Entre os mais importantes lançamentos editoriais de 2015 figura o livro Como conversar com um fascista - Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro, de Márcia Tiburi. O livro é editado pela Record. Márcia Tiburi é gaúcha de Vacaria e a sua formação acadêmica, graduação, mestrado e doutorado foi a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente ela é professora na pós graduação da Universidade Mackenzie, da disciplina de Arte e história da cultura. É também colunista da revista Cult.
Como conversar com um fascista. O grande livro de 2015.
Como conversar com um fascista. O grande livro de 2015.
O livro tem uma primorosa apresentação de Rubens Casara, que explana sobre o fascismo, a sua origem simbólica e histórica e as principais características do fascista e as razões que recomendam o livro. Jean Wyllys é o responsável pelo prefácio. Ele foca na necessidade de uma educação emancipadora e a contrasta com a real. Apresenta o terrível dado de que hoje temos, na própria universidade, 38% de analfabetos funcionais. Sobre os ensaios da autora destaca a generosidade, afirmando que "este livro é para o que nasce". O corpo do livro é formado por 67 ensaios.
Os ensaios seguem uma ordem lógica perfeita. Os mais importantes são os primeiros e é sobre eles que se assenta o livro. Assim temos: 1. Questões preliminares: experiência política e experiência da linguagem ou o diálogo como desafio. 2. Como conversar com um fascista. A palavra chave para todo o desenvolvimento do fio lógico do livro é o "outro", mesmo que esta palavra não tenha aparecido nos dois primeiros títulos. Mas ela está subentendida, pois, o outro é necessário para o diálogo e fascista é quem não permite aberturas para o diálogo.
Eu trago comigo um livro que tem por título Filosofia para não filósofos. O livro é uma espécie de dicionário, com um verbete para cada uma das letras do alfabeto. Assim para a letra "A", a palavra escolhida é alteridade. Ali se lê a seguinte frase: "Eu sou as relações que vou tecendo com os outros". Esta frase serviria perfeitamente como uma síntese para o livro de Márcia Tiburi. Mas voltamos ao já enunciado, a experiência política como uma experiência de linguagem. Existem dois tipos de linguagem. O discurso e o diálogo. Se eu desconsidero o outro, ou - se com ele me relaciono qual um objeto, a minha relação com ele se dará pelo discurso. Se, ao contrário, eu o considero como um igual e, por ele tenho respeito, estabelecerei com ele a linguagem do diálogo. O diálogo é a linguagem da democracia e o discurso, a do autoritarismo.
O diálogo é sempre questionador e provocativo e se eu estiver disposto a ouvir, eu estarei disposto a aprender. Lembro de outro livro, desta vez de D. Hélder Câmara, O deserto é fértil. Nele se lê: "Se discordas de mim tu me enriqueces". De pensamentos contrários ou opostos surge o plural e o múltiplo. Se faço discursos, o máximo que poderá acontecer é ouvir o eco da minha própria voz. Creio que já dá para termos uma primeira definição de quem é o fascista. Fascista é quem usa unicamente o discurso como linguagem e se fecha completamente ao outro e ao diálogo com ele, para não ser perturbado em sua "verdade". Daí surgem os próximos ensaios. 3. Máquina de produzir fascistas - A origem e a transmissão do ódio. 4. Afeto contagioso... Assim os afetos são, na relação que estabelecemos com o outro, ou positivos ou negativos. Os positivos se manifestam pelo amor e os negativos pelo ódio e, são contagiantes. Formam os ambientes de amor e ódio.
A linguagem do autoritarismo é o discurso e a linguagem da democracia é a do diálogo. A violência do sistema capitalista é incompatível com a democracia e com o diálogo, por isso ele é inerentemente fascista. E assim vão sendo examinadas as principais relações que são travadas em nossa sociedade nos tempos atuais. Por estas categorias são examinados os principais temas que perpassam o espírito autoritário existente em nossa sociedade, como os meios de comunicação, a questão da mulher, do aborto, dos índios, entre outros.
Um livro sobre a perspectiva do outro. O outro como um objeto de conquista.
