Não quero aqui levantar grandes polêmicas sobre a adaptação de livros para o cinema ou para a televisão. Também, ao comentar a minissérie Os Maias, produzida pela TV Globo, não quero deixar passar a questão em branco. Tomo a referência de Jorge Amado, possivelmente o autor brasileiro que mais obras adaptadas teve. Ele fala sobre isso em seu maravilhoso Navegação de Cabotagem, e com um certo tom de nostalgia, de um certo desconforto. Vejamos algumas considerações suas. A primeira referência é sobre o ato de escrever, como um ato de artesanato:
Jorge Amado fala sobre a adaptação de obras literárias para a TV e para o cinema.
Jorge Amado fala sobre a adaptação de obras literárias para a TV e para o cinema.
"Quando inicio um livro, somos apenas eu, a máquina de escrever, o papel em branco". Aí já entra o lamento: "Esse caráter artesanal desaparece quando o romance é adaptado: cinema, rádio, televisão são o oposto do artesanato, são indústria e comércio, o produto a ser oferecido, a ser visto ou ouvido (e não lido) deve corresponder às exigências do mercado". De produto artesanal vira o produto de uma verdadeira multidão e continua, ainda em tom de lamento: "O autor do romance sente-se agredido a cada instante, de repente não mais reconhece sua obra".
Seria de perguntar. Mas por que, então, o autor permite as adaptações? Jorge responde de pronto: "Sou um escritor que vive exclusivamente de direitos autorais [...]. Não tenho outra fonte de renda". Mas arremata, voltando ao tom de desconforto, recomendando ao autor "nunca acompanhar os trabalhos de adaptação e nem mesmo vê-los, isso para não se aborrecer". São palavras de Jorge Amado e que merecem muita consideração. E..., olha que Jorge Amado, normalmente, tem a sua obra muito bem adaptada.
O magnífico livro de Eça de Queirós. Os Maias - Episódios da Vida Romântica. Eça introduz o realismo em Portugal.
Li Os Maias de Eça de Queirós. Já tinha lido A Relíquia. Não tenho formação literária e nem fui estimulado à leitura em meus anos de formação. Apenas hoje me considero um leitor. Não sei porque, mas a leitura do livro me despertou um enorme desejo de ver a minissérie. Comprei o box com quatro discos, com 940 minutos de duração. Confesso... poucas vezes fiz um aquisição tão boa. Os recursos do ver, olhar e ouvir, somados aos da dramaturgia, da música e da reconstituição de época, produziram um espetáculo maravilhoso. Uma obra profundamente romântica de um escritor que pertenceu ao realismo. Aliás o livro tinha um subtítulo: Episódios da vida romântica.
A adaptação de Os Maias, para a televisão. Uma obra prima segundo Maria Adelaide Amaral.
A adaptação de Os Maias, para a televisão. Uma obra prima segundo Maria Adelaide Amaral.
Houve a deformação da obra do autor? Ele se reconheceria em sua obra? Certamente se surpreenderia em algumas cenas, mas creio que, ao final, aplaudiria calorosamente o espetáculo e, nele se reconheceria. Maria Adelaide Amaral fez a adaptação e, ao final do segundo disco fala do seu trabalho. Ela estudou toda a obra do autor, sua literatura, sua correspondência, suas ideias políticas e a sua vida. Incorporou tudo na minissérie, com muita criação e imaginação. Farei um post a parte.
No post sobre o livro escrevi que a ironia que está escancarada em A Relíquia, é sutil, em Os Maias. No caso da minissérie a dramaturgia reforçou as características dos personagens. E os personagens, todos escolhidos para uma grande representação. D. Afonso da Maia (Walmor Chagas), a primeira geração Maia, é um liberal, anti religioso, mas acima de tudo, um profundo conservador dos valores da família e dos princípios da aristocracia. Por eles morrerá e, obviamente, também pela idade. Norteia a sua vida pela ciência, mas também crê em superstições e premonições. Uma atuação soberba.
