terça-feira, 30 de julho de 2024

JESUS MILITANTE. O Evangelho e projeto político do REINO DE DEUS. Frei Betto.

Conheço o frei Betto de longo tempo. Desde a formação de quadros políticos em Cajamar (S.P.). Tenho por ele profunda admiração. Inclusive li o Livro da vida, de Santa Tereza D'Ávila, livro ao qual, ele dizia para nós, sempre recorria em momentos de dúvida, de angústias existenciais ao longo de sua vida. Há um ano, mais ou menos comprei o seu Jesus militante - Evangelho e projeto político do REINO DE DEUS. Não o li de imediato. Deixei-o numa lista de espera.

Jesus militante. Frei Betto. Vozes. Petrópolis. 2022.

Na semana passada terminei de ler Zelota - a vida e a época de Jesus de Nazaré, de Reza Aslan. Aslan é historiador e com o seu livro nos pretende mostrar o Jesus histórico, o Jesus que viveu na Palestina, sob o duplo domínio do Império Romano e dos Sacerdotes do Templo de Jerusalém. O livro, numa indicação de seu conteúdo, tem uma epígrafe bem ilustrativa: "Não pense que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada". Ele fala muito do projeto do Reino de Deus. Creio que já perceberam porque eu emendei a leitura de Zelota, com o livro de frei Betto. Não precisa nem abrir o livro para encontrar a resposta. Basta ver o título e o sub título. Jesus militante - Evangelho e projeto político do REINO DE DEUS. 

Na contracapa de Jesus militante encontramos a síntese do teor e da finalidade do livro: "Frei Betto escreveu este livro àqueles que se queixam de não compreender os evangelhos e não entender o caráter militante da missão de Jesus. Daí a escolha do Evangelho de Marcos, o primeiro dos quatro, e a base dos relatos de Mateus e Lucas.

Jesus não veio fundar o cristianismo ou a Igreja. Veio nos propor um novo projeto político, condensado na expressão REINO DE DEUS - uma sociedade apoiada em dois pilares: nas relações pessoais, o amor; nas sociais a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano". Nas orelhas encontramos mais: 

"Escrevi Jesus militante a partir de minhas convicções sobre a missão do Filho do Homem. Os evangelhos sempre me intrigaram. Não são relatos históricos. Foram escritos para animar a fé das primeiras comunidades cristãs. Mas se baseiam em fatos reais. Embora contenham 'adaptações' de episódios do Primeiro Testamento.

A vida de Jesus foi marcada pelo conflito. Seus pais Maria e José - sofreram perseguição do Rei Herodes e se viram obrigados a se exilar no Egito. Seu primo e precursor, João Batista, morreu assassinado por ordem do governador da Galileia, Herodes Antipas. Jesus rompeu com o poder religioso do Templo de Jerusalém. Foi um dissidente. Criticou o Império Romano por ocupar a Palestina. Considerado subversivo, o prenderam, torturaram, submeteram ao julgamento de dois poderes políticos e o condenaram à morte na cruz. Ousou, dentro do reino de César, anunciar um novo projeto civilizatório: o Reino de Deus.

Escolhi o Evangelho de Marcos por ser o relato mais próximo do Jesus histórico. E o que melhor descreve o Jesus humano. Em anos de pesquisas, convenci-me de que Jesus não veio fundar uma religião (o cristianismo) nem uma Igreja (a cristã). Veio resgatar o projeto original de Deus para toda a humanidade, fundado no amor e na partilha. E o fez a partir do que, séculos depois, inspiraria a pedagogia libertadora de Paulo Freire: o protagonismo dos pobres e oprimidos.

A atuação militante de Jesus ecoou como uma boa-nova. Suscitou Comunidades Eclesiais de Base por toda a orla do Mediterrâneo. E, três séculos depois, pôs abaixo o Império Romano.

A institucionalização do movimento de Jesus em uma Igreja vinculada ao poder e apegada a seu vasto e rico patrimônio arrefeceu o impacto da militância de Jesus. Fora da massa, o fermento perdeu parte de sua força revitalizadora.

Ora, não é nos sacrários, que Jesus quer ser preferencialmente encontrado. E sim naqueles que, como Ele, são marginalizados, excluídos, injuriados e injustamente condenados. São eles os artífices do projeto libertador condensado na expressão Reino de Deus.

Espero que este livro suscite nos leitores e nas leitoras a mesma esperança e o mesmo vigor do Jesus militante". Algumas coisas para sublinhar: O Jesus como uma figura histórica; o duplo domínio sobre os judeus, pelo Império Romano, em aliança com os sacerdotes do Templo; o Templo como uma forte organização econômica; os constantes conflitos e tentativas de libertação dos judeus do jugo romano; e o projeto do reino de Deus, com libertação do jugo da dominação, seja de quem for. E os dois fundamentos: o amor nas relações pessoais e nas sociais a partilha dos bens originários do trabalho, para o estabelecimento de uma sociedade justa e de igualdade. Frei Betto destaca também a emancipação feminina do jugo patriarcal para o estabelecimento do Reino. 

