blog do pedro eloi
cultura, política e viagens __________________________________________________________________ "A mente que se abre a uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original" Albert Einstein
quinta-feira, 3 de julho de 2025
O Infinito em um junco. A invenção dos livros no mundo antigo. Irene Vallejo.
quarta-feira, 25 de junho de 2025
LEITURAS PROIBIDAS. Uma história da leitura. Alberto Manguel.
sexta-feira, 13 de junho de 2025
Uma história da Leitura. Alberto Manguel.
Ao ler O Diário de H. L. Mencken me deparei com uma nota referente a Anthony Comstock, numa de suas diatribes com o escritor Garland. A nota diz o seguinte: "Anthony Comstock (1844-1915) era secretário da Sociedade para a supressão do Vício e empreendia uma guerra incessante contra todos os livros que, em seu juízo, eram obscenos ou pudessem causar um rubor de vergonha nas bochechas de alguma jovem virgem e pura" (página 121). Isso me fez lembrar do belo livro Uma história da leitura, de Alberto Manguel, que eu lera no ano de 2004.
Uma história da leitura. Alberto Manguel. Companhia das Letras. Tradução: Pedro Maia Soares.Do livro, um capítulo em particular me chamou muito a atenção. Ele tem por título - Leituras proibidas, onde este secretário é citado e largamente analisado. Quis retomar esta leitura quando governadores, para ser bastante condescendente com eles, não muito afeitos com livros, submeteram o belo livro O avesso da pele, de Jeferson Tenório, sob censura. Entre esses governadores, lamentavelmente, figurava o governador do Paraná. Outras leituras, no entanto, me detiveram. Agora o retomei.
Alberto Manguel, como filho de pai diplomata, é um cidadão do mundo. Nasceu em Buenos Aires no ano de 1948 e atualmente é cidadão canadense. Um de seus feitos foi ter conhecido Jorge Luís Borges numa livraria e, para ele passou a fazer leituras, quando o escritor já estava acometido por um cegueira quase que total. Certamente este fato o influenciou bastante para dedicar uma vida toda ao mundo das letras.
O livro, de extrema erudição, está estruturado em quatro partes: A última página; atos de leitura; os poderes do leitor e páginas de guarda. De - A última página - destaco a primeira afirmação - a de que ler é como respirar e a segunda - a eterna relação de adversidade entre a leitura e as ditaduras. Vejamos: "Os regimes totalitários exigem que não pensemos, e portanto proíbem, ameaçam e censuram [...] exigem que nos tornemos estúpidos e que aceitemos nossa degradação docilmente" (página 36).
Da segunda parte - Dos atos de leitura - destaco os subtítulos: Leitura das sombras; os leitores silenciosos; o livro da memória; o aprendizado da leitura; a primeira página ausente; leitura de imagens; a leitura ouvida; a forma do livro; leitura na intimidade e metáforas da leitura. O destaque vai para para a mensagem para os leitores silenciosos. Para as possibilidades de diferentes interpretações, para o surgimento de heresias e para toda uma história do livro, até ele adquirir a sua forma atual e a sua comercialização.
Já os subtítulos da terceira parte - Os poderes do leitor são: Primórdios; ordenadores do universo; leitura do futuro; o leitor simbólico; leitura intramuros; roubo de livros; o autor como leitor; o tradutor como leitor; leituras proibidas e o louco por livros. O meu grande destaque vai para dois subtítulos: O já assinalado - leituras proibidas e o roubo de livros. Para o - leituras proibidas - darei um destaque especial, num post em separado e sobre o roubo de livros devo dizer e concordar que para os seus ladrões poderia ser aplicada a pena da excomunhão.
No - páginas de guarda - um novo livro de Uma história da leitura se abre como uma possibilidade. Livros que não escrevi, livros que não li.
Gostei da apresentação do livro que consta da contracapa: "Leitor voraz e ciumento, um grão-vizir da Pérsia carregava sua biblioteca quando viajava, acomodando-a em quatrocentos camelos treinados para andar em ordem alfabética. Em 1536, a lista de preços das prostitutas de Veneza anunciava uma profissional que se dizia amante da poesia e tinha sempre à mão algum livrete de Petrarca, Virgílio ou Homero. Na segunda metade do século XIX, em Cuba, os operários de algumas fábricas de charuto pagavam um lector, um leitor que se sentava junto às bancadas de trabalho e lia alto enquanto eles manuseavam o fumo. Lia, por exemplo, romances didáticos, compêndios históricos e manuais de economia política. A ditadura de Pinochet baniu o Dom Quixote, identificando ali apelos à liberdade individual e ataques à autoridade instituída.
A leitura é a mais civilizada das paixões. Mesmo quando registra atos de barbarismo, sua história é uma celebração da alegria e da liberdade".
Tomo ainda as orelhas da capa e contracapa: "De certa forma, todo livro escolhe seu leitor, mas Uma história da leitura parece ter um modo muito particular de exercer essa escolha: talvez com uma ou outra exceção, todos os que se dispõem a lê-lo integram a comunidade das pessoas que gostam de ler. Por isso, cada uma delas encontra aqui certos fragmentos de sua própria experiência: o encantamento com o aprendizado da leitura, a leitura compulsiva de tudo (livrinhos de escola, cartazes de rua, rótulos de remédio), o prazer solitário de ser amigo do peito de Sinbad, o Marujo, de acompanhar a multiplicação dos significados de uma palavra, de descobrir o final da história. Como um volume da biblioteca impossível de Borges, o livro de Alberto Manguel contém um pouco da autobiografia de cada um de seus leitores.
E, sem dúvida, também do autor, cuja erudição ao falar de séculos e séculos de história é primeiro filtrada por uma vivência pessoal intensa. A clareza de texto de Alberto Manguel parece refletir uma generosidade, uma vontade de compartilhar informações, perspectivas e modos de sentir o ato de ler.
