quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O Jogo das contas de vidro. Hermann Hesse.

Depois de ler, nesta ordem, Demian, O lobo da estepe e Sidarta  do escritor alemão refugiado na Suíça, Hermann Hesse, resolvi enfrentar o volumoso O jogo das contas de vidro, que conferiu ao escritor o Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1946. O livro foi publicado em 1943, em plena segunda guerra mundial, quando o escritor já estava com setenta anos.

Hesse seguramente deve ser um dos autores mais autobiográficos que eu já li. Demian (1919) retrata os seus anos de juventude e se constitui num dos melhores romances de formação que eu já li. O lobo da estepe (1927) mostra o escritor com cinquenta anos, defrontando-se, exatamente, com a idade do lobo. Sidarta (1922) é, se assim podemos dizer e creio que não, o seu livro de pregação, de afirmação dos princípios do hinduísmo. Os três livros são absolutamente maravilhosos. Em 1911 Hesse empreendeu a sua viagem à Índia, país com o qual, via parentesco, tinha grandes afinidades. O escritor foi uma espécie de precursor da cultura oriental na Europa tão fortemente cristã.
A edição da BestBolso de O jogo das contas de vidro.

Ler O jogo das contas de vidro, ou o jogo dos avelórios não é uma tarefa fácil. Precisa ter quase tanta disciplina quanto a cultura hindu exige em seus jogos de espiritualidade e transcendência, pela via da meditação. O Nobel de literatura lhe foi concedido, exatamente, em função deste livro. O espírito rebelde do autor está mais uma vez presente no livro, mesmo que José Servo, o personagem central, pertença a um grupo hermeticamente fechado, altamente hierárquico e ter galgado o mais alto topo desta hierarquia, o que implicava em fidelidade absoluta a princípios.

A sociedade a qual ele pertence é a ordem de Castália. uma comunidade espiritual altamente intelectual e elitizada. É perfeitamente comparável a uma ordem religiosa, seguindo todo o seu rigor e princípios hierárquicos, que só se concretizam pela via da obediência. O longo romance, 668 páginas na edição da BestBolso, relata a biografia de José Servo, um dos integrantes da ordem de Castália. O sobrenome original do alemão, Knecht recebeu, na tradução a palavra servo. Embora o termo esteja correto, me parece que ficou empobrecido.

Não são conhecidas as origens de José Servo. Desde a sua infância ele é incorporado à ordem de Castália, formando-se dentro dos rigores intelectuais desta comunidade. As disciplinas fundamentais desenvolvidas eram a música, a astronomia e a matemática. Estas disciplinas eram instrumentalizadas através de contas de vidros, para facilitar os jogos em sua constituição. Anualmente eram realizados os grandes jogos avelórios, presididas pelo magister ludi, o mestre dos jogos. O Magister ludi tinha função equivalente a do abade, nas ordens religiosas.

O jogo das contas de vidro começa com um ensaio de introdução popular à história em que a comunidade de Castalia e o seu jogo de avelórios são apresentados. Em Castália procura-se desenvolver uma nova linguagem. Logo a seguir começa o livro propriamente dito com a descrição, ao longo de doze capítulos, da biografia do Magister Ludi, José Servo. O livro termina com as poesias e um relato sobre as obras póstumas de José Servo, que remetem a três encarnações anteriores do Magister.

Os doze capítulos da biografia começam com a vocação do biografado mostrando o seu ingresso na ordem e os seus primeiros estudos. Segue com Cela Silvestre, local onde se situava uma das escolas da ordem, na qual os alunos eram preparados para os jogos avelórios, com dedicação especial para a música. Nesta escola José encontra Plínio, um aluno externo, com quem faz longa amizade. A biografia segue mostrando os anos de estudo de Servo, a sua admissão na ordem e um reencontro com Plínio. No quarto capítulo duas ordens, Servo recebe uma missão junto aos beneditinos, procurando uma aproximação com esta ordem religiosa, em muitos pontos semelhante aos que inspiram Castália. Neste capítulo Servo trava longa amizade com o monge Jacobus, uma espécie de diplomata da ordem.

No quinto capítulo A missão, Servo recebe a incumbência de fazer uma aproximação de Castália com Roma, com a igreja. Esses dois capítulos são vistos como uma tentativa de Hesse de voltar as origens religiosas de sua família, embora a sua missão não se concretize. Sela-se, no entanto, uma grande amizade e admiração mútua entre Servo e Jacobus. Muitos questionamentos são feitos e outras tantas dúvidas, que já vieram desde os tempo de amizade com Plínio, surgem na mente do fiel membro da ordem.

No sexto capítulo Servo é elevado à condição de Magister Ludi. O amor fati, um conceito de Nietzsche, o faz aceitar a missão. Neste momento se reavivam as dúvidas de Servo entre pertencer a uma organização e as questões da liberdade individual. Me senti retratado em minhas dúvidas pessoais, na saída do seminário. Cresce em Servo o desejo de abandonar a ordem. Conduz com brilhantismo os jogos avelórios, recuperando o seu antigo prestígio. No cargo, o sétimo capítulo José Servo mostra toda a sua competência na administração de Castália. Crescem também as suas relações com Tugularius, outro membro da ordem, com fortes tendências individualistas.

No oitavo capítulo Os dois polos é mostrada toda uma reaproximação entre entre Servo e Plínio, o aluno externo, que vivia no mundo fora da ordem, mundo ao qual Servo pretende se inserir. São cada vez maiores as dúvidas sobre a permanência em Castália. Com Plínio irá manter um diálogo em que os dois mundos são examinados. Na minha visão o livro atinge nesse momento os seus momentos mais elevados. Segue o capítulo 10, preparativos, em que José planeja a sua saída. A educação de Tito, filho de Plínio lhe abre a perspectiva da saída. A sua decisão é comunicada à ordem de Castália, através de uma Circular, em que todos os motivos são comunicados à hierarquia da ordem, que, no entanto, rejeita o seu pedido.

Aí termina a relação de Servo, o Magister Ludi e presidente dos jogos avelórios com Castália. Inicia então A Lenda. Aí vamos encontrar Servo iniciando o seu trabalho como preceptor de Tito, o filho de Plínio. Belas concepções de educação são explanadas.. Mas a biografia de José Servo termina abruptamente e de forma inesperada, que deixamos para o leitor desvendar. Seguem no livro as poesias de Servo e as suas obras póstumas. É isso. A obra mais importante de um Nobel de Literatura (As palavras em negrito são os títulos dos doze capítulos).

Confesso que gostei mais das obras anteriores do grande escritor. Em O jogo das contas de vidro a narrativa não tem a mesma vivacidade de suas obras anteriores e se travam longas reflexões sobre temas muito restritos e tocados de uma forma extremamente precavida, longe dos arroubos de seus trabalhos anteriores. Obra de fôlego do autor, fôlego este, que também é exigido do leitor.