Como já foi enunciado, a base para apresentar o Jesus militante é o Evangelho de Marcos, escrito em Roma, por volta do ano 70 d.C. Nesse tempo o Templo foi destruído pelo Império, para conter uma rebelião popular. E como diz frei Betto, a finalidade da escrita era para animar a fé das comunidades cristãs que estavam se formando entre os gentios. Foi o primeiro Evangelho escrito, sendo assim o mais próximo do tempo de Jesus.

Jesus militante ao seguir o relato de Marcos, de 16 capítulos, tem ele também os mesmos16, como verifiquei na Bíblia que tenho aqui em casa, da Editora Ave Maria, que adquiri, ainda nos meus tempos de seminário. Ao todo são 201 páginas. O livro também ajuda a compreender o porquê de nem todos os cristãos aceitarem essa mensagem do Reino. Ela serve para as mais diversas interpretações, como destaca o frei, na Introdução:

"Ninguém é mais controverso na história humana do que Jesus de Nazaré. nele se apoiam os fundamentalistas cristãos dos EUA, que defendem a índole imperialista da Casa Branca, e os militantes das Comunidades Eclesiais de Base da América Latina, de cuja prática brotou a Teologia da Libertação. Jesus é evocado por pastores neopentecostais que atribuem ao diabo mais poder do que a Deus, e por sacerdotes católicos que, em nome dele, condenam o capitalismo como intrinsecamente injusto". Ao longo do Livro, Betto também relata momentos de sua militância política e as condenações que sofreu em consequência.

Apresento também a resenha do livro de Reza Aslan, sobre o Jesus histórico que ele nos apresenta em Zelota. Ressalto porém a diferença entre os dois livros. Jesus militante nos é apresentado por uma pessoa religiosa e Zelota, por um historiador. Segue a resenha:

  http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/07/zelota-vida-e-epoca-de-jesus-de-nazare.html

terça-feira, 16 de julho de 2024

ZELOTA. A vida e a época de Jesus de Nazaré. Reza Aslan.

Há muito eu ouvia falar do livro Zelota - A vida e a época de Jesus de Nazaré, do historiador iraniano, radicado nos Estados Unidos. Quem mais dele me falava era o meu amigo Valdemar Reinert, um estudioso apaixonado pela tema da religião. Agora foi o livro da vez. O li de um só fôlego. Embora eu tenha toda uma vida de formação religiosa, adquirida nos seminários de Bom Princípio, Gravataí e Viamão, todos no Rio Grande do Sul, pude constatar o quão pouco realmente sabemos sobre a figura histórica de Jesus e da implantação do cristianismo, seguramente uma religião que pretendeu ser universal. Será que era esse mesmo, o projeto de Jesus de Nazaré? 

Zelota - A vida e a época de Jesus de Nazaré. Reza Aslan. Zahar. 2013. 9ª reimpressão. Tradução: Marlene Suano.

Antes de entrar na questão da análise do livro, apresento as orelhas: "Uma biografia fascinante e provocadora que desafia nossa compreensão do homem Jesus de Nazaré e de sua época.

Dois mil anos atrás, um pregador judeu atravessou a Galileia realizando milagres e reunindo seguidores para estabelecer o que chamou de 'Reino de Deus'. Assim, lançou um movimento revolucionário tão ameaçador à ordem estabelecida que foi capturado, torturado e executado como um criminoso de Estado. Seu nome era Jesus de Nazaré. Poucas décadas após sua morte, seus seguidores o chamariam de 'o filho de Deus'.

Com uma prosa envolvente, baseada em pesquisa meticulosa, o escritor e especialista em religião Reza Aslan mergulha na turbulenta época em que Jesus viveu, reconstruindo com maestria a Palestina do século I em busca do Jesus histórico. Ao fazê-lo, encontra um rebelde carismático que desafiava as autoridades de Roma e a alta hierarquia religiosa judaica - um dos chamados zelotas, nacionalistas radicais que consideravam dever de todo judeu combater a ocupação romana.

Comparando o Jesus dos Evangelhos com o das fontes históricas, Aslan descreve um homem cheio de convicções, paixão e contradição; e aborda as razões porque a igreja cristã preferiu promover a imagem de Jesus como um mestre espiritual pacífico em vez de revolucionário politicamente conscientizado que ele foi.

Em uma narrativa de tirar o fôlego, Zelota oferece uma nova perspectiva sobre aquela que talvez seja a história mais extraordinária da humanidade, e afirma a natureza radical e transformadora da vida e da missão de Jesus de Nazaré".

