quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

LIBERDADE - Jonathan Franzen.

Um livro surpreendente. Ele se move um duas direções: uma que se fecha, representada pelo isolamento e pelo remoer de fantasmas interiores e a outra que se abre e que é marcada pelo encontro ou pelo reencontro com o outro e os caminhos que são abertos por essa perspectiva. Se o livro é surpreendente, o seu final o é ainda mais.
Ficha do livro: FRANZEN, Jonathan. Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras. 2011. 605 páginas. R$ 46,50.

O núcleo central do livro gira em torno do casal Walter e Patty Berglund e seus filhos Joey e Jéssica, e se estende para o amigo do casal (amigo e mui amigo), o roqueiro Richard Katz e para Connie, a namorada e depois esposa de Joey. Também Lalitha, uma bela indiana e assistente de Walter ganha um bom espaço no livro. O cenário em que o romance se desenvolve é o dos Estados Unidos, em sua primeira década do século XXI. Com certeza que tem assunto interessante e suficiente para o preenchimento de suas mais de seiscentas páginas.

Um dos temas preferidos de Franzen é o casamento. Mas o próprio casamento de Walter e de Patty se dá em circunstâncias complicadas, mas aparentemente está tudo correto. O Berglund de Walter denuncia a sua origem sueca e existem páginas e páginas no livro que descrevem o que é ser um sueco. Não deixa de ser um homem correto mas, seguramente, é um homem muito chato e sem nenhum tempero. Patty é ex jogadora de basquete e que se recolhe junto com o seu casamento. Se retira do mundo profissional. A vida segue normal e vem os filhos. Richard Katz é o contraponto nesse casamento. É o único amigo de Walter e a grande paixão de Patty.

O livro avança por vinte anos e os problemas se multiplicam. Aparece a típica família americana de classe média. Além dos problemas familiares aparecem os problemas ético morais e um mundo competitivo. Walter vira um ecologista que protege a sobrevivência de passarinhos mas trabalha na legitimação da exploração de minas de carvão a céu aberto, encontrando nelas justificativas de racionalidade. Mas, acima de tudo, ainda tem pretensões de ser um paradigma de moralidade. Joey entra no mundo dos negócios, passa a ganhar milhões, atuando junto a grupos que tiram proveito da guerra do Iraque. Pede conselhos ao pai. Este não sabe o que lhe dizer e vai adiando a sua resposta, adiando os seus desencontros.

Walter se envolve em um caso amoroso que não tem coragem de assumir. Patty recai em sua paixão por Richard. Os filhos já estão mais do que afastados. A solidão passa a corroer os indivíduos livres. Quando eles olham ao seu redor, para os seus irmãos e familiares a situação fica ainda pior. Walter se decide por Lalitha, mas essa morre num acidente de carro e ele fica cada dia mais rabugento na exata medida em que se refugia no seu isolamento. Os vizinhos só existem para serem confrontados. Mas ainda pior que um casamento desastrado é um casamento desfeito e não ter com quem brigar. Aí você briga consigo mesmo e vai ficando cada dia pior.

Se você quiser ter um diagnóstico, uma radiografia, uma tomografia ou uma ultrassonografia da sociedade e da cultura americana não deixe de ler esse livro. Você se envolverá com a instituição da família e do casamento, com os valores de uma sociedade altamente competitiva, com a crise de uma geração jovem e com a alta corrupção da política, que não tem escrúpulos em fazer guerras, para delas tirar proveitos financeiros individuais. O indivíduo num mundo de liberdades tem que garantir a realização de sua felicidade, em meio a uma cultura, que seguramente lhe faz mal. Freud que o diga.

Se você se dispuser a ler este livro, você não estará sozinho nessa empreitada. Mais de um milhão de americanos já fizeram isso e ele foi assim classificado pelo The New York Times: O romance mais comovente de Franzen - um romance que se revela ao mesmo tempo uma envolvente biografia de uma família problemática e um retrato incisivo do nosso tempo.

Para terminar, um aperitivo sobre o significado de namorado ou namorada nos tempos de hoje. A cena envolve Joey e a sua namorada Connie, de quem por sinal gosta muito e acaba mesmo se casando. "Os jovens viam uma namorada como um empecilho insensato no caminho dos prazeres a que pretendiam dedicar os dez anos seguintes". É ou não um quadro da realidade?

Por fim, qual será o significado da palavra liberdade, que dá título ao livro? Não vou aqui entrar em detalhes. Vamos apenas afirmar que a palavra liberdade, ou a sua variável livre arbítrio, é um dos pilares de sustentação da cultura americana. Ela aparece em inúmeras discussões e geralmente ganha o seu significado político e econômico da livre iniciativa e a consequente abominação das intervenções do estado, a não ser em seus negócios com ele, em proveito pessoal. Walter tem uma discussão com o seu irmão Mitch, um alcoólatra reconhecido. Acompanhem a discussão. O dia estava ensolarado e ele só estava fazendo o de sempre. Bebia o tempo todo, mas sem pressa; a tarde ia ser longa.
"De onde você está tirando dinheiro?", quis saber Walter. "Está trabalhando?"
Mitch debruçou-se um pouco vacilante e abriu uma caixa de apetrechos de pesca que continha uma pequena pilha de notas e talvez uns cinquenta dólares em moedas. "Meu banco", disse ele. "E isso aí deve durar até o tempo esfriar de novo. Trabalhei de vigia noturno em Aitkim no inverno passado".
"Eo que você vai fazer quando acabar esse dinheiro acabar?" 
"encontro alguma coisa. Eu sei tomar conta de mim".
"Você não se preocupa com os seus filhos?"
"É, às vezes eu me preocupo. Mas eles têm boas mães que sabem cuidar deles, e eu não presto para isso. Acabei entendendo que só assim sei tomar conta de mim mesmo."
"Um homem livre."
"É o que sou."
E se calaram...

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