O clima de ódio que estamos atualmente vivendo no cotidiano autoritário brasileiro, junto com a tentativa de desmerecer a política como uma atividade séria, nos faz remeter ao famoso poema de Brecht sobre o analfabeto político. Embora ele seja amplamente conhecido, nunca será demais repeti-lo. Ainda vou pesquisar mais sobre o contexto específico em que ele foi dito. Obviamente ele envolveu o nazismo alemão. Vai aí então o poema:
O analfabeto político é sempre identificado com o burro.
O analfabeto político.
O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem de decisões políticas.
O analfabeto político
é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo
que odeia a política.
Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio
das empresas nacionais e multinacionais.
"A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação". Assim começa o famoso texto de Adorno "Educação após Auschwitz", contido no livro Educação e Emancipação. Poucos parecem estar lembrados, hoje, de que Auschwitz efetivamente existiu e aconteceu, pois, senão o nosso cotidiano não estaria entranhado de tanto ódio e de tanto autoritarismo. O poema de Brecht, assim, já mereceu algumas atualizações ou, usando o termo italiano, alguns agiornamentos.
O analfabeto político diz odiar a política.
Estou impressionadíssimo com o livro Como conversar com um fascista - Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. O livro é algo raro, uma verdadeira preciosidade. Ele tem uma apresentação de um juiz de direito, Rubens Casara, que fala sobre o fascismo com uma propriedade raras vezes vista. Ainda farei no blog um post especial sobre esta apresentação. Mas, este texto tem sua motivação no prefácio, escrito por Jean Wyllys, em que o deputado faz a atualização do poema de Brecht.
Wyllys parte do princípio de que o analfabeto político atual até participa da política e que "é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política", mas dela participa por um processo, digamos, de copiar e colar. Antes de entrar propriamente nas afirmações do deputado, creio ser interessante lembrar o que disse Umberto Ecco a respeito da comunicação no tempo das novas tecnologias. Elas deram voz aos ignorantes. Do prefácio transcrevo três parágrafos. O primeiro é da própria autora;
Informação/conhecimento/diálogo. Os ingredientes de superação.
"O que leva um indivíduo a reunir-se em um coletivo (segundo Adorno, no texto mencionado, a principal característica do fascismo) sem pensar com cuidado crítico nas causas e consequências dos seus atos configura aquilo que chamamos de analfabetismo político. Mas, no caso dos personagens jovens que surgem atualmente, líderes do fascistoide Movimento Brasil Livre, está em jogo a forma mais perversa de analfabetismo político. Aquele de quem foi manipulado desde cedo e não teve chance de pensar de modo autocrítico porque sua formação foi, no sentido político 'de-formação', a interrupção da capacidade de pensar, de refletir e de discernir", argumenta.
"Mas, sem discordar de Tiburi e apenas dando minha modesta contribuição para a sua excelente e necessária reflexão, digo que, por causa das transformações sociais, culturais e tecnológica que experimentamos, o 'analfabeto político' dos dias atuais é bem diferente daquele dos tempos de Brecht. O analfabeto político da atualidade fala e participa dos acontecimentos políticos mesmo renunciando à tarefa de se informar melhor sobre eles ou partindo de preconceitos, boatos, ou mentiras descaradas sobre tais acontecimentos".
"O analfabeto político da contemporaneidade - ao contrário daquele dos tempos de Brecht - participa dos acontecimentos políticos 'opinando' sobre eles nas redes sociais digitais sem qualquer cuidado crítico. Eu poderia recorrer a muitos exemplos do atual comportamento do 'analfabeto político'[...] vou me restringir a uma das muitas estupidezes escritas em minha página no facebook por ocasião da aprovação do Marco Civil da Internet: 'O marco servil (sic) vai acaba (sic) com o facebook e traze (sic) o comunismo vai manda (sic) mata (sic) todo mundo começando por você seu viado filhodaputa (sic)'. Este comentário é um exemplo do analfabetismo político contemporâneo, mas é também o sintoma de uma ameaça à democracia e à vida com pensamento: a maioria dos 'analfabetos políticos' que vociferam nas redes sociais digitais, principalmente a maioria daqueles que fazem menção ao 'comunismo' ou 'socialismo', deixaram claro que as fontes de suas afirmações acerca do acontecimento em questão: os colunistas da revista marrom semanal; o senil reacionário que se diz 'filósofo'; e a família do parlamentar (deputado federal, estadual e vereador) que parasita o poder público para difamar adversários e estimular o fascismo"...
Creio que já está bem definido quem seria o analfabeto político atual. Com respeito a este deputado, gostaria apenas de lembrar o apavoramento de Luís Fernando Veríssimo, em uma de suas crônicas, quando constata que este tipo de gente começa a se apresentar para a sociedade brasileira como uma opção eleitoralmente viável. Ó tempos, ó costumes! In qua urbe habitamus!