Instigante? Intrigante? Ao longo de toda a minha formação religiosa eu sempre recebi tudo pronto. Religião é uma questão de fé e, na dúvida entre a fé e a razão, agostinianamente sempre ficávamos com a fé. Assim éramos preparados para exercer a função de manter viva essa fé, no caso, a sua versão católica. A verdade nos foi revelada. A Bíblia é a palavra de Deus e Jesus é o próprio filho de Deus. Tudo envolto em mistérios. Os mistérios da fé. O livro de Aslan nos traz a história, nos traz a construção de uma narrativa, nos traz as contradições encontradas na própria Bíblia e no confronto com as fontes históricas.

Em suma, se em poucas linhas eu tivesse que sintetizar o livro eu faria o seguinte esforço: Jesus, nascido em Nazaré, era um judeu e abraçava uma versão de uma parte de seu povo, os zelotas. Os zelotas pregavam o "Reino de Deus", livres do jugo romano, mantido em uma aliança com os sacerdotes do Templo. Jesus os afrontou e foi condenado e executado ao modo romano (a crucificação). Jesus teve discípulos. Uns, sediados em Jerusalém, seguiam Tiago, o irmão de Jesus. Seguiam a Torá. Outros se helenizaram, ocupando as principais cidades do Mediterrâneo. Estavam dispostos a aceitar flexibilizações à lei judaica e eram comandados por Paulo. Com a morte de Tiago, Roma ganhou ascendência sobre Jerusalém como sede do cristianismo. Ali Tiago já havia instalado Pedro como o chefe de seu grupo. Paulo chega depois e procura tornar o cristianismo adaptável aos gentios (aos não judeus). Paulo transforma a religião, retirando dela o caráter revolucionário e de justiça social que os zelotas lhe tinham imprimido e cola em Cristo o seu caráter divino e conciliador. Com a destruição de Jerusalém (ano 70 d. C.) Roma se torna o centro do cristianismo e este se afirma com Constantino e o Concílio de Niceia. Este estabeleceu a ortodoxia da natureza divina de Jesus e transformou o cristianismo em religião de Estado. Paulo triunfou?

Essas polêmicas entre os seguidores de Tiago e Paulo nos foram muito bem ocultados. No epílogo, o autor nos lembra que o cristianismo para se afirmar, além de Niceia, também definiu no ano de 398 d.C., em Hippo Regus (atual Argélia) os 27 livros que comporiam o Novo Testamento. Mais da metade são livros de Paulo ou dele falam (p.233).

Creio que ainda precisamos definir quem eram os zelotas. Vamos ao autor: "Muitos judeus na Palestina do século I se esforçaram para viver uma vida de zelo, cada um à sua própria maneira. Mas houve alguns que, a fim de preservar os seus ideais zelosos, estavam dispostos a recorrer a atos extremos de violência se necessário, não apenas contra os romanos e as massas não circuncidadas, mas contra os compatriotas judeus, aqueles que ousaram se submeter a Roma. Eles foram chamados de zelotas" (p. 65).

A frase em epígrafe reflete esse espírito zelota: Não pense que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada (Mateus 10:34). O livro, de 303 páginas, contém um mapa da Palestina do século I, do Templo de Jerusalém, de nota do autor, introdução, cronologia, o corpo do livro dividido em três partes, epílogo, notas e referências. Vou me ater às três partes. Cada uma delas tem um prólogo. Ao todo são quinze capítulos. Vamos ás partes e e aos respectivos capítulos:

Parte I: Prólogo: Um tipo diferente de sacrifício (uma descrição do Templo, sua estrutura e os sacrifícios); 1. Um buraco no canto (Jerusalém para o Império Romano); 2. Rei dos judeus (o domínio romano e a busca da libertação); 3. Vós sabeis de onde venho (Jesus de Nazaré - Belém - fuga para o Egito?); 4. A quarta filosofia (Nazaré - carpinteiro - Séforis - família e a filosofia dos zelotas); 5 Onde está sua frota para varrer os mares romanos? (Pilatos e Caifás - As rebeliões - os sicários - o Zelo); 6. Ano Um (O povo de Deus e a sua destruição (70 d.C), o arrefecer das lutas do Povo de Deus).

Parte II. Prólogo: Zele por sua casa (a vida pública, entrada em Jerusalém, o Templo - um covil de ladrões, os tributos, a prisão e a execução).7. A voz clamando no deserto (João Batista e o anúncio do reino, o batizado de Jesus); 8. Segui-me (A Palestina sob o Império Romano, 12 tribos, doze apóstolos, Caifás, o maior inimigo, os milagres e a fama). 9. Pelo dedo de Deus (um exorcista em Cafarnaum, o dedo de Deus que cura). 10. Que venha a nós o teu Reino (Um convite para todos, o Pai nosso, os zelotas e não princípios éticos abstratos, não ao domínio romano). 11. Quem vós dizeis que sou? (Tu és o Messias? "Eu o sou".  De zelota a celestial e divino). 12. Nenhum rei senão César (A prisão, Caifás e Pilatos, a condenação por Pilatos, a morte romana pela crucificação).