Entre os últimos capítulos está o de número 66, sob os seguinte título: "A violência hermenêutica e o problema filosófico do outro". Nele se examina o livro de Tzvetan Todorov. A Conquista da América: a questão do outro. Nele se lê algo profundamente ilustrativo com relação ao processo de colonização e também de toda a perspectiva do livro, ou seja, a perspectiva do outro. Assim, sobre a colonização temos "Não se trata para estes aproveitadores europeus, de buscar a verdade, mas de encontrar [...] confirmações para uma verdade conhecida de antemão. Tais homens viajando naquela época iniciaram em nome de seu saber - um saber suposto por eles mesmos e sua cultura - um processo de 'colonização e destruição dos outros'. O saber era a desculpa para a violência que realizariam em nome da coroa de seu país, do deus de sua religião e, para resumir, da verdade de seu ponto de vista".
Mas como conversar com um fascista, num cotidiano tão autoritário como o brasileiro? Este é o desafio lançado pelo livro. Seria o de provocar pequenas fissuras no pensamento autoritário. Estas fissuras seriam como pequenas aberturas, para nelas lançar a contradição. Uma vez que a contradição encontre um espaço, por mínimo que seja, estará aberto o caminho para a superação. Tarefa difícil, pois uma das principais características do fascista é o seu fechamento hermético em torno de sua verdade. Por isso ele resiste ao pensamento crítico e se fixa em pensamentos prontos, constantemente repetidos, dos quais se forma o que se chama de senso comum. Este senso comum funciona como verdadeiros campos de concentração da mente.
Para ficar mais fiel ao livro deixo os dois primeiros parágrafos da orelha do livro, sob forma de apresentação. "Diante dos riscos do fascismo que vemos todos os dias, nosso desafio é confrontar o fascista com aquilo que para ele é insuportável: o outro. O instrumento? O diálogo, na melhor tradição filosófica atribuído a Sócrates. Metaforicamente, com Basaglia, isso significa vomitar a serpente capaz de conduzir nossas vidas ao fascismo e, o que é ainda mais difícil, ajudar o outro, aquele que identificamos como fascista, a destruir e vomitar a serpente. Talvez esse seja o objetivo do diálogo proposto pela filósofa Márcia Tiburi em suas reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro.
Neste livro, a autora resgata a política como experiência de linguagem, sempre presente na vida em comum, e investe nessa operação, que exige o encontro entre o "eu" e o "tu', apresentada como fundamental à construção democrática". Um grande livro de filosofia, de política e, sobretudo de ética. Eu o elegi como o livro do ano deste 2015. Apesar do título, um tanto direto, é um belo livro para presentear alguém.
Os ensaios seguem uma ordem lógica perfeita. Os mais importantes são os primeiros e é sobre eles que se assenta o livro. Assim temos: 1. Questões preliminares: experiência política e experiência da linguagem ou o diálogo como desafio. 2. Como conversar com um fascista. A palavra chave para todo o desenvolvimento do fio lógico do livro é o "outro", mesmo que esta palavra não tenha aparecido nos dois primeiros títulos. Mas ela está subentendida, pois, o outro é necessário para o diálogo e fascista é quem não permite aberturas para o diálogo.
Eu trago comigo um livro que tem por título Filosofia para não filósofos. O livro é uma espécie de dicionário, com um verbete para cada uma das letras do alfabeto. Assim para a letra "A", a palavra escolhida é alteridade. Ali se lê a seguinte frase: "Eu sou as relações que vou tecendo com os outros". Esta frase serviria perfeitamente como uma síntese para o livro de Márcia Tiburi. Mas voltamos ao já enunciado, a experiência política como uma experiência de linguagem. Existem dois tipos de linguagem. O discurso e o diálogo. Se eu desconsidero o outro, ou - se com ele me relaciono qual um objeto, a minha relação com ele se dará pelo discurso. Se, ao contrário, eu o considero como um igual e, por ele tenho respeito, estabelecerei com ele a linguagem do diálogo. O diálogo é a linguagem da democracia e o discurso, a do autoritarismo.