Quero ainda deixar um dado alarmante que o deputado nos traz. Ele é fornecido pelo MEC, quando este divulga o resultado de uma pesquisa para a construção do Plano Nacional de Leitura. Em 2012, acusou a pesquisa, "38% dos estudantes universitários brasileiros foram avaliados apenas como alfabetizados funcionais". Tristeza profunda.
"A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação". Assim começa o famoso texto de Adorno "Educação após Auschwitz", contido no livro Educação e Emancipação. Poucos parecem estar lembrados, hoje, de que Auschwitz efetivamente existiu e aconteceu, pois, senão o nosso cotidiano não estaria entranhado de tanto ódio e de tanto autoritarismo. O poema de Brecht, assim, já mereceu algumas atualizações ou, usando o termo italiano, alguns agiornamentos.
Estou impressionadíssimo com o livro Como conversar com um fascista - Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. O livro é algo raro, uma verdadeira preciosidade. Ele tem uma apresentação de um juiz de direito, Rubens Casara, que fala sobre o fascismo com uma propriedade raras vezes vista. Ainda farei no blog um post especial sobre esta apresentação. Mas, este texto tem sua motivação no prefácio, escrito por Jean Wyllys, em que o deputado faz a atualização do poema de Brecht.
Wyllys parte do princípio de que o analfabeto político atual até participa da política e que "é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política", mas dela participa por um processo, digamos, de copiar e colar. Antes de entrar propriamente nas afirmações do deputado, creio ser interessante lembrar o que disse Umberto Ecco a respeito da comunicação no tempo das novas tecnologias. Elas deram voz aos ignorantes. Do prefácio transcrevo três parágrafos. O primeiro é da própria autora;
"O que leva um indivíduo a reunir-se em um coletivo (segundo Adorno, no texto mencionado, a principal característica do fascismo) sem pensar com cuidado crítico nas causas e consequências dos seus atos configura aquilo que chamamos de analfabetismo político. Mas, no caso dos personagens jovens que surgem atualmente, líderes do fascistoide Movimento Brasil Livre, está em jogo a forma mais perversa de analfabetismo político. Aquele de quem foi manipulado desde cedo e não teve chance de pensar de modo autocrítico porque sua formação foi, no sentido político 'de-formação', a interrupção da capacidade de pensar, de refletir e de discernir", argumenta.
"Mas, sem discordar de Tiburi e apenas dando minha modesta contribuição para a sua excelente e necessária reflexão, digo que, por causa das transformações sociais, culturais e tecnológica que experimentamos, o 'analfabeto político' dos dias atuais é bem diferente daquele dos tempos de Brecht. O analfabeto político da atualidade fala e participa dos acontecimentos políticos mesmo renunciando à tarefa de se informar melhor sobre eles ou partindo de preconceitos, boatos, ou mentiras descaradas sobre tais acontecimentos".
"O analfabeto político da contemporaneidade - ao contrário daquele dos tempos de Brecht - participa dos acontecimentos políticos 'opinando' sobre eles nas redes sociais digitais sem qualquer cuidado crítico. Eu poderia recorrer a muitos exemplos do atual comportamento do 'analfabeto político'[...] vou me restringir a uma das muitas estupidezes escritas em minha página no facebook por ocasião da aprovação do Marco Civil da Internet: 'O marco servil (sic) vai acaba (sic) com o facebook e traze (sic) o comunismo vai manda (sic) mata (sic) todo mundo começando por você seu viado filhodaputa (sic)'. Este comentário é um exemplo do analfabetismo político contemporâneo, mas é também o sintoma de uma ameaça à democracia e à vida com pensamento: a maioria dos 'analfabetos políticos' que vociferam nas redes sociais digitais, principalmente a maioria daqueles que fazem menção ao 'comunismo' ou 'socialismo', deixaram claro que as fontes de suas afirmações acerca do acontecimento em questão: os colunistas da revista marrom semanal; o senil reacionário que se diz 'filósofo'; e a família do parlamentar (deputado federal, estadual e vereador) que parasita o poder público para difamar adversários e estimular o fascismo"...
Creio que já está bem definido quem seria o analfabeto político atual. Com respeito a este deputado, gostaria apenas de lembrar o apavoramento de Luís Fernando Veríssimo, em uma de suas crônicas, quando constata que este tipo de gente começa a se apresentar para a sociedade brasileira como uma opção eleitoralmente viável. Ó tempos, ó costumes! In qua urbe habitamus!
Quero ainda deixar um dado alarmante que o deputado nos traz. Ele é fornecido pelo MEC, quando este divulga o resultado de uma pesquisa para a construção do Plano Nacional de Leitura. Em 2012, acusou a pesquisa, "38% dos estudantes universitários brasileiros foram avaliados apenas como alfabetizados funcionais". Tristeza profunda.
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