Parte III. Prólogo: Deus feito carne (A ressurreição. Estevão, o primeiro mártir. O homem-Deus. Saulo-Paulo. A reinterpretação helenística. De zelota a um deus romantizado. Tiago X Paulo. A abertura para um Deus global). 13. Se Cristo não foi ressuscitado (Duas correntes: a de Jerusalém - Tiago, Pedro e João e a helênica - Paulo. A grande transformação; de religião nacional para uma religião global. Paulo e a conversão dos gentios). 14. Não sou eu um apóstolo? (De Saulo a Paulo. De judeu a helenista. Os confrontos entre Tiago e Paulo. Pedro e Paulo em Roma). 15. O Justo (Tiago. Oposições com Paulo. A fé e as obras. Depois do ano 70 d.C., - de Jerusalém a Roma. A partir dos séculos III e IV, o domínio de Paulo. Do Jesus Zelota a Jesus de Nazaré). 

Epílogo: Deus verdadeiro de Deus verdadeiro (325 d.C. - O Concílio de Niceia. Constantino, o primeiro imperador cristão. A ortodoxia em torno da natureza de Deus. A construção do Novo Testamento - Hippo Regius - 398 d.C. - O triunfo de Paulo). Deixo ainda o último parágrafo do historiador:

"Dois mil anos depois, o Cristo da criação de Paulo totalmente subjugou o Jesus da história. A memória do zelota revolucionário que atravessou a Galileia reunindo um exército de discípulos com o objetivo de estabelecer o Reino de Deus na terra, o pregador magnético que provocou a autoridade do sacerdócio do Templo em Jerusalém, o nacionalista judeu radical que desafiou a ocupação romana e perdeu, ficou quase completamente perdida para a história. Isso é uma pena. Porque a única coisa que qualquer estudo abrangente sobre o Jesus histórico deveria ter esperança de revelar é que Jesus de Nazaré, Jesus, o homem, é tão atraente, carismático e louvável como Jesus, o Cristo. Ele é, em suma, alguém em que vale a pena acreditar" (p. 233). Um caminho aberto para um cristianismo conservador.

O próximo desafio será a leitura de Jesus militante - Evangelho e projeto político do Reino de Deus, de Frei Betto, que, como já verifiquei na bibliografia, não inclui Zelota na sua relação. 

domingo, 14 de julho de 2024

INQUISIÇÃO - O reinado do medo. Toby Green.

Há muito que eu desejava ler algo mais substancial sobre o tema da Inquisição. Numa propaganda das redes sociais, me deparei com um título: Inquisição - O reinado do medo, de Toby Green. Conferi na Estante Virtual e encontrei um exemplar disponível no Sebo Kapricho II, aqui de Curitiba. Fui lá. O exemplar, inclusive estava mais barato do que o enunciado. Por óbvio, não reclamei. Com certeza, adquiri um belo e valioso livro. 
Inquisição - o reinado do terror. Toby Green. Objetiva. 2011. Tradução: Cristina Cavalcanti.

Na contracapa, um enunciado aterrador. A Inquisição foi e continua sendo inspiração. Ela insiste em permanecer, embora sob diferentes formas, sempre tenebrosas: "Inquisição: O reinado do medo conta uma história vasta que, embora conhecida, é também surpreendente e estranha O terror inquisitorial na Ibéria e nas suas colônias é um assunto familiar, mas bem menos exploradas são a propagação desse terror aos quatro cantos do mundo e sucessivas mudanças de alvo de acordo com o teor dos tempos, prenunciando o totalitarismo moderno".

Nesse sentido, fascismo, nazismo, os regimes de Franco e de Salazar são todos herdeiros da nefasta Inquisição. Como também o regime de Pinochet no Chile e as ditaduras militares da América Latina, inspiradas na Ideologia da Segurança Nacional. Todos esses movimentos têm nela a sua mais remota inspiração. Assim também o racismo e o MCarthismo se inspiraram em seus horrores. Também o permanente autoritarismo que paira sobre o Brasil, num eterno espírito golpista. Inimigos, se não os há, uma fértil imaginação sempre os poderá inventar e reinventar, criar e cultivar. Na Inquisição, as vítimas foram os convertidos (cristãos novos), os luteranos, os mouros, os cristãos velhos. Afinal, todos, com ou sem culpa. Culpa do que? Motivos sempre foram encontrados, mesmo que os autores os ignorassem. Eles os confessavam, nunca no entanto, espontaneamente. Sempre sob tortura.