Uma espécie de pós scriptum: ontem a noite eu saí. Fomos beber e conversar, não necessariamente nessa ordem. Havia no grupo um pessoa que pertencia a duas instituições. As conversas me fizeram entender bem melhor o livro, do quanto as pessoas são enredadas pelas instituições a que pertencem. Elas não permitem a individualização do sujeito, a busca de sua singularidade.



quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Pagador de Promessas. Palma de Ouro em Cannes.

O Pagador de Promessas é uma obra escrita em 1959 como uma peça de teatro. Ela foi encenada pela primeira vez em São Paulo, em 1960, no TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia. Seu autor é o baiano Dias Gomes. Ela foi levada ao cinema, em 1962, pelas mãos do diretor Anselmo Duarte, que também assina o roteiro, junto com Dias Gomes, o seu autor. O filme se notabilizou especialmente em função de ser o único filme brasileiro que recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes.

O prêmio obviamente foi recebido em função de seus méritos, com grande destaque para a temática abordada, a miscigenação brasileira e, em consequência, o sincretismo religioso e, como resposta, a intransigência da igreja católica que insistia em manter o monopólio da fé. Junto com esta temática também é mostrada a fé ingênua do povo simples, as maldades de aproveitadores na exploração deste mesmo povo e, já que usamos a palavra maldade, a maldade da mídia sensacionalista em fazer intrigas e alavancar as vendas do jornal.

A simples curiosidade me levou a rever este filme. Mas tive, com certeza, algumas influências. Primeiramente Jorge Amado, o seu magnífico Tenda dos milagres, com a maravilhosa frase" Há de nascer, de crescer e de se misturar". Também a sua incansável luta em favor da liberdade religiosa que conseguiu inscrever na Constituição de 1946. Na Bahia se misturou tudo: cores, sabores, saberes, sons, hábitos e, acima de tudo, crenças.

Também lembrei de Paulo Freire e o seu magnífico Educação como prática da liberdade, o seu extraordinário capítulo primeiro, sobre a sociedade brasileira em transição. Lembrando que a obra de Dias Gomes foi escrita em 1959 e levada ao cinema em 1962. Não me lembro quando eu o assisti pela primeira vez. Nesses tempos eu vivia protegido destas mundanidades. Eu estava no seminário, donde saí em 1968. Esses tempos eram tempos de profunda agitação política, com Brizola garantindo a volta de Jango, mas que depois tudo ruiu com o golpe de 1964. Eram também tempos de profunda agitação cultural. E eram tempos de reforma agrária.

Bem, vamos ao filme.O roteiro é de extrema simplicidade. Um homem simples, de vida no campo faz uma promessa para Santa Bárbara. Caso seu burro, atingido por um raio, não morresse, levaria uma pesada cruz até a igreja de santa Bárbara, em Salvador, distante de seu sítio uns 40 quilômetros. Fez a promessa num terreiro de candomblé. Também prometeu a divisão de sua terra com o povo pobre do lugar.

Promessa feita é promessa para ser cumprida. Zé do Burro, assim ele era conhecido, junto com Rosa, sua esposa, começa o seu calvário. Os problemas começam com a chegada em Salvador, nas escadarias da igreja da santa, ainda de madrugada e a igreja fechada. Quando padre Olavo fica sabendo que a promessa fora feita em terreiro de candomblé, ele se nega terminantemente a receber Zé do Burro e a sua cruz.

O alvoroço se forma. O cafetão Bonitão vê a beleza de Rosa e a seduz. Zé do Burro concede entrevistas para os jornais de Salvador, que distorcem as suas palavras, transformando-o num agitador político a favor da reforma agrária. O padre Olavo o condena por se apresentar como um novo salvador. Zé do Burro, no entanto, quer apenas cumprir a sua promessa. Pouco entende do que se passa mas nega terminantemente o não cumprimento de sua promessa.

As autoridades se envolvem no caso. A polícia quer prendê-lo, a imprensa o demoniza e o padre leva o caso à alta hierarquia da igreja. Rosa se envolve em confusão com Marly, a amante do cafetão. Quanto mais alta era a hierarquia da igreja, maior era a intransigência. Não era a igreja de Deus ou dos santos, mas a igreja da instituição. Santa Bárbara, segundo a instituição, nada tem a ver com  Iansã. O povo toma o partido de Zé do Burro.

A confusão se generaliza. Zé do Burro não arreda o pé. Quer levar a sua cruz para dentro da igreja e a polícia quer prendê-lo. As mães de santo tomam o seu partido e os capoeiras o protegem. Zé do Burro é morto na confusão e o povo, na marra, carrega a cruz para dentro da igreja. Na sua promessa simples, Zé do Burro encontrou o seu calvário e a sua morte. O tema continua extremamente atual, especialmente, com a ascensão das igrejas fundamentalistas, neopentecostais da corrente da teologia da prosperidade.

As religiões como organizações, dia a dia se afastam da religiosidade e da espiritualidade para se transformarem em instituições de poder e explorarem a fé simples, eliminando assim, o caráter de transcendência da religião. E o povo continua bom, vítima de sua ingenuidade.

O filme se notabilizou também pela segura interpretação do casal da promessa. Zé do Burro é interpretado por Leonardo Vilar e Rosa por Glória Pires, no esplendor de sua juventude. Padre Olavo tem a interpretação de Dionísio Azevedo e a já consagrada Norma Bengell interpreta a amante do cafetão Bonitão. Anselmo Duarte estreia na direção. Filme premiadíssimo.

Além do filme, se eu tiver o direito de fazer recomendações, eu indicaria para a leitura de Tenda dos milagres, que o próprio Jorge Amado considera como a melhor de suas obras. "Há de nascer, de crescer e de se misturar", e com liberdade religiosa, com todo o sincretismo possível.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Histórias da Gente Brasileira. Volume 1. Colônia. Mary Del Priore.

Há muito tempo que aprecio as obras da historiadora Mary del Priore. Ela sempre consegue inovar, lançando novos olhares sobre os temas tradicionais trabalhados pela história. Tenho neste meu blog a resenha de vários de seus livros. Desta vez ela lançou um projeto bastante audacioso, contando toda a história brasileira, exatamente com o viés do ineditismo de sua abordagem.
Histórias da gente brasileira. As origens da nossa gente.

Estou me referindo ao livro Histórias da Gente Brasileira. É o seu primeiro volume, em que é abordado todo o período colonial. Se estamos tratando do volume 1, evidentemente, que haverá continuidade. Neste volume, um segundo já está anunciado, sob o título As histórias continuam. O foco deste segundo volume será o império. O livro é um lançamento de 2016 da Leya.

No prefácio a historiadora anuncia o objetivo da obra e o método de trabalho: "Você gosta de história? Então, está com o livro certo nas mãos. Porque nele você há de conhecer uma história do Brasil diferente. Não aquela dos grandes feitos, nomes e datas que marcaram o nosso passado; tampouco aquela dos fenômenos extraordinários que provocaram rupturas na nação, mas as histórias do dia a dia, ou melhor, de todos os dias da semana.  Histórias feitas por personagens anônimos do passado, que raramente são apresentados, pois se confundem com o tecido social em construção. Uma história da gente brasileira no labor cotidiano, inventando, produzindo e ganhando o 'pão de cada dia'".