Uma cena memorável. O único avô e o único neto se separam. Carlos Eduardo irá a Coimbra buscar a sua formação na ciência, na medicina.
Pedro da Maia (Leonardo Vieira), da segunda geração, e Maria Monforte (Simone Spoladore) estão muito bem. Maria Monforte é de uma beleza estonteante, que quebra todo e qualquer princípio da piedosa formação de Pedro, saído à imagem da mãe e do padre, não de D. Afonso e, portanto, fraco e, assim, a fortuna não o contemplará. Escolhe a morte aos sofrimentos da vida. Maria Monforte, (Marília Pera) terá uma volta na minissérie, o que não acontece no romance. Ela, em estado terminal, procura acertar a vida da filha, desvelando a sua condição de mãe, tanto de Maria Eduarda, quanto de Carlos Eduardo. Manuel Monforte (Stênio Garcia) será o pai de Maria Monforte. Ele é rico mas não aristocrata. Fora comerciante de escravos. Para a sociedade portuguesa, Maria será sempre a negreira.
Maria Monforte, a negreira. Não havia espaço para ela na aristocrática sociedade portuguesa. Mas será ela que dará a alegria do neto Carlos Eduardo para D. Afonso.
Carlos Eduardo e Maria Eduarda são Maias. Formam o casal romântico e trágico da obra.
No post sobre o livro escrevi que a ironia que está escancarada em A Relíquia, é sutil, em Os Maias. No caso da minissérie a dramaturgia reforçou as características dos personagens. E os personagens, todos escolhidos para uma grande representação. D. Afonso da Maia (Walmor Chagas), a primeira geração Maia, é um liberal, anti religioso, mas acima de tudo, um profundo conservador dos valores da família e dos princípios da aristocracia. Por eles morrerá e, obviamente, também pela idade. Norteia a sua vida pela ciência, mas também crê em superstições e premonições. Uma atuação soberba.
Uma cena memorável. O único avô e o único neto se separam. Carlos Eduardo irá a Coimbra buscar a sua formação na ciência, na medicina.
Pedro da Maia (Leonardo Vieira), da segunda geração, e Maria Monforte (Simone Spoladore) estão muito bem. Maria Monforte é de uma beleza estonteante, que quebra todo e qualquer princípio da piedosa formação de Pedro, saído à imagem da mãe e do padre, não de D. Afonso e, portanto, fraco e, assim, a fortuna não o contemplará. Escolhe a morte aos sofrimentos da vida. Maria Monforte, (Marília Pera) terá uma volta na minissérie, o que não acontece no romance. Ela, em estado terminal, procura acertar a vida da filha, desvelando a sua condição de mãe, tanto de Maria Eduarda, quanto de Carlos Eduardo. Manuel Monforte (Stênio Garcia) será o pai de Maria Monforte. Ele é rico mas não aristocrata. Fora comerciante de escravos. Para a sociedade portuguesa, Maria será sempre a negreira.
Maria Monforte, a negreira. Não havia espaço para ela na aristocrática sociedade portuguesa. Mas será ela que dará a alegria do neto Carlos Eduardo para D. Afonso.
Carlos Eduardo (Fábio Assunção), a terceira geração descrita, e Maria Eduarda (Ana Paula Arósio) formam o par romântico. D. Afonso, já viúvo, cuida pessoalmente da formação do neto, que lhe é trazido por Pedro. Depois da tragédia, o Ramalhete é fechado e o avô com o neto se recolherão no Douro, em Santa Olávia. Longe dos padres, Carlos Eduardo terá um preceptor inglês. O neto recompõe o sentido da vida para o avô. Pela formação inglesa e a sua inclinação científica, Carlos irá para Coimbra, não para o curso de Direito, mas para o de medicina. O avô o estimula para viver as alegrias da juventude. A ausência da moral religiosa o livrará das culpas. É em Coimbra que encontrará João da Ega, o amigo de todas as horas e de sempre. Já em Lisboa, o destino unirá Carlos Eduardo a Maria Eduarda. Vivem uma bela paixão até se descobrirem irmãos. O romântico e o trágico fazem parte da mesma história. Só restará a amargura do sofrimento e da separação.