O livro é longo e denso. Possui glossário, cronologia e prólogo, seguidos por 14 capítulos, um sem fim de notas e uma rica bibliografia. São 463 páginas. Os capítulos têm títulos bastante ilustrativos. Eu os apresento, junto com alguma explicitação a mais: 1. O fim da tolerância: O medo como uma forma de vida na Espanha, em meio a sua grande e rica fusão cultural. Torquemada. 2. O fogo se espalha: Portugal é atingido, havendo conversões em massa. 3. Justiça torturada: A tortura: aperfeiçoamento dos métodos e o prazer sádico dos torturadores. 4. Fuga: a expansão para as colônias. Os indígenas e a escravidão; protestantes e piratas ingleses. 5. O inimigo interno: um conceito de inimigo. Fugas - sempre por culpa, nunca por medo. A Espanha e as crises com a Holanda. Os seguidores de Erasmo.

6. O terror envolve o mundo: México e Peru. Os protestantes ingleses, a comunidade judaica de Amsterdã. 7. A ameaça muçulmana: os mouros como alvo: Granada e Valência; as permanentes desconfianças. 8. Pureza a qualquer custo: poderia haver pureza em tamanha fusão racial e cultural?   As exigências para a ocupação de cargos; as burlas. A pureza racial como fonte de racismo. 9. Todos os aspectos da vida: Uma sociedade de espionagem. Nunca foi apenas uma instituição religiosa. O medo e a estagnação da criatividade. 10. A administração do medo: O monopólio da punição e do perdão. Os abusos de poder e a corrupção financeira e sexual. Sequestro de bens. Seu poder de autodestruição. A expulsão dos mouros, a crise econômica espanhola com a destruição de seus alicerces.

11. A ameaça do conhecimento: A imposição do silêncio aos eruditos; atraso e declínio como consequência. Montaigne, sua ascendência judaica; seus familiares de Saragoça; o início da filosofia do ceticismo. A inquisição e a oposição a uma visão científica de mundo. O livro - sempre o maior inimigo. "A verdadeira importância da Inquisição não reside tanto nas horríveis solenidades dos autos de fé nem nos casos de algumas vítimas célebres, e sim na influência silenciosa que sua obra incessante e secreta exerceu entre as massas e nas limitações que impôs ao intelecto espanhol" (p. 300). O declínio e a paralisação econômica e intelectual. A cultura, sempre a maior vítima. Creio que perceberam a importância e a beleza desse capítulo. 12. A sociedade neurótica: a ação das beatas, as noivas de Cristo. Os padres confessores ou acossadores; as praticas sadomasoquistas. Os exorcismos. O início do desmoronamento. 13. Paranoia: A França - um dos berços do iluminismo e os franco maçons; os novos alvos. Portugal sob Pombal. Pombal e os jesuítas. A luta travada contra o iluminismo. 14. O fracasso do medo e o medo do fracasso: A Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. A liberdade de imprensa. O fim da Inquisição na Espanha e em Portugal.

Creio que perceberam que a Inquisição na península Ibérica é um fenômeno dos séculos XV, XVI e XVII, que conheceu sua decadência com a ascensão das ideias do ceticismo e do iluminismo. Foi uma das mais tenebrosas instituições e representou a soma do poder político e religioso, de consequências desastrosas e infinitas, ainda não extirpadas de todo em nossos tempos. Somos todos herdeiros da Inquisição. Deixo ainda os dois parágrafos finais do livro:

"Pobre Península Ibérica! Portugal e Espanha, antigas sedes dos maiores impérios do mundo, estavam arruinados. Havia divisões por toda parte. A Inquisição tentara produzir uma ideologia unificada e perseguiu as ameaças quando e onde as encontrou, mas só conseguiu presidir o declínio imperial. Não se pode dizer que a perseguição ao inimigo tenha contribuído para a prosperidade ou para melhorar a vida do povo. Ela resultou em repressão e frustração. Da frustração brotou a raiva, e dela o rancor mútuo.

O cenário para uma amargura crescente estava montado. Com o tempo, as divisões produziriam o terrível conflito da Guerra Civil Espanhola e o antagonismo entre conservadores e liberais que antecedeu o regime de Salazar, em Portugal. O inimigo nunca desapareceu. A Inquisição ajudou a persegui-lo, mas, como consequência, a divisão que se produziu ficou mais larga do que um oceano. A paranoia em Portugal e na Espanha transformou a prosperidade em decadência. Foram a intolerância da sociedade imperial e a perseguição às ameaças ilusórias que carregaram seu próprio império pelos arroios melancólicos do esquecimento" (p. 388).

Devo ainda dizer que o autor é inglês, nascido em Londres, no ano de 1974. É filósofo, formado em Cambridge. Vive na Inglaterra. Inquisição - o reinado do medo é também um belo livro de história e que te proporciona uma viagem, não tão agradável pelas principais cidades da península.

E um pouco sobre os judeus e a inquisição no Brasil, nesse belo livro do Lira Neto.




segunda-feira, 8 de julho de 2024

A mente de Adolf Hitler. Walter C. Langer.