'Ler para viver', Flaubert escreveu, ou, na visão de Kafka, 'ler para fazer perguntas'. Das plaquinhas de argila da Suméria aos nossos cibertextos, sabemos que a história registra não só uma infinidade de motivações para a leitura, mas também para a sua proibição, como se fosse da natureza da palavra escrita penetrar a intimidade do leitor e fazê-lo agir, fazê-lo mover-se para lugares que só ele é capaz de escolher. O ato de ler pressupõe e, simultaneamente, cria uma liberdade.
Alberto Manguel é primeiro um leitor, e, nesta condição, se escolheu narrar as conformações da leitura ao longo do tempo, é porque está ciente de quantos tentáculos uma boa história pode ter".
segunda-feira, 9 de junho de 2025
Educação como prática da liberdade. Uma apresentação para o ciclo de leituras.
Num certo dia, naquelas mensagens de lembranças trazidas pelo facebook, apareceu uma fala que eu fiz, contextualizando o primeiro grande livro de Paulo Freire - Educação como prática da liberdade. Revi a fala e deixei por isso mesmo. Alguns dias depois, a resgatei para deixá-la num espaço para que possa ser acessada mais facilmente. Mas antes de apresentá-la, quero deixar aqui a contextualização dessa fala.
Educação como prática da liberdade. Paulo Freire. Paz e Terra.
Foi um dos trabalhos mais promissores dos quais eu participei ao longo de toda a minha vida. A fala, aqui resgatada, é datada de 21 de abril de 2021. Realizávamos o Terceiro Ciclo, com foco no Educação como prática da liberdade. Desse ciclo participaram mais de 150 grupos. Em outro desses ciclos, o foco se voltou, por óbvio, à Pedagogia do oprimido e ao seu magnífico - Pedagogia da autonomia. Em outros, vários livros, com os grupos escolhendo uma determinada obra. Foi um trabalho maravilhoso.
No presente vídeo, numa parceria com o professor Luís Paixão, apresentamos uma contextualização do meu primeiro contato com a obra de Paulo Freire, que é também o primeiro grande trabalho do Paulo - Educação como prática da liberdade. Com muito orgulho, devo ainda dizer, que conheci pessoalmente o grande educador, encontrando-o em vários e significativos momentos de minha vida. Deixo com vocês esta fala, datada do dia 26 de abril de 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=S3SEEeKSWbo
Deixo ainda um post de uma das atividades promovidas pelo Ciclo, realizado na UFPR, uma peça de teatro denominada - Paulo Freire - o andarilho da utopia.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/09/paulo-freire-o-andarilho-da-utopia.html
quinta-feira, 5 de junho de 2025
O Diário de H. L. Mencken. Edição de Charles A. Fecher.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Geografia da fome. Josué de Castro.
Creio que este livro - Geografia da fome -, de Josué de Castro, foi um dos livros que eu mais ouvia falar ao final dos anos 1960 e ao longo de toda a década de 1970. Era o tempo da minha conclusão da Faculdade de Filosofia em Viamão e o início de minha atividade profissional em Umuarama. Mas não o li na época. O adquiri num sebo, ao longo dos anos 2000, mas somente agora é que eu fui lê-lo. Deveria tê-lo feito na época de sua escrita.
Geografia da fome. Josué de Castro. 1908 (Recife) 1973 (Paris).Mas quando ele foi escrito? A sua primeira versão é do ano de 1946. No entanto, a versão hoje corrente e definitiva é o da 9ª edição, do ano de 1960. O próprio autor o conta no Prefácio desta edição. Vejamos a sua fala: "Este livro foi publicado pela primeira vez em 1946. Nele tentou o autor esboçar um retrato do Brasil de cerca de quinze anos atrás. Do Brasil que era então um país tipicamente subdesenvolvido, com sua característica economia de tipo colonial, na exclusiva dependência de uns poucos produtos primários de exportação, entre os quais se destacava o café. Ao retratarmos a fome no Brasil estávamos a evidenciar o seu subdesenvolvimento econômico, porque fome e subdesenvolvimento são uma mesma coisa. Foi esta conjuntura econômico-social com todas as suas trágicas consequências que inspirou este ensaio" (página 47). Anteriormente, mas no mesmo prefácio, ele falava de seus objetivos:
"Aparecendo na aurora dessa nova era social, onde a tenebrosa noite do fascismo ainda projeta as suas sombras, este livro pretende ser um documentário científico desta tragédia biológica, na qual inúmeros grupos humanos morreram e continuam morrendo de fome, ao finalizar-se esta escabrosa era do homem econômico.
Para se compreender bem e se possa perdoar o uso que faz o autor, em certas passagens do seu livro, de tintas um tanto negras (Opa! naquele tempo podia), é bom que o leitor se lembre de que esta obra, documentário de uma era de calamidade, foi pensada e escrita sob a influência psicológica da pesada atmosfera que o mundo vem respirando nos últimos vinte anos. Atmosfera abafada pela fumaceira das bombas e dos canhões, pela pressão das censuras políticas, pelos gritos de terror e de revolta dos povos oprimidos e pelos gemidos dos vencidos e aniquilados pela fome" (página 39).
O que mais me chamou a atenção, já logo no início da leitura foi o entrelaçamento da fome e das carências alimentares sobre a constituição fisiológica do ser humano. Os terríveis efeitos da subnutrição e as deformações fisiológicas. Aí fui ver que não era um sociólogo quem escrevia o livro. Era sim, um médico, com o seu olhar científico. O livro pode ser visto assim como um mapa, ou documentário dos alimentos existentes nas diferentes regiões brasileiras, bem como o seu oposto, o das carências. As principais doenças da fome/subnutrição são: - beribéri, pelagra, escorbuto, xeroftalmia,, raquitismo, osteomalácia, bócios endêmicos, anemias, entre outras. O livro contem muita pesquisa, pesquisa em tempos pioneiros, quando a bibliografia era praticamente inexistente. São os tempos da FAO, da qual ele integrou o Conselho Mundial, vindo a morar em Paris.
