segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Filosofia Prática. Márcia Tiburi.

Há tempos que acompanho Márcia Tiburi. Primeiramente pela revista Cult, depois pelo seu livro Como conversar com um fascista e ainda, por duas palestras suas aqui em Curitiba, uma na UFPR e outra na APP-Sindicato. Nesta fala, na APP-Sindicato, ela falou bastante de outro livro seu, Filosofia Prática. O livro versa, como consta no subtítulo, sobre ética, vida cotidiana, vida virtual. Como tenho pela frente uma fala sobre ética, optei pela leitura deste livro.
300 páginas que integram a ação - reflexão - ação. Incômodo, como olhar diretamente para a luz.

Saramago nos diz que o pensar que não incomoda não é verdadeiramente um pensar e, se este livro teve o objetivo de realmente fazer pensar, isto é, causar profundos incômodos, ele o cumpriu plenamente. Mas o que seria uma filosofia prática, anunciada no título do livro, e por que ela seria efetivamente necessária? Com o livro você terá 300 páginas pela frente para encontrar a resposta. A filosofia prática nada mais é do que a ética. A ética se traduz na ação humana oriunda da reflexão, uma potencialidade perdida pelas amarras produzidas por um mundo, em que o apocalipse já nos atropela. Somar a cada ação humana a riqueza do pensar, do refletir a ação, é a recuperação da ação ou da experiência efetivamente humana. A filosofia prática é uma busca permanente.

Neste sentido a ética não vai ao encontro da moral. pelo contrário, ela é o seu oposto. A moral é feita de códigos prontos que nos são passados pelo discurso, que é a verdadeira morte da linguagem, uma vez que esta se dá pelo diálogo.  A ética implica num encontro do eu consigo mesmo, no encontro deste eu com o outro, encontro que começa pela linguagem e que implica no conviver com o outro. Márcia Tiburi, ao falar da linguagem, lhe acrescenta um adjetivo, a linguagem poética. Num outro livro de ética li, que comer e procriar é muito pouco para uma vida. Seria a ausência do poético.
Márcia Tiburi na UFPR, no curso de direito.

O livro é estruturado em um prefácio, quatro capítulos e um posfácio. O prefácio tem uma espécie de título assim posto, da ética à etico-poética. O primeiro capítulo se ocupa da questão de como me torno quem sou? O segundo capítulo se volta para o outro O que estou fazendo com os outros? O terceiro capítulo versa sobre a interação entre o eu e o tu, do como viver junto? O quarto capítulo versa sobre uma questão extremamente atual, sobre ética e cotidiano virtual.

A própria Márcia fala da temática do livro, quando no quarto capítulo, fala dos problemas que a ética enfrenta no mundo da internet: "A questão de "como" resolver problemas éticos que surjam no mundo da internet depende do reconhecimento do "que" estamos falando e fazendo e, sobretudo, dos processos éticos como processos de recorrente questionamento sobre os modos de subjetivação (como nos tornamos o que somos?), dos modos de relação e ação (o que estamos fazendo uns com os outros?) e dos modos de estar e ser, de existir (como viver junto?). Isto é uma verdadeira pequena síntese do livro.
O mais recente livro de Márcia Tiburi. Lançado num momento muito oportuno.

Quais são os grandes temas apresentados? Norval Baitello Júnior, na orelha do livro, nos dá preciosas indicações: "...mas também apresenta as patologias do nosso tempo. E quantas patologias nos afetam a vida! Enumero apenas algumas, para que o caro futuro leitor tenha uma ideia do amplo espectro do pensamento que aqui se apresenta: 'a banalidade do mal', 'a produção social da ignorância e da burrice', 'o empobrecimento da experiência na comunicação de massa', 'o vazio do pensamento', 'o pseudo lazer do hobby e do consumo', 'o poder de matar o outro por desqualificação e apagamento', (este que motiva tanto a corrupção dos nossos políticos, com sua capacidade de apagar os cidadãos por considerá-los menos espertos, ou também o poder das máquinas de governo de sentenciar a morte de milhões por simples entrega nas mãos do chamado mercado)".

Para mim, particularmente me tocaram alguns conceitos como o da banalidade do mal, analisado sob a luz de Hannah Arendt, em seu Eichmann em Jerusalém. Ali se vê que a prática do mal não está apenas reservado a monstros, mas embutido em todos aqueles que ocupam cargos com mandos burocráticos. Portanto, a prática do mal está bem próxima, está às mãos. Também o conceito de vazio do pensamento me tocou. Ele é analisado sob a luz de Adorno e Horkheimer, mostrado essencialmente a partir das nefastas mágicas produzidas pela indústria cultural, como também pela chamada sociedade do espetáculo.
Um autógrafo e um beijo.

Também são notáveis as incursões no mundo da literatura para a ilustração de muitos dos conceitos trabalhados. Ganham notoriedade Graciliano Ramos e o seu Vidas Secas e Kafka com Metamorfose. Homens esvaziados de linguagem.

Os grandes interlocutores do campo da filosofia são os pensadores da Escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer e Benjamin, além de Hannah Arendt, Wittgenstein, Foucault, Vilém Flusser, entre outros. Um livro fundamental para a recuperação do humano e para dar um significado real a uma vida, em tempos tão tristes e plenos de dessignificação, ou de ausência de significado. Um mundo dominado pelas coisas e pelas mercadorias  e voltado para o consumo. Uma vida pobre e destituída de significado busca saídas desesperadas, todas habilmente exploradas no mercado, como as igrejas e a própria psiquiatrização da vida. Um livro para leitores exigentes. Um livro que seguramente não faz parte dos livros da chamada indústria cultural do livro.

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