A curiosidade aguçada pelo "momento cultural" de O é da coisa, do Reinaldo de Azevedo, me levou a esse livro. Me parece óbvio que o tema que envolve a construção da personalidade de Hitler sempre foi, é e será revestido de enorme curiosidade. Como é que alguém conseguiu chegar ao ponto, ou ao grau de loucura, a que ele chegou. Estou falando do livro A mente de Adolf Hitler - o relatório secreto que investigou a psique do líder da Alemanha nazista. O autor é o psicanalista estadunidense Walter C. Langer. O seu trabalho foi uma encomenda do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) o órgão que antecedeu a CIA nos Estados Unidos. A encomenda é datada do ano de 1943.

A mente de Adolf Hitler. Walter C. Langer. LeYa, 2018. Tradução: Carlos Szlak.

Sem delongas vou à contracapa, para apresentar uma pequena síntese do livro: "Este livro que você tem em mãos é o histórico relatório feito durante a Segunda Guerra Mundial - enquanto Hitler ainda estava vivo -, fruto de profundas investigações para compreender quem era de fato o maior líder nazista que já existiu. Mantido como documento confidencial por quase um quarto de século, este estudo pioneiro apresenta uma das pesquisas mais fascinantes e reveladoras já feitas em relação aos conflitos inconscientes por trás da ascensão e da queda de Adolf Hitler, que ajuda a tecer a grande teia de eventos da história mundial e nos faz refletir como surgem mentes como essa". O seu autor, volto a repetir, é o psicanalista Walter Langer.

O que mais me impressionou? Os dados de sua infância, adolescência e juventude, basicamente passados na Áustria, que ele aprendeu a odiar, até a sua chegada em Munique, na Alemanha, a Mãe Pátria, que ele aprendeu a amar. Filho de uma família totalmente desestruturada, onde, para ele, foi fácil reviver ou viver o seu complexo de Édipo particular. O pai era bêbado e violento e a mãe sofredora protegia o filho. Flagrou-os em relação sexual. Na visão de criança, flagrara o pai violentando a mãe. Não seria a sua Mãe-Pátria sendo violentada? O Hitler que viveu na Áustria só colhera fracassos em sua vida. Era descuidado de si e se odiava. A sua vida posterior teria sido uma projeção desse ódio contra alguém ou a algum povo? Lembrando que Hitler nasceu em Branau am Inn, na Áustria, muito próximo da fronteira com a Alemanha (Munique), em 1889. 

Este Hitler alcança seus êxitos em Munique, onde participa da Primeira Guerra Mundial, da qual sai meio chamuscado (temporariamente mudo e cego - teriam sido gases ou distúrbios psíquicos?) mas que lhe proporciona os primeiros meios de exercer os seus dons de oratória junto a outros soldados. Aí começa a sua ascensão e a sua troca de personalidade, de quem pela força, violência e crueldade começa a se impor, em um caminho sem volta. E uma questão: Hitler construiu a Alemanha nazista ou a Alemanha destroçada pela Primeira Guerra e humilhada pelos seus vencedores é que proporcionou a ascensão de tão insólito personagem? Do fracassado Putsch de Munique (1923) segue para a prisão de Landsberg, onde escreve o Mein Kampf.

Com certeza, um personagem extremamente complexo e que, conforme é destacado por Eurípedes Alcântara, prefaciador da edição brasileira, é diagnosticado por Langer como "provavelmente psicopata neurótico, beirando a esquizofrenia". Numa rápida pesquisa Google procuramos um primeiro significado para essas palavras da psiquiatria. Psicopata: padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos do outro; neurótico: reações intensas e instabilidade emocional; esquizofrenia: delírios e alucinações, falas desordenadas e comportamento bizarro e inadequado. Psicoses. É grave.

O livro relatório, de 268 páginas, tem um prefácio de contextualização, escrito pelo jornalista Eurípedes Alcântara, seis partes, notas e referências bibliográficas. As partes são: Parte I. Como ele acredita ser; Parte II. Como o povo alemão o conhece; Parte III. Como seus colaboradores o conhecem; Parte IV. Como ele se conhece; Parte V. Análise e reconstrução psicológica; Parte VI. Seu possível comportamento no futuro. Dessas partes a mais longa e a mais importante é, sem dúvida, a parte V, a de análise e reconstrução psicológica. Muitos dados biográficos coletados no Mein Kampf, em biografias e entrevistas são as fontes do relatório de Langer.

Como demandaria um espaço maior para a resenha de cada capítulo, me atenho a apresentar a síntese das orelhas do livro: "Este relatório é uma fascinante reconstrução psico-histórica que, além de esmiuçar a mente de Adolf Hitler - trazendo desde fatos de seus primeiros anos de vida, das conturbadas relações familiares e amorosas até suas manias, perversões e comportamentos durante a guerra -, nos leva a um grande questionamento: a história é feita por pessoas ou elas são meras personagens dentro de sua força avassaladora? Será que o grande responsável pelo terror do nazismo foi Hitler e sem ele nada daquilo teria acontecido? Ou de qualquer forma a história mundial teria tido esse triste episódio? 

