quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Uma aula de política - de governabilidade. Do livro de Elio Gaspari. 3. A ditadura derrotada.

O volume III da coleção de Élio Gaspari sobre a ditadura militar - A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro contém uma preciosidade em termos de política, de uma aula sobre a governabilidade, de como se manter no poder. Esse volume abrange, desde a escolha de Geisel para a sucessão de Médici, até o final de seu primeiro ano de exercício no poder, passando pelos preparativos e temores em assumir o governo. Tempos de encrencas e de dificuldades. No cenário internacional há o estouro dos preços do petróleo e no cenário interno as insatisfações com a economia começam a se manifestar. A "anarquia militar" volta a pressionar em favor do endurecimento do regime. Deixo o link da resenha: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/3-ditadura-derrotada-o-sacerdote-e-o.html

O que efetivamente me chamou a atenção nessa leitura, a tal da aula de governabilidade, apontada no título, está contido na parte II do livro (O caminho de volta), no capítulo que versa sobre as primeiras encrencas que Geisel enfrentaria ao assumir o governo, assumi-lo de verdade. Lembrando que Geisel, para governar, não abriu mão do poderoso e terrível instrumento do AI -5, que tinha prazo de validade por tempo indeterminado. Mesmo assim, Geisel tinha medo. Vejam essa expressão do seu medo: "O pior é que chega um dia em que o sujeito transige para não ser deposto".

A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Esta passagem está no terceiro volume.

Geisel tinha certeza absoluta de que chegara ao poder por forças excepcionais, jamais chegaria pelas vias normais, pela via da democracia, por um processo de eleições diretas; "Só num país como o Brasil na atual situação eu poderia chegar a presidente da República", afirma. Com relação à permanência no poder repetia uma frase de Rodrigues Alves: "Quem senta nesta cadeira não perde". Mesmo assim temia e temia muito.

As frases mais preciosas sobre esta situação estão na página 225, onde ele enuncia três possibilidades efetivas de perda do poder: "Ao assumir uma função dessas de presidente, a primeira principal preocupação é assegurar os cinco anos. [...] Quer dizer, não ser posto para fora. 

Um presidente perde o poder na esteira de três tipos de crise: uma incompatibilização total com a opinião pública (caso de Jango), um conflito decisivo com as forças políticas (em parte o caso de Jânio); mas essas duas coisas hoje em dia seriam difíceis; resta uma confrontação com as forças armadas, aí sim, pode acontecer". E... segue a frase que já destacamos: "O pior é que chega um dia em que o sujeito transige para não ser deposto". O temor lhe vinha por parte das próprias forças que o levaram ao poder (a anarquia militar). Quanto às forças políticas não precisaria ter nenhuma preocupação. Elas estavam completamente domadas.

Geisel era diferente de Médici. Médici deixou governar e Geisel queria efetivamente governar. Tinha medo do seu gênio, de sua irredutibilidade: "Há o risco de um grande fracasso. Eu não sou flexível o suficiente" (Página 227). Vejam bem, temores de governabilidade, mesmo com os poderes do AI- 5 em mãos. Governar exige uma habilidade excepcional.

Ao ler estas páginas me lembrei muito de 2.016, do golpe de Estado branco sofrido pela presidente Dilma Rousseff . Um golpe midiático (a incompatibilidade com a opinião pública, devidamente trabalhada pela mídia em consórcio com parte do Poder Judiciário, da operação da lava-jato), parlamentar (incompatibilidade com a classe política, dominada pelo Centrão e a sua maneira peculiar de agir, domadas  ou abastecidas com dinheiro público). As forças armadas devem ter ficado na surdina, espreitando a situação. Todas as instituições estavam contra uma presidente, que não cometeu improbidades, "com Supremo e com tudo". Ah, a inflexibilidade! Não transigir. E onde ficam os princípios?

Quantas possibilidades de análise política! E se o LULA não tivesse sido impedido para assumir a Casa Civil, a sua habilidade política, ou a sua capacidade de transigir, teria evitado o golpe? E agora, no atual cenário da sucessão de 2022, como explicar a aproximação que LULA está buscando com Geraldo Alckmin, como seu candidato a vice-presidente? Não é a tal da governabilidade que está em jogo? Ah Maquiavel. Vamos ler O Príncipe, e mais ainda Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. O exercício da política, e, acima de tudo, da tal da governabilidade é um ato de suprema habilidade na capacidade de transigir, de ser flexível e de fazer uma grande leitura da realidade em que se está inserido.

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