João da Ega (Selton Mello) é o anarquista satânico. Mefistófeles lhe inspira a forma de viver. Teve a sorte de uma mãe rica, o que lhe permitiu a eterna condição de estudante e de escritor sem obra. Arrasa as tradições, a moral e os bons costumes. É o personagem mais alegre e fantástico, já no livro. Imagina então, este personagem com os recursos da dramaturgia. No livro será sempre o portador das tragédias do destino. Isso lhe será poupado na minissérie. Maria Monforte cumprirá este papel. João da Ega contrasta maravilhosamente com Tomás Alencar (Osmar Prado), o grande poeta romântico e presença constante na vida cultural de Lisboa.
Darei ainda destaque a quatro outros personagens. A Joaquim Castro Gomes (Paulo Betti), o marido da bela Maria Eduarda. Marido não. Ele a mantém a soldo. As desventuras da infeliz vida de Maria Eduarda. Outra personagem fabulosa é Maria Gomes (Eva Vilma), uma espécie de amiga e confidente de D. Afonso. Pelo lado da safadeza e canalhice merece destaque o Dâmaso Salcede (Otávio Müller), fofoqueiro inconsequente e maldoso e Palma Cavalão (Antônio Colloni), jornalista venal, já naquela época.
O maravilhoso poeta romântico, Tomás de Alencar. Terá disputas literárias contundentes com João da Ega. São os grandes personagens cômicos e de certa forma anunciantes da tragédia.
Em suma, uma complementação extraordinária. Os recursos da dramaturgia abrilhantaram a obra. As características dos personagens e seus credos foram reforçados e creio que, também a interação entre Maria Adelaide Amaral e o diretor Luiz Fernando Carvalho foi um trabalho artesanal, feito com muito cuidado. Conseguiram transformar uma obra prima em outra obra prima, da qual Luís Fernando Veríssimo disse que "tudo contribuiu para o clima exato do começo ao fim". Foram 940 minutos de entretenimento, muito prazerosos e de muita aprendizagem. Gostaria de voltar a ser professor, mas não em escola de aulas cronometradas e obrigatórias para aproveitar todos esses ricos e maravilhosos recursos didáticos. Volto aos Maias com Maria Adelaide Amaral e alguns extras da minissérie.
Darei ainda destaque a quatro outros personagens. A Joaquim Castro Gomes (Paulo Betti), o marido da bela Maria Eduarda. Marido não. Ele a mantém a soldo. As desventuras da infeliz vida de Maria Eduarda. Outra personagem fabulosa é Maria Gomes (Eva Vilma), uma espécie de amiga e confidente de D. Afonso. Pelo lado da safadeza e canalhice merece destaque o Dâmaso Salcede (Otávio Müller), fofoqueiro inconsequente e maldoso e Palma Cavalão (Antônio Colloni), jornalista venal, já naquela época.
O maravilhoso poeta romântico, Tomás de Alencar. Terá disputas literárias contundentes com João da Ega. São os grandes personagens cômicos e de certa forma anunciantes da tragédia.
Em suma, uma complementação extraordinária. Os recursos da dramaturgia abrilhantaram a obra. As características dos personagens e seus credos foram reforçados e creio que, também a interação entre Maria Adelaide Amaral e o diretor Luiz Fernando Carvalho foi um trabalho artesanal, feito com muito cuidado. Conseguiram transformar uma obra prima em outra obra prima, da qual Luís Fernando Veríssimo disse que "tudo contribuiu para o clima exato do começo ao fim". Foram 940 minutos de entretenimento, muito prazerosos e de muita aprendizagem. Gostaria de voltar a ser professor, mas não em escola de aulas cronometradas e obrigatórias para aproveitar todos esses ricos e maravilhosos recursos didáticos. Volto aos Maias com Maria Adelaide Amaral e alguns extras da minissérie.