É justamente isso que Walter Langer procura compreender ao longo destas páginas. Sua profunda análise detalha os desvios da complexa personalidade de Hitler capazes de levar milhares de pessoas a colaborarem na execução de planos atrozes contra o ser humano e a criarem um dos períodos mais cruéis da história da humanidade. Afinal, de acordo com a avaliação do psicanalista, com base em seus estudos e nos depoimentos colhidos, não foi só Hitler, o louco, que criou a loucura alemã: a loucura alemã também criou Hitler".

Nesse mesmo sentido, Eurípedes Alcântara também encerra o seu prefácio, com destaque para o insólito personagem: "Sem Hitler, o nazismo poderia muito bem ter alcançado posição política relevante na Alemanha. Mas é impossível imaginar o louco Rudolf Hess, o arrogante Hermann Göring ou mesmo o fanático Joseph Goebels mesmerizando as massas com a mesma eficiência de Adolf Hitler, cuja mente este livro nos oferece na bandeja". 

Como estamos numa fase de recrudescimento da extrema direita fascista, tanto no mundo quanto no Brasil, deixo o essencial do discurso nazista, quando Hitler condena toda a passividade, vista como hostil à vida  e a troca por um ser absolutamente impiedoso como revelam as frases de sua pregação:

"Se um povo quiser se tornar livre, precisará de orgulho, força de vontade, provocação, ódio, ódio e de novo, ódio".

"A brutalidade é respeitada. A brutalidade e a força física. O homem comum só respeita a força bruta e a brutalidade".

"Queremos ser os defensores da ditadura da razão nacional, da energia nacional, da brutalidade e determinação nacionais".

É. A direita fascista não cria, ela apenas copia. Um perigo para o já tão abalado processo civilizatório. Auschwitz já está apagado da memória dos povos. Já não mais apavora ninguém.  



terça-feira, 2 de julho de 2024

CARTA AO PAI. Franz Kafka.

Andei por uma série de leituras que, se assim posso dizer, seriam um tanto depressivas. Não a leitura propriamente, mas sim, os temas abordados. Um realismo de fazer doer e doer muito. Entre essas leituras incluiria Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas e Deixe o quarto como está - ou estudos para a composição do cansaço, de Amilcar Bettega, que, como se lê na contracapa de seu livro, flertava com Kafka. Não custaria continuar por aí. Confesso que comecei a leitura de Carta ao pai, algumas vezes, apenas começava. Dessa vez a empreitada não ficaria pela metade.
Carta ao pai. Franz Kafka. L&PM - Pocket.

Uma pergunta: Carta ao pai é a autobiografia de Kafka? É uma obra de psicologia ou de psicanálise? É um tratado ou um ensaio sobre a autoridade ou sobre o autoritarismo? Creio que a resposta para as três perguntas é: SIM. Ela é uma autobiografia em que Kafka revela a atribulada relação com o seu pai, uma relação profundamente edipiana e é, acima de tudo, um grito agudo de dor e uma manifestação de profunda impotência de um filho diante de um pai autoritário, tirano, medida de todas as coisas. É um jogar na cara todos os estragos havidos e incorporados ao longo de toda uma Erziehung. Um pai autoritário e um filho tímido e inseguro.

Qual foi a razão para isso? Tudo indica que Franz buscava, com a carta, uma reconciliação com o pai. Não obstante nunca ter enviado a mesma a ele. Provavelmente porque sabia da fria recepção que ela teria. Certamente jamais seria lida. Como carta, ela é longa. Foi um manuscrito de mais de cem páginas. Um enfileirar de queixas e mais queixas. Quais foram as principais? O medo, medo presente, inclusive na escrita da carta. Para ti, tudo era simples. Uma vida inteira sacrificada em função dos filhos, para que nada lhes faltasse. Parece que faltou o principal. Afeto. Sempre me escondi de ti e, entre nós, nunca houve uma conversa franca. Algumas citações fortes:

Já nos primeiros parágrafos, logo depois do Lieber Vater.  "Tu me perguntaste recentemente porque afirmo ter medo de ti. Eu não soube, como de costume, o que te responder, em parte justamente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existem tantos detalhes na justificativa desse medo, que eu não poderia reuni-los no ato de falar de modo mais ou menos coerente. E se procuro responder-te aqui por escrito, não deixará de ser de modo incompleto, porque também no ato de escrever o medo e suas consequências me atrapalham diante de ti e porque a grandeza do tema ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento"(p. 17-18)

Quem eu sou? "Naturalmente, não quero dizer que me tornei o que sou apenas através da tua ascendência. Isso seria por demais exagerado (e eu até me inclino a esse exagero). É bem possível que eu, mesmo se tivesse crescido totalmente livre da tua influência, não pudesse me tornar um ser humano na medida em que o teu coração o desejava. É provável que mesmo assim eu me tornasse um homem débil, amedrontado, hesitante, inquieto" (p. 21).

