quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Por um Ano Novo Mais Moleque.

Pensando numa mensagem de fim de ano, lembrei-me de uma aula de abertura de um ano letivo. Revirando minhas agendas a localizei. A agenda é de 1994. É a seguinte:

"Se pudesse viver novamente minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais... correria mais riscos, faria mais viagens, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios"

"Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem ter um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda chuva e um para quedas. Se voltasse a viver, viajaria mais leve. Começaria a andar descalço, no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono".

Tenho anotado na agenda que isso é de Jorge Luís Borges, citado por Clóvis Rossi. Por um ano novo mais moleque, era o título. Na mesma agenda encontrei anotado o seguinte:

"Abrirmos a cabeça
Para que afinal floresça
O mais que humano em nós
Então está tudo dito
E é tão bonito
E eu acredito num claro futuro
De música - ternura e aventura".

Tá combinado - de Caetano Veloso. Vai mais um aperitivo. Esse é de Niemeyer, das Curvas do Tempo. É sabido que ele não gostava de andar de avião. Daí vem o seguinte:

"Fiz muitas viagens entre o Brasil, a Europa e os Estados Unidos. Não gostava de andar de avião. De navio, eram 10 dias de férias no mar imenso, sem telefone, inteiramente livre.
Gostava de olhar o mar, cada dia diferente. Mar imenso a lembrar a eternidade. Gostava daqueles dias de ócio, sem fazer nada, a ler, conversar, estirado nas cadeiras de bordo".

Vou viajar, vou contemplar entardeceres, vou ver o mar. Vou ver as cachaçarias de Paraty. Vou me entregar ao ócio, sem ter medo de que ele seja a oficina de satanás. A todos desejo um ano novo repleto de ócio, de tempo livre e, absolutamente sem culpa.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

LIBERDADE - Jonathan Franzen.

Um livro surpreendente. Ele se move um duas direções: uma que se fecha, representada pelo isolamento e pelo remoer de fantasmas interiores e a outra que se abre e que é marcada pelo encontro ou pelo reencontro com o outro e os caminhos que são abertos por essa perspectiva. Se o livro é surpreendente, o seu final o é ainda mais.
Ficha do livro: FRANZEN, Jonathan. Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras. 2011. 605 páginas. R$ 46,50.

O núcleo central do livro gira em torno do casal Walter e Patty Berglund e seus filhos Joey e Jéssica, e se estende para o amigo do casal (amigo e mui amigo), o roqueiro Richard Katz e para Connie, a namorada e depois esposa de Joey. Também Lalitha, uma bela indiana e assistente de Walter ganha um bom espaço no livro. O cenário em que o romance se desenvolve é o dos Estados Unidos, em sua primeira década do século XXI. Com certeza que tem assunto interessante e suficiente para o preenchimento de suas mais de seiscentas páginas.

Um dos temas preferidos de Franzen é o casamento. Mas o próprio casamento de Walter e de Patty se dá em circunstâncias complicadas, mas aparentemente está tudo correto. O Berglund de Walter denuncia a sua origem sueca e existem páginas e páginas no livro que descrevem o que é ser um sueco. Não deixa de ser um homem correto mas, seguramente, é um homem muito chato e sem nenhum tempero. Patty é ex jogadora de basquete e que se recolhe junto com o seu casamento. Se retira do mundo profissional. A vida segue normal e vem os filhos. Richard Katz é o contraponto nesse casamento. É o único amigo de Walter e a grande paixão de Patty.

O livro avança por vinte anos e os problemas se multiplicam. Aparece a típica família americana de classe média. Além dos problemas familiares aparecem os problemas ético morais e um mundo competitivo. Walter vira um ecologista que protege a sobrevivência de passarinhos mas trabalha na legitimação da exploração de minas de carvão a céu aberto, encontrando nelas justificativas de racionalidade. Mas, acima de tudo, ainda tem pretensões de ser um paradigma de moralidade. Joey entra no mundo dos negócios, passa a ganhar milhões, atuando junto a grupos que tiram proveito da guerra do Iraque. Pede conselhos ao pai. Este não sabe o que lhe dizer e vai adiando a sua resposta, adiando os seus desencontros.

Walter se envolve em um caso amoroso que não tem coragem de assumir. Patty recai em sua paixão por Richard. Os filhos já estão mais do que afastados. A solidão passa a corroer os indivíduos livres. Quando eles olham ao seu redor, para os seus irmãos e familiares a situação fica ainda pior. Walter se decide por Lalitha, mas essa morre num acidente de carro e ele fica cada dia mais rabugento na exata medida em que se refugia no seu isolamento. Os vizinhos só existem para serem confrontados. Mas ainda pior que um casamento desastrado é um casamento desfeito e não ter com quem brigar. Aí você briga consigo mesmo e vai ficando cada dia pior.

Se você quiser ter um diagnóstico, uma radiografia, uma tomografia ou uma ultrassonografia da sociedade e da cultura americana não deixe de ler esse livro. Você se envolverá com a instituição da família e do casamento, com os valores de uma sociedade altamente competitiva, com a crise de uma geração jovem e com a alta corrupção da política, que não tem escrúpulos em fazer guerras, para delas tirar proveitos financeiros individuais. O indivíduo num mundo de liberdades tem que garantir a realização de sua felicidade, em meio a uma cultura, que seguramente lhe faz mal. Freud que o diga.

Se você se dispuser a ler este livro, você não estará sozinho nessa empreitada. Mais de um milhão de americanos já fizeram isso e ele foi assim classificado pelo The New York Times: O romance mais comovente de Franzen - um romance que se revela ao mesmo tempo uma envolvente biografia de uma família problemática e um retrato incisivo do nosso tempo.

Para terminar, um aperitivo sobre o significado de namorado ou namorada nos tempos de hoje. A cena envolve Joey e a sua namorada Connie, de quem por sinal gosta muito e acaba mesmo se casando. "Os jovens viam uma namorada como um empecilho insensato no caminho dos prazeres a que pretendiam dedicar os dez anos seguintes". É ou não um quadro da realidade?

Por fim, qual será o significado da palavra liberdade, que dá título ao livro? Não vou aqui entrar em detalhes. Vamos apenas afirmar que a palavra liberdade, ou a sua variável livre arbítrio, é um dos pilares de sustentação da cultura americana. Ela aparece em inúmeras discussões e geralmente ganha o seu significado político e econômico da livre iniciativa e a consequente abominação das intervenções do estado, a não ser em seus negócios com ele, em proveito pessoal. Walter tem uma discussão com o seu irmão Mitch, um alcoólatra reconhecido. Acompanhem a discussão. O dia estava ensolarado e ele só estava fazendo o de sempre. Bebia o tempo todo, mas sem pressa; a tarde ia ser longa.
"De onde você está tirando dinheiro?", quis saber Walter. "Está trabalhando?"
Mitch debruçou-se um pouco vacilante e abriu uma caixa de apetrechos de pesca que continha uma pequena pilha de notas e talvez uns cinquenta dólares em moedas. "Meu banco", disse ele. "E isso aí deve durar até o tempo esfriar de novo. Trabalhei de vigia noturno em Aitkim no inverno passado".
"Eo que você vai fazer quando acabar esse dinheiro acabar?" 
"encontro alguma coisa. Eu sei tomar conta de mim".
"Você não se preocupa com os seus filhos?"
"É, às vezes eu me preocupo. Mas eles têm boas mães que sabem cuidar deles, e eu não presto para isso. Acabei entendendo que só assim sei tomar conta de mim mesmo."
"Um homem livre."
"É o que sou."
E se calaram...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Intocáveis. A sensibilidade do humano.


Fazia tempo que eu queria assistir este filme. Confesso que não fiz um esforço maior para assisti-lo antes, em função, talvez, de preconceitos com relação ao que eu preconcebia do filme: mais um melodrama. Ontem eu fui. Confesso que sinto dificuldades em descrevê-lo. É um filme, não para descrever, é um filme para sentir.O mais que eu posso dizer, é que ele é simplesmente maravilhoso. É maravilhoso não pela sua história mas, por aquilo que ele realmente nos oferece de melhor. Algo que é intocável. A sensibilidade humana.

O filme é francês, dirigido por Eric Toledano e Oliver Nakache e é um grande sucesso de público. Na França está batendo recordes de público e no Brasil já passou da casa de um milhão de espectadores. A história é simples: um homem muito rico e de fino trato (Philippe) sofre um acidente e fica tetraplégico. Precisa de assistência em tempo integral para suprir as suas deficiências, os seus novos limites. A procura por essa pessoa que o acompanhe é interminável. Ninguém se adapta à função.

Alguém se inscreve (Driss), não para o exercício da função mas, para obter mais um carimbo nos seus papéis, para receber o auxílio desemprego. E o impossível acontece. Driss não tinha o mínimo perfil, ou qualidades requeridas para ser este assistente de Philippe e, no entanto... tudo deu certo. Philippe não é tratado como um pobre coitado e será tocá-lo naquilo que o incomoda mais do que a sua própria situação. A sua solidão. Os seus limites físicos tinham sido atingidos, mas não a sua sensibilidade e o seu desejo de viver e  este desejo de viver, ampliado pelo sentimento, pela emoção e pela sensibilidade. Driss, pelas coisas mais simples, lhe restaura o desejo de viver.

Por pragmatismo, que era o fio condutor de todas as entrevistas para o preenchimento da função, o único que jamais seria aprovado, seria exatamente o Driss. O imponderável o levou ao exercício da função. E a exerceu não como uma função, isto é, não a exerceu burocraticamente. A exerceu vitalmente e isso restaurou em Philippe o desejo de viver. Essa é a grande lição do filme. Em minha vida de professor esse dado sempre esteve muito presente. Exercer uma função que nunca fosse meramente burocrática, mas uma função vital. Belas reflexões sobre o pragmatismo.

Outra questão importante que eu vi no filme. O encontro das diferenças. O mundo aristocrático e sofisticado de Philippe e o popular de Driss. Os dois se complementam e se enriquecem. Existe o momento para cada um. Existe o momento do sublime e existe o momento para a festa.

Adorei a cena em que Driss volta a atender Philippe e o encontra desanimado e com barba para fazer. Ao fazê-la lhe imprime diversas figuras. A cena provoca a repulsa ao assemelhá-lo a Hitler e o hilário ao torná-lo semelhante ao ativista José Bové.

