitória; Parte IV. A gangrena. 

A primeira parte mostra o aparelhamento da ditadura e da sua normalização burocrática, por um Ato Institucional com prazo de validade indeterminado. Plenos poderes. Poderes ditatoriais. Poderes para matar. Esta primeira parte (O choque) está dividida em oito capítulos, a saber: 1. A praga (a corrosão das instituições) sob a justificativa que vem desde o tempo dos Romanos: "Contra a Pátria não há direitos". A tortura ganha os beneplácitos em todos os campos institucionais; 2. A dor (tortura). Ela é adotada porque funciona. O torturado fala. "Deus aqui - é nós". A certeza da impunidade; 3. A "tigrada" dá o bote. São mostradas as principais organizações que optaram pela luta armada, bem como os seus mecanismos de funcionamento; 4. A Operação Bandeirante, Oban. É organizada uma central de combate ao terror no II Exército, com amplo financiamento por parte da elite empresarial paulista. Também o DOPS e a Polícia Civil entram em cena, esta com o delegado Fleury; 5. O barítono se cala (a doença de Costa e Silva e o seu afastamento). A doença do general é tida como uma das maiores fraudes médicas da nossa história (Será que outra não poderá surgir?). Os ministros militares formam uma junta governamental, o mais folclórico dos governos, segundo o autor; 6. O grande golpe (o sequestre de Charles Elbrick, o embaixador americano); 7.Caos de estrelas. Depois da mais grave crise militar, Médici é anunciado como o novo general presidente; 8. Milito, Médice, Médici (Não podia ser Garrastazu por causa da rima). Ele foi o grande produto da anarquia militar. Teve em Orlando Geisel o seu fiel escudeiro.

A parte dois (A derrota) é mais breve. São cinco capítulos. A derrota do título se refere aos guerrilheiros da luta armada e a sua perseguição. 1. Marighella, início e fim. Sua história é contada. É mostrado o "mito" e o seu manual de guerrilha, bem como a sua relação com os dominicanos. Mostra ainda, Fleury e as diferentes versões da captura do "comandante"; 2. A história dos mortos. Relata a história de dois torturados até a morte: Chael Schreier e Mário Alves; 3. DOI. Nada ou tudo a ver com o verbo doer. É a sigla símbolo da dor infligida pela violência policial. Mostra a importância de Orlando Geisel com a repressão militar. Houve uma verdadeira delinquência com a soma de torturadores e contraventores. As mais sofisticadas técnicas mundiais de tortura foram trazidas da Europa (França - Argélia e Inglaterra - IRA).; 4. A ratoeira (A ratoeira armada por Médici). Mostra as 18 organizações da Luta Armada. Lutavam por governos populares revolucionários e não democracias; 5. O milagre e a mordaça. O milagre da economia e a mordaça da censura à imprensa. Os jornais "nanicos", com destaque para O Pasquim e Opinião.

A parte três (A vitória) tem seis capítulos. 1. Uma elite aniquilada. A ditadura, para se fortalecer, mutilou as mais diversas instituições, como o Parlamento, o Judiciário, as Universidades e todas as lideranças populares. Como oposição sobrou a Igreja Católica progressista (D. Hélder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns e a CNBB). Mesmo assim houve grande disputa com a Igreja conservadora (D. Agnelo Rossi, cardeal Scherer). A ditadura passou a controlar os cárceres e os cofres das instituições patronais; 2. A soberba de Lúcifer. É a forma como a Igreja via a ditadura militar. A atuação da Igreja progressista é mostrada, bem como a prisão de frei Betto; 3. O Brasil difamado. São as diferentes campanhas contra a ditadura e a tortura no exterior, com grande destaque para a atuação de D. Hélder Câmara indicado, inclusive, ao Prêmio Nobel da Paz; 4. Para trás, Brasil. Mostra as cisões existentes no jornalismo e na Igreja e a aproximação dos EUA com o Porão da ditadura. O Brasil não seria uma nova Cuba. Seria uma nova China, diziam os estadunidenses; 5. Nada a fazer. São mostradas as ações da dupla Médici e Orlando Geisel, com torturas e desaparecimentos e a tolerância para com os avanços do Esquadrão da Morte. Também é mostrada uma nova ofensiva da Igreja católica sob a ação de D. Paulo Evaristo Arns; 6. A marcha de Cirilo. É a caça final a Lamarca, o Cirilo, no interior da Bahia. 

