sexta-feira, 31 de março de 2017

Doutor Jivago. Boris Pasternak. O Filme

Depois de atenta leitura do livro Doutor Jivago, ficou mais fácil assistir a sua versão espetacular para o cinema. Tudo fora preparado para ser efetivamente uma versão grandiosa. Três pessoas, em particular, foram as responsáveis pela sua efetivação. O produtor Carlo Ponti que se empenhou em buscar financiamento, David Lean, um entusiasta da obra, tida por ele como o melhor romance que já tinha lido e Robert Bolt, o roteirista do filme.

Creio que todos imaginam a dificuldade que foi levar esta obra para o cinema. Necessariamente deveria haver recortes. A primeira impressão que tive, ao rever o filme, após a leitura do livro foi a de que houve uma clara preferência pela romantização da obra. Ao ler os comentários da Coleção Folha - Clássicos do cinema, versão que eu vi,  deparei com as brigas que houve entre o diretor e o roteirista em torno da opção que deveria ser privilegiada.


Robert Bolt tinha uma clara preferência pelos aspectos políticos. Jivago era um nobre, que fora envolvido pelo destino histórico em um turbilhão de ocorrências políticas. A Primeira Guerra Mundial, A Revolução Comunista de 1917 e a Guerra Civil decorrente e mais os fatos relacionados com a implementação do novo regime político e econômico. Já David Lean, com a sua visão de diretor preferiu a opção em torno da romantização dos amores, digamos impossíveis, do casal. As brigas foram enormes e em função delas, os dois chegaram a ficar rompidos por algum tempo. Uma escolha realmente difícil. Prevaleceu a versão romântica, para a qual o tema musical - o tema de Lara - em muito contribuiu.

O livro é dividido em duas partes, divididas exatamente pela irrupção da Revolução. Na primeira parte do livro, os personagens mal e mal se conheceram. Uma vez se encontraram numa festa natalina e outra no front da Primeira Guerra, em que trabalharam, ele como médico e ela como enfermeira. No filme o tema de Lara não para de tocar. Tanto Jivago, quanto Lara eram casados. Foram separados, e tudo indicava que apenas temporariamente, em função dos tristes tempos vividos, que todos esperavam ter um rápido final. Apenas Lara tivera notícias sobre uma possível morte do marido. Mas ele reaparece em cena, sob o nome de Strelnikov, um importante militar do Exército Vermelho. Se dedicou mais à Revolução do que ao casamento.

Na segunda parte do livro, de formas diferentes, Lara e Jivago vão aos distantes Montes Urais, para a cidade e Iuriatin e à localidade de Varikino. Aí realmente a história de amor toma forma mais concreta. Jivago procurou se distanciar das questões ideológicas. Foi sequestrado pelo Exército Vermelho, para nele trabalhar, prestando seus serviços na qualidade de médico. Ao fugir deste trabalho, para voltar para Iuriatin, passou a ser visto como desertor e nesta condição, tanto ele, quanto ela, seriam presos por uma mera questão de tempo.

Eles não tiveram vida fácil para viverem o grande amor, mas que por isso mesmo, ganhou muito em dramaticidade. Não existe final feliz em meio a estes terríveis acontecimentos. Robert Bolt usa, tanto para a abertura da narrativa, quanto para o seu encerramento, o epílogo do livro, ao juntar o irmão de Jivago, general do Exército Vermelho e Tânia Larissa, a filha de Lara com o Doutor Jivago, para iniciar e encerrar a história.

O filme é de 1965, foi dirigido, como vimos, por David Lean e teve o roteiro adaptado por Robert Bolt. Omar Shariff interpretou o Doutor Jivago, Julie Christie, Lara  e Geraldine Chaplin, Tônia, a esposa de Jivago. Entre o grandioso elenco ainda merece destaque o ator Tom Courtenay que interpretou Pasha Antipova e Strelnikov, o marido de Lara. Como prêmio levou cinco Oscars. Melhor direção de arte, melhor fotografia, melhor figurino, melhor trilha sonora e melhor roteiro adaptado.

A crítica não foi tão generosa com o filme, exatamente pelo seu caráter exageradamente romântico, prejudicando a visão política deste importante e ímpar momento da história. Também a aparição exagerada do Tema de Lara foi bastante criticada. Tem 120 minutos de duração. Entre a primeira redação deste post e a sua revisão vi Apocalipse now. Vendo este filme dá para acreditar que Doutor Jivago foi realmente muito romantizado.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Doutor Jivago. Boris Pasternak. O Livro.

Há muito tempo tinha vontade de ler Doutor Jivago. Já tinha visto o filme várias vezes, o que sempre mais me despertou a curiosidade em lê-lo. Tomei a firme decisão, ao ver o livro numa lista de Vargas Llosa, sobre os nove maiores livros da literatura mundial de todos os tempos. Comprei a edição da BestBolso, edição de bolso, portanto. A tradução é direta da língua russa e foi feita por Zoia Prestes, tem prefácio de Marco Lucchesi e tem 751 páginas. O livro contem também as poesias de Pasternak.
A edição de Doutor Jivago da BestBolso. 751 páginas.


Vamos situar primeiramente o autor. Pasternak nasceu em 1890 e morreu em 1960. Foi um testemunho vivo dos maiores acontecimentos da história da humanidade, ao menos naquilo que se refere às suas grandes tragédias. O fim do czarismo russo, a primeira guerra mundial, a Revolução Comunista de 1917, a guerra civil que a seguiu, e, ainda, a própria Segunda Guerra Mundial. Todos estes episódios serviram de cenário para a sua grande obra prima. Ele pertencia aos quadros da nobreza.

Doutor Jivago aparece pela primeira vez na Itália, onde o livro foi publicado em 1957. Isso não fora possível na União Soviética devido aos problemas com a censura. Já em 1958 Boris Pasternak foi laureado com o Prêmio Nobel, prêmio que foi impedido de receber, também em função do regime soviético. Na Rússia ele foi publicado oficialmente, apenas em 1988, já no tempo da abertura política daquele país. Pasternak figura entre os grandes romancistas russos, e é colocado em nível paralelo a Dostoiévski e Tolstói.

A grandeza do livro está na descrição psicológica dos personagens, todos marcados por grandes conflitos. Conflitos amorosos e afetivos, psicológicos e religiosos e acima de tudo ideológicos, prevalecendo sempre a força da individualidade. Todos os grandes escritores russos aparecem ao longo da obra e com eles Pasternak mantém belos diálogos.

O romance é uma das grandes fontes para se estudar a história europeia da primeira metade do século XX.  Primeiro a guerra russo japonesa dos anos 1904 - 1905, depois a Primeira Guerra Mundial 1914 - 1918, as revoluções russas de fevereiro e outubro de 1917, a guerra civil dela decorrente, chegando até a Segunda Guerra Mundial. O grande tema é a privação e o sofrimento trazidos por estes conflitos, que definitivamente sepultaram as esperanças da humanidade em torno dos progressos trazidos pela racionalidade. A Revolução Russa marca a divisão do romance em suas duas partes.

Em meio a este cenário vão sendo construídos os grandes personagens do romance. Eles aparecem no início do livro, em lista. É bom verificar, pois sendo o romance muito extenso e, muitas vezes eles aparecerem com seus apelidos, é interessante verificar - para não se perder, entre tantos outros personagens mais periféricos. Os dois personagens centrais são obviamente o Doutor Jivago e Lara. Jivago é Iúri Andreeivitch e Lara é Larissa Fiodorovitch. Dois outros personagens também merecem atenção. São eles Antipov, Pavel Pavlovitch ou Pacha, que depois reaparece como Strelnikov que é o marido de Lara e Antonina Aleksandrova, a Tônia, a esposa de Jivago.