Saí do cinema pisando leve, me sentindo bem. Não por uma história fantástica ou recursos ao show, tão próprios do entretenimento. Saí pisando leve por aquilo que é meio intocado pelos valores culturais hoje em dia, que é o retorno às coisas simples, ao humano e especialmente ao desejo de viver a vida em toda a sua intensidade, mediado exatamente pela sensibilidade, pelas emoções ou simplesmente pelo humano e pela sua extensão e multiplicação. Acima de tudo uma bela lição de vida.

domingo, 9 de dezembro de 2012

"A Terra é Azul" - Tributo ao Grêmio.

"A Terra é Azul". Esta frase foi dita por quem viu a terra, pela primeira vez, a partir do espaço. Era o dia 12 de abril de 1961 e foi dita pelo cosmonauta russo Iuri Gagarin, a bordo da nave Vostok I. Essa façanha russa mexeu com os brios americanos. Houve reformas educacionais e enormes verbas foram destinadas para a pesquisa científica. A resposta veio com a Apolo 11, em 20 de julho de 1969, com a chegada à lua.

Não consta que a data de 12 de abril tivesse algo de especial para que o cosmonauta proferisse a sua famosa frase "a terra é azul". Só fico imaginando se Iuri Gagarin, em vez do 12 de abril de 1961, tivesse subido ao espaço no dia 11 de dezembro de 1983, no dia em que o Grêmio foi campeão do mundo, ou mesmo no dia de ontem, 8 de dezembro de 2012. O que diria então, ao ver este mundo de bandeiras azuis sendo desfraldadas. Certamente teria dito: "A Terra é azul, azul, azul".

Rendo hoje a minha homenagem ao Grêmio, pela inauguração do mais moderno estádio brasileiro e por ter dado esse passo para frente no futebol brasileiro, antes que qualquer outro time. É impressionante o que foi feito. 192.000 m² de construção, altura equivalente a um prédio de 19 andares e com 60.540 lugares. O impressionante é o tempo de construção. Tudo isso foi construído em pouco mais de dois anos.

E não é que o Grêmio não tivesse estádio.O seu grande palco de festas, o Olímpico Monumental, foi e é um grande exemplo do que é uma construção coletiva. A primeira construção foi obra de Saturnino Vanzelotti, nos anos 50. Vanzelotti está enterrado no cemitério João XXIII, numa pequena distância do estádio e voltado de frente para ele, para que, de seu lugar definitivo, não perdesse um único jogo do time do seu coração. Agora terá que fazer algumas acomodações e lançar o seu olhar para um pouco mais longe.

A outra construção do Estádio Olímpico foi feita por Hélio Dourado, no final dos anos 70 e que o transformou no Olímpico Monumental. Merece destaque a forma como ele foi, primeiro construído e, depois reformado. Foi uma construção e reconstrução absolutamente coletiva. Campanhas de doação de tijolos e de sacos de cimento deram aos gremistas um sentimento de pertencimento do seu estádio. E por isso existe hoje, embora a alegria diante do gigantismo da nova obra, a nostalgia e o sentimentalismo da despedida. Hélio Dourado diz que jamais pisará na Arena Grêmio.

A construção dessa Arena não tem nenhum apelo ao coletivo gremista e também, e é muito importante dizer, não tem nenhum dinheiro público na sua execução. Ele é algo absolutamente moderno, numa parceria entre o Grêmio e a OAS., num empreendimento que alcança as gigantescas cifras de quase 600 milhões de reais. O lamentável nessa história será a implosão do Olímpico Monumental. Um pedaço de história que se vai, junto com a sua implosão.

A inauguração foi maravilhosa. Um show em nível internacional. A força da cultura regional gaúcha foi mais uma vez levada e afirmada perante o mundo inteiro."Sirvam nossas façanhas, de modelo à toda terra". Emocionante e, muito importante. Simbolicamente foi assinado, em 8 de dezembro de 2012 um decreto, em que definitivamente o choro foi eliminado como um instrumento de tristeza e transformado num símbolo maior de alegria. 

O Grêmio é também conhecido como "o imortal tricolor". Esse imortal, constantemente prova a fé dos gremistas e, quando tudo parece estar perdido, esta força imortal aparece. Em momentos em que a fé gremista parece fraquejar é que vem uma força não se sabe de onde e, tudo recomeça. Exemplo maior disso foi "a Batalha dos Aflitos". Os anjos que vieram do infinito, onde certamente mora essa força do imortal, trazendo a tesoura para o corte da fita inaugural, foi sensacional.

O espetáculo foi grandioso. Não faltou nada. Artistas da cultura regional ainda não sertanejada, sendo valorizada, ex atletas, eternos ídolos, desfilando e Lupicínio sempre consagrado e reconsagrado. Não é qualquer time que tem um hino composto por um gremista como Lupicínio Rodrigues. É o mais popular dos hinos de times de futebol. "Até a pé nós iremos". Mas o que mais me alegra é ver crianças com os uniformes do Grêmio. Não tive uma educação jesuíta, mas com eles aprendi, que se você quiser ter resultados por um longo tempo, invista nas crianças. Gosto de dar de presente camisetas do Grêmio para crianças, mesmo porque, ao optarem por serem gremistas, terão enormes alegrias ao longo de suas vidas.

Sim, uma última coisa. Esta verdade é só minha, mas mesmo assim eu acredito que ela seja uma verdade absoluta e universal. É sabido que Niemeyer não tem nenhum grande projeto para estádios. Mas ele tinha, em sua mente projetado o novo estádio para o Grêmio. Só não o fez, porque o estádio tinha que obedecer os padrões da FIFA., e isso limitaria a sua força criativa. Se não fosse isso, Niemeyer também teria deixado a marca de sua beleza na concepção de um estádio de futebol.

Quanto ao jogo, foi relembrar 1983. Lembro perfeitamente daquela madrugada maravilhosa. Acho que aquela forma esquisita como o André Lima comemorou o primeiro gol da história da Arena Grêmio foi só para lembrar que no Rio Grande do Sul também existe um outro time de futebol.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

TRIBUTO A NIEMEYER

Sempre aprendi que adjetivos são desnecessários e que por isso devem ser evitados. E são desnecessários, exatamente, por não serem substantivos. No entanto, o que se vê com relação a Niemeyer, parece que eles faltam no mundo inteiro, para bem qualificá-lo.
A autobiografia de Niemeyer. Memórias.

Creio que um dos primeiros momentos de real grandeza profissional em Niemeyer ocorreu com as obras da Pampulha, em Belo Horizonte. Também foi ali que se deu o encontro e a parceria com Juscelino Kubitschek, que mais tarde o levaria para a construção de Brasília. Da construção da Pampulha me lembro de duas coisas muito interessantes, contadas na biografia de JK - JK o artista do impossível, de Cláudio Bojunga.

A Pampulha é todo um bairro novo, construído em Belo Horizonte, quando dela J. K. era prefeito, nos anos quarenta. As obras do arquiteto nesse complexo são quatro: o Iate Clube, o Cassino, a Casa de Baile e a Capela de São Francisco. As duas coisas que eu gostaria de destacar, a partir da lembrança de Bojunga é, em primeiro lugar, a sua obsessão com a alegria e a diversão. Disso nasceu a Casa de Baile, um local para o lazer dos trabalhadores. A segunda questão é relativa a belíssima capela de São Francisco, a conhecida igreja da Pampulha. Ela ficou anos esperando por uma missa, uma vez que o bispo se recusava a rezar missa, numa obra concebida por um comunista. Coisas do tempo.

Em Brasília Niemeyer possivelmente tenha tido as suas maiores alegrias e glórias e, contraditoriamente, também os seus maiores contratempos e dissabores. Uma crítica constante que lhe é feita diz respeito ao monumento em homenagem a JK., em seu memorial. Muitos vêem nele a foice e o martelo, símbolos de trabalho de uma época e símbolo maior do comunismo. Mas os problemas maiores ocorreriam com a construção do aeroporto. Já estávamos em períodos de intransigência. Vivíamos a ditadura militar. Foi acusado até de ter plagiado a obra de um de seus inspiradores, Le Corbusier. "Lugar de arquiteto comunista é em Moscou", lhe diziam os militares.

Os atritos com a ditadura o afastaram da Universidade de Brasília, junto com outros duzentos professores, e também de Brasília. Paris ficou muito honrada em receber tão ilustre exilado. Já a cidade do México recebeu o seu original projeto de aeroporto. O maior inimigo da truculenta ditadura militar, sem dúvida, foi sempre a ousadia da inteligência.

Não vou aqui me deter na vasta biografia do arquiteto. Para isso existe o seu livro de memórias - Curvas do Tempo (Ed. Revan. R$ 52,00).

Tive o prazer de assistir a uma palestra de Niemeyer na Universidade Positivo. Ele falava com a habilidade de suas mãos, isso é, ele não falava sem desenhar. lembro bem do engenheiro que o acompanhava. Ele desenha, dizia ele, e nós temos que nos virar. Que desafio não deveria ser trabalhar com ele. Lembro também de sua figura humana maravilhosa, que transpirava bondade.

Parece que as curvas o perturbavam. As curvas lhe inspiravam a beleza. As curvas das montanhas e as curvas dos belos corpos das meninas de Copacabana o levaram para o desenho de sua arquitetura e para a consagração mundial. Espalhou belas curvas que deixaram marcas no mundo inteiro. E nos deixa também as curvas de suas memórias, para nos fazer bem.

Termino citando duas obras suas aqui em Curitiba. Uma - o popular Museu do Olho - que representa toda a beleza de sua obra e, a outra - o Monumento ao Sem Terra - morto pela repressão policial, na BR 277 entre Curitiba e Campo Largo e que representa toda a beleza do seu pensamento e de suas atitudes em relação à vida e à sociedade. Um monumento que perpetua o seu pensamento e as suas atitudes de vida, sempre vinculadas com a justiça e com a dignidade do ser humano, na luta pela afirmação de seus direitos.

Niemeyer quase interrompeu as intermitências da morte, para mais tempo permanecer conosco, para nos agraciar com a beleza de sua obra e com a magnitude de sua vida e ação. Obra, vida e ação sempre substantivas.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

De Novo. Paulo Freire e a Gazeta do Povo.

A Gazeta do Povo de novo voltou ao tema Paulo Freire. Na página 2, página voltada para opiniões, aparece o tema: Sínteses - O legado de Paulo Freire. A favor escreve um conhecido educador, professor da USP., que exalta o caráter de Paulo Freire como Patrono da Educação Brasileira (lei 12.612/2012) e contra escreve alguém que é apresentado como jornalista e mestre em sociologia. Reduz o legado do educador a uma autoajuda marxista.
O primeiro grande livro de Paulo Freire. Vejam a beleza do título.