A parte quatro (A gangrena) mostra a deterioração completa e a perda de todos os valores éticos na atuação da ditadura. Anos de chumbo, de ditadura escancarada. Possui três capítulos: 1.A gangrena. Mostra a força das instituições criminosas no Rio de Janeiro e em São Paulo. As escuderias cariocas, Jason e Le Cocq e a ação do delegado Fleury em São Paulo. A tortura é instituída como política de Estado; 2. A matança. A ordem é matar a todos os que regressaram ao país, vindos de treinamentos no exterior. Mostra as casa de Tortura de Petrópolis e o cemitério de Perus. Também são mostradas as desavenças dentro da Luta Armada, cada dia mais enfraquecida; 3. A floresta dos homens sem alma. É uma longa narrativa dos desastres, sob todos os aspectos, da Guerrilha do Araguaia, organizada pelo PCdoB. Uma chacina, com decepação de cabeças, só comparável a Canudos e ao Contestado. Uma história de morte de homens em frangalhos.

Maria Adelaide Amaral nos dá, na contracapa do livro, uma imagem precisa deste segundo volume: "Os livros de Elio Gaspari sobre a ditadura formam o mais completo conjunto de obras sobre esse período histórico. Não existe nada comparável, com tal riqueza de fontes aliada a documentação até então inéditos. O autor nos dá acesso a informações privilegiadas. A ditadura escancarada trata do momento mais sombrio do regime, numa visão panorâmica que abarca desde o estabelecimento das organizações clandestinas até as movimentações de bastidores da Igreja, do Exército e da Polícia. É uma obra extraordinária".

Ufa! Sobrevivi. Que livro triste. O que foi feito com o povo brasileiro! A que custo foi mantida a "ordem" no Brasil? E que ordem que foi mantida?  O livro é tão triste quanto necessário. Estamos vivendo tempos muito perigosos, com o perigo da repetição. Marx já advertira no 18 Brumário: "A história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa". Creio que estão percebendo o momento de incertezas e de tentativas que estamos vivendo. E saber que um grande órgão de nossa imprensa escrita considerou esta ditadura como uma "ditadura branda", ou uma "ditabranda". Que vergonha! O segundo volume termina com a indicação de Ernesto Geisel, como o novo general presidente. Vamos a leitura!.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

1. A ditadura envergonhada. As ilusões armadas. Elio Gaspari.

De uma forma ou de outra, creio que entendo o essencial do que foi o golpe militar/civil de 1964. Me afastei de um dos focos centrais, quando em 1968, eu me formava em filosofia no famoso Seminário Maior de Viamão, na Grande Porto Alegre. Já em 1969 eu me encontrava na distante Umuarama, longe de qualquer foco de agitação, ou, nem tanto. Vide José Dirceu em Cruzeiro do Oeste. Sempre acompanhei os fatos, pela via dos principais livros sobre o tema, pelos jornais e revistas da época.

O meu primeiro contato mais sistemático com o tema foi ao final dos anos 1990, quando na PUC de São Paulo, li a famosa trilogia, escrita por Maria Celina D'Araujo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro, A memória militar sobre 1964 - Visões do golpe; A memória militar sobre a repressão - Os anos de chumbo e A memória militar sobre a abertura - A volta aos quarteis. Uma obra extraordinária. Em 2014, acompanhei de perto a literatura sobre o tema por ocasião dos cinquenta anos dessa triste história. Há muito queria ver Elio Gaspari.


1. A ditadura envergonhada - As ilusões armadas. É o primeiro dos cinco volumes.

Agora, numa promoção, comprei os cinco volumes e comecei a leitura. Apresento os cinco volumes que, inicialmente, era para ser apenas um ensaio, em torno de cem páginas, sobre os envolvimentos de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, tanto com o golpe, quanto com a abertura. O artigo tinha até título: O sacerdote (Geisel) e o feiticeiro (Golbery). Os cinco livros tem os seguintes títulos: 1. A ditadura envergonhada. As ilusões armadas; 2. A ditadura escancarada. As ilusões armadas; 3. A ditadura derrotada. O sacerdote e o feiticeiro; 4. A ditadura encurralada. O sacerdote e o feiticeiro e 5. A ditadura acabada. O primeiro volume já está lido.

