segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

A ÉTICA PROTESTANTE e o ESPÍRITO DO CAPITALISMO. Max Weber.

Uma releitura mais do que necessária. Estou falando de A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber. Acima de tudo a sua releitura é uma questão de tempo, de amadurecimento de compreensão. A releitura sempre será uma leitura com maior atenção, de maior acumulação de conhecimento histórico, de fatores que ampliam a capacidade de entendimento de fenômenos, especialmente de fenômenos tão complexos, como o são as da compreensão do desenvolvimento histórico. 

A ética protestante e o espírito do capitalismo. Max Weber. Bibl. Pioneira de Ciências Sociais. 1992.

O livro é um ensaio do entrelaçamento, como diz o título, da formação do espírito capitalista com as teorias religiosas, profundamente repensadas a partir da reforma protestante, da ruptura da visão única ou uniforme de cristianismo, até este momento da história. Já o espírito capitalista, a grosso modo representa uma ruptura com o mundo da autossuficiência e limites da economia feudal, num mundo em grande expansão, fenômeno dos séculos XV e XVI. Já as implicações das relações são típicas dos séculos XVII ao XIX.  Para a melhor compreensão das análises desse ensaio ´são necessários os respectivos conhecimentos históricos que produziram o que chamamos de mundo moderno. E também o mundo medieval, mundo do qual a modernidade buscava o afastamento.

Antes de entrar na análise dos fatos, algo sobre o autor, sobre Max Weber. Ele nasceu em Erfurt (1864) e morreu em Munique (1920). Direito, religião e economia foram seus temas de predileção. Foi um dos fundadores e consolidadores da sociologia como ciência. Qual teria sido o principal fato ocorrido na Alemanha em seus anos de vida? Creio que a resposta necessariamente nos leva à unificação alemã (1871) e a consolidação dessa unificação com a formação do Império alemão, na sua estruturação burocrática. Um período de intensa industrialização e competição, fatos que implicaram na Primeira Guerra Mundial. Formou-se pelas universidades de Heidelberg e Berlim e foi professor em Freiburg, Heidelberg, Viena e Munique. Os temas por ele vividos e observados são os temas de suas principais obras, sendo A ética protestante e o espírito do capitalismo, a mais importante.

Ela é dividida em duas partes: I. O problema e II. A ética vocacional do protestantismo ascético. A primeira parte está dividida em três capítulos, a saber: 1. Filiação religiosa e estratificação social. 2. O "espírito" do capitalismo. 3. A concepção de vocação de Lutero, tarefa da investigação. Já a segunda parte tem dois capítulos: 4. Fundamentos religiosos do ascetismo laico: A. O calvinismo; B. O pietismo; C. O metodismo; D. As seitas batistas. 5. A ascese e o espírito do capitalismo.

Max Weber também foi professor de metodologia. Digo isso por causa da evidência do método em seu trabalho. O seu ensaio é um verdadeiro exercício de dedução. Vejamos: a. Os fundamentos éticos do protestantismo são os ideais ascéticos. b. o espírito do capitalismo está impregnado de princípios ascéticos. c. Os valores ascéticos de ambos se encontraram e se encaixaram na formação do capitalismo moderno. Daí decorre a explanação dessas constatações.

Da primeira parte o destaque vai para os capítulos 2 e 3. Neles são expostos a visão do "espírito" capitalista, retirado essencialmente da autobiografia de Benjamin Franklin, sendo que o conceito de vocação é retirado das obras de Lutero. No primeiro capítulo são mostradas as nações que aderiram ao protestantismo e as que permaneceram no catolicismo e os motivos para tal.

Benjamin Franklin foi filho de pai calvinista. Fez fortuna na Nova Inglaterra. Suas máximas eram as da laboriosidade e da frugalidade e o não desperdício de tempo e de dinheiro. Agora, ganhar dinheiro, longe de uma satanização, se transforma numa virtude, sob as bênçãos divinas. Tudo obedece a uma racionalização da vida. Vejamos uma breve descrição: "A situação idílica anterior desmorona sob a pressão de uma luta amarga competitiva, fortunas respeitáveis são feitas e não emprestadas a juros, mas sempre reinvestidas no negócio. A velha atitude de lazer e conforto para com a vida deu lugar à rija frugalidade que alguns acompanharam e com isso subiram, porque não desejavam consumir mas ganhar, enquanto outros, que conservavam o antigo modo de vida, viram-se forçados a reduzir o seu consumo". Ascese, poupança, sacrifícios são condições para a acumulação/ investimento. Uma vida de contenção.

Já o conceito de vocação está ligada à ocupação. Ocupação em um mundo em transformação. A industrialização trará a divisão do trabalho. O trabalho será secular e profissional, sob os desígnios da Providência e da obediência a Deus. Calvino e o puritanismo e, como se verá mais adiante, seus seguidores falarão mais dessa secularização da profissão e do espírito de dedicação total no trabalho, na profissão. Tudo deverá ser feito para a maior glorificação de Deus.

O primeiro capítulo da segunda parte é de fundamental importância. Ajuda mais na compreensão das diferenças entre as designações religiosas derivadas do calvinismo e as implicações práticas que elas tiveram. Assim são expostos os fundamentos ascéticos do calvinismo, (predestinação - tudo é vontade divina e tudo deve ser direcionado para a glória de Deus - não existe mediação de sacramentos ou pessoas na busca da salvação - vida virtuosa e autoconfiança de estar entre os eleitos), do qual os presbiterianos são os maiores seguidores, do pietismo, do metodismo e das seitas batistas. Como chegar à salvação e racionalização e a emotividade são as maiores diferenças.

O último capítulo é o das correlações, o modo como esses dois fatores históricos se encontraram, se relacionaram e se influenciaram reciprocamente e se metabolizaram na formação do chamado capitalismo moderno, ao menos até os tempos em que o autor pode observar sua constituição, contradições e o despregar-se das influências religiosas, para simplesmente se transformar no sistema capitalista. Um livro valioso e necessário.

Vejamos um dos parágrafos finais desse capítulo: "Desde que o ascetismo começou a remodelar o mundo e a nele se desenvolver, os bens materiais foram assumindo uma crescente, e, finalmente, uma inexorável força sobre os homens, como nunca antes na História. Hoje em dia - ou definitivamente, quem sabe - seu espírito religioso safou-se da prisão. O capitalismo vencedor, apoiado numa base mecânica, não carece mais de seu abrigo. Também o róseo caráter de sua risonha sucessora; a Aufklärung parece estar desvanecendo irremediavelmente, enquanto a crença religiosa no 'dever vocacional', como um fantasma, ronda em torno de nossas vidas. Onde a 'plenitude vocacional' não pode ser relacionada diretamente aos mais elevados valores culturais - ou onde, ao contrário, ela também deve ser sentida como uma pressão econômica - o indivíduo renuncia a toda tentativa de justificá-la. No setor de seu mais alto desenvolvimento, nos Estados Unidos, a procura da riqueza, despida de sua roupagem ético-religiosa mundanas, que frequentemente lhe dão o caráter de esporte".

E uma observação final. O que dizer da teologia da prosperidade? Sobrou alguma coisa da ética protestante ou sobrou apenas o espírito capitalista? E a mediação da salvação pelo dinheiro? Sobrou ainda alguma coisa de espiritualidade?

Ainda, relativo ao tema, a resenha do instigante livro - Os demônios descem do norte.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/12/os-demonios-descem-do-norte-delcio.html

  

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