Desconheço as razões pelas quais a Gazeta do Povo levanta este debate. Simplesmente apresenta o tema, como o legado de Paulo Freire. Jornalisticamente, no entanto, desta vez  está tudo correto. Há espaço para o a favor e para o contra. Não como da outra vez, em que um de seus colunistas o destratou, sem o espaço para o contraditório. A indignação me levou ao cancelamento da assinatura do jornal. Mas ainda o continuo recebendo. Vou dar uma conferida para ver o que está acontecendo.

Não vou entrar no mérito do texto a favor, mas não consigo calar diante do que foi dito pelo jornalista, naquilo que ele julga ser uma autoajuda marxista. Não conhecia a existência de uma autoajuda marxista, pois, pelo que eu sei, é bem mais cômodo não ser marxista. Sê-lo, sempre foi motivo de muita incompreensão e sofrimento. Que a história de torturas o diga.

Confesso que muito poucas vezes ouço falar mal de Paulo Freire depois da redemocratização do Brasil. Eu imaginava que o anátema a ele e a sua doutrina tinha acabado junto com a ditadura militar. Mas a percepção que eu tenho hoje, é a de que, quanto mais as pessoas falam mal do educador, mais me dá a impressão de que essas pessoas não conhecem Paulo Freire, não lêem Paulo Freire.

Dizer que Pedagogia do Oprimido é menos um tratado que um panfleto, me dá a impressão de que leram Paulo Freire por uma cartilha, ou por um panfleto bem vagabundo, produzida por certos intelectuais ou escolas orgânicas, ligadas a teorias de perpetuação da opressão. Me parece que essas pessoas conseguem ler Paulo Freire ao contrário, pelo oposto do que ele realmente é.

Paulo Freire, se fosse panfletário não teria escrito Pedagogia do Oprimido com mais de duzentas páginas e com tantas citações de teóricos que o fundamentaram. Enumero alguns desses autores: São Gregório de Nissa, em seu sermão contra os usurários, Erich Fromm e Herbert Marcuse, entre os frankfurtianos, Sartre, Simone de Beauvoir, Karl Jaspers, Edmund Husserl, Wright Mills, Reinold Niebhur e os brasileiros Álvaro Vieira Pinto e José Luís Fiori. São citados também Marx, Engels, Lênin e também existem referências ao Chê, a Fidel e a Mao, enquanto lutaram contra sistemas opressores. O livro é em defesa dos oprimidos e jamais um elogio aos opressores.

Não foram Marx e Engels que inventaram a opressão e a lutas de classes. Eles apenas constataram a sua existência. Não me parece que Paulo Freire fosse tão pouco inteligente, que se fosse elaborar panfletos, os faria tão longos e tão recheados de teoria, inclusive, de difícil metabolização, como dá para perceber.

É sabido também que, misturar a teoria de um autor com procedimentos de sua vida particular não é um bom procedimento acadêmico. O Rousseau que entregou os seus filhos a orfanatos foi sepultado junto com o seu corpo, mas o teórico e Patrono da Revolução Francesa não morreu e muito menos o Rousseau do Discurso sobre as ciências e as artes, do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e o Rousseau do Contrato Social e do Emílio.

Rousseau pôs a roda da história a rodar. E uma das dimensões da história é a perspectiva de futuro. Paulo Freire fala muito da tridimensionalidade do tempo e não de sua unidimensionalidade, em que o futuro seria apenas um prolongar do tempo presente. Ninguém conseguirá deter as transformações e a história. O futuro e as suas utopias sempre brotarão qual água nova.

Além de não ser um bom procedimento acadêmico, creio que também esconde muita maldade. Julgar um teórico pelo seu comportamento é uma atitude de moralistas. Creio não ser necessário citar aqui, Nelson Rodrigues sobre os moralistas. Certa vez ouvi alguém desmerecer as teorias marxistas, por ele ter tido relações sexuais com a sua empregada. Posso assegurar a todos, que se Marx teve esta relação, isso em nada emporralhou a sua teoria.

Ser comparado a Rousseau no plano teórico só pode ser considerado um elogio a essa pessoa. É cobri-la de méritos. Se é para comparar Rousseau a Paulo Freire no combate às injustiças do seu tempo, creio que a comparação é muito feliz.

Mas o auge da não compreensão de Paulo Freire está relacionada aos temas geradores. Com Paulo Freire aprendi que pelo local, pelo regional se chega ao universal. Conheço uma pessoa com uns trinta anos de idade e que sofre muito com a falta de leitura. Não é propriamente um analfabeto. Creio que agora sim, ele irá aprender a ler. Sabem adivinhar a causa disso? É muito fácil. Ele quer ler as mensagens que ele recebe de suas namoradas pelo celular.

É a isso que se chama de foco de interesse e é esse foco de interesses que produz as chamadas palavras geradoras. Arriscaria algumas dessas palavras para o caso das mensagens no celular:  meu amor, meu bem, te espero, vamos nos encontrar, você é maravilhosa, entre outras. Agora pasmem! Se ele efetivamente se letrar, ele ficará imobilizado por essas palavras, ou essas palavras serão uma ponte que o lançará a um outro mundo.

No caso de Machado de Assis, todos podem ter a certeza de que ele tartamudeou muito sobre o morro, sobre o seu bairro, sobre a sua cidade. Esse foi o seu mundo local, o seu mundo regional. E pelo domínio desse seu mundo ele alcançou o universal. Paulo Freire fala muito de limites e os apresenta como uma qualidade, pois só pela percepção de nossos limites alcançamos a superação e a transcendência. A doutrina de Paulo Freire não tem pontos estanques, imobilizações. Ela é puro movimento, ela é ascensão, ela é transcendência.

Outra coisa comum aos atuais detratores de Paulo Freire é considerá-lo como a causa dos males da educação brasileira. O educador esmiuça a fundo a história desta nossa educação e lhe busca as raízes de sua má qualidade. Esta educação sofreu uma passagem de boa para má. Quando ela era para poucos, apenas para uma elite ela era de ótima qualidade. Quando é que ela se transformou? Quando ela foi aberta para as camadas populares. Aí se descuidou da sua estrutura, se descuidou da formação de professores, dados qualitativos foram substituídos por dados quantitativos e assim por diante. A má qualidade da educação brasileira jamais poderá ser atribuída a uma única pessoa, por mais má que ela seja e, isso não vem a ser o caso de Paulo Freire. É muito reducionismo. Existem causas estruturais e conjunturais.

Recorro ao humor para concluir. Ao barão de Itararé. Dizia ele que aspirava um mundo em que os conceitos de bem e de mal fossem substituídos pelos conceitos de ignorância e conhecimento. Recorro ainda a uma nova companhia, que encontrei essa semana. Valter Hugo Mãe. Li o seu O Filho de Mil Homens. Nesse livro as pessoas sozinhas são apresentadas como pessoas pela metade. Quando se encontram, as pessoas passam a ser inteiras e quando buscam ainda mais encontros elas se expandem, elas dobram. Vejam bem, elas dobram. Não está escrito que elas se dobram. A riqueza do mundo está no mundo das relações. As relações são a beleza da descoberta dos outros, em relações de igualdade e jamais de opressão. Do contrário, nos fala o escritor, as pessoas caem para dentro.

A pedagogia de Paulo Freire é um grito de libertação, de autonomia e de transcendência. O legado de Paulo Freire sempre será esse e dele só poderemos abrir mão no dia em que não houver mais, nem oprimidos, nem opressores. E isso é um legado de difícil aprendizado. Invoco a todas as forças superiores para que sejamos tocados por esta alta ajuda.

   

O Filho de Mil Homens. - Valter Hugo Mãe.

Sabes, pai, gosto de pensar que nunca mais vou ficar sozinho e que alguém há de ficar comigo para sempre sem me abandonar.

O Crisóstomo disse ao Camilo: todos nascemos filhos de mil pais e de mais de mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãs uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa em pessoa, que nunca estaremos sós (pág.188).
Ficha do livro: Valter Hugo Mãe. O Filho de Mil Homens. São Paulo: Cosac Naify. 2012. R$ 39,00.

Creio que esses dois parágrafos representam o ápice e a explicação para o título do romance do escritor angolano, radicado em Portugal, desde a sua infância. O nome do livro é O filho de mil homens. Recebeu de José Saramago o elogio de que com ele estamos a "assistir a um novo parto da língua portuguesa". Em 2007 recebeu o Prêmio Literário José Saramago e neste ano de 2012 o Portugal Telecom com o livro A Máquina de fazer espanhóis. Antes de romancista fora poeta. É também artista plástico e vocalista de banda de rock.

O seu nome original é Valter Hugo Lemos mas trocou o Lemos por Mãe, para lembrar, na figura da mãe, o amor incondicional. É formado em direito e pós graduado em língua portuguesa. Nasceu em 1971, estando portanto, com 41 anos, a mesma idade de Crisóstomo, o personagem principal do seu O filho de mil homens. O livro é um tributo à vida, em que nas suas diferentes passagens, sempre melhoramos. O filho de mil homens é o tributo a todos os que nos precederam

O livro se constitui numa hábil história de pessoas que não se encontraram na vida. O desencontro com a vida é representado pela solidão, pela infelicidade. São pessoas pela metade, que buscam se completar com o encontro com o outro. A dificuldade de encontrar esse outro reside nos inúmeros preconceitos, com os quais convivemos em sociedade. As pessoas pela metade, ou as pessoas sozinhas vão, no entanto, encontrando os outros, se completando e  ainda mais, transcendendo e assim encontrando a felicidade. O ápice desses encontros se dá no capítulo XV - O Crisóstomo amava por grandeza.

Mas vamos aos personagens centrais. Crisóstomo é um pescador que encontrou e identificou a sua solidão ao perceber que não tem um filho. Se sentia pela metade. Queria se sentir inteiro, ao ter um filho e ainda queria dobrar, se arranjasse uma mulher. O filho ele encontra em Camilo, um menino abandonado, filho de uma anã e que nascera, não fruto do amor, mas da solidão e da pouca resistência. Crisóstomo encontra Camilo quando ele tem 14 anos e representou uma festa para dentro de ambos.

A mulher é encontrada em Isaura, que buscara a liberdade no casamento e no que tinha entre as pernas, mas o moço nada sentia por ela. Era exclusivamente por ele. Isaura se tornou infeliz e rejeitada por pai e mãe por não ter encontrado casamento. Por ser infeliz era uma mulher que diminuía, que caía para dentro de si. Para remediar a sua situação casa-se com Antonino, um maricas, filho de Matilde. Antonino e Matilde são infelizes. Sofrem com os preconceitos. Ele por ser maricas e ela por não ter sabido educar o filho. O casamento é só fachada, consentida até pelo padre. Até Crisóstomo educa o filho Camilo no ódio ao Maricas.