O livro é relativamente longo. Tem 427 páginas, com fartas ilustrações, acompanhando ainda, um glossário e uma rica referência bibliográfica, as verdadeiras fontes primárias para o estudo da história do Brasil. Ele está dividido em três partes: Parte 1. Terra e trabalho. Parte 2. O supérfluo e o ordinário: casa, comida e roupa lavada e  Parte 3. Ritmos da vida: nascimento, adolescência, uniões, doença e morte.

A primeira parte é a mais longa e é formada por 14 capítulos. Necessariamente passa pelos nossos primeiros ciclos econômicos. Vejamos os títulos que terra e trabalho receberam: 1. "Ao cabo do mundo": no início era o céu e a terra. A sobrevivência, o trabalho e os dias. 2. A terra do lenho do diabo. Céu ou inferno? 3. Medo, sempre... Pavor e fascínio: as sedutoras Amazonas. 4. Índios no cotidiano de brancos. 5. A cana nossa de cada dia: Para crescer e multiplicar. 6. Mulheres de açúcar: Com a mão na massa - ou melhor, no pilão e na moenda. 7. Compras e vendas da rua ao sobrado: mobilidade e fortuna de negros e mulatos. 8. Artes e ofícios do ouro: Da arte de encontrar fortuna. 9. Os homens do caminho: O grito de partida: "Boa estrada!". 10.Entre a cidade e os sertões. 11. Companheiros do dia a dia: A civilização do couro no Nordeste. 12. A luta da gente contra os males de sempre: Quando o inexplicável acontecia: calamidades. 13. Cidades mestiças: O beija mão do vice-rei. 14. E além do trabalho?
A segunda parte se dedica verdadeiramente ao cotidiano, ao dia a dia. É formada por dez capítulos: 1. Do teto à casa da morada. 2. "Pode entrar". 3. Eu me lavo, tu te cobres, nós sujamos: catinga e limpeza. 4. No fogão a lenha: paladar e alimentação. "Comida de escravo" e culinária africana. 6. Para matar a sede. 7. Na terra do açúcar: doces. 8. Coberto e descoberto. 9. Belas ou feras? 10. O supérfluo e o necessário.

A terceira parte acompanha esta gente entre o nascimento, sua formação, seus ajuntamentos ou casamentos até as suas mortes. Muito interessante. É formado por seis capítulos. 1.Os verdes anos: tempo de nascer e crescer: Amar, educar, modelar e restringir. 2. Adolescência: existia? Pais soturnos e filhos amedrontados. 3. Tempos de unir-se, tempo de família: Amores, amor, famílias e família: plural. 4.Tempo de todos os desejos. 5. Corpo doente e corpo sadio: duelos entre a vida e a morte. 6. Tempo dos mortos e de morrer: O aqui e o depois.

O livro cumpriu plenamente a sua finalidade e, no intuito de provocar a sua leitura publico ainda parte de sua contracapa: "Iniciando pela colônia uma jornada por nossos mais de quinhentos anos, ela joga luz sobre os anônimos que deram forma ao país. Aqui, a vida das ruas interessa mais do que datas marcantes; o dia a dia no trabalho da gente simples chama mais atenção do que nomes famosos; e os hábitos e costumes revelam mais do que a história tradicional costuma contar". Expectativas cumpridas, ficamos no aguardo do segundo volume.
 

terça-feira, 18 de outubro de 2016

SIDARTA. Hermann Hesse.

Antes de iniciarmos propriamente a resenha de Sidarta, vamos ver alguma coisa sobre o seu autor. Vamos recorrer a Ivo Barroso que traduziu para o português Demian e O Lobo da Estepe. No posfácio a Demian, ele nos dá as seguintes referências sobre Hesse (1887- 1962): "Descendente de família suábia (Schwaben - sudoeste da Alemanha), criado no mais rígido rigorismo religioso - o pai, erudito famoso de história religiosa; a mãe, filha de missionário, nascida e educada na Índia; o avô, Hermann Gundert, indianista de renome".  São referências preciosas para a compreensão da obra. Estas referências familiares já nos inseriram no tema.

Mas tem mais. O próprio Hesse empreendeu uma viagem para a Índia em 1911. Sidarta foi publicado em 1922. Em 1919 o autor já havia publicado Demian. Creio que a seguinte frase traduz muito bem o espírito desta obra: "Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!". Hesse está em busca de si mesmo. E isso está profundamente impregnado também em Sidarta. Em Sidarta ele vislumbra caminhos em busca de si mesmo.
A edição da BestBolso de Sidarta.

Observem as datas: Demian em 1919 e Sidarta em 1922. É o período do entre guerras. Tempos de um passado tenebroso e de um futuro angustiante e sufocante. É evidente que este contexto histórico tem as suas causas. Ele é um produto da cultura ocidental, profundamente capitalista e cristã e também extremamente racionalista, cientificista e moralista. Neste tempo também Nietzsche e Freud já eram bastante conhecidos. Hesse criticava os valores burgueses e, embora pacifista, alimentava um pensamento rebelde e revolucionário. Buscou abrigo e compreensão numa espécie de auto exílio na Suíça, em 1923.

Sidarta é um livro bem simples. Não tem nada da complexidade de Demian, ou de sua continuação em O Lobo da Estepe, este de 1927, quando o lobo já tem cinquenta anos. Creio que não erramos ao afirmar que, contra a corrompida e infelicitadora cultura ocidental, o autor buscava um bálsamo para a sua vida, na busca de si próprio, através da cultura oriental e mais precisamente no hinduísmo. Consigo imaginar a recepção deste pequeno livrinho nos tempos de sua publicação, na ultra conservadora Europa no rumo dos regimes fascistas.

O pequeno livrinho (140 páginas na edição da BestBolso) é uma espécie de uma entusiasmada aula de filosofia sobre a cultura do hinduísmo, em meio a mundo em que ainda predominavam os valores cristãos. Ele está dividido em duas partes. Na primeira, o narrador nos apresenta Sidarta como o filho do brâmane, que em busca de se encontrar na vida, se torna um samana, junto com Govinda, um amigo da infância. Ambos vão em busca do Nirvana. Ouvem falar de Gotama e o seguem. Depois de o encontrarem Sidarta explica amigo e ao próprio Gotama (Buda) que não o seguiria, uma vez que fora tocado por um (o) despertar. As palavras em negrito são os títulos dos quatro pequenos capítulos, assim como dos nove da segunda parte.

Na segunda parte o narrador segue a trajetória de Sidarta, agora só, em busca de si mesmo e desvendando mundos. Encontra-se com Kamala, uma rica e famosa cortesã e, mutuamente, trocam aprendizados e prazeres. É neste momento que Sidarta apresenta os seus grandes princípios do pensar, esperar e jejuar. Se encontra com o comerciante Kamasvami, com quem passa a trabalhar e enriquecer. Neste capítulo ele se encontrará entre os homens tolos. Aí ocorre a vida fútil e de infelicidades, ou seja o mundo de Sansara. Gula, luxúria e jogos de azar, com ganhos e perdas volumosas marcam este encontro de Sidarta com Sansara.
A unidade e nunca a separação constituem o humano.