Mas vamos falar um pouco da estrutura do livro. Começo pelas dedicatórias: A Rachel de Queiroz e José Américo de Almeida, romancistas da fome no Brasil e - A memória de Euclides da Cunha e Rodolfo Teófilo, sociólogos da fome no Brasil. Aí seguem três prefácios, entre eles o do autor. Segue então o cerne do livro com sete capítulos e os apêndices e entre eles uma breve biografia e uma valiosa bibliografia. Vamos aos capítulos.
I. Introdução. Nela ele apresenta um panorama da fome pelo mundo, as vinculações entre a fome e a subnutrição e as cinco diferentes regiões, que se constituem nos próximos capítulos.
II. Área amazônica. Os alimentos da mandioca (básica), da economia de coleta, a pimenta e a juta. Depois fala das contribuições indígenas para esta alimentação e a dos nordestinos, que para lá migraram no ciclo da borracha (1870-1910). A maior parte do capítulo é, no entanto, dedicada às deficiências alimentares e as suas consequências, analisando ainda as experiências norte-americanas, da Fordlândia e de Belterra.
III. Área do Nordeste açucareiro. Quatro séculos de devastação da floresta tropical, transformada em campos abertos para o cultivo da cana-de-açúcar. Terras férteis (massapê) e de grande variedade de frutas. A desinteligência da monocultura e dos rápidos desgastes da terra. Os holandeses e a obrigatoriedade do plantio da mandioca. E como no capítulo anterior, aqui são apresentadas as contribuições dos indígenas e dos escravizados para a alimentação. E, também, mais uma vez, as principais carências alimentares e as suas consequências.
IV. Área do sertão do Nordeste. Este é o mais longo dos capítulos. Apresenta as suas terras como sendo agrofágicas, fala das misérias das epidemias da seca e do milho e a sua miséria alimentar. Divide a região em agreste, caatinga e o alto sertão, da pouca diversidade de plantas e o domínio das cactáceas. Descreve os períodos de seca e as migrações dos retirantes. Analisa as implicações entre o fanatismo religioso e o banditismo, dos jagunços e ao mesmo tempo seus traços de bom caráter. Grande ênfase é dada à pecuária, - bovinos, caprinos e muares. Carne e leite e a riqueza alimentar.
V. As áreas de subnutrição: Centro e Sul. O autor considera esta região com deficiências mais discretas, caso de subnutrição, mais do que fome. Da região centro-oeste fala da cultura do milho, da criação de porcos e alimentos típicos, especialmente os de Minas Gerais. Fala também dos efeitos de levar a capital do país para Brasília. Por sul, ele entende tudo o que está abaixo do Rio de Janeiro. Fala dos efeitos da imigração e, de maneira especial, dos japoneses e sua dedicação ao cultivo de hortaliças. Mas a região convive com subnutrição crônica. O espaço dedicado é bem menor do que ao das outras regiões.
VI. Estudo do conjunto brasileiro. É a parte mais política do livro. Começa pela análise do espírito bandeirante e o desejo do enriquecimento fácil, do imperativo do "fique rico depressa". Fala da drenagem dos recursos públicos para as regiões sul e sudeste. Fala do subdesenvolvimento e crítica as políticas liberais que desconsideram a necessidade e o valor do planejamento econômico. O Estado é visto como indutor do desenvolvimento. Critica a direção do pêndulo em favor da política industrial e a pouca atenção à questão agrária e defende a urgência da reforma agrária. Não seria possível atingir o desenvolvimento com a permanência de uma agricultura semifeudal.
VII. Glossário. Um pequeno dicionário de hábitos que criaram os principais pratos regionais. Maravilhoso. O livro é concluído com um apêndice à oitava edição, com dados biográficos do autor e uma bibliografia, que nos fornece um belo quadro da literatura existente na época sobre este tão importante tema.
Da biografia tomo os dados finais para este post. Josué de Castro nasceu no Recife no ano de 1908 e morreu em Paris, no ano de 1973. Por que em Paris? Lá ele cumpria a sua vida de exilado político, como um condenado pelo regime civil militar instaurado no ano de 1964. Combater a fome era considerado um crime, coisa dos perigosos comunistas. Explicava as causas da fome. Sobre a sua importância deixo a parte final da biografia, na qual é citada uma reportagem do Le Figaro: "Cheio de flama e de paixão pela grande causa a que ele servia, ajudando, por suas fórmulas marcantes, a tocar de perto as realidades do subdesenvolvimento, a tomar consciência do círculo vicioso no qual se encerrou o mundo, exerceu ele uma influência profunda e duradoura".
Das orelhas de capa e contracapa tomo dois depoimentos. Da capa:"(...) um dos estudiosos mais lúcidos dos problemas do Terceiro Mundo". Rádio do Vaticano. E da contracapa: "Se foi o caloroso advogado dos pobres, Castro jamais pleiteou a piedade ou o assistencialismo. Mas a justiça é uma outra ordem no mundo. Morreu poucos dias após os acontecimentos do Chile e, sem dúvida, mais consciente do que nunca de tudo que restava por fazer. Mas porque viveu entre nós, a ignorância já não é uma desculpa. Daqui para frente nós sabemos. Como um geógrafo implacável, Josué de Castro traçou, sob nossos olhos, o mapa da fome. E o mínimo que podemos dizer dessa geografia é que ela não nos honra nem um pouco". Rémy Montour, Panorame. Simplesmente - um livro necessário.
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Pró e contra. MAO. organização do texto: M. Bodino e C. Pastengo.