Crisóstomo gosta de Isaura mas não gosta da presença de Antonino. A história vai se encompridando com novos personagens. Matilde tem em Rosinha uma espécie de ajudante, que por sua vez tem uma filha, Emília ou Miminha. Rosinha casa com o velho Gemúndio que quer companhia, mas muito interesseira, Rosinha morre no dia do casamento. Resultado: Matilde cuida de Gemúndio e também de Miminha.

Após encontros e desencontros, de destilar preconceitos e acima de tudo de superar preconceitos, Crisóstomo faz de sua casa um palácio e resolvem misturar as famílias num grande banquete e celebrar a felicidade, a felicidade de não ficarem sozinhos e de cada um assumir a sua condição. Naquele instante, nenhum dos convidados quereria ser outra pessoa. O Crisóstomo pensava nisso, em como acontece a qualquer um, num certo instante, não querer trocar de lugar com rei ou rainha nenhum de reino nenhum do planeta (pág. 169).

De aperitivo mais uma descrição mostrando a felicidade das pessas pelo encontro: Assim se fizera da casa de Crisóstomo um palácio. E, sorrateiramente, no coração do reticente Camilo também um lustre se ia pendurando e acendendo. Ao deitar-se, naquela noite, pensou que a família era um organismo todo complexo e variado. Era feita de tudo. Se era feita de tudo, o Antonino não seria coisa nenhuma de tão rara ou disparatada, seria antes o Antonino, a fazer a parte do Antonino no coletivo. Pensou que a ideia da Isaura de verem a casa como um palácio era de uma beleza humana que se impunha sobre a matéria, como uma ideia para cura de colesterol e melhoria de tetos. Se assim fossem todas as ideias, seriam todas as pessoas como príncipes e reis e viveriam agigantados pelas emoções. As emoções dão tamanhos. Porque, se intensificadas, passam as pessoas nos caminhos mais estreitos como se alassem de plumas e perfumes e pasmassem com elas até as pedras do chão (pag. 172-3).

Com a leitura de um livro desses dá até para acreditar numa das ideias do livro, que está enunciada na frase acima, de que a leitura cura o colesterol e de que os médicos deveriam pedir de seus pacientes, além dos exames clínicos, cobrança de leituras para que assim melhorassem a sua saúde.

sábado, 1 de dezembro de 2012

1900 - Novecento - Bernardo Bertolucci.

O melhor filme político que eu já tinha assistido foi, sem dúvida nenhuma,  Queimada, um filme de Gillo Pontecorvo, com uma atuação, é até desnecessário dizer, extraordinária de Marlon Brando. Queimada é uma ilha, um pouco da história de Cuba e do Brasil. Marca a passagem entre o colonialismo e o regime de escravidão, de portugueses e espanhóis para o imperialismo britânico e o dito "trabalho livre". O filme data do ano de 1969.

Sempre ouvi falar muito de 1900, mas nunca tive oportunidade de assisti-lo. Agora compreendi até a causa disso. O filme foi concebido para ser o maior épico de todos os tempos, com oito horas de duração. Foi bem recebido na Itália e não tão bem nos Estados Unidos. O seu formato, não formal - oito horas - em muito contribuiu para isso. No Brasil, a mesma coisa. Ele foi, inclusive, separado em duas partes e passado separadamente nos cinemas. No Brasil o filme sofreu ainda os cortes impostos pela censura do regime militar. O filme é uma produção do ano de 1976.

O que pode acontecer quando se juntam pessoas como Bernardo Bertolucci (direção), Ennio Morricone (música) e Vittorio Storaro (fotografia) com atores do tamanho de Gérard Depardieu, Robert de Niro e Burt Lancaster? Uma obra prima, naturalmente. O maior épico de todos os tempos, como o classificou o New York Times. Em DVD, o filme ganhou a sua versão mais ou menos definitiva, com a duração de 314 minutos, em torno de cinco horas, que passam quase imperceptíveis. Agora passo a ter dois filmes políticos preferidos.
O filme 1900 de Bernardo Bertolucci, com Robert De Niro e Gérard Depardieu, nos paéis principais.

Muitos estudiosos se ocuparam com o tema das causas da ascensão do fascismo e do nazismo, ou das raízes da possibilidade da  ascensão dos regimes autoritários em geral. Não cabe aqui a análise disso, embora seja sempre um tema muito tentador. Bertolucci tentou fazer isso com este filme. E aponta para as causas com uma clareza, ao menos para ele, mais do que evidentes. Os patrões semearam os fascistas diz Olmo, sem fazer qualquer rodeio ou concessão.

O filme inicia no dia 25 de abril de 1945, o dia da libertação, o fim da Segunda Guerra Mundial, o dia da vitória sobre o regime fascista. A partir daí faz uma retrospectiva histórica do que foram os primeiros cinquenta anos do século XX.  Retrocede ao 27 de janeiro de 1901, data da morte de Giuseppe Verdi e do nascimento de Dalco Olmo e de Alfredo Berlinghieri. Alfredo é filho de latifundiários e Olmo de camponeses. Meu filho será advogado, diz o pai de Alfredo, para em seguida perguntar ao pai de Olmo, sobre o futuro de seu filho. O pai secamente responde: "o meu filho será um ladrão". Um corcunda que os acompanha se rejubila: "Oba! ao menos não vai ser padre".

Estão aí colocadas as grandes perspectivas do filme. Alfredo nasce para ser patrão, enquanto que Olmo nasce para ser camponês, para ser operário. Quanto ao clero, aulas de conformação ao sistema! Alfredo e Olmo crescem como amigos mas a sua condição social os afasta com o passar do tempo e na medida exata em que Alfredo se torna patrão, ocupando funções de poder exigidos pela sua condição de herdeiro. Olmo por sua vez se transforma em líder revolucionário por sua condição de camponês. Um papel maravilhoso (do ponto de vista da compreensão histórica) é exercido pelo casal Áttila e Regina. Áttila é o feitor de Alfredo e faz parte da herança recebida. É patrão sem ser patrão. Age na defesa dos interesses do patrão e passa a ser muito pior do que o próprio patrão. Comportamento de classe média,diríamos hoje.

Alfredo se casa com Ada, uma figura que age como uma espécie de consciência de Alfredo e que irá perturbá-lo dialeticamente na sua relação de amizade com Olmo e com o poder. Na exata medida em que Alfredo se torna patrão, o casamento começa a declinar, até terminar em completa ruína. A oposição entre Olmo e Alfredo também cresce na media em que o regime fascista faz os seus avanços.

Poucas vezes na história do cinema um diretor assume uma postura ideológica tão clara como neste filme. Alfredo encarna o patrão, o herdeiro, e o latifúndio e em consequência a opressão, a injustiça, a arrogância e a prepotência. É a encarnação do mal e o campo fértil em que será plantada a semente do fascismo,que será diligentemente regada por Attila, o fiel cão de guarda da nova ordem. Enquanto isso Olmo encarna a luta contra a opressão e a busca da liberdade com a prática dos princípios do socialismo.é a encarnação do bem. O partido é mostrado como o grande instrumento da esperança para a conquista do bem.

O filme, obedecendo ao que foi traçado pela história, volta ao dia da vitória e mostra o triunfo sobre as forças do fascismo e termina num grande tribunal popular, que irá executar Attila na praça do cemitério, no qual estão enterradas muitas de suas vítimas. Quanto a Alfredo, ele encerra as contradições de sua vida com a solução de um suicídio nas linhas do trem.

Falar da música de Morriconi é absolutamente desnecessário. O cinema já o consagrou, como também a Storaro. Mas devo dizer, que a fotografia é simplesmente linda. Os camponeses no belo cenário da região da Emília formam um espetáculo à parte.

Não é fácil localizar esse filme. O consegui pelo Mercado Livre.




quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Entre sem Bater - O Barão de Itararé.

"O que se leva dessa vida é a vida que a gente leva". Essa é apenas mais uma das frases bem humoradas de Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly, mais conhecido como O Barão de Itararé. Ele não nasceu barão, título que se auto-outorgou, em 1930, com direito a estudo genealógico e brasão nobiliárquico. O título que o enobreceu, lhe foi concedido por Getúlio Dor Neles Vargas e é uma alusão à maior batalha da América do Sul, que não houve, a batalha de Itararé.
A ficha do livro: FIGUEIREDO, Cláudio. Entre sem bater - A vida de Apparício Torelly - o Barão de Itararé. Rio de janeiro: Casa da Palavra. 2012. 479 páginas. 54,90 reais.
Só por este pequeno parágrafo dá para ter uma noção do espírito que orientou a vida deste que, possivelmente, inaugurou o humor, a ironia e a sátira na imprensa brasileira. Pela época vivida, foi uma bela maneira de enfrentar a própria vida.
Apparício Torelly ou Apporelly, como costumava assinar e, mais tarde, Barão de Itararé, nasceu na cidade de Rio Grande (ou teria sido no Uruguai?), no dia 29 de janeiro de 1895. O sobrenome do pai denuncia a sua origem italiana. Já a sua mãe tinha por parte do pai ascendência norte americana e da mãe receberia sangue índio uruguaio. De si próprio ele dizia: sou uma autêntica Liga das Nações.

O primeiro grande marco de sua vida foi o seu internamento no Colégio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo, um colégio de elite, dirigido por padres jesuítas. Os seus professores eram padres alemães, suíços e austríacos. Rigor e disciplina eram as palavras de ordem nesse colégio. Já fora um aluno com destaque nestes seus primeiros anos de estudo. A formação sólida desses anos o acompanhou por toda a sua vida. Do rigor passou para a boemia de Porto Alegre. Cursou a Faculdade de Medicina, praticamente sem frequentar as aulas, mas obtendo sempre a aprovação nas disciplinas. Não chegou a se formar. Na medicina encontrou uma formação científica que também o acompanhou ao longo de toda a vida.

A sua marca maior, a do humor, da sátira e da ironia lhe veio junto com a política, com uma marca bem gaúcha. Os eternos entreveros da política rio grandense. Jamais abandonaria o lenço vermelho dos maragatos. Com os maragatos se iniciou na rebeldia. O positivismo de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros receberam as suas primeiras ironias. Desde os tempos de Porto Alegre, foi sempre um militante. Nos jornais de Porto Alegre encontrou seus primeiros locais de trabalho, passando também por Pelotas, Bagé e São Gabriel.