A sua infelicidade se encontra num nível tão intenso e elevado que abandona tudo e vai à beira do rio, onde por muito pouco não comete o suicídio. Aí reencontra o balseiro, com quem aprende os próprios segredos e, especialmente, os do rio. Neste momento correm boatos de que o velho Gotama está por morrer e, em consequência, ocorrem grandes peregrinações. Entre estes se encontra Kamala, que virou seguidora e traz para Sidarta o filho. Ela engravidara num dos últimos encontros. Com o filho porém, só desencontros, junto com novas e sábias lições do balseiro. Aí o livro começa a se encaminhar para o seu final, marcado por um grande encontro com OM, a unidade de tudo no passado, presente e futuro. Me veio a ideia de panteísmo. Por fim um reencontro com Govinda, o colega de infância, em busca do balseiro, já famoso. Só que agora o balseiro é Sidarta. Novas grandes lições vão sendo reveladas. Sabedoria não se transmite. isso é apenas possível com o conhecimento. Sidarta recusa terminantemente doutrinas e palavras. Govinda considera Sidarta um santo.

Eis as lições de Hermann Hesse para uma Europa dilacerada pela Primeira Guerra e célere na busca de uma guerra ainda muito pior, inclusive, com os seus antecedentes e a terrível experiência posterior, a da bomba atômica. A sabedoria realmente não se ensina. Não seria por não ser aprendida? Ainda em tempo. A edição da BestBolso de O Jogo das Contas de Vidro traz um belo prefácio, assinado por Waldemar Falcão, que ajuda a compreender as influências da cultura oriental na obra deste Nobel de Literatura do ano de 1946, o primeiro ano posterior à Segunda Guerra.





sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O Lobo da Estepe. Hermann Hesse.

A leitura de O lobo da estepe marca um reencontro com Demian, que agora está com cinquenta anos. Ou dizendo claramente, um reencontro com Hermann Hesse, agora com cinquenta anos. Se o jovem Demian se confrontava com os primeiros momentos em seu processo de socialização na cultura vigente, em que o mundo luminoso do apolíneo se confrontava com o mundo das trevas do dionisíaco e em que o jovem mostrava uma clara preferência pelo dionisíaco, agora Harry Heller se confronta com o Lobo da estepe, que representa o seu lado animal, em conflito com o processo civilizatório.
Li esta edição da BestBolso. Tem um prefácio do tradutor.

Se em Demian o jovem tinha problemas de se encontrar consigo mesmo, pois, "nada repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo", agora o conflito de Harry consiste em juntar as peças de sua vida no teatro mágico da vida  de um jogo de espelhos em que Harry se vê refletido. Só que agora o número das peças é infinitamente maior.

Hermann Hesse escreveu Demian em 1919 e O Lobo da estepe em 1927. É o período do entreguerras, um período absolutamente sombrio. Em tempo de nacionalismos exacerbados, Hesse se manifestava  pacifista, antibelicista e humanista. O mundo não o compreendia. Seria pela guerra que a Alemanha mostraria a sua grandeza. Hoje o mundo conhece esses resultados. Hesse, quando escreveu O Lobo da Estepe, se encontrava autoexilado na Suíça.

O livro é composto de duas partes. Na primeira, o jovem Harry Haller busca abrigo numa pensão em que fica hospedado por quase um ano. É um senhor idoso (cinquenta anos na época já era um idoso) de hábitos solitários e burgueses. Apreciava bons vinhos e pouco se dava a conversas. Dedicava-se a fazer pesquisas. Quando foi embora foi encontrado um relatório sob o título de Anotações de Harry Haller - Só para loucos. Esta é a longa segunda parte do livro. Tudo leva, já a partir das primeiras páginas, para o Teatro mágico, com entrada para os raros, só para os raros, só para os loucos.

Das anotações de Harry Haller contam os seus poucos encontros e os muitos desencontros em sua vida, da vida de um intelectual refinado, grande apreciador de Goethe e de Mozart, que vive em briga consigo mesmo e com o mundo dito civilizado que emergira do pós primeira guerra mundial. Marca o encontro com Hermínia, que lhe apresenta a jovem e bela Maria, com quem divide os raros momentos de encontro com o humano. Passa por profundas críticas ao mundo da racionalidade e dos valores burgueses, que, no entanto, estão nele entranhados.

O tenebroso ocorre quando ele penetra no teatro mágico e se confronta com a vida, que consiste em arrumar as peças de um grande jogo em que faz as suas regressões. É o mundo em que se abre uma das feridas narcísicas da racionalidade, com o surgimento da psicanálise. Neste teatro mágico penetra no mundo dos imortais, trocando conversas com Mozart, o seu grande ídolo. Em passagens anteriores de seu relatório, o encontro se dava com Goethe.

O livro passa pelos grandes temas de sua época. Lembrando que o livro foi escrito em 1927. A morte é o tema onipresente, especialmente a sua busca através do suicídio e até do homicídio, que lhe é solicitado por Hermínia, quando a ela se vincula por uma relação amorosa. Nas anotações também se trava uma interessante guerra com o mundo da indústria, com a indústria automobilística. Uma guerra de muitas vítimas. Tudo isso ocorre no palco do teatro mágico, inclusive a cena do assassinato de Hermínia.

Por ele Harry é condenado. Vejamos a sua condenação: "Em consequência, condenamos o mencionado Sr. Haller à pena de vida eterna e à proibição por 12 horas de entrar em nosso teatro. Tampouco poderemos poupar ao condenado o castigo de lhe rirmos na cara. Senhores todos juntos: um, dois, três!". Algumas linhas adiante a sua pena está melhor explicitada: "O senhor está disposto a morrer, seu covarde, mas não a viver. Ao diabo! Mas terá de viver! Seria bem merecido que o condenássemos à pena máxima". E segue uma das grandes críticas ao mundo burguês vigente, quando Haller pergunta qual seria esta pena máxima. Vejam a resposta, que é dada por Mozart, no encontro com os imortais:

"Poderíamos, por exemplo, ressuscitar a moça e casá-lo com ela. Não, a isso não estaria disposto. Seria uma desgraça". Esta passagem me fez lembrar a hipócrita cena da sessão da Câmara dos Deputados, do dia 17 de abril de 2016, quando os deputados votaram o impedimento da presidente Dilma, em homenagem aos mais altos valores da nossa sociedade, que, por sinal continuam os mesmos, ao lembrarem e dedicarem seus votos às suas esposas e às suas famílias.

O livro deve ter causado muitas polêmicas. O próprio autor incluiu no livro um posfácio em que fala da recepção do livro e sobre a sua compreensão/incompreensão. Vejamos o seu último parágrafo: "É claro que não posso nem pretendo dizer aos meus leitores como devem entender minha história. Que cada um nela encontre aquilo que lhe possa ferir a corda íntima e o que seja de alguma utilidade! Mas eu me sentiria contente se alguns desses leitores pudessem perceber que a história do Lobo da Estepe, embora relate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção". Lembrando que, ao nihilismo, Nietzsche propunha a superação através da vontade de poder e do eterno retorno. Mas vamos parar por aí.