Outro personagem sempre presente é Komarovski, um inescrupuloso mas influente advogado de Moscou, que seduziu Lara em seus ternos anos e que reaparece, já ao final da história. A guerra, a Revolução e a guerra civil destroça todas a relações afetivas e amorosas. E é nestas circunstâncias que ocorre a grande paixão do romance e que torna Jivago e Lara os grandes personagens do romance. Eles se encontram apenas na segunda parte, embora já se tenham visto na primeira, chegando, inclusive, a trabalhar juntos, ele como médico e ela como enfermeira. Eles se encontrarão nos confins da Rússia, para onde fugiram de diferentes maneiras, para se protegerem do sistema. Iuriatin e a pequena Varikino servem de cenário para as dúvidas, sofrimentos e alegrias do casal que se apaixonara perdidamente. Um grande amor temperado com muito sofrimento. O casal se separa em ação aparentemente protetora de Komarovski.

Não poderia haver final feliz num romance desta natureza, em meio a estes terríveis cenários. A decadência de Jivago o leva quase à loucura e um ataque cardíaco fulminante, por conta de um enorme esforço, lhe ceifa a vida.  Por muita coincidência Lara o encontra em sua morte. Lara conta aos amigos de Jivago o seu triste final, mas o narrador praticamente oculta os seus tristes momentos vividos com o terrível Komarovski.  Depois ela simplesmente desaparece. Já estamos ao final dos anos 1920. Existem duas referências explícitas ao período da Nova Política Econômica (NEP), mostrando-a como uma época de muita confusão e, nenhuma referência a Stálin.

A narrativa, em um epílogo, nos leva até o ano de 1943, já em plena Segunda Guerra Mundial. Lá encontraremos Gordon e Dudorov, amigos de Jivago. Aparece também o general Jivago, irmão de Iuri, que encontra Tânia Larissa, filha de Lara, que conta a ele as suas desventuras de filha em tempos de aflições. Era a filha de Iuri com Lara.

Termino com uma citação do epílogo que reflete o caráter ideológico da obra. A considerei a mais explícita no que se refere à posição de Pasternak com relação ao regime. Quem a profere é um dos amigos de Jivago; "Acho que a coletivização foi um erro e um fracasso e, que porque isso não podia ser admitido, tínhamos que usar todos os meios de intimidação, desacostumar as pessoas a julgar e pensar, forçá-las a ver algo inexistente e provar o contrário da evidência" (Página 693-4).

A obra foi levada ao cinema, em 1965. O filme se tornou praticamente mais famoso do que o livro. Ganhou vários prêmios e foi imortalizado pela música - pelo Tema de Lara. Sobre isso falo em outro post.

quinta-feira, 23 de março de 2017

A terceirização total. Veja os deputados paranaenses que rasgaram a CLT.

Ontem foi um dos dias mais tristes da história deste país. A Câmara dos deputados retomou um projeto de 1998, dos tempos de Fernando Henrique Cardoso, que simplesmente acabou com os direitos dos trabalhadores ao permitir a terceirização de todo os tipos de trabalho, atividades meio e atividades fim, tanto no serviço público, quanto no setor privado.

A carteira de trabalho sendo substituída por contratos de terceirização.


A figura, ou o fantasma de Fernando Henrique Cardoso ainda assombra a política brasileira, como o intelectual orgânico de todas as perversidades neoliberais. Tem também muitos asseclas. O esforço dele em destruir o conceito de Nação, de Pátria é inaudito. Quer, a todo custo, substituí-lo pela palavra mercado. Ele sempre designa o Brasil como um mercado emergente. E os valores do mercado vocês conhecem. Competição.... competição.... Lucro... lucro. No diagnóstico de Hobbes é a luta de todos contra todos, do homem como lobo do homem. E olha, que ele tinha visto muito pouco do emergente sistema capitalista.

Quero deixar com vocês a frase de despedida do Senado de FHC, em dezembro de 1994, para ver em profundidade o espírito que norteia o seu pensamento: "Resta um pedaço do nosso passado que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da "era Vargas" ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista". (Do livro de Léo Almeida Neves Privatizações de FHC - A era Vargas continua, página 31. Lembrando que Vargas foi o grande construtor da Nação brasileira e quem instituiu a legislação trabalhista no Brasil, junto com o processo de industrialização.

Mas o objetivo deste post, é deixá-lo para a memória dos eleitores. Veja como votou o seu representante, isto é, se você ainda o considera assim. Lembre-se desta listinha quando você for votar em 2018. Neste espaço aqui, ela não se apaga. Veja como votou a bancada paranaense. Todos os favoráveis também foram favoráveis ao golpe de Estado de 2016. O golpe vai sendo... A sua construção é diária. A fonte é o "Congresso em Foco".  Como votaram apenas 24, de uma bancada de 30, constata-se também a ausência de 6  dos "nossos" representantes. Oportunamente também os apresentarei.

Alex Canziani PTB Sim
Alfredo Kaefer PSL Sim
Aliel Machado REDE Não
Assis do Couto PDT Não
Christiane de Souza Yared PR Não
Dilceu Sperafico PP Sim
Edmar Arruda PSD Sim
Enio Verri PT Não
Evandro Roman PSD Sim
Hermes Parcianello PMDB Não
Leandre PV Não
Leopoldo Meyer PSB Sim
Luciano Ducci PSB Sim
Luiz Carlos Hauly PSDB Sim
Luiz Nishimori PR Sim
Nelson Meurer PP Sim
Nelson Padovani PSDB Sim
Osmar Bertoldi DEM Sim
Reinhold Stephanes PSD Sim
Rubens Bueno PPS Sim
Sandro Alex PSD Sim
Sergio Souza PMDB Sim
Toninho Wandscheer PROS Sim
Zeca Dirceu PT Não
Total Paraná: 24
Em votação no Senado, no dia 11 de julho, os três senadores do Paraná votaram contra o projeto.

Um posto avançado do progresso. Joseph Conrad.

Um posto avançado do progresso precedeu a obra prima do grande novelista Joseph Conrad, Coração das trevas. Aquele data de 1896, enquanto que a sua obra prima data de 1899. Ambos tem origem numa viagem de Conrad ao coração das trevas, ou seja, ao interior da floresta africana (1890/1), mais precisamente, ao interior do Congo, observando os horrores do 'processo civilizatório' - o posto avançado do progresso - da colonização e o destroçamento psicológico das pessoas por ele causado.
Uma pequena novela está inserida no livro Coração das trevas.Um posto avançado do progresso.


Um posto avançado do progresso é uma novela, um tanto curta, mas bem mais explícita do que é Coração das trevas. Ela é formada por dois capítulos. No primeiro dois colonos, Kayerts e Carlier - chefe e assistente - chegam ao seu destino, um posto comercial em pleno coração das trevas, para a comercialização do marfim. Por necessidade eles tem a obrigação de se dar bem. Makola, um nativo, que já morava no posto avançado, completa o trio dos personagens principais. Kayerts está em busca de um dote para o casamento de sua filha.