Por diversos motivos, o clima em Porto Alegre se tornou hostil e ele foi procurar outros destinos no Rio de Janeiro. A década de 20 fora praticamente consumida na capital gaúcha. Já as de 30 e 40 foram dedicadas ao Rio de Janeiro. Os gaúchos o acompanharam para o Rio, ao menos Getúlio Vargas, que foi o seu grande tormento neste período. O seu sucesso no Rio é quase imediato. Trabalha no jornal A Manhã e numa pequena troça com esse nome funda um jornal que será a sua grande marca A MANHA.

O seu envolvimento político no Rio de Janeiro se dá no partido comunista, junto com quase todos os intelectuais da época. O inimigo maior a combater eram os integralistas e a ditadura de Vargas, que começava a se desenhar. É muito interessante observar como os integralistas agiam em consonância com o que acontecia na Europa. O seu anti comunismo e anti semitismo era o mesmo de Mussolini e de Hitler. Os dissabores em função de sua opção política lhe vem junto com a Intentona Comunista e a dura repressão que se seguiu a este movimento. Vive um bom tempo na cadeia, junto com Graciliano Ramos, Agildo Barata e Apolônio de Carvalho, entre outros. Com a censura e a repressão é impossível continuar com a sua A MANHA. É desse período o mote usado no título desse livro: Entre sem bater. Esse entre sem bater não é um recado para os seus amigos, mas sim, um recado para a polírcia. Para evidenciar a subserviência dos jornais da época sempre usava no seu jornal a expressão o nosso querido diretor, que no caso, era ele próprio.

Nesses tempos em que a atividade jornalística se torna impossível de ser exercida, ele se ocupa com a ciência. Se dedica aos estudos da aftosa, procurando-lhe as causas e uma vacina para a sua prevenção. Nisso se envolve, inclusive, comercialmente. Foi um grande fracasso. O controle sobre a febre aftosa seria para mais adiante.

Uma das coisas que ele jamais abdicou foi da sua crença na fé comunista e na sua absoluta fidelidade ao partido e aos princípios da Terceira Internacional. Não o abalaram o absurdo acordo firmado entre alemães e soviéticos no início da segunda guerra, nem as denúncias de Krushev no XX Congresso do PCUS, em 1956, dos crimes praticados por Stalin e nem as atitudes dúbias do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes. Pelo contrário, as maiores alegrias desse período, lhe vem com as vitórias do Exército Vermelho sobre as forças nazistas. Os erros, considerava ele, eram apenas desvios de rota.

O seu envolvimento com os comunistas não é algo fortemente orgânico (método, organização, rigidez não combinam muito com humor e ironia) mas é o suficiente para lançar a candidatura de um barão à Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro. Foi o oitavo mais votado e o partidão fez a maior bancada, com 18 dos 50 vereadores, que compunha o seu total. De novo a sua atuação não foi muito orgânica. Algumas intervenções suas se tornaram clássicas como um aparte a um colega que lhe havia dito que o que Vossa Excelência fala entra por um ouvido e sai pelo outro, ao que ele prontamente reagiu: Impossível, excelência: o som não se propaga no vácuo.

Um outro episódio na sua passagem pela Câmara também se tornou famoso. Um solitário vereador da banda integralista discursava virulentamente contra o Partido Comunista, por este sustentar o princípio da luta de classes. A ele o Barão reagiu: Vossa Excelência permite um aparte? O Partido Comunista não tem culpa da luta de classes: apenas Karl Marx a descobriu. É tão ridículo acusar os comunistas pela luta de classes quanto acusar Galileu pelos movimentos da Terra em torno do Sol.

O livro ainda narra uma incursão do barão por terras paulistanas, com a criação de O Almanaque, ao mesmo tempo em que relança e procura dar regularidade ao seu A MANHA. Mas a década de cinquenta já não terá o mesmo brilho de suas três décadas em que fora simplesmente genial: as décadas de vinte, trinta e quarenta. Com os anos cinquenta, não porque faltasse o que ironizar, o barão entra em declínio, especialmente por razões pessoais. Nestes momentos sempre recorre ao mundo da ciência e já mais ao final, também ao esoterismo. Os seus últimos anos de vida lhe serão anos de convivência quase impossíveis devido às suas excentricidades, razão pela qual também é pouco perturbado pela ditadura militar.

Uma de suas últimas ações foi visitar a China, a convite daquele país. É o período em que está totalmente envolvido com a ciência. As cenas beiram a bizarrice. Mas, em sua volta, o Brasil recebe uma comissão chinesa para o estreitamento de relações entre os dois países, iniciadas por Jango, quando ainda vice presidente. O interessante é que nesse período ocorre o golpe dos militares e os chineses são presos como perigosos espiões e que vieram para assassinar Carlos Lacerda e os generais golpístas. Cada barbaridade!

Apparício Torelly, Apporelly ou então o Barão de Itararé, morreu no Rio de Janeiro em 27 de novembro de 1971, aos 76 anos de idade, dos quais, como ele costumava dizer, alguns deveriam ser descontados, como aqueles em que fora recolhido às prisões do Estado, aqueles em que fora sistematicamente reprovado nas provas de anatomia descritiva em Porto Alegre e, no mínimo, mais uns três, em que ficou correndo atrás de moças bonitas.
Uma foto do nosso querido diretor, o barão de Itararé.

Entre sem bater - a vida de Apparício Torelly - o Barão de Itararé é uma bela biografia. O biografado deu ao seu autor, o jornalista Cláudio Figueiredo, uma matéria prima de primeira qualidade para ser lapidada. Esse trabalho foi feitocom raro brilhantismo. Senti a falta de um capítulo, no entanto. Seria um sobre as influências que o Barão deixou para a posteridade no humor brasileiro, pois pelo que consta, ele marcou escola.



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Marighella - Mário Magalhães.

Marighella é para vocês. Assim o jornalista Mário Magalhães termina o seu livro Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo. A sua escrita consumiu nove anos de trabalho, dos quais cinco anos e nove meses, sob forma de dedicação exclusiva. Ele chegou a frequentar a lista de livros mais vendidos. O livro em muito ajuda a estabelecer a verdade sobre este triste período da história brasileira.
O livro de Mário Magalhães, Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo, pela Companhia das Letras.

Para mim, o ponto alto do livro é atingido na sua terceira parte, quando é focado o período da ditadura militar, especialmente os seus anos de chumbo de 1968 e 1969. Marighella morreu no dia 4 de novembro de 1969, numa tocaia, na alameda Casa Branca, em São Paulo. Por muito tempo os frades dominicanos levaram a culpa pela morte do maior guerrilheiro brasileiro.

Apesar de já existir muita literatura sobre o período, o livro preenche muitas lacunas e veio para ser profundamente esclarecedor. Creio que a parte sobre o envolvimento dos frades dominicanos com a guerrilha ponha um ponto final na questão. O livro de Frei Betto, Batismo de Sangue - Guerrilha e Morte de Carlos Marighella, em muito já contribuíra para tal. As versões da ditadura, corroboradas pela imprensa, culpando os frades, devem estar desmanteladas em definitivo.

O livro mostra o caráter golpista dos militares na derrubada do governo Jango e os motivos que os levaram a tal, mas se detem mais na análise de outros motivos, aqueles que levaram inúmeros jovens para a luta armada, para a guerrilha, como única alternativa à ditadura que já mostrara que veio para durar um longo tempo. Um dos focos do livro é atuação do PCB, partido do qual emanaram as lideranças mais antigas, obviamente, em rupturas provocadas dentro do Partidão.

Aliás, o comportamento deste, passa por análises espetaculares, bem como a atuação de seu líder, o cavaleiro da esperança, Luís Carlos Prestes. Mostra bem o que significa estar atrelado ao stalinismo e aos comandos da terceira internancional, sem autonomia e, acima de tudo, inteiramente imobilizado pelos acordos internacionais estabelecidos a partir da geopolítica internacional, da convivência pacífica. Isso provocou as rupturas no partidão e esses rebelados promoveram as mais diversas facções que acreditaram ser a luta armada a única alternativa para o enfrentamento com os militares.

Sob o lema de que o revolucionário deve fazer a revolução - ação em vez de teorização- e inspirados na revolução cubana e especialmente na do Vietnã, muitos jovens acreditaram poder derrotar também no Brasil, a burguesia e o imperialismo ianque. O Brasil, por sua extensão territorial seria uma nova China dentro da nova ordem mundial. Vinte e oito siglas diferentes surgiram para empreender a luta armada. Todas tinham vinculações internacionais, especialmente com Cuba e com a China. O velho partidão se mantinha fiel ao modelo soviético. As duas siglas mais fortes eram a ALN, Ação Libertadora Nacional, sob a liderança de Marighella e vinculada a Cuba e a VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, comandada por Lamarca, com vinculações maiores com a China. Ao VPR se juntou o grupo mineiro COLINA, no qual militava Dilma Rousseff, e se formou o VAR-PALMARES. Os dois grupos disputavam a hegemonia no movimento de guerrilhas no Brasil.

O que tornou Marighella realmente famoso? Pelo que percebi ele não foi um grande teórico do pós revolução. A sua maior fama lhe veio com o livrinho Minimanual do guerrilheiro urbano, em que descreve especialmente as ações mais bem sucedidas do seu grupo guerrilheiro. Esse livrinho ganha o mundo, e serve de inspiração aos diferentes movimentos, mundo afora. A maior fama lhe veio com esse livrinho, um manual para a ação concrteta.
O símbolo da ALN, grupo guerrilheiro liderado por Marighella. A frase símbolo do grupo era "O dever de todo revolucionário é fazer a revolução".

O seu objetivo, no entanto, não era a guerrilha urbana, mas a guerrilha rural. Para ela é que o grupo estava se preparando. E havia um projeto bem detalhado para a sua efetivação. O manual para o guerrilheiro rural ficou apenas no projeto. Com a morte de Marighella, bem como a de líderes de outros grupos, a guerrilha arrefeceu e a ditadura se prolongou até 1985, inclusive, com tentativas de golpes dentro golpe, para prolongar ainda mais a sua sobrevivência.

Outro ponto alto do livro é o retrato traçado do terror praticado pelo Estado. O personagem mais bem caracterizado é o delegado Sérgio Paranhos Fleury, recrutado de dentro do esquadrão da morte, para liderar as ações de comando contra os revolucionários. Magalhães conta que ele só agia sob o efeito de drogas. Foi o grande comandante da torura brasileira. Também a ação da imprensa, em conluio com o golpe, não passa despercebida.

Quanto ao mais... a leitura do livro. Quero destacar ainda dois parágrafos do livro, onde é colocada a visão do Estado brasileiro, com relação a Marighella, após a sua redemocratização.

A comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (396 no total) dissecou o caso Marighella em 1996. O colegiado instituído pelo presidente Fernando Henrique Cardoso concluiu que o Dops, se quisesse, poderia ter rendido o guerrilheiro, sem liquidá-lo.

