Confesso inicialmente a enorme dificuldade que tive para escrever este post. Isso se deve a vários motivos. No caminho de Swann, de Marcel Proust é apenas o primeiro livro de uma série de sete. Os sete volumes tem um título geral: Em busca do tempo perdido. Destes, li, apena agora, o primeiro desses livros. É uma leitura difícil, lenta, com muito poucos acontecimentos que te prendam à leitura, muita erudição, o que pode provocar uma dificuldade de concentração e uma fuga de interesses. Confesso que demorei bastante na sua leitura. Não é daqueles livros que te prendem e te levam a uma leitura quase ininterrupta. Mas vamos a contextualizações do autor e da obra.
No caminho de Swann. Marcel Proust. Biblioteca Folha. 2003. Tradução: Fernando Py.Marcel Proust nasceu em 1871 e morreu em 1922. A mãe é de influente família judaica (Weil) e o pai é católico e professor de medicina em Paris. A família é de muitas posses, fato que permitiu a Marcel nunca precisar de um trabalho, tipo emprego fixo, com horários delimitados. Nuca lhe faltou dinheiro para viajar. O ambiente de infância era o de uma intensa vida cultural, junto a seus familiares. A sua saúde sempre fora muito frágil, sofrendo de crises asmáticas.
Olhando para as datas que delimitam a sua vida (1971-1922), eu destacaria três importantes fatos históricos que muito o influenciaram: A Guerra franco prussiana (1870-1871) com humilhante derrota dos franceses para os alemães, a queda da monarquia e a instauração da Terceira República; a Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871) e uma Paris extremamente conturbada e com inúmeras e graves consequências e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Tempos de novo declínio da nobreza e ascensão burguesa. Tempos de muitas intrigas. Em busca do tempo perdido são essencialmente tempos de memória. Em rápidas buscas, os temas mais presentes são os temas humanos: amor, ciúmes (quase todo o longo capítulo 2, do primeiro volume - Um amor de Swann), da homossexualidade, (especialmente o volume 4 - Sodoma e Gomorra), os temas existenciais da vida.
Antes de entrar na resenha do primeiro livro, deixo ainda os títulos dos sete livros e os anos de sua publicação. Os livros de Em busca do tempo perdido receberam muitas publicações, de muitas diferentes editoras, com tradutores famosos. Por isso, pode haver pequenas diferenças nos títulos. Vejamos os apresentados pela Editora Relógio d'Água: 1. Do lado de Swann, 1913; 2. À sombra das raparigas em flor, 1919; 3. O caminho de Guermantes, dois volumes - 1920 e 1921; 4. Sodoma e Gomorra, dois volumes - 1921 e 1922; 5. A prisioneira, publicação póstuma de 1923; 6. A fugitiva - Albertine desaparecida, publicação póstuma de 1927; 7. O tempo reencontrado, publicação póstuma de 1927. O tempo em que os livros foram escritos foram os dos anos entre 1913 e 1922. Ao todo somaram mais de 3.500 páginas.
Agora podemos ir ao primeiro volume - No caminho de Swann, título da Ediouro, com tradução de Fernando Py. O livro que eu li foi o da coleção Biblioteca Folha, livro número 25, uma publicação do ano de 2003. São as memórias mais remotas do escritor, as de sua infância, vivida junto aos pais, os avós, as tias, seus vizinhos, Swann em particular, e Gilberte, a filha desse vizinho Swann. Ela, se observarem, será o tema do livro de número seis. O livro é dividido em três partes, as duas primeiras bem longas e a terceira bem curta. Os títulos das partes são: Parte um - Combray, cidadezinha que divide com Paris, as memórias de sua infância; Parte dois - Um amor de Swann. Charles Swann é o personagem título do livro, o vizinho da família do escritor, com o qual eles tem restrições por causa de seu perdido amor pela bela cortesã, Odette de Crécy. Swann é um homem culto, rico e refinado. A descrição de seus ciúmes são memoráveis; Parte três: Nomes de lugares: o nome. O grande destaque vai para Albertine, a filha de Swann, coleguinha do escritor e um primeiro arrastar de asas.
