Na leitura de Babbitt encontrei uma referência a H. L. Mencken Nela Babbitt encontra-se sozinho em sua residência, algo a que não estava acostumado. Eis a referência: "Estava desinquieto. Sentiu vagamente a necessidade de ler alguma coisa mais divertida que a seção cômica do jornal. Subiu ao quarto de Verona (filha), sentou-se no virginal leito azul e branco trauteando e grunhindo no tom de um cidadão sólido enquanto examinava os livros da filha: Rescue, de Conrad, um volume que trazia o título singular de Figuras de Terra, contendo poesias (extravagantes, disse Babbitt consigo) de Vachel Lindsay, e ensaios de H. L. Mencken - ensaios sumamente inconvenientes, que metiam a ridículo a Igreja e todas as coisas decentes. Nenhum dos livros lhe agradou". Página 308.
O Diário de H. L. Mencken. Edição de Charles A. Flecher. Tradução Bento Lima.
De Mencken (1880-1956) eu já tinha lido O livro dos insultos e como tenho em minha biblioteca outro livro seu - O Diário de H. L. Mencken, me dei à curiosidade de conhecer algo mais e encontrar as inconveniências e ridicularizações que C. S. Lewis, ironicamente atribuíra ao autor. Devo ter comprado o livro numa grande liquidação e procurei lê-lo quando da leitura de O livro dos insultos, mas não me atraiu tanta atenção. Agora o retomei e tomei fôlego.
Verifiquei a sua estrutura. Um diário. As datas limítrofes eram os anos de 1930 a 1946. Já sabia da fama do escritor e como o período retratado é de grande interesse, mergulhei na leitura. Devo confessar que ela não correspondeu a toda a minha expectativa. Sabia que ele era ferrenho adversário de Roosevelt e da política do New Deal e esperava que ele analisasse criticamente esses anos pós crise de 1929 e os anos da Segunda Guerra Mundial. O livro tem peculiaridades que precisam ser sabidas. Na capa, além do título, temos a anotação de que o livro foi editado por Charles A. Flecher. Será ele também o autor de um esclarecedor prefácio. Depois que ele apresenta o autor e sua obra ele assim se refere aos diários:
"Finalmente havia o diário. Quando o começou em 1930, manteve-o com regularidade, mas depois da morte de Sara (a esposa), por vários anos, tocava-o raramente e, mesmo quando o retomou, o fez de modo intermitente. Foi no início dos anos 40 que voltou a escrever nele com regularidade e de modo sistemático. Em 31 de dezembro de 1943, assinalou que apenas os registros daquele ano superavam 65 mil palavras, 'o equivalente a um livro de bom tamanho'. É claro que, também, o diário - quase sempre no tom direto e sem-cerimônia, que o caracterizava - tratava de pessoas que ainda estavam vivas e, mais uma vez, preocupou-se em não ferir ninguém. Ordenou que fosse lacrado por 25 anos depois de seu falecimento". Foi quando a edição veio a público.
Como um notável homem de imprensa, com um desgosto profundo assistiu a superação dos jornais pelo rádio, instrumento que, segundo ele, era dirigido para retardados mentais. Nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, mostrou-se implacável contra a política do New Deal e contra a entrada dos Estados Unidos na Guerra. Vejamos uma anotação sua, datada de 2 de novembro de 1944: "... Contudo, de modo geral, dificilmente sou afetado pelo enorme esforço de salvar a humanidade e de arruinar os Estados Unidos". Ele era absolutamente conservador e considerava como o melhor governo a sua inexistência. Era descendente de alemães e considerava um erro, o fato de o seu avô ter migrado para os Estados Unidos.
O livro é longo, são 574 páginas. Creio que a metade é dedicada a queixas sobre estados de saúde, quando não os seus, os de seus amigos. Quase outro tanto é dedicado a reuniões de trabalho de editores e jantares com os homens do mundo editorial, onde era uma pessoa de enorme influência. A ironia crítica está onipresente em suas anotações, em que a mediocridade da escrita é a anotação mais constante. Todos os grandes escritores do período fazem parte de seu diário, entre eles, com grande destaque, C.S. Lewis, de quem era grande amigo.