A solidão é a maior companhia dos dois. Antes deles já havia um outro chefe, que morrera de febre. Uma cruz em sua sepultura sobrou como memória de sua passagem. Makola muito dele lhes contou. Ele deixou alguns pedaços de livros que lhes serviram de consolo, iniciando-os na leitura. Por ser muito bonito e estimulante para a leitura, transcrevo: "Os dois homens não entendiam nada, não atentavam a nada além da passagem dos dias que ainda os separava da volta do vapor. Seu antecessor abandonara alguns livros rasgados. Pegaram aqueles restos de romances, e, como nunca tinham lido nada do tipo surpreenderam-se e acharam graça". Passaram a contar com a companhia de Richelieu, D'Artagnan, do Pai Goriot e outros tantos personagens.

Mas a tônica mesmo é o processo civilizatório. Tinham encontrado também um jornal que discorria sobre a "Nossa expansão colonial". Ali se lia "numa linguagem bombástica. Falava muito dos direitos e deveres da civilização, do caráter sagrado da obra civilizatória, e louvava os méritos daqueles que partiam levando a luz, a fé e o comércio aos recantos mais escuros da terra". Isso consolava os dois. "Daqui a cem anos, pode ser que aqui exista uma cidade. Um porto, depósitos, e alojamentos, e - salões de bilhar. A civilização, meu rapaz, e a virtude  - e tudo o mais. E então as pessoas vão saber que estes dois sujeitos, Kayerts e Carlier, foram os primeiros homens civilizados a morar neste exato lugar", falou Carlier com o assentimento de Kayerts.

Ao final do primeiro capítulo aparecem visitantes que prenunciam problemas. No posto havia também dez negros a serviço da companhia, para os serviços gerais. Sempre foram qualificados como péssimos trabalhadores. Os visitantes eram comerciantes de marfim. Quem estabelece negociações com eles será Makola. O medo se instaurou no posto e recebe uma belíssima descrição. Quando a paz volta a reinar, os dois estão sozinhos no posto, mais Makola e os seus e - um monte de marfim, da melhor qualidade. Makola negociara os negros como carregadores de marfim em troca de uma boa quantidade deste. Transformara assim Kayerts em traficante, algo abominável para os novos conceitos civilizatórios.

Tendo conseguido o objetivo da posse do marfim, procuram acalmar a consciência, enquanto aguardavam a chegada do vapor que os devolveria à Europa. Mas este não chega. Os dois começam a se desentender. Os alimentos escasseiam. Brigam por causa dos últimos torrões de açúcar, numa bela descrição do que são as relações de poder. Extenuados pela briga, Kayerts mata o agora inimigo e, ainda por cima, descobre que o matara, estando ele desarmado. Os conceitos de traficante, assassino e covarde lhe assombram a consciência. Makola anuncia a chegada do vapor em meio a densa neblina, mas ele já "achava a vida mais terrível e difícil do que a morte".

Na chegada, o comandante do vapor, mesmo sendo um homem experiente, se desconcerta com a cena vista e " procurou nos bolsos (uma faca) enquanto contemplava Kayerts, que pendia da cruz por uma correia de couro amarrada ao pescoço. Evidentemente subira na sepultura, que era alta e estreita  e, depois de prender a ponta da correia ao braço da cruz, atirara-se de lá.  Seus dedos dos pés pairavam a poucos centímetros do chão; os braços pendiam inertes; ele parecia em rígida posição de sentido, mas com uma das faces arroxeadas apoiada no ombro. E, irreverente, mostrava uma língua inchada para o seu diretor-geral". Pagara o preço do processo civilizatório no posto avançado do progresso.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Coração das trevas. Joseph Conrad.

Cheguei a Coração das trevas por uma indicação de Vargas Llosa, no Portal Raízes, quando este indica nove livros que todos deveriam ler. Para não deixar ninguém curioso eu os apresento: 1. A Senhora Dolloway - Virgínia Woolf; 2. Lolita - Vladimir Nobokov; 3. Coração das trevas - Joseph Conrad; 4. Trópico de Câncer - Henry Miller; 5. Auto de fé - Elias Canetti; 6. O Grande Gatsby - Scott Fitzgerald; 7. Doutor Jivago - Boris Pasternak; 8. O Gattopardo - Tomasi di Lampedusa; 9. Opiniões de um palhaço - Heirich Böll.

Para lê-lo comprei a edição da Companhia das Letras, 3ª reimpressão, 2015. Ela é valiosa por um posfácio de Luiz Felipe de Alencastro. Coisa de conhecedor. Esta edição traz ainda uma outra novela de Conrad, Um posto avançado do progresso, (1896) que envolve o mesmo tema, qual seja, o das atrocidades cometidas na colonização da África, mais precisamente da República do Congo, o antigo Congo Belga. Coração das trevas  foi escrito em 1899.
A edição da Companhia das Letras. O livro foi escrito em 1899.

Como não conhecia o autor e como o livro não tem um prefácio fui ao posfácio mas, efetivamente, se trata de um posfácio. O livro é uma novela que teve inspiração em uma viagem de seis meses que o escritor fez ao Congo entre os anos de 1890-1891. Conrad é polonês e viveu o drama do colonialismo ou do imperialismo em seu país. Depois do posfácio fui a leitura. Fui meio acompanhado de um sentimento de que eu não o estava entendendo direito, isto é, em toda a profundidade do seu significado. Voltei ao posfácio. Este é extremamente esclarecedor. Veja com o que eu me deparei:

"Ensaios e comentários críticos sobre Coração das trevas privilegiam, de maneira geral, duas linhas de interpretação em boa medida  complementares. A primeira, cujo conteúdo está sobretudo explicitado na metade inicial do texto, concerne à desumanização e à violência engendradas pelo colonialismo europeu na África. Mais baseada na outra metade da novela, a segunda leitura aponta para a inquietação existencial e o desregramento de indivíduos confrontados com a ruptura dos laços sociais". Perfeito.

Fiz duas anotações a respeito da primeira parte: A primeira se refere ao - tudo é permitido - para o colonizador: "Ah, não. Céus! Existe afinal no mundo uma situação que permite a um homem roubar cavalos enquanto outro sequer tem o direito de pôr os olhos num cabresto". A segunda é mais profunda  e se refere ao caráter da missão 'civilizatória' dos colonizadores. Uma espécie de dever a cumprir: É retirada de uns papéis encontrados pelo narrador, que os apresenta. Eles teriam sido escritos por Kurtz, sempre apresentado como um 'homem notável': "O parágrafo inicial, entretanto, à luz do que fiquei sabendo mais tarde, hoje me parece especialmente inauspicioso. Começa com o argumento de que nós, os brancos, em função do grau de desenvolvimento a que chegamos, 'devemos necessariamente ser vistos por eles [os selvagens] como seres sobrenaturais - chegamos a eles com um poder que parece próprio de uma divindade', e assim por diante. 'Pelo simples exercício de nossa vontade, podemos exercer um poder praticamente ilimitado para o bem' etc. etc.". 

A segunda parte está no terceiro capítulo da novela, enquanto que a primeira está nos dois primeiros. O grande drama existencial de Kurtz, que está à beira da morte e que efetivamente irá morrer é a descrição dele feita por um arlequim russo que, com seus conhecimentos protelara a sua morte, porque acreditava que o 'notável homem' tinha o que dizer, - mostra a sua solidão e abandono, - embora toda a fortuna feita com o comércio do marfim. A palavra mais repetida é palavra "horror". Quanto aos desregramentos confrontados com a ruptura dos laços sociais, entra em cena a namorada de Kurtz, apresentada apenas como a Prometida. Um diálogo entre ela e arlequim russo encerra a novela.