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Bandeirantes e pioneiros. Paralelo entre duas culturas. Vianna Moog.
Começo esta resenha de - Bandeirantes e Pioneiros - paralelo entre duas culturas -, de Vianna Moog, contando a forma pela qual adquiri o livro, provavelmente em meados dos anos 1970. Após me formar em filosofia, na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, da cidade de Viamão, no ano de 1968 e, já no ano seguinte, eu me estabelecia na cidade de Umuarama (PR), como professor. Enquanto meus pais estavam vivos, uma ou até duas vezes por ano, eu ia visitá-los. E eu ia de ônibus, passando por Curitiba. Assim Curitiba - Porto Alegre, via serra, estava em meu roteiro.
Bandeirantes e pioneiros. Paralelo entre duas culturas. Vianna Moog. Civilização brasileira.Bem, numa dessas viagens, havia uma parada para almoço, na cidade de Vacaria. No restaurante havia uma banca de jornais e revistas e também alguns livros. Entre os livros, estava o próprio: Bandeirantes e Pioneiros. O dinheiro era escasso, mas não tive dúvidas em adquiri-lo. Nunca fui pão-duro para a compra de livros. Coisas daquele tempo. Creio que nos dias de hoje não encontraria o livro tão à mão. O livro teve a sua primeira edição no ano de 1954 e, o exemplar que eu adquiri foi o da 9ª edição, do ano de 1969. Vianna Moog é gaúcho de São Leopoldo, nascido no ano de 1906. Veio a falecer em 1988, na cidade do Rio de Janeiro. Integrou a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 4.
A grandeza do livro começa pelo seu título e sub-título. Nada mais claro e preciso. Creio que cabe perfeitamente no imaginário de qualquer pessoa a diferença entre um bandeirante e um pioneiro, a de um explorador, de um colonizador. Essa diferença chama o sub-título: paralelo entre duas culturas. As duas culturas são as de dois países: Brasil e Estados Unidos. O livro tem um curto prefácio do autor. Nele enuncia o tema ou a grande razão de ser do livro: Como pode haver tanta diferença entre dois países, sendo os Estados Unidos, a grande potência e o Brasil sendo o que é. Quais seriam as razões para toda essa diferença. A resposta, ou as respostas estão ao longo das 361 páginas do livro
Ele está estruturado em seis capítulos, prefácio, epílogo e bibliografia. Dou os títulos dos capítulos: 1.Raça e geografia; 2. Ética e economia; 3. Conquista e colonização; 4. Imagem e símbolo; 5. Fé e símbolo; 6. Sinais dos tempos. Mais uma vez, observamos que conquista e colonização. Estas palavras também nos remetem ao título. A conquista é obra do bandeirante, da exploração predatória e a colonização é fruto do trabalho, do árduo trabalho do pioneiro. Concepções de vida totalmente diferentes. Mas há também outros fatores, bem visíveis, nos outros capítulos. Ainda no prefácio, o autor nos adverte sobre as polêmicas que o tema provoca. Mas ele diz topar o mexer nos marimbondos.
Dou em pequenos tópicos, alguns itens básicos sobre cada capítulo. Assim, no primeiro, veremos o racismo, a escravidão e a miscigenação nos USA e no Brasil, a questão da disposição das cadeias montanhosas nesses países e, também da mesma forma, os rios. Teriam esses fatores facilitado ou dificultado a ocupação do continente? São analisadas algumas experiências. O segundo capítulo, provavelmente o que mais bibliografia e estudos acumula, mostra o Brasil como um país católico e os USA como um país protestante. Protestantes calvinistas. Isso importa, pois eles tem uma visão muito particular sobre o trabalho. Trabalhar é a melhor forma de orar e engrandecer a Deus. Também são mostradas as implicações da visão calvinista com a teoria agostiniana da predestinação e desta, com a prosperidade. Há muitas referências a Max Weber. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Outra parte do capítulo é destinada à análise das riquezas de solo e subsolo dos dois países e suas influências, ou não, no desenvolvimento econômico.
Em conquista e colonização, o tema do terceiro capítulo, a abordagem passa pela análise dessas palavras e suas implicações. As influências religiosas e suas concepções sobre o trabalho são vistas pelos olhos de pioneiros e de bandeirantes, além do espírito prático e inventivo do pioneiro, contra o espírito aventureiro e o desejo de enriquecimento fácil e rápido do bandeirante. Os desdobramentos dos temas desses três primeiros capítulos são o material para os outros três. No quarto capítulo são mostrados os fatores que marcaram a passagem do pioneiro para o ianque e à Guerra da Secessão. É mostrada ainda a figura de Lincoln e a sua ação na pacificação e na manutenção da unidade do país. Já do Brasil, vamos ver as primeiras experiências de colonização pela imigração no sul do país.
No quinto capítulo é observada a não permanência dos princípios pioneiros e fundadores e o seu rompimento com o plasmar da grande nação, quando no Brasil só se vislumbra pessimismo em seu futuro. A miscigenação piora as raças misturadas. Dois personagens fantásticos são apresentados nessa visão. Babbit, de H.S. Lewis e José Dias., o personagem de Dom Casmurro, do grande Machado de Assis. Babbit representa o comerciante ianque, que se torna grande, já despido das virtudes do pioneiro. Enquanto isso, persiste em José Dias o desejo do enriquecimento fácil e sem trabalho penoso.
Em Sinais dos tempos, no sexto capítulo, mais dois personagens nos são apresentados. Lincoln pelos Estados Unidos e o Aleijadinho pelo lado brasileiro. Um belíssimo capítulo. Figuras míticas, muito veneradas. Da orelha da capa e contracapa do livro tomo mais algumas referências:
"Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog, é uma primeira tentativa séria de interpretação comparativa.