Vou transcrever duas passagens do ano de 1945, para ver um pouco da tonalidade da obra. A primeira é a sua visão dos Estados Unidos como a Pátria das liberdades: "Nestes dias que correm, até meu vocabulário é proibido. Não podia nem sequer mencionar Roosevelt, Churchill nem qualquer outro embusteiro sem ter de enfrentar um ataque violento, marcado por golpes baixos. A ideia tão difundida de que a liberdade de discurso prevalece nos Estados Unidos sempre me fez gargalhar" (página 449). Na outra ele descreve o fim da guerra:
"Na noite de ontem (ele escreve no dia 15 de agosto de 1945), quando se anunciou o fim da guerra, estava em meu escritório, trabalhando em minhas memórias nos dias de revista. As primeiras notícias do fato chegaram através dos sinos das igrejas. Até as freiras da Casa do Bom Pastor tocaram seu sino, embora apenas brevemente. Era 7:05 da noite. O barulho continuou intermitente por duas horas, com os debiloides andando em seus carros e tocando suas buzinas. às 8h50 fui até a esquina das ruas Baltimore e Gilmor (Ele morou a vida toda na cidade de Baltimore) para colocar algumas cartas na caixa do correio. Algumas dúzias de migrantes do campo, sulistas e gentalhas do gênero, estavam reunidos em grupos de esfarrapados, mas não faziam barulho...". Ele era acusado de nazista e de racista, fato negado pelo editor.
Não podia deixar de mencionar uma frase sobre Nietzsche e uma opinião sobre Freud. Como a de Freud é bem curtinha, começo por ela: "Adolf Meyer, diretor do Instituto Phipps, falou sobre livros de sexo em sua biblioteca com grande desdém. Guardava-os numa prateleira junto com livros a respeito de Freud e outras charlatanices do gênero" (página 154). A anotação sobre Nietzsche data de 15 de outubro de 1944. "Hoje completa-se o centenário de nascimento de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Caso seja lembrado em algum lugar da América será porque era um sujeito nocivo e inventor de todas as diabruras de Hitler. Não consigo ver muita esperança para este grande país cristão. Por toda minha vida, assisto sua sistemática decadência e, ultimamente, o ritmo acelerou-se com rapidez" (página 422).Vejamos ainda as orelhas do livro:
..."O diário de H. L. Mencken, por expresso desejo seu, foi mantido em sigilo nos cofres da Biblioteca de Enoch Pratt de Baltimore, durante vinte e cinco anos depois de sua morte. O diário cobre os anos de 1930 a 1948 e proporciona um retrato vivo, autêntico e, às vezes, até chocante do próprio Mencken, de seu mundo, de seus amigos e antagonistas, dentre os quais aparecem personagens como Theodore Dreiser, F. Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis, William Faulkner e até Franklin D. Roosevelt, por quem Mencken nutria um ódio especial que resultou em espetaculares e celebrados atos de ataques injuriosos.
Charles A. Flecher, estudioso de Mencken, trabalhou o manuscrito datilografado com mais de duas mil páginas, que agora se publicam, e fez uma generosa seleção de registros cuidadosamente escolhidos para que se preservasse toda a amplitude, o colorido e o impacto do diário. Aqui, em toda sua plenitude. Mencken surge como um observador ímpar e como perturbador da sociedade americana. Aparece também como ser humano com seus impulsos contraditórios: o cético preso a pequenas superstições, o destemido guerreiro que era um obcecado hipocondríaco, o marido apaixonado e o amigo generoso que, infelizmente, era um intolerante".
E, como foi Babbitt que me fez retomar o livro, deixo aqui a resenha.
E também o seu livro O livro dos insultos
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.