O título do primeiro volume é bem sugestivo. A ditadura envergonhada - As ilusões do golpe. Uma vergonha com relação ao golpe, pela forma atabalhoada de como ele se deu, bem como, os passos seguintes que foram dados. O golpe ocorreu muito mais em função de uma anarquia militar do que efetivamente uma ordem militar, com a finalidade de restaurar a "ordem democrática" no país. Sempre a "missão salvacionista"!  A ordem constitucional de 1946 sobrevivera aos trancos e barrancos. Getúlio, a posse de JK, a renúncia de Jânio Quadros, o Parlamentarismo e a derrubada de Jango. O golpe sempre pairara no ar.

O livro, depois de uma apresentação da segunda edição, de uma nota explicativa da mesma e de uma introdução, vai para o seu cerne ou para as suas três partes, a saber: Parte um - A queda. Parte dois - A violência e Parte três - A construção. O livro termina com um apêndice em que é apresentada uma nomenclatura militar, uma cronologia, fontes, créditos das imagens e agradecimentos.

A primeira - A queda - tem dois capítulos: 1. O exército dormiu janguista e 2. O exército acordou revolucionário. Os fatos são bastante conhecidos. Existe muita literatura a respeito. Creio que o termo revolucionário deveria ser substituído pelo de golpista.  Nesses dois capítulos é feita uma análise do governo Jango e suas contradições, que serviram de pretexto para o primeiro de abril de 1964, a partir das insurreições de Juiz de Fora.

A segunda parte - A violência - tem quatro capítulos: 1. O mito do fragor da hora; 2. Nasce o SNI; 3. Pelas barbas de Fidel; 4. A roda de Aquarius. No primeiro são examinadas as incertezas dos primeiros momentos, a anarquia militar, promovida pela "linha dura", que tenta desestabilizar o governo Castello Branco e a instalação dessa linha dura no governo, sob Costa e Silva. No segundo capítulo são mostradas todas as articulações da criação do poderoso instrumento pelo qual passaram os principais nomes da ditadura, qual seja, o Serviço Nacional de Informações, um verdadeiro "monstro", segundo os seus próprios criadores. No terceiro são mostradas as influências de Fidel, na inspiração das contraofensivas ao golpe e as sua intervenções nas ações dos movimentos insurrecionais. No capítulo 4 são apresentados os panoramas mundial e brasileiro, marcados por grandes transformações, com a produção de uma nova visão de mundo. Um capítulo bem significativo. O que me chamou muito a atenção neste capítulo foi o fato de que as forças contrárias ao golpe, que optaram pela luta armada, saíram quase todas dos quadros militares. Vide o exemplo de Marighella.

Na terceira parte, temos oito capítulos: 1. A esquerda se arma; 2. A direita se arma; 3. Costa e Silva: chega o barítono; 4. Y el cielo se encuentra nublado; 5. A provocação da anarquia; 6. A missa negra; 7 O fogo do foco urbano; 8. O exército aprende a torturar. Nesta parte são trilhados os caminhos do governo Costa e Silva até o 13 de dezembro de 1968, quando se celebrou a "Missa Negra" do AI-5. O foco está nas rebeliões estudantis, na opção da esquerda pela luta armada, pelos principais grupos dessas esquerdas e a reação das forças militares e a opção pelos caminhos da violência, da tortura e da formação dos esquadrões da morte. São os anos de chumbo. Esses atos terminaram com a absoluta falta de pudor, com a instituição do AI-5, um ato de ditadura escancarada, marcado por dez anos de vigência e com o mais terrível de seus instrumentos: o fim do habeas corpus. Tenho o seu registro na íntegra:

Deixo ainda o depoimento de Heloísa Buarque de Holanda, sobre o livro em sua contracapa: "Como num plot detetivesco, Elio persegue os caminhos e pistas de como foi armado o golpe de 1964 e de como, 21 anos mais tarde, foi desmontada a ditadura. A presença de Geisel e Golbery nas duas situações faz deles o centro do enredo tramado com talento indiscutível. A partir daí, começam a se abrir para o leitor várias senhas para o entendimento da lógica estrutural das políticas militares, das nuances do metabolismo que move corporações fechadas e, enfim, a voz, por tanto tempo silenciada, dos gestores da ditadura".

O livro tem também dois belos blocos de fotografias. Fotografias de valor histórico. E vamos para o segundo volume. A Ditadura escancarada - as ilusões armadas. O país sob a vigência do AI-5.