Ela quer tudo saber sobre o amado, uma vez que era o Arlequim que mais sabia sobre ele. Ele lhe diz que a última palavra que ele proferira, ao morrer, foi o nome dela, ao que ela responde: "Eu sabia - eu tinha certeza!...".  E o arlequim complementa o seu raciocínio: "Ela sabia. E tinha certeza. Ouvi que começava a chorar; escondera o rosto nas mãos. Pareceu-me que a casa fosse desmoronar antes que eu começasse a fugir, que os céus fossem desabar na minha cabeça. Mas nada aconteceu. Os céus não desabam por tais ninharias. Será que teriam desabado, eu me pergunto. se eu tivesse prestado a Kurtz a justiça que lhe era devida? Ele não me dissera que só queria justiça? Mas não consegui. Não podia contar a ela. Teria sido tenebroso demais - decididamente tenebroso demais..."

É um pedaço da história da África do final do século XIX em que se guerreava e matava sob a proteção de muitas majestades europeias, neste momento da história em que se brigava por marfim, mas também por borracha e por ouro e diamantes. E como antecedentes tivemos três séculos de tráfico negreiro. A história da humanidade é uma longa sequência de violências. Aliás, uma das frases favoritas de Kurtz sempre fora: "Exterminem todos os brutos".

Na sequência vou ler Um posto avançado do progresso, uma novela bem mais curtinha e também vou ver Apocalipse Now, o filme de Coppola sobre o Vietnã, sob a inspiração de Joseph Conrad. Depois eu conto.






sábado, 18 de março de 2017

O santo e a porca. Ariano Suassuna.

Conheci a obra de Ariano Suassuna, ainda em Umuarama, nos anos 1970. Lá havia o professor Carlos, que tinha uma verdadeira obsessão pelo grande escritor e promovia a encenação da peça Auto da Compadecida. Todos os méritos para o professor Carlos. Posteriormente a obra ganhou grande popularidade com a televisão. Retomo o contato com o autor através das indicações literárias cobradas por diferentes universidades brasileiras em seus vestibulares.

Desde os tempos de estudante Suassuna se envolveu com o teatro, participando de grupos que encenavam do clássico ao popular. Daí para escrever as suas peças foi um passo só. Os seus personagens são pessoas que foi conhecendo ao longo de sua vida, especialmente, em seus anos de formação, no interior da Paraíba e depois na cidade de Recife. A política muito cedo o tornou órfão de pai. Ele foi governador da Paraíba e assassinado no Rio de Janeiro, nos anos que antecederam os acontecimentos de 1930.
Uma bela edição. Apresentação do autor e contextualização da obra e ilustrações.

O santo e a porca foi escrita como uma peça de teatro. Fé popular e sovinice se somaram à ironia e à sátira e mais uma suposta esperteza, para formar uma verdadeira obra prima. O santo em questão é santo Antônio, o santo dos casamentos e também o santo da devoção de Euricão, o personagem principal da peça. Já a porca, fiz uma fácil associação dos tempos em que aqui no Paraná havia o Banco do Estado do Paraná, que distribuía um porquinho onde se guardavam moedas, para estimular a poupança entre as crianças.

Pois bem, em torno de Euricão, do seu santo de devoção e de sua obsessão pelo dinheiro, guardado numa porca de madeira, e mais meia dúzia de pessoas, Suassuna construiu esta hilariante peça, que ganhou o mundo. Os outros personagens são Benona, irmã de Euricão, Eudoro, um rico latifundiário, pai de Dodó e pretendente, primeiro de Benona, e depois de Margarida, o tesouro de Euricão e mais Pinhão e Caroba, que trabalhavam para os seus patrões.

Euricão era um árabe, conhecido pela sovinice e pelo trato duro para com Pinhão e Caroba e pelo apego à uma porca de madeira, herdada de seu avô. Vivia com a irmã Benona, que fora namorada de Eudoro, mas que, as timidezes não fizeram o noivado avançar. Dodó era o filho de Eudoro, que dedicava a vida aos estudos, mas por coisas da paixão se aproximou de Margarida, a filha de Euricão para dar-lhe proteção ou algo mais. Certamente por falta de opção Pinhão e Caroba também tiveram os seus encontros.

Eudoro manda carta a Euricão, avisando de sua chegada. Este temia que lhe viesse tomar dinheiro emprestado, mas na verdade, estava de olho em Margarida, o tesouro de Euricão, para quem o tesouro era a sua porca, a quem dedicava todo o zelo e cuidado, sob a proteção de santo Antônio. A visita incomodava Euricão, pois ela poderia lhe acarretar despesas. - "Ai a crise, ai a carestia"! Tomou providências para  não tê-las. Pai e filho queriam Margarida, mas todos os personagens se envolvem, uns por interesses financeiros, outros com fins amorosos. As tramas vão se desenrolando de forma bem hilária.

Ao contrário das expectativas iniciais os desfechos não são os esperados, mas todos se envolvem formando uma grande família. Os casamentos se realizam e a porca que desaparecera é devolvida ao seu Euricão, mas sob a triste constatação do seu já não mais valor. A peça se desenvolve ao longo de três atos e ao final do terceiro ato vem as lições de moral, uma delas na voz de Eudoro: "- Eurico, o dinheiro não é tudo neste mundo. Você tem sua filha, tem a todos nós que agora somos a sua família. Deixe de depositar toda a sua vida nesse dinheiro! Não dê tanta importância ao que não vale nada! Porque..."

Antes de descerrar o pano Euricão está sozinho no palco e lança o grande questionamento para a vida: "- Bem, e agora começa a pergunta. Que sentido tem toda essa conjuração que se abate sobre nós? Será que tudo isso tem sentido? Será que tudo tem sentido? Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta? Que diabo quer dizer tudo isso, Santo Antônio"?

A edição que eu li é a 33ª, da José Olympio, de 2016. Ela tem uma bela nota bibliográfica introdutória, que traça um panorama da vida e obra do escritor, além de explicações do autor sobre a recepção de suas peças pelo público e pela crítica. Tem ainda ilustrações de Zélia Suassuna e uma nota sobre a sua primeira apresentação no Teatro Dulcina, em 1958, no Rio de Janeiro, pelo Teatro Cacilda Becker, sob direção de Ziembinski, e com os seguintes autores em seus respectivos papéis: Caroba - Cleyde Yaconis; Euricão árabe - Ziembinski; Pinhão - Rubens Teixeira; Margarida - Cacilda Becker; Dodó - Fredi Kleemann; Benona - Kleber Macedo e Eudoro - Jorge Chaia.


quinta-feira, 16 de março de 2017

Morte e Vida Severina. João Cabral de Melo Neto.

Caprichei na compra do livro Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto. Comprei a edição comemorativa dos 60 anos, da Alfaguara. Assim já ajudamos a situar e datar a obra. Ela foi editada em 1956 e, portanto, a edição dos 60 anos data de 2016. Ela tem uma apresentação de Antonio Carlos Secchin, uma entrevista de Chico Buarque  e um texto de Alceu Amoroso Lima. A entrevista e o texto foram retiradas do jornalivro Parandubas, ano IV, da PUC/SP. Tem ainda uma cronologia e indicações bibliográficas. Lembrando que Chico Buarque foi o responsável pela musicalização da obra, na sua transposição para o teatro. A obra ganhou o mundo.
2016. Da Alfaguara. Edição comemorativa dos 60 anos.

