segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Uma tarde com Sebastião Salgado.

Quinta feira, dia 6 de novembro de 2014.  Centro de Convenções de Curitiba. Uma tarde maravilhosa e inesquecível. Aquelas tardes de tomar novo fôlego. Estava marcado um encontro com o fotógrafo Sebastião Salgado.  Soube do encontro pelo rádio e pelo jornal. Seria as 16:30 horas, entrada gratuita. 1.700 lugares, por ordem de chegada. Como Curitiba não tem uma grande tradição cultural, calculei que chegar com uma hora de antecedência seria mais do que suficiente. A fila estava na esquina da outra rua e por muito pouco não desisti. Enquanto me lamentava interiormente, fui até o final da fila para dar uma conferida. Tinha uma mocinha distribuindo ingressos. Opa! a entrada estava garantida.
Lá do fundo do Centro de Convenções, acompanhando já a fase final do encontro, a das perguntas, com Sebastião Salgado.


Na sua fala simplesmente relatou a sua vida. A sua infância em Minas Gerais, na fazenda com os pais. A mata atlântica, os animais e os pássaro, as flores, a beleza das montanhas lhe deram a primeira bela paisagem. "Queria enxergar o que havia para além das montanhas", nos disse o fotógrafo. Depois dos primeiros estudos, Vitória foi o seu destino. O curso de direito estava na mira, não dele, mas de seu pai.

Sebastião Salgado, neste momento de sua formação, viveu um intenso debate de uma Nação querendo se constituir e buscando a sua identidade. O campo de estudo, agora escolha sua, foi a economia. Os estudos de Celso Furtado, a criação da SUDENE, os projetos da CEPAL o influenciaram na escolha. A continuidade em seus estudos o levou para São Paulo, para a USP, para o único curso de pós-graduação na área, nesta época. Foi também o período em que a democracia e as reformas estruturais, de base, foram travadas por um golpe civil militar, que redirecionou a sua vida. Ele integrava uma lista de indesejados do novo regime. Novos estudos o levaram a Paris, sempre na área de economia.
Na fase das perguntas, fui me movimentando. Cheguei na primeira fila. Deixo o registro.


Neste tempo viajou bastante pela Europa, ocasião em que comprou a sua primeira câmara fotográfica. Bendita compra. Nunca mais parou de fotografar. Tinha os seus 27 anos de idade e na mente uma forte imagem. As transformações no mundo da produção com as máquinas inteligentes e os processos de automação. Isso movimentou o mundo do trabalho e causou dores e sofrimentos aos trabalhadores. Outra imagem forte também o ocupou. A transformação do Brasil num país urbano.  Um mundo em transformação, com grandes movimentações sociais em busca de readequação de suas vidas, ou de simples sobrevivência. Estava escolhido o tema de suas fotografias. A movimentação dos trabalhadores em busca de uma sobrevida no sistema capitalista. A este projeto denominou de Trabalhadores.
Este quadro é da minha casa. É da fase Trabalhadores. O MST.


Novas viagens o levaram para a África, envolvida em guerras civis violentas, após o processo de descolonização. Outras guerras ocorreram na Europa e no oriente Médio. Tudo isso causou muito sofrimento e muita dor. Todas as guerras foram muito absurdas, como o são todas as guerras. Muito sofrimento humano. Massas em fuga e morte ou matanças em massa. Contou que chegou a presenciar 20.000 mortes e um único dia. O sofrimento dessas massas, ou morrendo ou em fuga, foram a nova temática de sua fotografia. O projeto se chamou de Êxodos.
O cenário para o encontro estava preparado.

A partir daí veio, para mim, a parte mais importante de sua fala. "Perdi toda a crença na humanidade. perdi toda vontade de fotografar", nos confidenciou ele. Foi ao médico. "O senhor não está doente, mas vai morrer", continuou a nos confidenciar. Precisaria de um novo projeto. Voltou para as suas origens, em Minas Gerais. A fazenda da família estava destroçada pelo desmatamento e pela erosão, quase sem vida, como ele também. Montou um grande projeto e andou mundo afora buscando financiamento para a recuperação ambiental. O crescimento das árvores, das flores e da volta dos pássaros devolveu a vida para a fazenda e, também, para ele. "O homem só vive em integração com a natureza". Esta foi a sua nova descoberta e se constitui no novo projeto de vida e, diga-se, com quanta vitalidade.

Nasce o projeto Gênesis. Fotografar as origens, o primitivo, o preservado, o inexplorado. Aquilo que ainda está como esteve em suas origens, em sua gênese. Viajei pelos pontos extremos do planeta, encontrei povos que ainda viviam no Antigo Testamento, outros em condições inimagináveis. Fotografei tartarugas gigantes, jacarés famintos e convivi com a fúria da natureza, em vingança pelo aquecimento global. Rastejei com as tartarugas e com os jacarés, compreendendo que a vida do homem é conviver com  a natureza, num grande projeto cósmico, numa grande harmonia com o universo. Prestou uma homenagem a Darwin, que, de acordo com a sua visão, foi o maior de todos os homens, por ter visto a evolução neste grande movimento cósmico do universo.
O livro do projeto Gênesis. Exposição homônima no MON até 15 de março de 2015.


Foi uma tarde maravilhosa, de total encantamento, uma tarde, como já falei, de tomar fôlego. As fontes da vida e da vitalidade. Nesta mesma quinta feira foi aberta a exposição Gênesis, no museu Oscar Niemeyer e lá permanecerá até 15 de março de 2015. As principais fotografias desta exposição também podem ser compradas com o livro Gênesis, de mais de 500 páginas de fotografias, acompanhadas de um encarte explicativo das mesmas. É uma edição primorosa da Taschen, ao custo de R$ 160,00.

  

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