Há muito que eu desejava ler algo mais substancial sobre o tema da Inquisição. Numa propaganda das redes sociais, me deparei com um título: Inquisição - O reinado do medo, de Toby Green. Conferi na Estante Virtual e encontrei um exemplar disponível no Sebo Kapricho II, aqui de Curitiba. Fui lá. O exemplar, inclusive estava mais barato do que o enunciado. Por óbvio, não reclamei. Com certeza, adquiri um belo e valioso livro.
Inquisição - o reinado do terror. Toby Green. Objetiva. 2011. Tradução: Cristina Cavalcanti.Na contracapa, um enunciado aterrador. A Inquisição foi e continua sendo inspiração. Ela insiste em permanecer, embora sob diferentes formas, sempre tenebrosas: "Inquisição: O reinado do medo conta uma história vasta que, embora conhecida, é também surpreendente e estranha O terror inquisitorial na Ibéria e nas suas colônias é um assunto familiar, mas bem menos exploradas são a propagação desse terror aos quatro cantos do mundo e sucessivas mudanças de alvo de acordo com o teor dos tempos, prenunciando o totalitarismo moderno".
Nesse sentido, fascismo, nazismo, os regimes de Franco e de Salazar são todos herdeiros da nefasta Inquisição. Como também o regime de Pinochet no Chile e as ditaduras militares da América Latina, inspiradas na Ideologia da Segurança Nacional. Todos esses movimentos têm nela a sua mais remota inspiração. Assim também o racismo e o MCarthismo se inspiraram em seus horrores. Também o permanente autoritarismo que paira sobre o Brasil, num eterno espírito golpista. Inimigos, se não os há, uma fértil imaginação sempre os poderá inventar e reinventar, criar e cultivar. Na Inquisição, as vítimas foram os convertidos (cristãos novos), os luteranos, os mouros, os cristãos velhos. Afinal, todos, com ou sem culpa. Culpa do que? Motivos sempre foram encontrados, mesmo que os autores os ignorassem. Eles os confessavam, nunca no entanto, espontaneamente. Sempre sob tortura.
O livro é longo e denso. Possui glossário, cronologia e prólogo, seguidos por 14 capítulos, um sem fim de notas e uma rica bibliografia. São 463 páginas. Os capítulos têm títulos bastante ilustrativos. Eu os apresento, junto com alguma explicitação a mais: 1. O fim da tolerância: O medo como uma forma de vida na Espanha, em meio a sua grande e rica fusão cultural. Torquemada. 2. O fogo se espalha: Portugal é atingido, havendo conversões em massa. 3. Justiça torturada: A tortura: aperfeiçoamento dos métodos e o prazer sádico dos torturadores. 4. Fuga: a expansão para as colônias. Os indígenas e a escravidão; protestantes e piratas ingleses. 5. O inimigo interno: um conceito de inimigo. Fugas - sempre por culpa, nunca por medo. A Espanha e as crises com a Holanda. Os seguidores de Erasmo.
6. O terror envolve o mundo: México e Peru. Os protestantes ingleses, a comunidade judaica de Amsterdã. 7. A ameaça muçulmana: os mouros como alvo: Granada e Valência; as permanentes desconfianças. 8. Pureza a qualquer custo: poderia haver pureza em tamanha fusão racial e cultural? As exigências para a ocupação de cargos; as burlas. A pureza racial como fonte de racismo. 9. Todos os aspectos da vida: Uma sociedade de espionagem. Nunca foi apenas uma instituição religiosa. O medo e a estagnação da criatividade. 10. A administração do medo: O monopólio da punição e do perdão. Os abusos de poder e a corrupção financeira e sexual. Sequestro de bens. Seu poder de autodestruição. A expulsão dos mouros, a crise econômica espanhola com a destruição de seus alicerces.
11. A ameaça do conhecimento: A imposição do silêncio aos eruditos; atraso e declínio como consequência. Montaigne, sua ascendência judaica; seus familiares de Saragoça; o início da filosofia do ceticismo. A inquisição e a oposição a uma visão científica de mundo. O livro - sempre o maior inimigo. "A verdadeira importância da Inquisição não reside tanto nas horríveis solenidades dos autos de fé nem nos casos de algumas vítimas célebres, e sim na influência silenciosa que sua obra incessante e secreta exerceu entre as massas e nas limitações que impôs ao intelecto espanhol" (p. 300). O declínio e a paralisação econômica e intelectual. A cultura, sempre a maior vítima. Creio que perceberam a importância e a beleza desse capítulo. 12. A sociedade neurótica: a ação das beatas, as noivas de Cristo. Os padres confessores ou acossadores; as praticas sadomasoquistas. Os exorcismos. O início do desmoronamento. 13. Paranoia: A França - um dos berços do iluminismo e os franco maçons; os novos alvos. Portugal sob Pombal. Pombal e os jesuítas. A luta travada contra o iluminismo. 14. O fracasso do medo e o medo do fracasso: A Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. A liberdade de imprensa. O fim da Inquisição na Espanha e em Portugal.
Creio que perceberam que a Inquisição na península Ibérica é um fenômeno dos séculos XV, XVI e XVII, que conheceu sua decadência com a ascensão das ideias do ceticismo e do iluminismo. Foi uma das mais tenebrosas instituições e representou a soma do poder político e religioso, de consequências desastrosas e infinitas, ainda não extirpadas de todo em nossos tempos. Somos todos herdeiros da Inquisição. Deixo ainda os dois parágrafos finais do livro:
"Pobre Península Ibérica! Portugal e Espanha, antigas sedes dos maiores impérios do mundo, estavam arruinados. Havia divisões por toda parte. A Inquisição tentara produzir uma ideologia unificada e perseguiu as ameaças quando e onde as encontrou, mas só conseguiu presidir o declínio imperial. Não se pode dizer que a perseguição ao inimigo tenha contribuído para a prosperidade ou para melhorar a vida do povo. Ela resultou em repressão e frustração. Da frustração brotou a raiva, e dela o rancor mútuo.
O cenário para uma amargura crescente estava montado. Com o tempo, as divisões produziriam o terrível conflito da Guerra Civil Espanhola e o antagonismo entre conservadores e liberais que antecedeu o regime de Salazar, em Portugal. O inimigo nunca desapareceu. A Inquisição ajudou a persegui-lo, mas, como consequência, a divisão que se produziu ficou mais larga do que um oceano. A paranoia em Portugal e na Espanha transformou a prosperidade em decadência. Foram a intolerância da sociedade imperial e a perseguição às ameaças ilusórias que carregaram seu próprio império pelos arroios melancólicos do esquecimento" (p. 388).
Devo ainda dizer que o autor é inglês, nascido em Londres, no ano de 1974. É filósofo, formado em Cambridge. Vive na Inglaterra. Inquisição - o reinado do medo é também um belo livro de história e que te proporciona uma viagem, não tão agradável pelas principais cidades da península.
E um pouco sobre os judeus e a inquisição no Brasil, nesse belo livro do Lira Neto.
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