Se o livro de Márcia Tiburi, Filosofia Prática - ética, vida cotidiana, vida virtual é extremamente sofisticado, o livro de Fernando Savater, Ética para meu filho é extremamente simples. A exemplo de Aristóteles com o seu Ética a Nicômaco, Savater também escreveu seu livro para o seu filho, para o Amador. Amador está na adolescência. Por isso, para que ele tenha a devida compreensão, a linguagem foi bem adequada à idade.
Ética para meu filho. Editora Martins Fontes. 1998.
Ética para meu filho. Editora Martins Fontes. 1998.
Como vou fazer uma fala sobre o tema, retomei o livro de 1998. Muito o utilizei nas aulas de filosofia e ética. A linguagem é simples, mas não houve nenhuma simplificação nos conceitos trabalhados, todos essenciais para bem compreender o que é efetivamente a ética. Conceitos como indivíduo, liberdade, formação humana, relação com o outro e o conceito que dele tem, o respeito que deve fundamentar esta relação e os direitos que se originam a partir desta relação. Afinal de contas, o viver humano se estabelece na convivência. Viver é conviver.
Uma das ideias mais felizes do autor é que, ao final de cada capítulo, cita frases de autores que trabalharam o tema, para estabelecer com eles uma interação. Uma de suas preferências recai sobre Erich Fromm, ao retirar de seu livro Ética e psicanálise várias frases. Também é notável o uso de personagens conhecidas, a título de ilustração, como o bíblico Esaú que, por precipitação, vendeu a sua primogenitura por um prato de lentilhas para o seu irmão, bem esperto por sinal, o cidadão Kane, que com todo o seu poder e fortuna, vivia triste em seu palácio de espelhos, espelhos estes, que apenas refletiam a sua solidão e Ricardo III., que chega a uma triste conclusão sobre o seu estado clínico patológico: "Lançar-me-ei com sombrio desespero contra minha alma e acabarei transformado em inimigo de mim mesmo".
O livro começa, à guisa de introdução, com uma advertência antipedagógica do autor: "Não creio que a ética sirva para solucionar nenhum debate, embora seu ofício seja colaborar para iniciar todos eles..." e, ainda, que "a pobre ética não veio ao mundo para dedicar-se a escorar ou a substituir catecismos". E, junto com a nota antipedagógica, vem também uma advertência: Ela, a ética "é uma parte essencial de qualquer educação digna desse nome". O prólogo vai também, mais ou menos, na mesma direção, da necessidade de abrir a cabeça. O meio é a reflexão.
Para ter uma ideia dos temas, indico o título dos diferentes capítulos: I. O que é a ética?; II. Ordens, costumes e caprichos; III. Faça o que quiser; IV. Dê a si mesmo uma boa vida; V. Vamos, acorde!; VI. Surge o grilo sábio; VII. Ponha-se no lugar do outro; VIII. Muito prazer; IX. Eleições gerais. Com o epílogo vem a última recomendação: "Cabe a você pensar".
O livro é extremamente bem humorado, longe de ser chato, com recomendações, conselhos ou moralismos, bastante comuns, especialmente em livros com viés religioso. Também não há fórmulas para êxitos financeiros ou sucesso nos negócios, como tantos inescrupulosos, com muita falácia o fazem. Muitos autores também confundem a moral com a ética. Savater usa indistintamente os dois termos mas faz a advertência de que são bem distintos. Muitas vezes se situam em campos opostos. A ética jamais terá mandamentos e receituários. Ela sempre brotará da interação entre a reflexão, ação, reflexão.
Fernando Savater. Sempre preocupado com a ética e a educação.
Fernando Savater. Sempre preocupado com a ética e a educação.
Creio que seja fácil ver a abordagem temática nos capítulos: Fundamentos da ética no primeiro, moral e costumes no segundo, liberdade no terceiro, busca da felicidade e o seu significado, no quarto, a formação da consciência, no quinto e no sexto, alteridade no sétimo, os prazeres da vida, em oposição com o medo da morte, no oitavo, onde também a questão da sexualidade tem uma bela abordagem. No nono é vista a relação entre a ética e a política e no epílogo faz uma bela recomendação: "Escolha o que o abra: para os outros, para novas experiências, para diversas alegrias. Evite o que o feche e o enterre". O autor não esconde que o sétimo capítulo é o mais longo e o de maior importância.
Na orelha do livro encontramos algo sobre o autor e para quem a obra seria destinada: "Como falar de ética a adolescentes sem cair na simples crônica das ideias morais ou na doutrinação casuística sobre questões práticas? Este livro não pretende resolver este problema nem ser um manual escolar de moralidade. Procura contribuir, filosófica e literariamente, para colocar da melhor forma essa preocupação. Dirige-se especialmente aos leitores entre quatorze e dezesseis anos e nem tanto aos professores deles. O autor é catedrático de ética do país basco (Espanha)". Da minha parte, porém, eu digo, deve ser lido também pelos professores. Um livro para estes tempos em que se procura vender a ética e a felicidade como se fossem commoditys.