Uma última observação, quanto a concessão do Prêmio Nobel de Literatura em 1946. Hesse teve um padrinho, Anders Österling, o secretário da Academia. Ele refreou o seu entusiasmo com o escritor defendendo a ideia de que ele seria merecido não pelo seu caráter inovador mas pela poesia "em que o melódico se funde com uma vaga espiritualidade simbolista". Esta informação nos é dada por Ivo Barroso, no prefácio do livro. Ele também nos fala do choque que a obra causou "com a sua temática ousada, em que há referências explícitas ao uso de drogas e a comportamentos eróticos e homossexuais pouco frequentes nas obras sérias de então".

O Nobel teria sido concedido especialmente pelo seu livro O Jogo das contas de vidro. Quero confessar ainda que eu gostei mais de Demian do que de O Lobo da Estepe. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A Fita branca. Michael Haneke.

Nestes tempos sombrios resolvi ver novamente este filme que também não deixa de ser sombrio, embora a sua finalidade seja exatamente o oposto. É o filme mais em preto e branco que possa se imaginar. A realidade mostrada é uma amostra da capacidade que o ser humano tem para o mal. E esta capacidade, obviamente tem causas. E a pergunta seria pelo grande por quê em torno destas causas. Que valores são propagados para gerar tanto ódio e mal, inclusive nas crianças.


A fita branca é um símbolo. Um símbolo de pureza, um símbolo do imaculado, daquilo que não tem manchas. Um símbolo daquilo que é representado pela fita alva, branca. A fita branca da inocência e da pureza das crianças. O filme tem um narrador, que com muita seriedade e sobriedade conduz a narrativa. Fatos estranhos estão ocorrendo num pequeno vilarejo ao norte da Alemanha. De uma Alemanha fria e racional e, acima de tudo, religiosa, conservadora e moralista. E na qualidade de moralista, sujeita a todas as suas perversas consequências.

Fatos estranhos ocorrem. Uma cilada para o médico, um acidente de trabalho, a destruição de uma plantação de repolhos, o sequestro e brutalidades cometidas contra uma criança e, um mundo adulto e de crianças muito estranho. Os adultos nem sequer nome tem, o que pode levar à conclusão de que poderia ser qualquer um. É um barão proprietário de terras, um médico que atende a população da cidade e é um pastor que dá assistência espiritual para a população da cidade. Coitada da população!

O mundo das crianças não é muito diferente. Crianças tímidas, crianças dissimuladas, crianças apavoradas diante do problema da morte, mas sobretudo crianças machucadas pela falta de afeto dos pais e que sofrem pela desconfiança que neles provocam. Por isso são dissimuladas e, aparentemente, extremamente infelizes. Os adultos, então, encerram dentro de si, todo um mundo de potencialidades para o mal.

Na busca pelas razões de tanta infelicidade e de tantas perspectivas sombrias que podem ser antevistas, se buscam as razões para tal. As descobertas são difíceis. Ninguém entrega ninguém, embora todos saibam que os criminosos estão entre eles. Nenhuma suspeita recai sobre pessoas que estejam para além da comunidade. Mas o mais triste da conclusão é que, embora o mundo dos adultos seja um mundo de desencontros e de perversidades, os crimes são cometidos pelas crianças. Pelas crianças que integram a comunidade da inocência e do imaculado, representada pela Weisse band.

Como é triste ver crianças tristes, sombrias e dissimuladas. Isto não é o seu comportamento normal. É fruto do processo de socialização. Nesse processo o que mais infelicita é o excesso de autoritarismo, que normalmente é associado ao moralismo. No filme um dos meninos dorme com as mão amarradas, outra vive apavorada com o fenômeno da morte, um tema tão distante. O natural da criança é a alegria e a brincadeira, quando convivem em ambiente sadios.

O filme é de 2009 e tem a direção de Michael Haneke. Nele o tema do nazismo está sempre presente. Como sabemos, o nazismo é um subproduto do fascismo. E o fascismo já foi muito estudado e a pior das conclusões a que se chegou é a de que as suas causas estão embutidas na sociedade, como o demonstraram os estudos de Hannah Arendt e de Theodor Adorno. E o que é pior, não existe nenhum pavor neste mesma sociedade de que Auschwitz possa se repetir. Isso terminará em holocausto.
Em paralelo ao filme, eu lia Demian, um romance de formação escrito em 1919.


O filme, muito mais do que explicitar situações, ele provoca a reflexão. Embora ele termine com o estouro da primeira guerra mundial, ele sempre está associado ao nazifascismo e à segunda guerra. A cultura dominante, os valores do puritanismo religioso e de uma moralidade perversa, junto com o autoritarismo de uma sociedade controlada por homens adultos com consentimentos, complacências e cumplicidades mútuas, já produziram e produzirão ainda mais e maiores descompassos no futuro da humanidade. Um filme que precisa ser visto, debatido e estudado nos sombrios momentos pelos quais está passando a sociedade brasileira, quando a sua democracia e a sua cidadania está sendo direta e diariamente golpeada. Também, no cenário internacional, a simples candidatura de Donald Trump é uma preocupação para o mundo que diz ser minimamente civilizado.

Enquanto eu via A Fita branca eu lia Demian, de Hermann Hesse. Este maravilhoso romance de formação foi escrito em 1919. É muito fácil estabelecer correlações. Vale conferir.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Golpe 16. Um golpe não é, um golpe vai sendo...

Termino de ler o quarto livro sobre o golpe perpetrado contra a democracia brasileira e consumado no dia 31 de agosto de 2016. O livro tem por título, exatamente este fato - Golpe 16. O livro é organizado por Renato Rovai, blogueiro e editor da revista Fórum. A edição conta com prefácio do ex presidente Lula e com uma maravilhosa e ilustrativa entrevista com a presidente golpeada, Dilma Roussef. Ao todo, 23 autores comparecem com os seus preciosos textos.
Um livro que registra o golpe 16 para a posteridade.


No prefácio Lula nos esclarece: "É um registro de fatos que provavelmente ficariam escondidos se a narrativa fosse feita apenas por aqueles que trabalham para empresas que apoiam a  desestabilização democrática. Desejo que este livro se torne um manual, um guia de leitura para que o que está acontecendo hoje nunca mais se repita. E desejo que muitas outras iniciativas como essa prosperem para que a gente possa restabelecer e aperfeiçoar a democracia no Brasil". Perfeito.