Na sessão de 5 de dezembro de 2011, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça apresentou um "pedido oficial de desculpas" à família de Marighella. "Em nome do Estado brasileiro", lamentou pelos "erros cometidos no passado", ao persegui-lo e matá-lo.

Mais vedades sobre Marighella, sobre a ALN e sobre outros grupos e especialmente sobre o terrorismo praticado pelo Estado brasileiro deverão vir a tona, especialmente, a parti de 15 de maio de 2014, quando a atual Comissão da Verdade, deverá divulgar o seu relatório.


sábado, 24 de novembro de 2012

Diálogo com Paulo Freire. O Clube da Rúcula.

Já se passa mais de mês, da bela noite do lançamento do pequeno livrinho Diálogo com Paulo Freire. Quero hoje apresentá-lo. O que é esse Diálogo? No que ele consiste e qual é a sua finalidade? Vamos contextualizar. Farei  isso, a partir da apresentação que a direção do núcleo sindical de Umuarama, da APP-Sindicato, faz no próprio livrinho. Vejamos:
A capa do pequeno livro Diálogo com Paulo Freire.

Em 20 de junho de 1992, Umuarama - PR amanheceu em festa, recebia o educador Paulo Freire e alguns companheiros do "Clube da Rúcula", professores da Unicamp: Adriano Nogueira, Carlos Alberto Arguello e Eduardo Sebastiani, entre muitos convidados.

Entre esses convidados, para a composição da mesa de "provocadores", estava a professora Irma Lovato Ribeiro, professora da rede pública de ensino e o professor Manoel Jacó Garcia Gimenez, da Universidade Estadual de Maringá. O texto de apresentação continua:

Como o conteúdo tratado naquele dia continua atualíssimo e, sendo Paulo Freire uma figura imortal, a APP-Sindicato dos trabalhadores em Educação Pública do Paraná - Núcleo Sindical de Umuarama, em comemoração dos vinte anos da querida visita, decidiu socializar aquele encontro com a comunidade através deste material.

Como fui o presidente do núcleo àquela época e, por ter feito o trabalho de transcrição da fala, fui convidado para fazer parte da mesa - junto com a professora Irma Lovato Ribeiro - do lançamento do Diálogo. Foi uma noite maravilhosa. Tive intensas alegrias e a memória avivada com a presença de pessoas magníficas de uma bela época.

Antes de apresentar o Diálogo, quero destacar dois pensamentos da professora Irma, que dividiria comigo a mesa da apresentação e com quem trabalhei no início dos anos 80, na escola estadual professor Monteiro Lobato.

O primeiro é mais ou menos o seguinte: Vou provocar a turma para que leiam esse Diálogo. E lançou algumas das questões que cada "provocador" fez ao Paulo Freire, bem como algo das respostas do "provocado" ou "desafiado". É isso Irma! Em educação é impossível dar coisas prontas. Na pior das hipóteses, oe resultados serão questináveis. Provoque desafios e as respostas virão.

O segundo foi o de que, quem lê jamais sofrerá de solidão. Sempre terá companhias e, eu me permito acrescentar, as melhores companhias, as mais selecionadas e as mais referenciadas e com elas empreender  um mundo de aventuras. As melhores são, ao menos para mim, aquelas que mais profundamente expressam a angústia da condição humana.

Quanto ao livrinho, antes de mais nada quero apresentar uma questão de método. creio que já perceberam. Paulo Freire não faria uma palestra. Ele seria provocado. Dessas provocações sairiam os temas geradores em torno dos quais o mestre teceria considerações. Lembro bem o Paulo falando de que se sentia melhor, quando provocado.
 A mesa de provocadores e o provocado. Da esquerda para a direita. Adriano Nogueira, Carlos Alberto Arguello, Irma Lovato Ribeiro, Paulo Freire, Eduardo Sebastiani, Jacó Gimenez e eu, como apresentador.

Vou procurar fazer sínteses, levantar questões que provoquem a leitura. Vou apresentar mais a ideia em torno da qual as provocações foram feitas. A primeira ideia/provocação foi feita pela professora Irma. Mais ou menos o seguinte: Como, diante deste mundo se manter otimista e, ainda por cima manter com esse mesmo mundo uma relação prazerosa, de diálogo e de esperança? Na resposta vieram as questões da convicção que deve nortear o educador, da necessidade da briga histórica e crítica - não ingênua - na relação com esse mundo e da necessidade de, numa democracia você participar, militar e sempre dentro da diversidade. Consenso só é bom, na véspera de graves crises. Você necessita de referencial teórico que guie a tua prática.

Adriano, meu particular amigo e, creio que eterno presidente do clube da rúcula, aprofunda a questão da professora Irma sobre as mudanças, sobre as transformações. De sentir-se em mudança e de - dela fazer parte - no engendrar do novo. O provocado sente o desafio e capricha. É preciso apreender a razão de ser dos fatos e da vida e não meramente de maneira racional. Estamos envolvidos num processo de mudanças e simultaneamente sujeitos desses processos. Exemplifica de forma extremamente bem humorada com questões ligadas à sexualidade. Passa pela questão dos limites e da liberdade. Limites sempre existirão, mas quem se excede no direito de limitar, vira autoritário e o autoritarismo é o grande responsável por todo o caos. Fala do diálogo com a sua neta e mostra que nesse campo podem ser feitos os melhores testes sobre  o perceber-se como velho ou não. Se você é capaz de dialogar com o neto, você está bem. Se não, você é um velho, você é autoritário, mesmo que tenha apenas 20 anos de idade. É uma maravilha quando a tua prática educativa se torna como que a iluminação do tempo no teu mover-se entre contradições.

Arguello provoca sobre a indignação. Mais precisamente sobre o poder de transformação que a indignação tem e do proveito pedagógico que dela os educadores podem tirar. Mais uma vez o desafiado capricha. A história se faz com saberes, com decisões, com gosto, com amor, mas também com raiva. A raiva se transforma num dever. A indignação é isso. Depois passa a falar da porralouquice, um agir sem cientificidade. A minha cientificidade e o meu agir devem se relacionar. Me permitam uma pequena transcrição e a leiam sublinhada: Então, a minha cientificidade significa a minha forma de ser tão científica quanto possível de entender os mecanismos de poder da sociedade. A minha clareza política com relação ao meu sonho político, a minha lealdade ao sonho, ao povão com quem eu trabalho, e em favor de quem eu trabalho e não para quem eu trabalho. E, nunca, sobre quem eu trabalho.

A provocação do Sebastiani é linda. Ele foca na mudança como uma nova percepção de mundo. Se Descartes via sob a ótica do penso, logo existo, hoje isso poderia ser colocado como amo, logo existo. O foco hoje está muito além do mero pensar. Existe hoje uma nova postura ética, em que o próprio espaço da vida se amplia. Imbrica assim as questões de ética com a ecologia. Uma frase domina o cenário da resposta. Eu sou eu e esta árvore. E isso traz uma nova dimensão de vida e expande o conceito de ética. O que fere a vida é crime. Faz um belo jogo de palavras ao dizer que a denúncia precede o anúncio e de que não existe anúncio sem denúncia e nem denúncia sem anúncio. É uma nova postura de vida, essa nova visão de ética, interligada com a ecologia. Fala do abalo das certezas e das universalidades, falando de universalidades mas não da universalidade das universalidades (vejam bem, estamos em 1992). Este texto deveria compor os currículos que versam sobre ecologia. Passa ainda pela questão da história e da ética como processos e quem nega esse princípio, afirmando a sua imobilidade está comprometido com uma ética colonialista e dominadora. Aborda também as questões culturais enraizadas como processo de dominação, como o machismo, contra o qual, afirma que a sua própria luta é diária.

O professor Jacó levanta o tema da alfabetização, já que Paulo Freire e e Alfabetização são, praticamente sinônimos. A pergunta vai direta para a questão do dispositivo constitucional que prevê a erradicação do analfabetismo no Brasil (art. 60 das disposições transitórias). Se podemos ter expectativas positivas a respeito. A resposta vem seca. Não e aí vem as análises, começando pela constatação de que a educação brasileira, ao longo de sua história, sempre foi de qualidade excelente, quando ela era apenas para uma elite. Esse processo, no entanto, se inverteu quando essa escola se abre para as camadas populares. Se já tivemos uma escola de boa qualidade, por que não a podemos ter hoje? É uma questão política. Alfabetização é coisa séria e passa por uma rigorosa formação do professor e, dá dicas: As escolas têm professoras mal preparadas, [...] até diria que não é possível tratar da questão da alfabetização sem uma séria e rigorosa formação científica, política e pedagógica.[...] em termos de compreensão científica do que significou o trabalho de um cara chamado Piaget, o que significou o trabalho de um outro sujeito, que em certo sentido, para mim, fez até mais do que Piaget tinha proposto e que se chamou Vigotski. Tem que estar mais ou menos informado com relação ao trabalho de uma extraordinária mulher argentina, chamada Emília Ferrero. Tem que estar convivendo com o trabalho, para mim também extraordinário de uma mulher brasileira chamada Madalena Freire, que por coincidência é filha de um sujeito chamado Paulo Freire e, tem que conhecer Paulo Freire também. Saber o que eu fiz, o que eu propus e o que eu faço.

Fala ainda de culpas e de evasão e deixa uma conclamação ao sindicato no sentido da formação permanente do professor. O educador da escola pública brasileira não tem culpa, inclusive, da sua incompetência, mesmo quando ele não é competente. A culpa é do Estado. Outra coisa, que eu queria também propor ao sindicato é que exigindo a formação permanente ao Estado, não reduzir o sindicato de ter em suas mãos uma parcela dessa formação permanente do professor. A categoria precisa ter em mãos a sua própria formação e não entregar a sua formação ao Estado burocrático.

Posso assegurar a todos que a leitura do Diálogo com Paulo Freire vale muito a pena de ser lido. Foi algo inédito levar Paulo Freire para Umuarama há vinte anos atrás e eu senti que esse trabalho precisaria ser complementado agora, com a publicação dessa fala. Quanto a sua importância, digo apenas, que publicamos um texto inédito de Paulo Freire. Fazer o trabalho de transcrição não foi uma tarefa fácil. Me sinto absolutamente recompensado, pois estou muito feliz com o que fiz. O livrinho pode ser obtido na sede da APP-Sindicato e nas sedes de seus núcleos. Em tempo. Acabo de receber do Adriano o livro Ambiência - Diálogos freirianos e Formação Docente. Vamos à leitura. Depois eu comento.
O time do Núcleo Sindical da APP-Sindicato de Umuarama. Da esquerda para a direita: Sérgio Marson, Marilza Ap. Dias Ferreira, Aparecida Joana Sarmento, Irma Lovato Ribeiro e eu.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Luís Fernando Veríssimo. Seus livros favoritos.