Vamos começar por uma contextualização mais ampla para situar a obra. As raízes históricas e culturais do Brasil são extremamente perniciosas para com o seu povo, especialmente, para o povo do nordeste, por onde a nossa história, quase toda ela, começou. Escravidão, monoculturas de exportação e o latifúndio são uma pequena sínteses dessa perversidade.

Com o tempo, o centro do poder foi se transferindo para o sudeste com o ouro, o café e os imigrantes e, mais tarde, a partir dos idos de 1930, embora mantendo a "vocação natural" para as monoculturas de exportação, o país, por vontade política, criou políticas para a industrialização. Com ela formou-se uma sociedade plural e se deu início à formação de um mercado de consumo interno.

O nordeste pouco foi afetado por estas transformações. A transformação dos engenhos em usinas foi praticamente a única modernização, modernização esta também extremamente perversa. A obra da escravidão praticamente permaneceu intacta. O sol inclemente e os rios intermitentes levaram as culpas por todas as mazelas sociais. Muita literatura se ocupou desta realidade de uma sociedade dividida entre Casa Grande e Senzala, entre os Sobrados e os Mocambos. Não apenas a literatura, mas também o teatro e o cinema.

Enquanto a maioria dos políticos fazia desta situação de miserabilidade a sua sobrevivência, muitas vozes se ergueram em protesto. Vozes fortes e poderosas, expressas em rezas e cantorias, abrangeram desde o popular até o erudito. E uma das vozes mais indignadas e belas se ergueu a partir da casa grande. É a voz erudita de João Cabral de Melo Neto. Voz que não apenas falava, mas que também ouvia. E ouvia o sofrimento do povo e deste povo adquiriu a sua expressão popular, a forma pela qual o povo se comunicava e se compreendia, pelos poemas da literatura de cordel.

Em 1956 João Cabral de Melo Neto escreveu o seu poema maior e também o mais popular. O seu sucesso entre os eruditos o assustou. Morte e Vida Severina - auto de natal pernambucano. A morte precedia a própria vida e, mesmo assim, a vida sempre era fervorosamente celebrada. A obra mostra a vida de um retirante que vem do interior, da caatinga, do agreste, passando pela Zona da Mata para chegar ao Recife e celebrar o nascimento do menino de José. O retirante Severino vem dos limites da Paraíba onde os severinos são "iguais em tudo na vida,/ morremos de morte igual/ mesma morte severina:/ que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,/ de emboscada antes dos vinte,/ de fome um pouco por dia".

Ao longo do caminho, o Severino retirante tem constantes encontros com a morte. No primeiro deles o encontro foi com uma morte matada, em emboscada, por uma ave-bala que voava desocupada. Qual fora a causa? Ele tinha alguns hectares de terra para serem anexados ao latifúndio.

Na caminhada muitas vezes foi acometido pelo desânimo, apesar de saber o mapa das vilas, quais contas de rosário, por onde tinha que passar, pois o Capibaribe, o seu grande guia, também desanimava e interrompia o seu caminho à espera de novas chuvas. O desânimo também lhe vinha pelos seus companheiros de viagem, as coisas do não, como a fome, a sede e a privação. Segue em busca de trabalho, pois, o trabalho é vida. Tudo sabe das lidas de campo, mas trabalho mesmo, só o encontrou com a morte, com colheita antes mesmo de plantar, pois "- Como aqui a morte é tanta,/ só é possível trabalhar/ nessas profissões que fazem/ da morte ofício ou bazar".

As esperanças se renovam quando chega à Zona da Mata, onde tem terra melhor para ficar e onde ninguém morre de velhice antes dos trinta e nem sabe da morte em vida. Mas ali se repete a cena da morte e do enterro. "- Essa cova em que estás,/ com palmos medida,/ é a conta menor/ que tiraste em vida./ - É de bom tamanho,/ nem largo nem fundo,/ é a parte que te cabe/ deste latifúndio". Mas segue o Capibaribe guia, para chegar logo ao Recife, a derradeira ave-maria do rosário desta retirada.

Chegando ao Recife escuta a voz dos coveiros, o dos cemitérios populares e o dos ricos, onde quase não tem trabalho. E no cais do rio, a grande descoberta: "E chegando aprendo que,/ nessa viagem que eu fazia,/ sem saber desde o Sertão,/ meu próprio enterro eu seguia". O jeito seria apressar a morte pois entre o cais e a água do rio só cabia habitar no lamaçal. Mas, eis que, em conversa com José, uma mulher chama para a grande anunciação "que o vosso filho é chegado". Ao nascido é cantado todo o louvar à vida, que mesmo em meio a tanta pobreza, mil presentes lhe são trazidos.

"Minha pobreza tal é.... mas traziam tudo o que tinham. Caranguejo, leite, canário, boneco de barro, abacaxi e, entre outros... "Minha pobreza tal é/ que não tenho presente melhor:/ trago papel de jornal/  para lhe servir de cobertor;/ cobrindo-se assim de letras/ vai um dia ser doutor". É o auto de natal. É a celebração de vida que nasce. É a celebração da esperança e a esperança tem um caminho: as letras.

E entre todas as desesperanças, mesmo a de saltar "fora da ponte da vida", ainda permanece o tom de celebração. "é difícil defender,/ só com palavras a vida,/ ainda mais quando ela é/ esta que vê severina;/ mas se responder não pude/ à pergunta que fazia,/ ela, a vida, a respondeu/ com sua presença viva./ E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida:/ vê-la desfiar seu fio".

sexta-feira, 3 de março de 2017

Transtornos mentais provocados pelo neoliberalismo. Franco Berardi.

Em fins de janeiro - 2017 o filósofo italiano, Franco Berardi, concedeu entrevista para Juan Iñigo Ibáñez, que eu localizei no site pragmatismo político, mas também está disponível em vários outros locais. A entrevista tem tradução de Inês Castilho e Simone Paz. Como não poderia deixar de ser, ela está alcançando grandes repercussões. São reflexões seminais que nos mostram que a humanidade está sofrendo uma grande transformação, já percebida pela aguda inteligência de Pasolini nos anos 1970 e que a chamou de "mutação antropológica".

Franco Berardi, filósofo e professor da universidade de Bolonha.


A expressão "mutação antropológica" é uma metáfora para expressar os efeitos psicossociais produzidos sobre a mente por uma economia em transição, de origem agrária e industrial para outra, de cunho capitalista e transnacional. Vejam só o título do livro em que Pasolini afirma esta sua percepção. Escritos corsários e cartas luteranas. Pasolini se referia à sociedade italiana, dominada por um novo fascismo imposto pela globalização. Esta mutação atingia jovens burgueses, "sem futuro" e que mostravam acentuada tendência para a infelicidade. Estes jovens, com poucas raízes culturais seriam as vítimas dos novos valores, da nova concepção estética e estilos de vida, dos tempos marcados pelo consumismo.

Mais de 40 anos depois, o filósofo da Universidade de Bolonha, Franco Berardi constata o caráter profético da percepção de Pasolini e a aprofunda. Hoje, estes jovens vivem uma "precariedade existencial", marcada por transtornos mentais causados pelo neoliberalismo. Franco Berardi se dedica aos estudos da comunicação, trabalhando em emissoras livres e TVs comunitárias. Toda a sua carreira é marcada por um forte compromisso político.