Os autores são jornalistas, professores universitários e blogueiros, em sua maioria. Os artigos estão ordenados por temas, que, creio valem a pena ser apresentados: Um golpe não é, um golpe vai sendo...; De 2013 a 2016, quem dominou a disputa nas redes do Brasil?; A blogosfera na resistência ao golpe midiático; Comitê pró democracia: uma trincheira dentro do Parlamento; O ódio como discurso político propagado nas redes e nas ruas a serviço do golpe; A caça às bruxas: o fator machismo; O golpe contra o avanço no combate ao racismo; O dia em que o golpe vazou; O golpe da classe média e do senso comum; O avanço do conservadorismo não é um fenômeno apenas brasileiro; O jornal do golpe; Ocupa tudo! Extinção, ressurreição e insurreição da cultura; Os muitos preconceitos do golpe; Globo, a central de manipulação do golpe; O golpe e a criminalização dos movimentos sociais; As conspirações golpistas: o fator geopolítico; O PIG e o Cunha; O jornalismo de guerra contra a democracia; O começo de tudo; Como o golpe atacou a liberdade de expressão; Ecos do passado: a voz de Carlos Lacerda no golpe de 2016; O golpe em rede e a mobilização do senso comum e a "República de Curitiba".

Entre os autores, alguns são mais conhecidos, outros menos. A característica comum que os une é o fato de serem especialistas nas áreas por eles trabalhadas nos diversos textos. Na mesma sequência dos temas acima apresento os autores: Renato Rovai; Adriana Delorenzo; Altamiro Borges; Bia Barbosa; Conceição Oliveira; Cynara Menezes; Dennis de Oliveira; Eduardo Guimarães; Fernando Brito; Gilberto Moringoni; Glauco Faria; Ivana Bentes; Lola Aronovich; Luiz Carlos Azenha; Marco Weissheimer; Miguel do Rosário; Paulo Henrique Amorim; Paulo Nogueira; Paulo Salvador; Renata Mielli; Rodrigo Vianna; Sérgio Amadeu Silveira e Tarso Cabral Violim.

Pessoalmente me impressionaram mais os temas que não fazem parte da mídia diária como as baixarias que foram proferidas contra a presidente Dilma no capítulo da caça à bruxa e o do golpe contra o avanço no combate ao racismo e ainda o que apresenta a criminalização dos movimentos sociais por parte do governo golpista. Mas o grande valor do livro está no fato de ser ele uma espécie de crônica diária da articulação e do desenlace do golpe. Assim se constitui realmente num grande documento para a posteridade e fonte de pesquisas futuras para este triste capítulo da história da nação brasileira, que tanto insistem para que não seja. Existe uma verdadeira competição para ver quem entre os golpistas mais se destaca em ser subalterno.

Mas o livro reserva para as suas páginas finais, da 201 a 223, a sua maior preciosidade. Uma entrevista com a presidente golpeada, Dilma Rousseff para  Maíra Streit e Renato Rovai, concedida no Palácio da Alvorada, no dia 2 de agosto de 2016, bem no calor dos acontecimentos. Um verdadeiro documento para a posteridade com dados de bastidores da trama do golpe, vistos por quem o sofreu e que o sentiu muito proximamente. O livro também não deixa de mostrar erros do governo golpeado e que permitiram a articulação do golpe. Em suma, mais um belo livro com uma pluralidade de vozes sobre este momento tenebroso para a democracia brasileira.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

DEMIAN. Um romance de formação.

Praticamente um acaso me pôs em contato com esse livro. Uma passagem pelo facebook chamava para uma resenha do livro. Nem a li. Mas a imagem ficou gravada. Lembrei de meus tempos de jovem, do quanto se falava de Hermann Hesse, embora nunca o tivesse lido. Eram tempos de seminário. E mais... Hermann Hesse é um Nobel de literatura (1946) e um Nobel nunca me decepcionou. Antes de comprá-lo fiz uma pequena pesquisa. Para comprá-lo, bastou a informação de que se trata de um romance de formação. Estes me fascinam.
Eu li esta edição, da Record com tradução e posfácio de Ivo Barroso.

Para mim a leitura foi um grande reencontro com Nietzsche, com toda a sua obra, com o seu "filosofar com o martelo" e com o seu imperativo "torna-te quem tu és". Ivo Barroso, tradutor e autor do posfácio vê nele mais a presença de Freud. Ele também está bem visível, na figura do pai e dos constantes sonhos de Sinclair, o narrador, ou seja do próprio Hermann Hesse.

O grande personagem do livro é Demian, mesmo porque confere o título ao livro. Sinclair mantém com Demian um rico diálogo na busca do encontro consigo mesmo, mas Siclair também dialoga com Pistorius, um músico que busca razões de viver na cultura indiana. Os três, nos observa Ivo Barroso, são retratos autobiográficos de Hesse. Sinclair também dialoga com Eva, mãe de Demian. Seria a figura de sua própria mãe.

Ivo Barroso ainda nos alerta que para entender plenamente a obra temos que conhecer um pouco da biografia de seu autor (1887-1962): "Descendente de família suábia (Schwaben - sudoeste da Alemanha), criado no mais rígido rigorismo religioso - o pai, erudito famoso de história religiosa; a mãe, filha de missionário, nascida e educada na Índia; o avô, Hermann Gundert, indianista de renome). Com certeza, ajuda muito na compreensão da obra. Já na leitura dos primeiros capítulos me vieram à mente, cenas de A fita branca, o memorável filme de Michael Haneke, sobre os rigores da educação alemã deste período. O livro foi escrito em 1919, tempo de crises do autor e do mundo.

O livro está dividido em oito capítulos. Os dois primeiros foram para mim os mais impactantes. No primeiro, Dois mundos nos são apresentados. O mundo luminoso e mundo sombrio. O luminoso é o ideal e o sombrio é o real. A educação nos chama para o mundo ideal e a natureza (humana) nos chama para o mundo real. No desencontro destes mundos, a inadaptabilidade e o sofrimento humano. Franz Kromer, um menino perverso que o chantageia, lhe cria os primeiros dramas do remorso que se aloja em sua consciência. No segundo capítulo entra Demian, que lhe fala de Caim, ou da marca de Caim, que fica estampada na testa. Aparece aí uma inversão nos conceitos de bem e de mal.

Começa o seu confrontar-se consigo mesmo, o seu desenraizamento e as suas contradições: "Tais impulsos partiam sempre do 'mundo sombrio', trazendo consigo o medo, a violência e o remorso, e eram sempre revolucionários e ameaçavam a paz em que eu gostaria de continuar vivendo". Fugir da zona de conforto é ir ao encontro de si próprio. Uma frase extremamente significativa nos aponta para esta direção: "Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!".
Edição alemã e espanhola de Demian, destacando que se trata da história da juventude de Sinclair.


Uma outra figura invertida aparece também no terceiro capítulo que leva o nome de "ladrão". É uma contestação ao bom ladrão, que de bom na vida teve apenas o momento final do arrependimento. No mínimo, algo realmente intrigante e instigante. Neste capítulo ele também tem um encontro com a puberdade e a questão da sexualidade. No quarto capítulo "Beatrice" o coloca de volta ao mundo luminoso, após terríveis desencontros na escola e com seus familiares como consequência de seus desandares na escola.