O segundo capítulo, intitulado Ética e economia, é dos que mais estimulam o debate. Nele se coloca, paralelamente, o desenvolvimento de dois tipos de capitalismo: a progressão geométrica norte-americana, no quadro do protestantismo, a progressão aritmética brasileira, no quadro do catolicismo. Trabalho de erudição e pesquisa, equivale a um verdadeiro ensaio que, sozinho, justificaria prolongada e frutífera polêmica.
Polêmico, aliás, é o livro todo. Vianna Moog suscita o diálogo com a crítica, já que admite - em seu prefácio - ter abordado 'um tema essencialmente dinâmico, com um número quase ilimitado de incógnitas, todas a variarem umas em função das outras'. um tema, em suma, que 'não é propriamente dos que comportam pronunciamentos definitivos ou julgamentos isentos de erros de observação, de emoção e de interpretação'".
Um livro que, embora a sua data de publicação seja de 1954, continua sendo muito atual e que explica muito das diferenças entre os dois países. As grandes interpretações de Brasil são bem tardias e uma visão positiva de nosso país ocorre apenas a partir de Gilberto Freyre, com Casa-Grande & Senzala, publicado em 1933.
Deixo ainda duas resenhas de livros abordados nas análises. Babbitt, o comerciante ianque.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/05/babbitt-harry-sinclair-lewis-1922-nobel.html
E também o A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/01/a-etica-protestante-e-o-espirito-do.html
terça-feira, 13 de maio de 2025
ESCRAVIDÃO. Laurentino Gomes. Os três volumes. Mais - O abolicionismo e Ser escravo no Brasil.
A finalidade deste post é agrupar as três resenhas dos livros de Laurentino Gomes sobre a escravidão no Brasil. Os três livros, sem favor, se constituem na grande pesquisa brasileira sobre tema. Um esforço inaudito e sob um olhar perspicaz e de um posicionamento de indignação diante dos horrores praticados. Os seus livros certamente se integram no esforço de, no dizer de Joaquim Nabuco, nos levar também, não apenas à abolição, mas também à sua obra. A obra da escravidão.
O livro indicado por Antônio Cândido, como o grande livro de referência. Ser escravo no Brasil.Deixo também a resenha do livro que o grande Antônio Cândido indica como o grande livro de referência sobre o tema, o livro de Kátia de Queirós Mattoso, nascida na Grécia e professora da Universidade Federal da Bahia, Ser escravo no Brasil.
Reúno estes posts na data de treze de maio - 2025, com a intenção de facilitar o acesso. Com certeza, a escravidão brasileira teve as suas peculiaridades, sem deixar de ter, por um único momento que seja, a sua grande característica de perversidade moral. Deixo ainda a obra de Joaquim Nabuco, um pensador monarquista e liberal, que no meu entender foi a voz mais lúcida e propositiva desta página de nossa história. A sua grande obra foi O abolicionismo.
Então vamos lá. Ao primeiro volume. Escravidão - Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/03/escravidao-volume-1-laurentino-gomes.html
O segundo volume. Escravidão - Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/10/escravidao-volume-ii-laurentino-gomes.html
O terceiro volume. Escravidão. Da Independência do Brasil à Lei Áurea.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/09/escravidao-volume-iii-da-independencia.html
O livro Ser escravo no Brasil. Kátia de Queirós Mattoso.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2013/11/ser-escravo-no-brasil-katia-de-queiros.html
E Joaquim Nabuco com o seu O abolicionismo. O livro foi escrito no calor da campanha abolicionista.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/06/o-abolicionismo-1883-joaquim-nabuco_29.html
Que estes posts possam estimular novas leituras. É a minha intenção.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
LEÃO XIV. Robert Prevost. O primeiro papa Estadunidense.
terça-feira, 6 de maio de 2025
BABBITT. Harry Sinclair Lewis. 1922. Nobel de Literatura - 1930.
A cultura dos Estados Unidos no divã. Isso é Babbitt, o romance de Harry Sinclair Lewis, datado do ano de 1922. Babbitt é o sobrenome do comerciante George Babbitt, da fictícia cidade de Zenith. Ele é do ramo imobiliário. H.S. Lewis foi o primeiro Nobel de Literatura das Américas, laureado no ano de 1930. É ele e a sua família que estão no divã da psicanálise. Hipocrisia, falsidade, mentiras e camuflagens, humor ácido e ironia são os seus grandes ingredientes. Creio que o primeiro dado importante a observar é o ano de sua publicação, o ano de 1922. Depois da Primeira Guerra Mundial, serão os Estados Unidos que estarão no rumo da construção da maior potência mundial, ao mesmo tempo em que se prenunciam graves crises.
Babbitt. Sinclair Lewis. Abril Cultural. 1972. Tradução: Leonel Vallandro.
Observemos também os principais personagens. Em primeiro lugar os de sua família: Myra, ou a senhora Babbitt e os filhos Verona, Ted e Tinka. Seguem-se os amigos, especialmente os do tempo de escola, com grande destaque para Paul Riesling e a esposa Zilla, os vizinhos e as instituições. Ah! As instituições! As instituições e os seus valores. O conservadorismo. O Partido Republicano e a Igreja Presbiteriana. Para além dos diversos clubes, que tem nos "cidadãos de bem" os seus sócios.
O tema é fascinante. Sempre me aguçou muita curiosidade. Dou os livros de maior destaque: O de um dos meus primeiros contatos com o tema - Bandeirantes e Pioneiros - Paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog, o clássico Da democracia na América, de Alexis de Tocqueville, o extraordinário Antiintelectualismo nos Estados Unidos, de Richard Hofstadter, o necessário A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber e, já que entramos no campo religioso, os muitos livros que analisam a cultura americana e a sua visão de celebração de uma Nova Aliança e suas implicações, que resultaram nas tais - teologias da prosperidade. Não poderia deixar de citar aqui a fantástica e incomparável obra de Philip Roth.