Esta precariedade existencial leva a doenças psíquicas que são as grandes responsáveis pela incapacitação para o trabalho, pela depressão e pela grande onda de suicídios, especialmente de jovens do sexo masculino. O suicídio é hoje, segundo a OMS, a segunda causa de morte entre jovens de 10 a 24 anos. Suicídio e violência sob a forma de assassinatos de massa são estreitamente associados às condições da hipercompetição, subsalários e exclusão promovidos pelo ethos neoliberal. Berardi atenta, ainda, para os fluxos informativos acelerados das novas tecnologias e a sua influência sobre a sensibilidade e os fluxos cognitivos.

As respostas ao seu entrevistador apontam para a dama inglesa do neoliberalismo, que em 1987, em entrevista à revista Womans Own, perguntava e respondia: "Mas o que é a sociedade? Não existe esta coisa. O que existe são homens e mulheres, indivíduos e famílias". Indivíduos em isolamento e em competição. Poderia aí estar a origem dos males em nossa sociedade. Como a entrevista é longa e envolve uma complexidade bastante grande optei pela transcrição da entrevista em sua íntegra. As perguntas estão em negrito.

Em seus últimos trabalhos, você disse que o efeito das tecnologias digitais, a mediatização da relação de comunicação e as condições de vida que o capitalismo financeiro produz estão estreitamente vinculados ao crescimento das patologias da esfera afetivo- emocional, assim como de suicídios em nível mundial. Disse inclusive que estamos diante de uma verdadeira “mutação antropológica” da sensibilidade. De que maneira esses fenômenos estão relacionados ao aumento de suicídios e de patologias psíquicas?

Trata-se naturalmente de um processo muito complicado que não pode ser reduzido a linhas de determinação simples. A combinação dessas condições técnicas, sociais, comunicacionais pode produzir – e de fato produz, em um grande número de casos – uma condição de individualização competitiva e de isolamento psíquico que provoca uma extrema fragilidade, a qual se manifesta às vezes como predisposição ao suicídio.
Não pode ser acaso o fato de que nos últimos quarenta anos o suicídio tenha crescido enormemente (em particular entre os jovens). Segundo a Organização Mundial de Saúde, trata-se de um aumento de 60%. É enorme. Trata-se de um dado impressionante, que precisa ser explicado em termos psicológicos e também em termos sociais. Quando li pela primeira vez essa informação, me perguntei: o que aconteceu nos últimos 40 anos? A resposta é clara. Ocorreram duas coisas. A primeira foi que Margaret Thatcher declarou que a sociedade não existe, que só há indivíduos e empresas em permanente competição – em guerra permanente, digo eu. A segunda é que, nas ultimas décadas, a relação entre os corpos se fez cada vez mais rara, enquanto a relação entre sujeitos sociais perdia a corporeidade, mas não a comunicação. O intercâmbio comunicacional tornou-se puramente funcional, econômico, competitivo. O neoliberalismo foi, em minha opinião, um incentivo maciço ao suicídio. O neoliberalismo – mais a mediatização das relações sociais – produziu um efeito de fragilização psíquica e de agressividade econômica claramente perigosa e no limite do suicídio.

Qual o sentido profundo do que disse Margareth Thatcher?

Quando Margareth Thatcher disse que não se pode definir nada nem ninguém como sociedade, que só há indivíduos e empresas que lutam por seu proveito, para o sucesso econômico competitivo, declarou algo com enorme potência destrutiva. O neoliberalismo, a meu ver, produz um efeito de destruição radical do humano. A ditadura financeira de nossa época é o produto da desertificação neoliberal. A financeirização da economia é fundada sobre uma dupla abstração. O capitalismo sempre se fundou sobre a abstração do valor de troca (abstração que esquece e anula o caráter útil e concreto do produto). Mas a valorização financeira não precisa passar pela produção útil. O capitalista industrial, para acumular capital, tem de produzir objetos – automóveis, petróleo, óculos, edifícios. Já o capital financeiro não precisa produzir nada. A acumulação do capital financeiro não se faz por meio de um produto concreto, mas tão somente através da manipulação virtual do próprio dinheiro.

Nesse cenário, que peculiaridades você observa nas formas como nos relacionamos com nosso trabalho – diferentemente, por exemplo, do caso de um trabalhador industrial dos anos 70 –, que nos deixa tão expostos à saturação patológica expressa em seus livros?

O movimento dos trabalhadores do século passado tinha como objetivo principal a redução do tempo de trabalho, a emancipação do tempo de vida. A precarização e o empobrecimento produzido pela ditadura neoliberal produziram um efeito paradoxal. A tecnologia reduz o tempo de trabalho necessário, mas o capital codifica o tempo liberado como parado e o sanciona, reduzindo a vida das pessoas a uma condição de miséria material. Em consequência, as pessoas jovens são continuamente obrigadas a buscar um emprego que não podem encontrar, a não ser em condições de precariedade e subsalário. O efeito emocional é ansiedade, depressão e paralisia do desejo. A condição precária transforma os outros em inimigos potenciais, em competidores.

Você tem analisado com regularidade as formas como as tecnologias da comunicação e o uso que delas fazemos interagem com as condições de vida instauradas pelo capitalismo. Qual papel pensa que cumprem as redes sociais, no marco de uma sociedade com um tipo de capitalismo altamente desregulado? De que maneira os efeitos que esse sistema econômico produz em nossas vidas são complementares ou se relacionam com o uso que fazemos desse tipo de plataformas digitais?

As redes sociais são, ao mesmo tempo, uma expansão enorme – virtualmente infinita – do campo de estimulação, uma aceleração do ritmo do desejo e, ao mesmo tempo, uma frustração contínua, uma protelação infinita do prazer erótico, embora nos últimos anos tenham sido criadas redes sociais que têm como função direta o convite sexual. Não creio que as redes (nem a tecnologia em geral) possam ser consideradas como causa da deserotização do campo social, mas creio que as redes funcionam no interior de um campo social deserotizado, de tal maneira que confirmam continuamente a frustração, enquanto reproduzem, ampliam e aceleram o ritmo da estimulação.
É interessante considerar o seguinte dado: no Japão, 30% dos jovens entre 18 e 34 anos não tiveram nenhuma experiência sexual, e tampouco desejam tê-la. Por sua vez, David Spiegelhalter, professor da Universidade de Cambridge, escreveu em Sex by Numbers que a frequência dos encontros sexuais foi reduzida a quase metade, nos últimos vinte anos. As causas? Estresse, digitalização do tempo de atenção, ansiedade. Isso produziu o surgimento do que, para Spiegelhalter, é a “single society” [sociedade solteira], quer dizer, uma sociedade associal, na qual os indivíduos estão por demais ocupados em buscar trabalho e relacionar-se digitalmente para encontrar corpos eróticos com os quais se relacionar.

Nesta mesma linha de análise, você também disse que as formas de relacionamento com as novas tecnologias afetam os paradigmas do humanismo racionalista clássico, em particular nossa capacidade de pensar criticamente. Considerando isso, de que maneira as dinâmicas multitasking [tarefas simultâneas], ou abertura de janelas de atenção hipertextuais podem chegar a deformar as formas sequenciais de elaboração mental?

A comunicação alfabética possui um ritmo que permite ao cérebro uma recepção lenta, sequencial, reversível. São estas as condições da crítica, que a modernidade considera condição essencial da democracia e da racionalidade. Porém, o que significa “crítica”? No sentido etimológico, crítica é a capacidade de distinguir, particularmente, de diferenciar entre a verdade e a falsidade das afirmações. Quando o ritmo da afirmação é acelerado, a possibilidade de interpretação crítica das afirmações reduz-se a um ponto de aniquilamento. McLuhan escreveu que quando a simultaneidade substitui a sequencialidade — ou seja, quando a afirmação se acelera sem limites — a mente perde sua capacidade de discriminação crítica, passando daquela condição a uma neomitológica.