Consequências? "A impossibilidade da relação tranquila teve uma outra consequência, muito natural no fundo: eu desaprendi a falar. Por certo eu não teria sido, sendo outro o contexto, um grande orador, mas sem dúvida teria dominado a linguagem humana corrente e comum. Mas tu me proibiste a palavra desde cedo, tua ameaça: 'Nenhuma palavra de contestação!' e a mão erguida para sublinhá-la me acompanham desde então. Adquiri junto de ti - és, quando se trata  de tuas coisas, um orador excelente - um modo de falar entrecortado, gaguejante, e também isso era demais para ti, de modo que por fim calei, primeiro por teimosia talvez, mais tarde porque diante de ti eu não conseguia pensar nem falar. E uma vez que eras meu educador verdadeiro, isso repercutiu por tudo em minha vida" (p.35).

As tuas armas? "Teus recursos oratórios, eficazes ao extremo e jamais falhos, pelo menos no que diz respeito a mim eram: insultar, ameaçar, ironia, riso malvado e - curiosamente - autoacusação" (p.37).

E a arma da educação pela ironia? "Era ela a que melhor correspondia à tua superioridade sobre mim. Em ti, uma advertência tinha comumente a seguinte forma: 'Não podes fazer isso assim ou assado'? 'Será que isso já é demais para ti'? 'Pra isso naturalmente não tens tempo'? e assim por diante. E cada uma dessas perguntas era acompanhada por um riso irritado e uma cara feia. De certa maneira a gente já se sentia punido antes mesmo de saber que havia feito algo errado" (p.39). E por aí vai.

Creio que até essas páginas (por volta da 40) estão as questões essenciais. Depois Kafka passa a examinar os destroços de sua educação autoritária e de total ausência do diálogo sobre os diferentes setores de sua vida: sobre o seu comportamento na loja, com ele e com os funcionários; sobre a sua religiosidade, de um judaísmo praticado com superficialidade e sem nenhum comprometimento. (Neste particular viveram a transição de uma religião praticada no campo e transferida para a cidade); sobre a sua atividade de escritor, que Kafka tanto prezava, sobre a sua profissão, numa atividade burocrática que ele detestava e, sobretudo, sobre a sua vida sexual e afetiva e que nunca passou da fase de noivado.

O noivado, aliás foi o motivo maior, a razão da escrita da carta. A respeito lemos na contracapa "entre os dias 10 e 19 de novembro de 1919, Franz Kafka, insatisfeito com a fria recepção paterna diante do noivado com Julie Wohryzek, escreveu ao pai, o comerciante judeu Hermann Kafka, uma longa carta - mais de cem páginas manuscritas. Kafka tinha então 36 anos".

A Carta ao pai que eu li é uma publicação da L&PM Pocket, com tradução, prefácio e notas de Marcelo Backes. O seu prefácio é precioso. É uma contextualização da mesma. Desse prefácio, entre o que eu sublinhei, destaquei essa passagem:

"Porém é o pai - um verdadeiro catálogo de seus erros na educação do filho é estendido à frente do leitor - que aparece debruçado em toda a sua inteireza sobre o mapa-mundi, numa imagem que lembra as brincadeiras bem mais tardias de Charles Chaplin com o Grande Ditador; é a sua presença avassaladora que faz o filho proclamar: 'Da tua poltrona, tu regias o mundo' e chamá-lo de tirano, de regente, de rei e de Deus. Há exageros, claro - coisa que o próprio autor  reconhece -, e floreios retóricos. Kafka era advogado, leitor apaixonado das cartas de Kleist, Hebbel, Flaubert, e a objetividade da consideração jamais foi seu forte. Mas há também a luta honesta, típica da obra kafkiana, que Peter Handke detectou num dos aforismos de A história do lápis: 'Percebo que Kafka lutou por cada frase, e sobretudo pela continuação de cada frase'. E estamos lendo uma autobiografia, não há a menor dúvida... Em vez de interpretar a obra a partir do complexo de Édipo, no entanto, o mais interessante talvez fosse interpretar o complexo de Édipo a partir da obra. Ademais, assim como em seus romances, é o próprio Kafka - e Benjamin já o havia constatado - que está o 'centro' de sua obra".

Leitura instigante sob todos os aspectos. Para mim, o que mais me marcou foram os destroços causados pelo autoritarismo na formação da personalidade. Creio que essa marca me veio a partir do momento em que recrudescem no país os projetos ditatoriais com as suas sanhas autoritárias na política educacional com a instituição das nefastas escolas cívico militares. Tempos sombrios. Autor - autoridade - autoritarismos - anulações...

Deixo também resenhas biográficas de Kafka: