Sempre é bom ler clássicos. Deve existir uma razão muito forte para eles sobreviverem ao tempo. Eles tem o que dizer. Terminei de ler Os Maias, de Eça de Queirós. Já tinha lido A Relíquia. Na verdade, foi este livro que me levou ao Os Maias. A qualidade que mais gostei deste escritor é, sem sombra de dúvida, a sua ironia, forte e escancarada em A Relíquia e bem mais sutil em Os Maias. Para situar e datar o livro, ele foi escrito em 1888 e o autor pertence à escola do realismo. Um retrato da segunda metade do século XIX. A edição brasileira, da Ateliê Editorial, tem 486 páginas. O livro está dividido em 18 capítulos, sendo que os primeiros e os últimos são os mais andantes e os mais reveladores.
Edição brasileira de Os maias. Reimpressão de 2012. Da Ateliê Editorial.
Edição brasileira de Os maias. Reimpressão de 2012. Da Ateliê Editorial.
Das últimas páginas destaco algumas frases, ditas pelos dois grandes protagonistas da obra, Calos da Maia e João da Ega. Depois de todas as desventuras do destino, Ega assim se dirige a Carlos, o grande amigo: " - Falhamos a vida, menino"! Ao que Carlos responde: " - Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: 'vou ser assim, porque a beleza está em ser assim'. E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado...." Mais adiante os dois continuam:
"... Ega não se admirava. Só ali no Ramalhete ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida - a paixão. Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega! - E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão... Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim... [...] - Resumo: não vale a pena viver..." Mais adiante arrematam:
" - Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma... Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras: - Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...". É bom dar uma conferida. Em que ano mesmo, o livro foi escrito? Em 1888. A segunda metade do século XIX. Certamente isso ajuda a entender muita coisa.
Eça de Queirós. Em Os Maias, três gerações da família são descritas. Junto com elas, também toda a sociedade portuguesa da época.
Em 18 capítulos estão contadas as histórias de três gerações dos Maias. A de Afonso, o avô, a de Pedro, que terá um relato muito breve, tão breve quanto o fora a sua infeliz vida e, a de Carlos, o neto adorado de Afonso. Se a passagem de Pedro é breve, as consequências de seus atos é que movem, em grande parte, toda a parte final da história. Pedro tivera um amor burguês, não nobre e aristocrático, portanto. Maria Monforte teve outros amores que levaram Pedro ao suicídio, deixando, porém, para Afonso o seu querido neto, Carlos. Soube-se vagamente que Carlos tivera uma irmã, falecida em Londres. Pedro era frágil. Fora educado pela mãe e pelo padre...
Carlos teve requinte em sua formação. Um preceptor inglês e nada de religião. Coimbra entrou em sua vida. Não o curso de direito, que seria a trajetória normal. Carlos optara pela medicina. Creio que dá para dizer que nunca a exerceu profissionalmente. Dinheiro nunca fora um problema para os Maias. Escola é lugar de formação de amizades. Em Coimbra Carlos encontrou o seu maior amigo, o amigo de toda uma vida. João da Ega, um personagem fabuloso e fantástico e de um humor extraordinário. Uma vida apimentada de amores. Os amores da juventude.
Tudo se desenvolvia num grande fausto. Em Santa Eulália, no Douro, uma espécie de refúgio. No Ramalhete, o palacete dos Maias em Lisboa, onde as delícias e o fado da vida aconteciam. Ali também ocorre a morte de Afonso, em parte pela idade, mas também com uma boa dose de armadilhas do destino e do desatino. Também existe a Toca, onde Carlos vive, tanto o seu grande amor, quanto a sua grande tragédia. Maria Eduarda. Preocupações com trabalho e dinheiro, ao menos por parte dos Maias, nunca fizeram parte da vida destes felizes ou infelizes afortunados.
O autor junto com a sua obra. Eça de Queirós e Os Maias.