Apesar do déficit comunicacional ao qual muitos especialistas atribuíram a derrota de Hillary Clinton e, concretamente, à sua postura ante o estilo confrontador e “politicamente incorreto” que Trump utilizou para enfrentar temas vinculados com as guerras culturais, esta “redução da capacidade crítica” que você identifica influenciou no resultado das eleições?

Nos últimos meses tem se falado muito da comunicação da pós-verdade no contexto das eleições nos Estados Unidos, que levaram um racista a ganhar a presidência. Porém, eu não acredito que o problema verdadeiro esteja no circuito da comunicação. A mentira sempre foi normal dentro da comunicação política. O verdadeiro problema é que as mentes individuais e coletivas perderam sua capacidade de discriminação crítica, de autonomia psíquica e política.

Embora alguns especialistas reduzam a importância do termo “nativos digitais” (dizendo que não passa de uma metáfora que fala mais do poder desproporcional que cedemos às novas tecnologias do que dos efeitos reais que estas têm sobre os indivíduos), o conceito guarda uma significativa relação com a “mutação antropológica” que você identifica nos jovens da primeira geração conectiva. Que valor você atribui ao conceito de “nativos digitais” e como pode se relacionar com a noção criada por Marshall McLuhan de “gerações pós-alfabéticas” que você tem retomado em alguns de seus livros?

Em absoluto, não creio que a expressão “nativo digital” seja meramente metafórica. Pelo contrário, trata-se de uma definição capaz de nomear a mutação cognitiva contemporânea. A primeira geração conectiva, aquela que aprendeu mais palavras por meio de uma máquina do que pela voz da mãe, encontra-se numa condição verdadeiramente nova, sem precedentes na história do ser humano. É uma geração que perdeu a capacidade de valorização afetiva da comunicação, e que se vê obrigada a elaborar os fluxos semióticos em condições de isolamento e de concorrência. Em seu livro L’ordine simbolico della madre (A ordem simbólica da mãe), a filósofa italiana Luisa Muraro argumenta que a relação entre significante e significado é garantida pela presença física e afetiva da mãe.
O sentido de uma palavra não se aprende de maneira funcional, mas afetiva. Eu sei que uma palavra possui um sentido — e que o mundo como significante possui um sentido — porque a relação afetiva com o corpo de minha mãe me introduz à interpretação como um ato essencialmente afetivo. Quando a presença afetiva da mãe torna-se rara, o mundo perde calor semiótico, e a interpretação fica cada vez mais funcional, frígida. Naturalmente, aqui não me refiro à mãe biológica, nem à função materna tradicional, familiar. Estou falando do corpo que fala, estou falando da voz. Pode ser a voz do tio, da avó ou de um amigo. A voz de um ser humano é a única forma de garantir de maneira afetiva a consistência semântica do mundo. A rarefação da voz transforma a interpretação num ato puramente econômico, funcional e combinatório.
Em seu livro A linguagem e a morte – um seminário sobre o lugar da negatividade, Giorgio Agamben diz que a voz é aquilo que vincula o corpo (a boca, a garganta, os pulmões, o sexo) ao sentido. Se substituirmos a voz por uma tela, o sentido erótico, afetivo e concreto do mundo se desvanece e ficamos sós, trêmulos e desprovidos da garantia de que o mundo seja algo carnalmente concreto. O mundo torna-se puramente fantasmal, matemático, frio.

Em seu livro Heróis, você se concentra no crescente fenômeno de suicídios a nível mundial e relaciona-o com os crimes de massas que presenciamos no final dos anos 1990 — como os massacres em Columbine ou Virginia Tech — até chegar a episódios recentes, como o do piloto suicida da Germanwings, ou o atentado no Bataclan. O que a história de vida dos agressores destes crimes te diz das condições existenciais nos tempos do capitalismo financeiro? De que forma esses episódios nos falam do espírito de nossos tempos?

Acredito que a financeirização é essencialmente o suicídio da humanidade. Em todos os níveis: a devastação do meio ambiente, a devastação psíquica, o empobrecimento, a privatização, provocam medo do futuro e depressão. Basicamente, a acumulação financeira alimenta-se por meio da destruição daquilo que foi a produção industrial no passado. Como pode o capital investido ser incrementado nos tempos do capitalismo financeiro? Somente através da destruição de alguma coisa. Destruindo a escola você incrementa o capital financeiro. Destruindo um hospital, incrementa-se o capital financeiro. Destruindo a Grécia, incrementa-se o capital do Deutsche Bank. É um suicidio, não no sentido metafórico, mas no material.
Nesse cenário, não me parece tão incompreensível que os jovens se suicidem numa situação similar. Além disso, a impotência política que o capitalismo financeiro produz, a impotência social e a precariedade, impulsa jovens desesperados a atuarem numa forma que parece (e que de fato é) ser o único jeito de obter algo: matando pessoas casualmente e matando a si mesmos. Trata-se da única ação eficaz, porque matando obtemos vingança, e matando obtemos a libertação do inferno que o capitalismo financeiro tem produzido.
Pouco tempo atrás, em junho de 2016, um jovem palestino chamado Mohammed Nasser Tarayah, de 17 anos, matou uma menina judia de 13 anos com uma faca e, posteriormente, foi assassinado de maneira previsível por um soldado israelense. Antes de sair de sua casa para ir matar — e se matar — escreveu em seu Facebook: “A morte é um direito, e eu reivindico esse direito”.
São palavras horríveis, porém, muito significativas. Significam que a morte lhe parecia a única forma de se libertar do inferno da violência israelense e da humilhação de sua condição de oprimido.

A nível mundial, a taxa de homens que se suicida é quatro vezes maior que a de mulheres que incorrem na mesma prática, embora segundo a OMS, elas tentem em mais ocasiões. Da mesma forma, não temos visto casos de assassinatos em massa realizados por mulheres. Ao que você atribui que tanto os suicídios, como os crimes de massas, sejam protagonizados quase exclusivamente por homens? De que forma o capitalismo os compele a reproduzirem tais níveis de impotência, violência e autodestruição?

A violência competitiva, a ansiedade que essa violência implica, é uma translação de uma ansiedade sexual que é unicamente masculina. As mulheres são vítimas da violência financeira, bem como da vingança masculina e terrorista contra a violência financeira. A cultura feminista pode considerar-se a única forma cultural e existencial que poderia criar lugares psíquicos e físicos de autonomia frente à agressão econômica e à agressão terrorista suicida. Porém, hoje, quando falamos de suicídio, cabe ressaltar que não estamos falando do velho suicídio romântico, que significava um desespero amoroso, uma tentativa de vingança de amor, um excesso de pulsão erótica. Falamos de um suicídio frio, de uma tentativa de fugir da depressão e da frustração.