O quinto capítulo marca um encontro com Abraxas. É Nietzsche em seu primeiro grande livro O nascimento da tragédia e a defesa da unidade entre o apolíneo e o dionisíaco, separados pelo nascente mundo da racionalidade. Este capítulo também é marcado pelo encontro com Pistorius. Seria a superação da moral pela arte? Pistorius é músico. O sétimo capítulo marca o encontro com Eva, com certeza um ser superior, em que ele certamente pinta um retrato de sua mãe e as influências dela em sua formação e vida. No capítulo oitavo entra em cena a guerra, a sua convocação e as reflexões sobre ela.  Uma tristeza existencial. O capítulo marca também um reencontro com Demian, que depois de tê-lo acompanhado ao longo da vida como uma espécie de sua consciência o adverte: "Terás que ouvir em ti mesmo, e então perceberás que estou dentro de ti. Compreendes?"

Foi uma leitura maravilhosa.  E como já disse, romances de formação me seduzem muito e nunca nenhum Nobel de literatura me decepcionou, pelo menos até hoje. Este romance, que se dedica à juventude de Hesse terá continuidade em outras obras, especialmente em O Lobo da estepe, quando o reencontraremos já aos cinquenta anos. Já encomendei a sua obra, ao menos a disponível em língua portuguesa e no mercado.






quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Iracema. Vestibular da USP.

Iracema é uma poesia em forma de prosa. É uma bela história de amor e, como toda a história de amor dentro do romantismo, ela tem muito sofrimento. É um de seus componentes. É um amor impossível, ou então, de consequências terríveis se fosse consumado. Coisas da mitologia indígena. Também é um romance histórico. A visão que José de Alencar tem da colonização portuguesa e o seu choque com a cultura indígena não passa pela relação da contradição. É uma integração harmoniosa. Como isso é possível?
Iracema. Edição da Penguin&Companhia das Letras.

A história é relativamente simples. Remete à história da colonização do Ceará. Seus personagens principais são Iracema, a virgem dos lábios de mel, Martim é o colonizador português, o primeiro em terras cearenses. Iracema é filha de Araquem, o pajé da tribo Tabajara que ocupa as terras do interior cearense. Sempre, em nome de Tupã, recebe bem os brancos. Caubi é irmão de Iracema e tem ainda, Irapuã, o chefe dos guerreiros Tabajaras. Parece que ele gosta de Iracema. Do outro lado e como amigo de Martim está Poti, da tribo inimiga dos pitiguaras, habitantes do litoral.

A virgem dos lábios de mel guarda o segredo de Jurema. Enquanto o segredo for guardado, sua tribo vai bem. Se for violado ela morrerá e sobre o seu povo recairão desgraças. A paixão faz com que Iracema dê para Martim o alucinógeno segredo sob forma de uma bebida. O amor se consuma e o casal vai com Poti para as terras do litoral. Martim arruma cabana para morarem. Mas a guerra chama Martim e Poti, agora contra os holandeses. Quando regressam Iracema já dera a luz a Moacir, um fruto da miscigenação. Conforme a lenda indígena, Iracema morre cumprindo o seu destino.

Eu li uma bela edição da Penguin&Companhia das Letras. Ela tem uma série de notas. Na primeira Alencar fala dos temas que o inspiraram a escrever. Na segunda é reproduzida uma carta que Alencar enviou para o Dr. Jaguaribe. Explícita e muito ilustrativa. Primeiramente Alencar chama o seu romance de literatura amena, para em seguida falar de sua origem: "Cometi a imprudência quando escrevia algumas cartas sobre a Confederação dos Tamoios de dizer: 'as tradições dos indígenas dão matéria para um grande poema que talvez um dia alguém apresente sem ruído nem aparato, como modesto fruto de suas vigílias"'. O livro já estava concebido.

Um pouco mais adiante ele explica melhor: "Quando em 1848 revi nossa terra natal, tive a ideia de aproveitar suas lendas e tradições em alguma obra literária. Já em São Paulo tinha começado uma biografia do Camarão. Sua mocidade, a heroica amizade que o ligava a (Martim) Soares Moreno, a bravura e a lealdade  de Jacaúna, aliado dos portugueses, e suas guerras contra o célebre Mel Redondo; aí estava o tema. Faltava-lhe o perfume que derrama sobre as paixões do homem a alma da mulher". Estava o componente histórico e a poesia. Alencar também dá longas explicações sobre a grafia de muitas palavras.

Alfredo Bosi, em posfácio, nos contempla com uma análise sobre o indianismo de Alencar. Bosi reconhece toda a importância de José de Alencar: "O Guarani e Iracema fundaram o romance nacional". Mas a contribuição mais importante de Bosi é sobre a concepção indígena do romântico romancista. Ela está dentro da concepção de Rousseau do "bom selvagem". O índio de bom grado recebe o colonizador e se esmera ao máximo para recebê-lo bem. Foi o que aconteceu com Martim, na tribo Tabajara, por Iracema e Araquem.
A obra de José de Alencar levada ao cinema. Iracema a virgem dos lábios de mel (1979).

Bosi assim descreve o encontro entre o colonizador e o colonizado: "Assim, o mito alencariano reúne, sob a imagem comum do heroi, o colonizador, tido como generoso feudatário, e o colonizado, visto ao mesmo tempo como súdito fiel e bom selvagem". Os comentários de Bosi se referem mais ao conjunto da obra de Alencar do que a Iracema, mais especificamente, mas são fundamentais para uma melhor compreensão.
Fui a Fortaleza buscar esta imagem.

Alguma contextualização de José de Alencar também será útil. Ele é cearense, nascido em 1829. Seu pai era extremamente influente, tanto na corte como no governo da província do Ceará. Acompanhou os pais morando mais na corte do que no Ceará. Estudou direito em São Paulo, com passagem também por Olinda. Sempre foi extremamente conservador. O escritor romântico e apreciador das riquezas naturais do Brasil morre no Rio de Janeiro, em dezembro de 1877. Aliás o livro da Penguin&Companhia das Letras, termina com uma detalhada cronologia do autor.

Um adendo - em 22.08.2019. Do livro - Sobre o autoritarismo brasileiro de Lilia Moritz Schwarcz, página 165, interpretando o livro. "Iracema não demorou a se transformar num romance de formação, trazendo no próprio título o anagrama de "América". Num livro repleto de simbolismo, o nome da heroína, que na língua tupi - povo eleito pelo romantismo para figurar como "os bons selvagens" - queria dizer "saída do mel", foi traduzido como " lábios de mel", numa referência à "docilidade" e "torpor" das nativas e das "virgens" do Brasil. Na trama, o personagem se enamora de um guerreiro europeu, Martim, perde a virgindade e dá à luz um menino - Moacir -, cujo nome significa "filho do sofrimento". Como num jogo de metáforas, é a indígena quem morre para que seu filho sobreviva e, com ele, se inaugure uma nova nação, mestiça conquanto que dominada pelo europeu colonizador".