Mas, a obra em análise é Babbitt, de H. S. Lewis (1885-1951). Após as primeiras manifestações vamos a estrutura da obra. O livro que eu li é a da coleção Os Imortais da Literatura Universal. A obra tem 441 páginas, divididas entre 34 capítulos, todos eles divididos em pequenos tópicos, sem títulos. Já vimos que o tempo do livro é dos antecedentes da década de 1920 e o cenário é o da cidade de Zenith, uma fictícia cidade média dos Estados Unidos, com uma população média em torno de 350.000 habitantes, rumo a um progresso sem par, aspirando a figurar entre as maiores cidades do país. Babbitt é um comerciante do ramo imobiliário, lidando com seguros, aluguéis e compra e venda. Ele vive confortavelmente, com um padrão de vida de classe média alta. A sua rotina é atordoante e agradar a pessoas intoleráveis é o seu ofício. Já que nada produz, ele praticamente vive de relações públicas das quais busca tirar proveito. Isso o obriga a transgressões alheias à sua vontade. E, lembrando, é tempo de Lei Seca. Bebidas obrigam a mais e novas transgressões.
Babbitt é absolutamente conservador e fervoroso combatente do comunismo. Pertence ao casmurro Partido Republicano e à puritana igreja presbiteriana. Este conservadorismo emoldura sua vida, seus hábitos e práticas diárias. Enquanto frequenta regularmente as instituições e pratica a ética prescrita pelas mesmas, ele obtém clientes preferenciais e avança em seus negócios. O seu combate ao comunismo, por óbvio, o opõe, a todas as lutas dos trabalhadores pelos direitos mais fundamentais. Por óbvio, também prega a conciliação de classes.
A convivência e os dramas vividos pelo seu amigo Paul afetam profundamente a sua vida. O casal vive uma grave crise conjugal, que termina em tiros e prisão. E Babbitt passa a viver também ele a sua crise, a crise da monotonia do casamente monogâmico. Começa a duvidar de seus valores e relaxa na sua prática. A economia passa a preceder a ética. Frequenta a casa de uma amiga, Tanis e frequenta um novo clube, denominado de A Turma. Ali se sente bem, ao contrário do que ocorria em casa e no escritório. Até "teve horror à obrigação de lhe mostrar afeto", referindo-se à sua esposa, a senhora Babbitt. A presença dos rigores da ética ou da moral em que fora educado o levam a arrependimentos e promessas, sempre descumpridas quinze minutos depois de feitas. A sua vida passa a ser observada e a sua presença ou companhia, evitada. Até os negócios que exigiam influência de indicações começaram a minguar.
A vida, ou os negócios da vida passaram pela exigência de uma volta e de reconciliações. Volta a sua antiga vida de conformidades. Após um internamento e cirurgia da esposa, o antigo George estará de volta à cena da vida de Zenith. Passa a frequentar a Liga dos Bons Cidadãos, uma liga daquilo que hoje conhecemos sob o nome de "Cidadãos de Bem", ao menos assim autodenominados. Volta a ser um ardoroso combatente do comunismo. Volta a sua vida de hipocrisia plena. Vejamos o parágrafo final em que o vemos num diálogo com Ted, o filho:
"Bem... - Babbitt atravessou a sala devagar, pesadamente, com o caminhar um tanto envelhecido. - Sempre quis ver-te formado. - Tornou a cruzar a peça meditativamente. - Mas eu nunca... Pelo amor de Deus, não vás repetir isto à tua mãe., porque é capaz de me arrancar o pouco de cabelo que ainda me resta, mas o fato é que em toda a minha vida nunca fiz nada do que desejava fazer! Fui simplesmente vivendo como me permitiam. Calculo que, de cem quilômetros que podia ter andado, não avancei mais que meio centímetro. Bem, talvez tu vás mais longe. Não sei. Mas sinto uma espécie de satisfação furtiva por ver que tu sabias o que querias, e o fizeste. Essa gente vai procurar intimidar-te. Manda-os para o inferno! Eu te apoiarei. Aceita o emprego na fábrica, se quiseres. Não tenhas medo da família. Não, nem de toda Zenith. Nem de ti mesmo, como eu tive. Avante meu filho! O mundo é teu!
Os dois Babbitt, pai e filho, entraram abraçados na sala e fizeram frente à família ameaçadora". Uma confissão da prisão em que vivera, prisão das inúmeras convenções às quais sempre se submetera. Um grito em busca de um pouco de autonomia.
Mas vamos a outras considerações. Tomo como guia o livro de notas biográficas que acompanha a coleção. Vejamos a referência a Babbitt: "Utilizando-se de uma cidadezinha, Lewis denuncia o modo de vida de um lugarejo de classe média da América provinciana. A sátira presente no romance rompe com a ficção americana anterior, que sempre procurou descrever a vida de uma pequena cidade como boa e inocente, se comparada às grande metrópoles, além de supervalorizar o papel da classe média.
Lewis costumava citar o ensaísta Thoreau (1817-1862) como influência permanente em toda a sua obra. [...] Assim ele fez para escrever seu próximo romance. Viveu algum tempo em Cincinnati, Ohio, onde pode observar o comportamento dos habitantes, suas expressões mais comuns e sua gíria. Todo esse trabalho de 'laboratório' resultou em Babbitt, cuja ação se passa na cidade fictícia de Zenith. Em Babbitt, exceto os primeiros sete capítulos, onde ele descreve vinte e quatro horas - 'de toque de despertador a toque de despertador' - da vida de sua personagem, todos os outros restantes constituem uma sociologia da classe média americana. Cada um desses capítulos trata de um assunto específico, como política, prazeres, vida em clubes, a barbearia, o botequim. (Também uma greve).