Para finalizar, poderia nos falar de possíveis práticas que proponham soluções, ou das potencialidades que você enxerga nesta geração pós-alfabética? Em seu livro Heróis você retoma o interessante conceito de “caosmose”, criado por Félix Guattari, o qual supõe um tipo de instância estético-ética de superação que daria sentido ao contexto de super-estimulação e precariedade existencial que você vê em nossos tempos…

Guattari falava de “espasmo caósmico” para entender uma condição de sofrimento e de caos mental que pode ser solucionada somente através da criação de uma nova condição social, de uma nova relação entre o corpo individual, o corpo cósmico e o corpo dos demais. Somente a libertação da condição capitalista, somente a libertação da escravidão laboral precária, e somente a libertação da concorrência generalizada, poderia abrir um horizonte pós-suicida.
Porém, a afirmação política dos nacionalistas racistas “trumpistas”, em quase todos os países do mundo, me faz pensar que estamos cada vez mais longe de uma possibilidade similar, e que, aos poucos, estamos nos aproximando do suicídio final da humanidade. Eu sinto muito, mas, neste momento, não vejo uma perspectiva de caosmose, somente uma de espasmo final. Mas isso é o que eu consigo entender, e está claro que meu entendimento é muito parcial.

Por não me atrever a trabalhar a entrevista é que optei por reproduzi-la na íntegra. Por outro lado, creio que ela merece o máximo de divulgação. É a sobrevivência da humanidade.












quinta-feira, 2 de março de 2017

A Reforma da CLT. O que está em questão?

No dia primeiro de maio de 1943 o Brasil recebia um conjunto de leis trabalhistas em sistema, ou seja, a sua Consolidação das Leis Trabalhistas, ou simplesmente CLT. Ela nunca foi imutável ao longo de seus mais de 70 anos de existência, como se insinua quando se afirma que ela é uma legislação antiquada e superada. Ela já sofreu mais de 500 alterações.

Em consonância com legislações avançadas, a nossa CLT, em 1943.

No dia 22 de dezembro de 2016, portanto, às vésperas do natal, o governo anunciou mais uma reforma neste sistema, anunciado como um verdadeiro presente de natal para os trabalhadores, já que ela patrocinará, de acordo com a ótica governamental, a volta dos empregos perdidos ao longo destes dois últimos anos. Como os trâmites de sua votação estão por começar na Câmara dos Deputados, vamos nos ocupar com o tema. A tese fundamental da proposta é a de que o acordado deverá prevalecer sobre o legislado, o que teoricamente acaba com toda a legislação, com toda a CLT.

Via internet vi uma entrevista muito significativa na GloboNews, com o advogado trabalhista Sérgio Batalha, entrevista totalmente fora dos parâmetros da emissora. Ele não se intimidou com os questionamentos e foi manifestando a sua opinião, sob visível desconforto de suas entrevistadoras. Ele classificou o projeto como genérico e que esconde muito de suas reais intenções. Ao qualificá-lo de genérico se referia ao princípio do acordado prevalecer sobre o legislado. Como o projeto é de autoria do governo, em consonância com entidades empresariais, capitaneadas pela FIESP, pode-se prever que ele atende primordialmente aos interesses empresariais. Pessoalmente vi pronunciamentos eufóricos por parte de empresários, festejando a possibilidade da jornada de trabalho de 12 horas e a meia hora de intervalo para o almoço.

Sérgio Batalha refutou enfaticamente o argumento de que esta flexibilização gerará novos empregos, afirmando que somente a produção econômica os gera. (Hoje, 24 de fevereiro - 2017, data em que escrevo este texto, está anunciado na página do UOL, a existência recorde de desempregados, 12, 9 milhões, 12,6%). Esta retórica, na realidade, visa a redução de direitos, com os olhares voltados para a acumulação do lucro. A possibilidade da flexibilização da jornada de trabalho já existe mas ela obriga ao pagamento de horas extras. Com a nova legislação isso não será mais necessário.

Sérgio Batalha também fez interessantes observações sobre a natureza de nossos sindicatos, sobre a sua representatividade e sobre o fato de representarem os interesses de  todos os trabalhadores e com a possibilidade de legislarem para menos. Falou sobre a natureza da CLT. que foi feita em consonância com as legislações mais avançadas do mundo e sobre as mudanças sofridas ao longo do tempo. Terminou afirmando que esta legislação só poderia ser modificada através de um amplo consenso, envolvendo todas as partes e não atender apenas um segmento da sociedade.

Como o projeto é genérico e tudo pode, uma vez que tudo pode ser acordado, apresento aqueles fatores que estão mais ou menos visíveis no projeto. O G1 elencou 11 itens, que passo a apresentar:

1. Férias. Elas poderão ser parceladas em até três vezes, sendo que uma destas parcelas deverá ter no mínimo duas semanas contíguas;
2. Jornada de trabalho. Ela não mais precisará de ser de 8 horas diárias e 44 semanais. O limite diário será de 12 horas e 220 mensais. Creio que este é o mais visível dos objetivos, que é a fuga ao pagamento de horas extras;
3. Participação nos lucros e resultados. Poderá haver o parcelamento nos prazos para a apresentação dos balanços patrimoniais ou para os balancetes legalmente exigidos;
4. Jornada em deslocamento. Hoje o deslocamento para o trabalho, em transporte oferecido pela empresa computa como tempo trabalhado. O acordo poderá rever a questão, dentro do princípio geral do projeto;
5. Intervalo entre jornadas. Hoje o intervalo para o almoço é de uma hora. Poderá ser de 30 minutos. Esta questão me lembra a famosa máquina de comer que nos é apresentada por Chaplin em Tempos Modernos;
6. Fim de acordo coletivo. O STF extinguira o princípio de que quando um acordo coletivo expirava, o último continuava a ter validade. Pela reforma este princípio poderá ser reativado;
7. Programa de Seguro-Emprego (PSE). Trabalhadores e empregadores deverão decidir juntos sobre a entrada no programa;
8. Banco de Horas. As partes definirão, garantidas as horas extras. As que excederam a jornada diária das 12 horas. Esta última observação é minha;
9. Remuneração por produtividade. As decisões serão tomadas em acordo coletivo, conforme o princípio geral.
10. Trabalho Remoto. Mais uma vez, de acordo com o princípio geral, as partes envolvidas definirão as regras para trabalhos por telefone, internet, smart fones;
11. Registro de ponto. Haverá a flexibilização desta exigência.

Para terminar, duas observações.  Todos os direitos, todos mesmo, estarão sujeitos a acordo. Pela primeira vez, sindicatos terão poder para negociar perdas. Esta livre negociação sempre me lembra a história bíblica de Davi com o seu estilingue, diante do gigante (em todas as suas formas e armas) Golias. A outra é sobre um texto de Nereide Saviani, minha professora e orientadora no mestrado na PUC/SP. sobre os pilares do neoliberalismo e que abrange a palavra flexibilização. Ela pergunta: "Quais são as bases de sustentação do neoliberalismo"? E prontamente responde: "O tripé: desestatização e desnacionalização; desregulamentação e desconstitucionalização; desuniversalização e desproteção". Mais claro é impossível. Lembrando apenas que o golpe foi aplicado para que as políticas neoliberais pudessem ser implantadas.

Como demorei um pouco na publicação do texto seguem mais três observações. A primeira é de um juiz do trabalho que em entrevista afirmava que não existe a mínima relação entre a precarização do trabalho e a geração de empregos. A segunda é a constatação do Financial Times de que os precarizados trabalhadores chineses já tem melhores salários do que os trabalhadores brasileiros. A terceira e última é a entrevista do filósofo italiano Franco Berardi, que estabelece uma relação entre a precarização do trabalho, a depressão e o aumento de suicídios, especialmente entre a população jovem. Mas isso eu comento em outro post.