Muitas amizades, muitos jantares, muitas idas a Sintra. Muitos saraus literários, muita música e muito piano. Muitas queixas da vida cultural pobre de Lisboa. Sempre miravam Paris. A Europa acabava junto aos Pirineus. Muitas picuinhas e intrigas e até jornais da imprensa marrom, com tentativas de chantagens fenomenais também fazem parte da história. Ainda sobra para muita mesquinharia e covardia. Até um brasileiro, Castro Gomes, entra na história, com um papel, de certa forma, preponderante. Faz parte da trágica história de Maria Eduarda.
Todo o rico final do século XIX está presente, especialmente, nos debates dos jantares. Como viram nas frases tomadas das últimas páginas do livro,o iluminismo e o racionalismo já está entremeado de pitadas de romantismo, nas discussões filosóficas, enquanto que o realismo e o naturalismo serve de cenário para os embates literários. Mas o que prevalece será a tragédia com os mistérios insondáveis, invariavelmente e implacavelmente impostos pelo destino e sempre presentes no Ramalhete. Que Carlos e Maria Eduarda o digam e expliquem. Esta parte final fica como página em branco, no grande romance. Carlos...
A minha próxima tarefa, depois de ler, será a de ver Os Maias. A minissérie produzida pela Rede Globo, sob a direção de Maria Adelaide Amaral. Serão 940 minutos que, imagino eu, serão tão agradáveis, quanto as várias horas dedicadas a leitura do livro. Depois eu conto. Mas antes, deixo o registro do comentário de Luis Fernando Veríssimo.
A Rede Globo transformou Os Maias em uma minissérie. Minha próxima tarefa.
"[...] Durante todo o tempo em que assisti a "Os Maias" na televisão pensei no termo musical "andante majestoso",. Não que o andamento da ação fosse invariável e pesado. Pelo contrário, a câmera extraordinariamente móvel do Luiz Fernando Carvalho 'frequentou', mais do que retratou, a frívola Lisboa da época e todas as atmosferas do romance. Mas no fundo havia aquela progressão majestosa, desde a primeira cena, para o desenlace, a câmera andante nos levando como um lento tema trágico que repassa uma sinfonia. Nunca uma câmera de TV foi tão cúmplice e envolvente, nunca a TV foi tão romântica. Tudo contribui para o clima exato do começo ao fim, a começar pela adaptação habilíssima que Maria Adelaide Amaral fez dos "episódios da vida romântica do Eça, e incluindo as interpretações, todas perfeitas. Mas a estrela do espetáculo é o olhar do diretor Luiz Fernando Carvalho, que com "Os Maias" quase inaugura outra arte inédita".
"... Ega não se admirava. Só ali no Ramalhete ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida - a paixão. Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega! - E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão... Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim... [...] - Resumo: não vale a pena viver..." Mais adiante arrematam:
" - Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma... Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras: - Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...". É bom dar uma conferida. Em que ano mesmo, o livro foi escrito? Em 1888. A segunda metade do século XIX. Certamente isso ajuda a entender muita coisa.
Eça de Queirós. Em Os Maias, três gerações da família são descritas. Junto com elas, também toda a sociedade portuguesa da época.
Em 18 capítulos estão contadas as histórias de três gerações dos Maias. A de Afonso, o avô, a de Pedro, que terá um relato muito breve, tão breve quanto o fora a sua infeliz vida e, a de Carlos, o neto adorado de Afonso. Se a passagem de Pedro é breve, as consequências de seus atos é que movem, em grande parte, toda a parte final da história. Pedro tivera um amor burguês, não nobre e aristocrático, portanto. Maria Monforte teve outros amores que levaram Pedro ao suicídio, deixando, porém, para Afonso o seu querido neto, Carlos. Soube-se vagamente que Carlos tivera uma irmã, falecida em Londres. Pedro era frágil. Fora educado pela mãe e pelo padre...