Um dos meus grandes objetivos nesse momento da minha vida e contribuir para que as pessoas leiam. Sei o que significa a leitura na formação de uma pessoa. Não seu qual é a melhor forma para alcançar esse objetivo, mas sempre fui suscetível a indicações de leituras. Nesse sentido apresento os dez livros indicados por Luís Fernando Veríssimo, como sendo os seus preferidos. Creio que essa indicação aconteceu numa das feiras literárias de Paraty. São eles:

Tarzan dos Macacos - Edgar  Rice Bourroughs.
O Grande Gatsby - Francis Scott Fitzgerald.
O Tempo e o Vento - Érico Veríssimo.
Lolita - Vladimir Nobokov.
USA - John dos Passos.
O Encontro Marcado - Fernando Sabino.
Ulisses - James Joyce.
Put out More Flags - Evely Waugh.
Suave é a Noite - F. Scott Fitzgerald.
Fim de Caso - Graham Greene.

Nota-se uma preferência por Fitzgerald, que comparece com duas indicações. Romances densos que expõem o sofrimento humano. Muita psicanálise. Espetaculares. O pai também foi contemplado, mas na minha opinião, não por ser uma concessão ao pai, mas por mérito mesmo. Foi uma das maiores aventuras humanas que eu li em minha vida. Note-se que são os sete volumes. Com relação a Érico veríssimo ficou muito popularizado, a primeira parte , ou seja, O Continente, onde aparecem seus personagens mais populares.
Luís Fernando Veríssimo, imortal.

Com Fernando Sabino eu tive uma agradável surpresa. Esse livro já possui 92 edições e não é uma indicação isolada de Veríssimo. Ele estaria na lista de muitos outros também. O livro é um verdadeiro monumento à formação humana. O Ulisses de Joyce, não é uma aventura fácil. Só me atrevi a lê-lo num grupo de leitura, junto com o professor Galindo. Lolita talvez seja a indicação de menor unanimidade entre os dez. Os outros nem sequer conheço. Procurei comprá-los e ler mas não são nem sequer fáceis de serem encontrados.
Uma indicação do Luís Fernando Veríssimo nunca será uma indicação qualquer. Andar por onde ele andou, sempre será uma boa. Poder dizer que se tem algo em comum, nem que seja a leitura de um livro, isso já é algo mais do que maravilhoso.


Presente e Futuro da Universidade. Um Debate

A primeiríssima tarefa desse texto é cumprimentar o professor Christian Schwartz pelo empolgante tema trazido a público, no sábado passado (17.11.2012) no G-Idéias, da Gazeta do Povo, sobre o Presente e futuro da universidade. O posicionamento em torno do tema, as duas entrevistas e a sua visão pessoal,  efetivamente contribuem com este debate tão necessário.

Uma retrospectiva histórica me veio a tona, primeiramente com uma leitura mais superficial e, depois, com uma bem mais atenta. É fascinante estudar a Universidade e ver as suas mudanças. Dominar horizontes e mantê-los sob controle, ou abri-los - sempre marcou as discussões sobre as suas funções. A perspectiva do imaginário, que também foi abordada, é a sua perspectiva mais humana, lhe é sempre mais subliminar. Ela não é explicitada. Mas está aí o seu sabor maior. Esta perspectiva, creio que está ausente inclusive na cabeça de muitos de seus atuais dirigentes, obcecados na busca de resultados práticos. A educação nem sempre alcança os resultados almejados e buscados. Pelo contrário, muitas vezes estes lhe são inteiramente opostos. Com o professor Ferrari, um dos entreveistados do professor Christian, lemos o belo livro de Elizabeth Badinter, O Infante de Parma - a educação de um príncipe iluminista (Jorge Zahar - 2010). Nele está relatado que, embora o príncipe tenha sido educado dentro dos princípios do iluminismo e com os melhores mestres de seu tempo, os resultados obtidos foram, exatamente opostos aos desejados. Uma verdadeira lição sobre as ambiguidades humanas, assim o Le Figaro Litteraire, apresenta o livro.

Me vieram a tona os estudos sobre as teorias educacionais e dentro delas a função do professor, do aluno e dos meios, ou das tecnologias, como diríamos hoje em dia. Sempre aprendi que as teorias educacionais podem ser agrupadas em três grandes grupos: A pedagogia tradicional, a pedagogia da Escola Nova ou Escola Ativa e a Pedagogia Tecnicista. Todas elas tem as suas variantes.

Na pedagogia tradicional, a escola e a educação está centrada no professor. O aluno será o depositário do conhecimento e o mestre o seu detentor. O livro didático é muito importante. Procurava se seguir o método das ciências. O alemão Herbart foi o seu grande idelaizador. Salas com o tablado num nível superior, tarefas de casa, introdução, revisão e provas são familiares a esta teoria. Uma pedagogia bancária, de depósitos e saques, no dizer de Paulo Freire.

Na Escola Nova, idealizada especialmente por John Dewey, ou escola ativa, a posição se inverte. A escola está centrada no aluno, que ativamente buscará o conhecimento, sendo facilitado nessa tarefa pelo professor. O livro didático será substituído por bibliotecas e laboratórios. Trabalhos de pesquisa em grupo e apresentação de seus resultados integram este modo de ver a educação. Fez um bem extraordinário, especialmente à educação americana, dominada por fundamentalismos.

Já a pedagogia tecnicista, secundariza tanto o professor, quanto o aluno. A escola está centrada em seus meios. Uma parafernália tecnológica ditará o futuro da escola e da educação. O treinamento e a avaliação quantificável serão as grandes atribuições dessa escola. É por isso que existe tanta obsessão por avaliação nos dias de hoje e avaliações objetivas. Pedagogia das competências. Isso está muito presente hoje.

Mas voltando ao professor Christian e às suas entrevistas. O simples fato de entrevistar um professor da Universidade de Cambridge já mostra a sua formação aprimorada e diferenciada. O universo de suas relações, e isso é essencial, está muito além das relações mais comuns. Isso também está evidenciado no posicionamento de abertura da matéria. Ensinar a pensar, ou treinar? preparar para a vida ou para o mercado? Aulas ou acompanhamentos tutoriais? Ensino útil ou para, diria eu, para as deliciosas inutilidades? A relação professor/aluno ou o autodidatismo. Além disso, as perguntas aos entrevistados, foram no melhor sentido do termo, verdadeiras provocações.Tudo isso mostra as qualidades do mestre.

Quanto ao primeiro entrevistado,Steffan Collini, confesso que me senti um tanto orgulhoso de mim mesmo nas suas respostas. Temos afinidades. Uma concepção de formação nos identifica. Logo no começo, quando fala do resultado esperado, que se deseja por parte da universidade, a palavra compreensão foi brilhantemente colocada. Compreensão do mundo natural e do mundo humano e, a compreensão vai além da mera informação. A compreensão forma um olhar, uma visão de mundo. O conhecimento é informação, preto no branco, falso ou verdadeiro. Compreensão é se apropriar do conhecimento, é formação. Etnociência, foi a palavra que me veio à memória, além da palavra politecnia, quando se fala mais da formação profissional.

Outra questão sensacional foi a abordagem do método. O professor deve ir além da informação. Deve despertar para a curiosidade e isso se faz por perguntas e não por respostas. Um professor que desperta a curiosidade, esse é o bom professor. Isso é socrático. Isso é a maiêutica. O parto das idéias. É trazer a tona o potencial que existe na pessoa. Diálogo e provocação complementam esta atitude pedagógica. Provocar (pro + vocare) significa chamar para - desafiar. E quando você desafia, as respostas vem. E isso exige preparo cuidadoso. Alargar a compreensão. Esta é a função do professor. E este professor vale mais do que mil computadores, concluiu o entrevistado.

Quanto a outra entrevista, sou absolutamente suspeito em falar. Com o professor Ferrari, tenho uma amizade e tive uma convivência que sempre foi muito provocadora. Dividimos turmas de alunos, selecionamos textos comuns  e os trabalhamos em conjunto. Muito do que li foram indicações suas. Brilhante a sua colocação sobre o imaginário. Mil anos de distância luz, a frente de muitos administradores escolares de hoje. O Ferrari nos arranca do chão das certezas que tanto nos imobilizam. Ouse! o sapere aude, kantiano.
Quanto as conclusões do professor Christian, ele se colocou inteiro nelas. A maravilhosa influência materna, a bela influência do mestre Faraco e a sua postura pessoal com relação a ajuda no superar as deficiências de formação de origem dos alunos universitários de hoje. Até a escolha do quadro de apresentação da matéria é espetacular e está de acordo com que o professor Collini falou sobre a finalidade da educação, qual seja, a de penetrar na compreensão do mundo natural e no mundo humano. O quadro é de Rafael, mostrando os filósofos gregos, destacando entre eles Platão e Aristóteles. A mão de Aristóteles está em posição horizontal e a de Platão está apontando para cima. Eu arriscaria aqui uma interpretação; Aristóteles aponta para os problemas práticos do mundo, enquanto que Platão apontaria para o imaginário. Para não me complicar, afirmo a indissociação entre essas duas perspectivas.

O Christian também levanta uma questão com a qual eu, particularmente, muitas vezes me defrontei. Eu me punha na cabeça do aluno a perguntar; O que esse cara aí na minha frente quer de mim?

Para terminar quero externar a riqueza e a validade de treze anos de convivência na Universidade Positivo. Lá cheguei já mais maduro, após um mestrado bem feito na PUC de São Paulo. Me firmei nos cursos de publicidade e jornalismo, com rápidas passagens em outros cursos. Tivemos experiências maravilhosas. O professor Christian não cita o coordenador que o contratou, mas aqui, num espaço mais restrito, eu sei que posso fazê-lo. O professor André Tezza, que recebeu a coordenação da professora Eveline Lacerda, fizeram um trabalho extraordinário. Conceberam uma universidade, ou ao menos o curso, para muito além do cotidiano. Procuraram, pelo espírito que nele imprimiram, preparar os alunos para além das questões estritamente profissionais para penetrar naquilo que nessa matéria do Christian, está evidenciado na palavra compreensão e também pela outra palavra - imaginário.