O diálogo é sempre questionador e provocativo e se eu estiver disposto a ouvir, eu estarei disposto a aprender. Lembro de outro livro, desta vez de D. Hélder Câmara, O deserto é fértil. Nele se lê: "Se discordas de mim tu me enriqueces". De pensamentos contrários ou opostos surge o plural e o múltiplo. Se faço discursos, o máximo que poderá acontecer é ouvir o eco da minha própria voz. Creio que já dá para termos uma primeira definição de quem é o fascista. Fascista é quem usa unicamente o discurso como linguagem e se fecha completamente ao outro e ao diálogo com ele, para não ser perturbado em sua "verdade". Daí surgem os próximos ensaios. 3. Máquina de produzir fascistas - A origem e a transmissão do ódio. 4. Afeto contagioso... Assim os afetos são, na relação que estabelecemos com o outro, ou positivos ou negativos. Os positivos se manifestam pelo amor e os negativos pelo ódio e, são contagiantes. Formam os ambientes de amor e ódio.
A linguagem do autoritarismo é o discurso e a linguagem da democracia é a do diálogo. A violência do sistema capitalista é incompatível com a democracia e com o diálogo, por isso ele é inerentemente fascista. E assim vão sendo examinadas as principais relações que são travadas em nossa sociedade nos tempos atuais. Por estas categorias são examinados os principais temas que perpassam o espírito autoritário existente em nossa sociedade, como os meios de comunicação, a questão da mulher, do aborto, dos índios, entre outros.
Um livro sobre a perspectiva do outro. O outro como um objeto de conquista.
Entre os últimos capítulos está o de número 66, sob os seguinte título: "A violência hermenêutica e o problema filosófico do outro". Nele se examina o livro de Tzvetan Todorov. A Conquista da América: a questão do outro. Nele se lê algo profundamente ilustrativo com relação ao processo de colonização e também de toda a perspectiva do livro, ou seja, a perspectiva do outro. Assim, sobre a colonização temos "Não se trata para estes aproveitadores europeus, de buscar a verdade, mas de encontrar [...] confirmações para uma verdade conhecida de antemão. Tais homens viajando naquela época iniciaram em nome de seu saber - um saber suposto por eles mesmos e sua cultura - um processo de 'colonização e destruição dos outros'. O saber era a desculpa para a violência que realizariam em nome da coroa de seu país, do deus de sua religião e, para resumir, da verdade de seu ponto de vista".
Mas como conversar com um fascista, num cotidiano tão autoritário como o brasileiro? Este é o desafio lançado pelo livro. Seria o de provocar pequenas fissuras no pensamento autoritário. Estas fissuras seriam como pequenas aberturas, para nelas lançar a contradição. Uma vez que a contradição encontre um espaço, por mínimo que seja, estará aberto o caminho para a superação. Tarefa difícil, pois uma das principais características do fascista é o seu fechamento hermético em torno de sua verdade. Por isso ele resiste ao pensamento crítico e se fixa em pensamentos prontos, constantemente repetidos, dos quais se forma o que se chama de senso comum. Este senso comum funciona como verdadeiros campos de concentração da mente.
Para ficar mais fiel ao livro deixo os dois primeiros parágrafos da orelha do livro, sob forma de apresentação. "Diante dos riscos do fascismo que vemos todos os dias, nosso desafio é confrontar o fascista com aquilo que para ele é insuportável: o outro. O instrumento? O diálogo, na melhor tradição filosófica atribuído a Sócrates. Metaforicamente, com Basaglia, isso significa vomitar a serpente capaz de conduzir nossas vidas ao fascismo e, o que é ainda mais difícil, ajudar o outro, aquele que identificamos como fascista, a destruir e vomitar a serpente. Talvez esse seja o objetivo do diálogo proposto pela filósofa Márcia Tiburi em suas reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro.
Neste livro, a autora resgata a política como experiência de linguagem, sempre presente na vida em comum, e investe nessa operação, que exige o encontro entre o "eu" e o "tu', apresentada como fundamental à construção democrática". Um grande livro de filosofia, de política e, sobretudo de ética. Eu o elegi como o livro do ano deste 2015. Apesar do título, um tanto direto, é um belo livro para presentear alguém.