Na contracapa da edição da Folha de S.Paulo, Jorge Coli, assim apresenta o livro: 'Há o fascínio pelo mundo, pelas mulheres e homens, pelas artes. Há o gosto pelas conversas inesperadas e vivas, com duelos emocionais que os personagens travam. Há um desejo constante de compreender e analisar todos os sinais do mundo, animados ou inanimados, inteligentes ou obtusos, indiferentes ou apaixonados. Há uma intuição, assustadora e silenciosa, da maneira oculta como esses sinais se cruzam, determinando com isto, de modo imprevisto, o destino de tudo. Há a experiência do cotidiano, garantias muito frágeis, mas únicas, daquilo que cada um é, ou antes, vai sendo. Há também muita ironia e muito humor em Proust, que sabe criar passagens hilariantes. Há muito sexo também, que pode atingir extremos de perversão.
No caminho de Swann é o primeiro de sete outros livros. Eles formam a saga denominada Em busca do tempo perdido. Proust fixou o tempo, que escapa, nessa obra que é ela mesma movente e fugidia. Teceu uma rede que nos apanha: corresponde aos limites da 'humana condição'. Mas Proust também descerra nossos olhos, fazendo-nos compreender, não sem angústia, os alcances e as fronteiras da consciência a partir das sensações, do vivido e da experiência.
Existem os grandes autores, existem os autores que amamos. São raros, porém, aqueles de fato capazes de transformar o leitor. Não se sai incólume da leitura de Proust".
Já na orelha da capa os editores assim apresentam o livro: "'Cessara de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria?' Com estas duas frases, o narrador de Em busca do tempo perdido registra o momento de epifania que o fará reconstruir toda sua vida, desde a remota infância até a maturidade. A cena é aquela em que a personagem mergulha um pedaço de bolo - a famosa madaleine - numa xícara de chá e, a partir daí, se deixa transportar pela memória. Está no começo de No caminho de Swann, volume inicial do mais importante ciclo romanesco do século XX.
Lançado por Marcel Proust em 1913, depois de ter sido recusado pelas principais editoras francesas, este livro se concentra no período de formação do protagonista: o amor intenso pela mãe e a pouca simpatia pelo pai; o ambiente familiar dominado por mulheres; os sentimentos precoces de ódio e de culpa; as temporadas na provinciana Combray, com suas histórias locais; os primeiros contatos com pessoas que iriam viver, envelhecer e desaparecer sob os olhos do narrador.
Entre as muitas figuras que povoam o mundo de Proust, neste volume se destacam o rico sr. Charles Swann e a jovem e sedutora Odette de Crécy (casal interpretado no cinema por Jeremy Irons e Ornella Muti, numa adaptação do diretor alemão Volker Schlöndorff). O capítulo 'Um amor de Swann' é quase um romance à parte: um magistral estudo sobre o ciúme, talvez o melhor que a literatura já produziu".
Para destacar e demonstrar a beleza poética e a erudição do texto eu selecionei uma passagem, um diálogo humano, não entre humanos, mas entre instrumentos musicais: "Que belo diálogo Swann ouviu entre o piano e o violino no princípio do último trecho! A supressão das palavras humanas, longe de deixar reinar ali a fantasia, como se poderia crer, eliminara-a; nunca a linguagem falada foi tão inflexivelmente fatal, não conheceu a esse ponto a pertinência das perguntas, a evidência das respostas. Primeiro o piano solitário se queixava, como um pássaro abandonado pela companheira; o violino o ouviu, respondeu-lhe como de uma árvore vizinha. Era como no começo do mundo, como se só existissem eles dois sobre a terra, ou melhor, naquele mundo fechado a tudo o mais, construído pela lógica de um criador, e onde só os dois existiriam para todo o sempre: aquela sonata. Era um pássaro, era a alma incompleta ainda da pequena frase, era uma fada aquele ser invisível e lastimoso cuja queixa o piano a seguir repetia com ternura? Seus gemidos eram tão repentinos que o violinista deveria se precipitar sobre seu arco para recolhê-los. Maravilhoso pássaro! O violinista parecia querer encantá-lo, aprisioná-lo, captá-lo. Já havia passado para sua alma, já a pequena frase evocada agitava, como a de um médium, o corpo verdadeiramente possuído do violinista. ...". Página 341.