Babbitt retrata o mundo do pequeno homem de negócios. Sendo comerciante, ele não é um produtor; portanto, seu sucesso financeiro depende de um bom trabalho de relações públicas. O livro é uma sátira ao grupo dos mesquinhos e ridículos pequenos comerciantes. O protagonista não consegue romper o círculo que o envolve, porque não consegue imaginar uma vida diferente do seu mundo corrupto e competitivo. Quando Babbitt denuncia contradições ou divergências do grupo, faz isso apenas para continuar nele. Na verdade, ele age em função das relações públicas, e não das relações humanas.
Publicado em 1922, Babbitt despertou uma onda de polêmicas que o escritor não poderia ter imaginado. Em algumas regiões, Lewis era visto como um 'deformador da vida americana'. Todos os jornais reservavam espaço para comentar o livro. O New York Times aprovava Babbitt, ao mesmo tempo que tentava confortar os habitantes do meio-oeste, dizendo que os Babbitts poderiam ser encontrados em qualquer lugar, e que o escritor apenas se teria inspirado no meio-oeste porque essa região lhe eram bem mais familiar.
As críticas variavam muito e iam de extremo a extemo. Afinal, por suas origens, Lewis era também um Babbitt. E, assim, o sucesso do romance poderia ser atribuído ao fato de que grande parte do público via no escritor um aliado e não um inimigo. Inclusive, muitos dos ótimos comentários que a obra recebeu partiram de jornais de pequenas cidades - semelhantes a Zenith do romance - que se sentiam orgulhosas de terem servido de modelo a um livro.
Lewis divertia-se com todas as controvérsias. As suas mãos chegavam cartas de conteúdos diversos. Numa delas, o escritor Somerset Maugham (1874-1965) dizia: 'Nunca um certo tipo ou uma certa classe tinham sido delineados com tanto êxito; a objetividade tão fria e impiedosa com a qual você escreveu causa uma sensação muito estranha; a não ser que as pessoas não se reconheçam nele, devo dizer que você será um dos homens mais desamados da América. Li Babbitt com as mãos tensas, com o pensamento de que eu me sentiria muito intimidado se as encontrasse na vida real.
No entanto, a maioria dos europeus passou a julgar a nação americana composta somente por Babbitts. Revoltados, os americanos diziam que o escritor não apresentava um panorama mas uma caricatura da América. Além do mais, ele não era um sociólogo, e sim um jornalista malicioso.
Mas nada adiantava agora: Babbitt havia-se transformado num arquétipo, tal como acontecera com Dom Quixote, Hamlet ou Fausto, e iria permanecer como o tipo representativo não só de uma classe, mas também de uma nação e de uma época". Vejam toda a importância deste livro.
E ainda, uma observação perspicaz. Estou a reler Bandeirantes e pioneiros, de Viana Moog. Quando ele fala dos Estados Unidos, dos Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial, ele fala das mudanças ocorridas no país: "A América de Wilson cede lugar à América de Coolidge, Calvin Coolidge. Agora a América não está particularmente interessada nos que pensam construir melhores mundos, mas nos que anunciam a possibilidade de dois carros na garagem e outros confortos consideráveis que suas linhas de montagem vieram possibilitar. O símbolo da América já não é o Tio Sam. O símbolo da América é Babbitt, um novo tipo engendrado pelo ianque para substituir o símbolo do pioneiro". Página 224.
segunda-feira, 28 de abril de 2025
A conquista da felicidade. Bertrand Russel. Nobel de literatura - 1950.
Confesso que não sou muito fã de leituras que envolvam este complicado tema da felicidade. Eu explico o porquê. É que este tema quase sempre é abordado por moralistas ou religiosos. E sobre isso eu tenho uma frase lapidar. É do Eça de Queirós, em O crime do padre Amaro. Nele, o padre Amaro reage ao cônego Dias, que o chamara de traste: "Traste por quê? Diga-me lá! Traste por quê. Temos ambos culpa no cartório, eis aí está. E olhe que eu não fui perguntar, nem peitar a Totó... Foi muito naturalmente ao entrar em casa. E se me vem agora com coisas de moral, isso faz-me rir. A moral é para a escola e para o sermão. Cá na vida eu faço isto, o senhor faz aquilo, os outros fazem o que podem. O padre-mestre que já tem idade agarra-se à velha, eu que sou jovem arranjo-me com a pequena. É triste mas que fazer? É a natureza que manda. Somos homens. E como sacerdotes, para honra da classe, o que temos é que fazer costas!". Está aí. Moralistas e religiosos.
Mas o livro que eu tomei em mãos não é o de um moralista, nem o de um religioso. É de um senhor escritor e de um senhor filósofo: Bertrand Russel. Tenho por ele o maior respeito, respeito que lhe devoto desde a leitura de Por que não sou cristão. O livro em questão é - A conquista da felicidade. A sua primeira publicação data de 1930. Em 1950 o autor foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Bertrand Russel (1872-1970) teve uma longa vida. Certamente que uma vida feliz o ajudou a ter toda essa longevidade.
A conquista da felicidade. Bertrand Russel. Ediouro. Tradução: Luiz Guerra.