Três questões muito minhas para terminar. Torna-te quem tu és. Não quero discípulos, aprendi com Nietzsche. Não impor uma visão de mundo para ter seguidores. Isso seria uma tarefa de pregador e não de educador. Ouse saber! esse é outro princípio fundamental que perpassa toda a filosofia iluminista, com o seu objetivo de emancipação e autonomia e de alçar todos para o mundo da maoridade. O texto de kant sobre a ilustração sempre me serviu de guia. E por fim, mesmo não querendo discípulos, no sentido de proselitismo, eu tenho que ter convicções, eu tenho que ter uma visão de mundo e isso torna o meu trabalho coerente e faz com que eu fuja de um trabalho meramente burocratizado. Com Jean Claude Furquin aprendi: ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos.

Viver é estabelecer relações com os outros. Com toda a certeza posso afirmar que ao longo de minha vida estabeleci relações com outros, e que esses outros foram realamente pessoas muito interessantes. Me construí em meio a essas relações.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Diário de uma Viagem. Últimas Considerações.

Ao escrever essas considerações, quase toda a Europa está paralisada. As políticas de austeridade em favor do  dinheiro já não são mais suportadas pela população. E já vai tempo, sem horizontes promissores para o futuro. O que será o tempo novo para o velho continente? Sem utopias é impossível viver.
Embora começássemos a nosa viagem por Roma, o destino inicial seria a Grécia. Iniciamos pelo norte. Não deu para sentir muito a questão cultural, com a presença muçulmana e o cristianismo ortodoxo, pela rapidez em nossas visitas. O primeiro OH! da viagem aconteceu em Kalambaka, com suas meteoras. Os mosteiros nelas encravados são qualquer coisa fora do comum Tem muito a ver com estruturas de poder. Estruturas de poder também são o forte nas visitas a Delfos e Olímpia. O teatro de Epidauro é uma jóia rara entre tantas preciosidades oferecidas por esse maravilhoso país.
Mas a promessa maior mesmo, é Atenas. A acrópole, o antigo mercado e os locais construídos por Adriano são encantadores. Foi um sonho de vida que se concretizou. Conhecer os locais onde tudo começou, foi muito impactante. Andar por onde andaram os que por primeiro leram o mundo e dele deram uma interpretação, foi assim algo completamente inusitado. O não se curvar provocou o sentimento de igualdade e assim nasce a ideia da democracia.
O que começou na Grécia, se consolidou em Roma. Das diferentes visões de mundo, procurou se formar uma cultura dominante e, assim surge, a primeira doutrina que pretendeu ser universal. Antes disso, porém, a forma de viver em sociedade ganha aperfeiçoamentos das concepções gregas e se consolidam noções em torno de patriotismo e de República. Roma é sinônimo de civilização.
Andamos de sul a norte, da Sicília até a região dos Lagos. A grande lição que aprendi é a de que a Itália é, toda ela, maravilhosa. Nela não cabem comparações, pois suas belezas são ímpares e peculiares. A Itália é o país do mundo com mais monumentos integrados ao patrimônio cultural da humanidade. A mim me disse muito a cidade de Florença, mas o momento de mair emoção foi em Roma, no Campo dei Fiori, a frente de um dos gigantes da liberdade e do direito da livre e natural investigação sobre a verdade. Estava na frente do monumento em homenagem a Giordano Bruno.
Finalmente a Espanha. História e tradições estão vivamente presentes. Ali se vê poder e domínio já em outro momento da história, quando se consolidou uma nova ordem econômica no mundo, com os descobrimentos e a intensificação das atividades comerciais, que originaram o mundo moderno. O poder absoluto dos reis impressiona. A todos deveria ser concedido o direito de visitar o El Escorial. O tempo foi curto e a decisão de voltar já está tomada.
A nossa viagem durou 28 dias. Os noticiários estavam totalmente dominados pela crise econômica que afeta diretamente os países visitados. No dia em que estivemos em Madrid, houve em Barcelona, a maior manifestação separatista de sua história. A Grécia não está livre de uma guera civil. A Itália é um enorme gigante em convulsão. Os receituários contra a crise são conhecidos de todos nós. Proteger o dinheiro às custas dos direitos das pessoas é a regra geral. Onde acabará tudo isso! Os níveis de acumulação são absolutamente insuportáveis pela própria economia capitalista.
Esses dias vi uma nota de um conservador curitibano (existe isso?) afirmando que de Marx não devem ser aproveitadas nem sequer as vírgulas, mas ao contrário dele, encerro as minhas considerações com um pensamento seu. E é exatamente sobre o caráter moral da economia, esse pensamento. Ele é um tanto longo, mas vale a pena:

Quanto menos comas e bebas, quanto menos livros compres, quanto menos vás ao teatro, ao baile, à taverna, quanto menos penses, ames, teorizes, cantes, esgrimes, etc., tanto mais poupas, tanto maior se torna teu tesouro, que nem traças nem poeira devoram, teu capital. Quanto menos és, quanto menos exteriorizas tua vida, tanto mais tens, tanto maior é a tua vida alienada e tanto mais armazenas da tua essência alienada. Tudo o que o economista tira-te em vida e em humanidade, tudo isso ele te restitui em dinheiro e riqueza, e tudo o que não podes, pode-o o teu dinheiro. Ele pode comer, beber, ir ao teatro e ao baile; conhece a arte, a sabedoria, as raridades históricas, o poder político; pode viajar, pode fazer-te dono de tudo isto; é a verdadeira fortuna.
MARX, Karl. Manuscritos Econômico Filosóficos e outros textos escolhidos. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural. 1985. pág.18.

Moral da história. Com esta viagem fiquei afortunado culturalmente, mas perdi alguns reais, ou melhor, alguns euros. Fiquei mais pobre. Mas, incorrigível, irei repetir a dose no ano que vem. França, Espanha e Portugal estarão no roteiro e prometo um novo diário de viagem.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Diário de uma Viagem. Toledo e El Escorial.

Toledo praticamente já foi uma das capitais do mundo, e uma de suas cidades mais cosmopolitas. Lá conviveramm as culturas cristã, muçulmana e judaica. A sua história gira em torno de romanos, visigodos, mouros e depois a dominação cristã. Sua glória começou, quando Afonso VI a declarou capital do reino de Castela. A sua catedral, a catedral primaz começou a ser construída em 1226 e é uma das mais ricamente ornadas do mundo. Começamos a nossa visita parando num mirante. Uma bela visão do que foi uma cidade medieval.
Uma vista ampla de Toledo, a partir de um mirante. O destaque todo é para a sua catedral.

Marcando os horários e os locais para a saída, chegamos a uma fábrica de jóias damasquinadas e de espadas. Vimos o pessoal trabalhando. Ofício que ainda hoje passa de pai para filho. O processo da fabricação das jóias consiste em inscrutar nelas fios de ouro. Quanto às espadas, a sua fabricação é tradicional. Desde tempos imemoriais Toledo se destacou na produção de aços de qualidade. Jóias damasquinadas e espadas são os souvenirs imperdíveis de Toledo.
Um artesão e a produção das jóias damasquinadas.

Essa parte da visita foi um tanto comercial, mas nem por isso deixou de ser interessante. Andamos por Toledo como é recomendado a todos, a pé. Tudo é bonito na cidade, pois tudo é história. O ponto alto é, sem dúvida, a sua catedral, a Catedral Primaz, mas só a vimos em sua parte externa. Coisas de excursão, de estar em turma. Junto da catedral existe também o palácio do bispo, outro ponto de referência. Toledo continua como sede do bispado primaz da Espanha. Um respeito à tradição. Toledo não fica muito distante de Madrid. Uns oitenta quilômetros.
Uma vista da catedral a partir de um ponto bem selecionado.

A localização da cidade atendia especificamente aos critérios da segurança. Éla é cercada pelo rio Tejo (Sim, o mesmo rio de Lisboa), por três de seus lados e fica no alto de uma colina, bem forticada pelas suas muralhas. É um dos melhores retratos que se pode ter do que era uma cidade medieval.
Esta foto dá mais ou menos a idéia da fortaleza que era a cidade de Toledo.

A sua decadência começou em 1561, quando o todo poderoso Felipe II transferiu a capital para Madrid. Entre os seus moradores mais ilustres figura o pintor El greco e, por 2,50 euros, você pode ver um de seus quadros mais famosos: O Enterro do Conde de Orgaz.
O local onde está a célebre pintura de El Greco.

A cidade hoje possui em torno de 80.000 habitantes. Almoçamos devidamente, ainda na cidade e voltamos para Madrid, onde deixamos o pessoal que não iria ao El Escorial. Partimos para o outro lado da cidade onde fica este palácio/mosteiro. O nome dele por inteiro é: Palàcio de San Lorenzo de El Escorial, uma visita absolutamente imperdível. No local funciona hoje uma escola, uma universidade e um mosteiro e trabalham neste local mais de cinco mil pessoas.
O Palácio/mosteiro de El Escorial.

O palácio foi construído por Felipe II para comemorar a vitória que ele obteve sobre o rei Henrique III, da França, no dia 10 de agosto de 1557, no dia de São Lourenço, santo da igreja católica, que morreu, literalmente grelhado, neste dia, em Roma, no ano de 258. O palácio é, portanto uma homenagem ao santo, de quem Felipe II se tornou um ardoroso devoto. O palácio é marcado pela sua austeridade. Os aposentos reais cercam o altar pelos fundos. O rei sofria da gota mas não queria perder as cerimônias religiosas. As assistia de sua cama.
Outra vista do palácio El Escorial.

A devoção por parte de Felipe II, para São Lourenço era tanta,que dizem que o palácio foi construído sob o formato de uma grelha. Na verdade o rei quis reproduzir o templo de Salomão, de jerusalém.  Creio que do ponto de vista histórico, o mais importante do El Escorial é o Panteon dos reis. Ele se localiza bem debaixo do altar da catedral e ali estão os restos mortais de 26 reis e rainhas, das dinastias dos Bourbons e dos Habsburgos. Ao lado existe ainda o Panteon dos infantes, com 36 nichos.
No caminho para o EL Escorial e já bastante próximo, se vê a partir da estrada uma enorme cruz. Trata-se do Vale de los Caídos. Ali existe uma Basílica - Abadia de Santa Cruz do Vale dos Caídos, mandada construir pelo ditador Franco, entre 1940 e 1958, para enterrar os combatentes "nacionalistas" da guerra civil espanhola. estão ali enterrados 33.872 corpos, mais o do próprio ditador, embora não fosse uma vítima dessa guerra civil.
O guia nos contou que a pretensão de Franco era ser enterrado, mesmo sem nunca ter sido rei, no Panteon Real. Não paramos nesse local, nem para fotografia. O local é visto hoje como um cemitério, onde manifestações de caráter ideológico estão proibidas.
Uma última vista do EL Escorial.