Mais um adendo:18.01.2021. Do livro - MACHADO DA SILVA, Juremir. Raízes do conservadorismo brasileiro. A abolição na imprensa e no imaginário social. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2018. "O escritor e deputado José de Alencar encarnou a pior retórica conservadora brasileira do século XIX. Defendeu as piores causas como sendo as melhores, com base nas supostas virtudes abstratas da moderação, da prudência e do bom senso. Morreu em 1877. Foi deputado por várias legislaturas. Em 1871, como parlamentar conservador, depois de ter sido ministro da Justiça no governo do escravocrata Itaboraí, destacou-se na oposição ferrenha ao Ventre Livre.  Mesmo fora de cena, exerceu influência sobre políticos que debateram a emancipação dos cativos. Foi assim com a Lei dos Sexagenários e com a Lei Áurea. No calor apaixonado das discussões, seu nome era citado como grande jurista ou pela firmeza de suas ideias.

O belo livro de Juremir Machado. Raízes do conservadorismo brasileiro.

São dele afirmações como esta, que desafiam a lógica e não se justificam nem mesmo à luz de seu tempo, pois causavam horror em seus oponentes: "Entretanto, senhores, nesta luta que infelizmente se travou no País, a civilização, o cristianismo, o culto da liberdade e a verdadeira filantropia estão do nosso lado. Combatem por nossa causa". Página. 53. Todo o capítulo 5, sob o título de "Sofismas escravistas de José de Alencar, o escritor e político que votou contra o Ventre Livre" é dedicado a José de Alencar. O capítulo ocupa as páginas 53 a 63.

sábado, 1 de outubro de 2016

Eles não usam black-tie. Vestibular UFPR.

A indicação para as minhas leituras tem as mais diversas fontes. Desta vez foram as indicações para o vestibular da UFPR. Entre elas está o clássico do teatro brasileiro Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça foi escrita pelo jovem teatrólogo em 1955 e encenada pela primeira vez no Teatro de Arena, em São Paulo, em 1958. Era um tempo de profunda efervescência cultural, de uma sociedade em trânsito, conforme expressão de Paulo Freire.
Uma das grandes obras do teatro brasileiro. O mundo do trabalho.

Como não se faz uma boa leitura sem uma contextualização, e como já datamos o livro, vamos então situá-lo em seu contexto. Vivíamos os anos JK.. Cinquenta anos de desenvolvimento em cinco anos de governo, proclamava o marketing governamental. Eram tempos de grande liberdade, mas no horizonte sempre pairava a ameaça golpista, sempre presente quando a elite brasileira via os seus interesses contrariados.

A industrialização brasileira, embora tardia, estava em pleno processo de expansão. Continuávamos substituindo as importações. Agora era a vez dos automóveis e outros bens de consumo duráveis. Junto com a industrialização marchava também a urbanização. Marchava desordenadamente, com as profundas marcas da desigualdade social. Sobrados e mocambos. Uma herança das contradições em nosso processo abolicionista, que aboliu a escravidão mas não a sua obra. A obra reflete exatamente essas contradições.

O cenário é o mocambo, evolução da senzala, sua transformação em favela. O cenário é também a fábrica e a dura vida dos trabalhadores, em que sempre sobram dias, com o fim antecipado do sal, símbolo de alimento, que sempre termina bem antes do mês se encerrar. O cenário é também a favela com todas as suas mazelas, mas também com todas as suas virtudes. As mazelas da miséria social e humana e as virtudes que brotam deste reino de necessidades, como a solidariedade e a comiseração, sentimentos tão marcadamente humanos. Brota também o amor, também este, embora belo, nunca isento de contradições.

Em meio a este cenário se desenvolve a consciência de classe. Alguns trabalhadores, já mais calejados pela luta, iluminados por uma percepção mais profunda de seu estar imerso num eterno reino de necessidades, vislumbram na organização coletiva e no espírito de solidariedade e de união, os únicos meios para a sua emancipação, assim como o constatara o poeta: "Uma esperança sincera. Cresceu no seu coração. E dentro da tarde mansa.  Agigantou-se a razão.  De um homem pobre e esquecido. Razão porém que fizera. Em operário construído. O operário em construção". Foram tocados pela consciência, pela consciência de que tinham a mesma classe social em comum. E junto com esta consciência, o sentimento de pertencimento.

Este sentimento os animou para a resistência. O meio seria a greve. Na greve, mais contradições. E estas contradições, em vez de pertencimento, geraram o distanciamento. Geraram o distanciamento entre pessoas da mesma família e até distanciamentos na relação amorosa. Em vez da solidariedade, a traição e a delação, como meios de ascensão. Um caminho individual, sozinho, sem companheiros. Pode ser meio eficaz de ascensão, mas instrumento maior do destroçamento de vínculos e um rumo seguro para a infelicidade, ou como diríamos hoje, para a psiquiatrização.
Gianfrancesco Guarnieri atuando em Eles não usam black-tie.

O livro que eu li, da editora Civilização Brasileira, tem um prefácio escrito por Delmiro Gonçalves, que fala do significado da peça e da repercussão de suas primeiras apresentações. Formidável. Como o enredo da peça é relativamente simples, não necessitamos entrar em grandes detalhes. Vamos apenas marcar os grandes personagens. Encontramos em Tião e Maria os jovens enamorados e em Otávio e Romana, os pais de Tião, o casal forjado na luta. Ainda temos o outro filho do casal, o menino bem humorado, Chiquinho, também com os seus primeiros namoricos, com Terezinha.

O conflito familiar se dá entre Otávio e Tião. Tião fora criado na cidade, com os desejos da cidade. Era movido pelo espírito da possibilidade da ascensão social pela ideologia do individualismo. Estava cansado de ver as dificuldades com as quais convivia diariamente, junto com os seus pais. Maria vivia uma situação ainda mais difícil, mas a sua compreensão era maior. Tião vivia meio deslocado e como não abraçou os valores da favela, construiu o caminho de suas perdas, de sua desumanização.

É óbvio que Guarnieri fez a sua opção ideológica nesta peça. Os anos 1950, embora 1956 e o XX PCUS, já tivessem ocorrido, ainda a doutrina do socialismo real acalentava muitos sonhos. Assim como ainda em nossos dias o socialismo, não o de inspiração stalinista, ainda se contrapõe à toda a barbárie capitalista, da competição desenfreada do livre mercado.
Cartaz promocional do filme Eles não usam black-tie.

O livro também foi levado ao cinema pela mesma equipe do Teatro de Arena, que representou a peça. Gianfrancesco Guarnieri é o autor do seu roteiro. O filme é de 1981. A peça ganhou muito em dramaticidade. As contradições e os conflitos estão mais vivos, com os recursos do cinema. Tudo se torna mais explícito e alguns personagens são introduzidos e outros ganham maior relevância. Sugiro para aqueles que forem ler o livro com a finalidade do vestibular, vejam também o filme. Ajudará enormemente na compreensão.

Ainda em tempo, um último lembrete. Certamente em tempos obscuros, pré fascistas do movimento "Escola sem Partido", este livro seria riscado da lista dos livros indicados. Aqueles que criam as contradições flagrantes da sociedade tentam também impedir, de todas as formas, que elas sejam enxergadas. Tentam em vão. A referência ao título é uma canção que um violeiro da favela cantarola e que depois, com outra autoria, ganha as paradas de sucesso. Mais uma violação a direitos.