Se não aprecio tanto a abordagem do tema, também não nego a sua fundamental importância. Afinal de contas, a busca da felicidade é o objetivo último da vida. Assim, sem sombra de dúvida, ele vale muito de nossa atenção. Reflexões sobre o tema também propiciam ajudas no seu alcance. O livro tem um belíssimo prefácio, no qual o autor apresenta as razões do livro. Transcrevo-o:
"Este livro não é endereçado aos eruditos nem àqueles que julgam que um problema prático não passa de um tema de conversa. O leitor não encontrará nestas páginas nem filosofias e nem erudição profundas. Pensei em reunir alguns comentários inspirados, segundo acredito, pelo senso comum. O que apenas posso dizer em favor dos conselhos que ofereço ao leitor é que se acham confirmados, por minha própria experiência e observação, e que fizeram aumentar minha felicidade sempre que me conduzi de acordo com eles. Sendo assim, ouso esperar que, entre a multidão de homens e mulheres que sofrem, alguns encontrem aqui o diagnóstico de sua própria situação e sugestões eficientes para resolverem tais questões. Ao escrever este livro, parto da convicção de que muitas pessoas infelizes podem chegar a conquistar a felicidade, se fizerem um esforço bem orientado". Na sequência cita um poema:
"Creio que poderia transformar-me e viver com os animais. Eles são tão calmos e donos de si. // Detenho-me para contemplá-los sem parar. // Não se atarantam nem se queixam da própria sorte, // Não passam a noite em claro, remoendo suas culpas, // Nem me aborrecem falando de suas obrigações para com Deus. // Nenhum deles se mostra insatisfeito, nenhum deles se acha dominado pela mania de possuir coisas. // Nenhum deles fica de joelhos diante de outro, nem diante da recordação de outros da mesma espécie que viveram há milhares de anos. // Nenhum deles é respeitável ou desgraçado em todo o amplo mundo". O poema é de Walt Whitman. Seria este poema uma alegoria ou fonte da qual emanam as causas da infelicidade?
Vamos sublinhar - nem erudição, nem filosofias. Mas vivência. Conselhos confirmados por minha experiência e observação. Ofereço aquilo que deu certo para mim, além de dois princípios fundamentais: esforço e boa orientação. Bem, vamos agora a estruturação básica do livro. Ele está dividido em duas partes: A primeira aponta para as causas da infelicidade e a segunda, o seu oposto, ou seja, as causas que conduzem à felicidade. Um estruturação bem simples.
A primeira parte, qual seja, as causas da infelicidade, tem nove capítulos. É o que devemos evitar. Vou nominá-los: 1. O que torna as pessoas infelizes; 2. Infelicidade byroniana; 3. Competição; 4. Tédio e excitação; 5. Fadiga; 6. Inveja; 7. Sentimento de pecado (remorso, culpa); 8. Mania de perseguição; 9 Medo da opinião pública. Esses sentimentos ou situações estão muito presentes, ou profundamente impregnados na cultura, na civilização ocidental, praticamente como valores dominantes. São, portanto, os fundamentos de uma cultura que contém em si, as causas da infelicidade. O avesso das virtudes. Simples assim. Quanta literatura não existe sobre o tema!...
A segunda parte, qual seja, as causas da felicidade, tem oito capítulos. É o que devemos buscar. Eis a relação: 10. A felicidade é ainda possível?; 11. Entusiasmo; 12. Afeição; 13. Família; 14. Trabalho; 15. Interesses impessoais; 16. Esforço e resignação; 17. O homem feliz. Recomendações daquilo que deve ser buscado. O livro não é longo. São 210 páginas.
Do capítulo final tomo algumas reflexões; Nele, Russel afirma que, para o alcance da felicidade, devemos estar atentos aos fatores externos e internos a nós. Os externos são os da cultura dominante, à qual devemos nos inserir (ou adaptar?) e os internos são as nossas atitudes frente a essa situação. Tomar consciência desses fatores é de fundamental importância. Do capítulo fiz uma anotação especial:
"Quando as circunstâncias externas não são francamente adversas, a felicidade deveria estar ao alcance de qualquer um, sempre que suas paixões e seus interesses se dirijam para o exterior e não para seu interior. Assim, deveríamos nos propor, tanto na educação quanto em nossa intenção de nos adaptarmos ao mundo, evitar paixões egoístas e adquirir afetos e interesses que impeçam que nossos pensamentos girem perpetuamente em torno de nós próprios. A rigor, ninguém pode ser feliz atrás das grades, e as paixões que nos encerram dentro de nós mesmos constituem um dos piores tipos de cárcere. As mais comuns entre essas paixões são o medo, a inveja, o sentimento de culpa, a auto-compaixão e a auto-admiração. Em todas elas, nossos desejos se encontram em nós mesmos: não existe um interesse genuíno pelo mundo exterior, só a preocupação de que possa nos causar mal ou deixar de alimentar nosso ego. É em virtude do medo que a pessoa resiste a admitir os fatos e se predispõe a encapsular-se num protetor abrigo de mitos. Mas os incidentes desagradáveis penetram no abrigo e aqueles que estavam habituados a ficar protegidos sofrem mais do que os que se temperaram, enfrentando as agruras da vida. Além disso, os que se iludem costumam saber que, no fundo, estão errados, e vivem em um estado de apreensão, temendo que algum acontecimento funesto os obrigue a aceitar realidades desagradáveis" (Página 206).
Enfim, viver é algo muito complexo. A cultura dominante ajuda a torná-los ainda mais complexos e opostos ao que chamamos de princípios humanos, de uma vida em convívios harmoniosos com a natureza e com a sociedade. O comum e a sua prevalência sobre o individual... Valores de solidariedade e sua prevalência sobre a competição... Creio que o tema nos remete a outra questão fundamental que é a questão da alteridade. Sobre ela deixo uma bela reflexão:
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/01/alteridade-albert-jacquard.html
Junto com a indicação da leitura, deixo a recomendação contida na contracapa: "Muito antes de ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1950, o filósofo e matemático Bertrand Russel já dava mostras de seu talento e sensibilidade nas letras. A conquista da felicidade, escrito em 1930, aborda um tema comum aos homens de todas as épocas e classes sociais. Que o leitor não espere, como o autor adverte, nem filosofia nem erudição profundas. O que move Russel nesta obra é a convicção de que, com um pouco de esforço bem-orientado, é possível chegar à felicidade".