Carlos teve requinte em sua formação. Um preceptor inglês e nada de religião. Coimbra entrou em sua vida. Não o curso de direito, que seria a trajetória normal. Carlos optara pela medicina. Creio que dá para dizer que nunca a exerceu profissionalmente. Dinheiro nunca fora um problema para os Maias. Escola é lugar de formação de amizades. Em Coimbra Carlos encontrou o seu maior amigo, o amigo de toda uma vida. João da Ega, um personagem fabuloso e fantástico e de um humor extraordinário. Uma vida apimentada de amores. Os amores da juventude.
Tudo se desenvolvia num grande fausto. Em Santa Eulália, no Douro, uma espécie de refúgio. No Ramalhete, o palacete dos Maias em Lisboa, onde as delícias e o fado da vida aconteciam. Ali também ocorre a morte de Afonso, em parte pela idade, mas também com uma boa dose de armadilhas do destino e do desatino. Também existe a Toca, onde Carlos vive, tanto o seu grande amor, quanto a sua grande tragédia. Maria Eduarda. Preocupações com trabalho e dinheiro, ao menos por parte dos Maias, nunca fizeram parte da vida destes felizes ou infelizes afortunados.
O autor junto com a sua obra. Eça de Queirós e Os Maias.
Muitas amizades, muitos jantares, muitas idas a Sintra. Muitos saraus literários, muita música e muito piano. Muitas queixas da vida cultural pobre de Lisboa. Sempre miravam Paris. A Europa acabava junto aos Pirineus. Muitas picuinhas e intrigas e até jornais da imprensa marrom, com tentativas de chantagens fenomenais também fazem parte da história. Ainda sobra para muita mesquinharia e covardia. Até um brasileiro, Castro Gomes, entra na história, com um papel, de certa forma, preponderante. Faz parte da trágica história de Maria Eduarda.
Todo o rico final do século XIX está presente, especialmente, nos debates dos jantares. Como viram nas frases tomadas das últimas páginas do livro,o iluminismo e o racionalismo já está entremeado de pitadas de romantismo, nas discussões filosóficas, enquanto que o realismo e o naturalismo serve de cenário para os embates literários. Mas o que prevalece será a tragédia com os mistérios insondáveis, invariavelmente e implacavelmente impostos pelo destino e sempre presentes no Ramalhete. Que Carlos e Maria Eduarda o digam e expliquem. Esta parte final fica como página em branco, no grande romance. Carlos...
A minha próxima tarefa, depois de ler, será a de ver Os Maias. A minissérie produzida pela Rede Globo, sob a direção de Maria Adelaide Amaral. Serão 940 minutos que, imagino eu, serão tão agradáveis, quanto as várias horas dedicadas a leitura do livro. Depois eu conto. Mas antes, deixo o registro do comentário de Luis Fernando Veríssimo.
A Rede Globo transformou Os Maias em uma minissérie. Minha próxima tarefa.
"[...] Durante todo o tempo em que assisti a "Os Maias" na televisão pensei no termo musical "andante majestoso",. Não que o andamento da ação fosse invariável e pesado. Pelo contrário, a câmera extraordinariamente móvel do Luiz Fernando Carvalho 'frequentou', mais do que retratou, a frívola Lisboa da época e todas as atmosferas do romance. Mas no fundo havia aquela progressão majestosa, desde a primeira cena, para o desenlace, a câmera andante nos levando como um lento tema trágico que repassa uma sinfonia. Nunca uma câmera de TV foi tão cúmplice e envolvente, nunca a TV foi tão romântica. Tudo contribui para o clima exato do começo ao fim, a começar pela adaptação habilíssima que Maria Adelaide Amaral fez dos "episódios da vida romântica do Eça, e incluindo as interpretações, todas perfeitas. Mas a estrela do espetáculo é o olhar do diretor Luiz Fernando Carvalho, que com "Os Maias" quase inaugura outra arte inédita".
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