quarta-feira, 22 de março de 2017

Coração das trevas. Joseph Conrad.

Cheguei a Coração das trevas por uma indicação de Vargas Llosa, no Portal Raízes, quando este indica nove livros que todos deveriam ler. Para não deixar ninguém curioso eu os apresento: 1. A Senhora Dolloway - Virgínia Woolf; 2. Lolita - Vladimir Nobokov; 3. Coração das trevas - Joseph Conrad; 4. Trópico de Câncer - Henry Miller; 5. Auto de fé - Elias Canetti; 6. O Grande Gatsby - Scott Fitzgerald; 7. Doutor Jivago - Boris Pasternak; 8. O Gattopardo - Tomasi di Lampedusa; 9. Opiniões de um palhaço - Heirich Böll.

Para lê-lo comprei a edição da Companhia das Letras, 3ª reimpressão, 2015. Ela é valiosa por um posfácio de Luiz Felipe de Alencastro. Coisa de conhecedor. Esta edição traz ainda uma outra novela de Conrad, Um posto avançado do progresso, (1896) que envolve o mesmo tema, qual seja, o das atrocidades cometidas na colonização da África, mais precisamente da República do Congo, o antigo Congo Belga. Coração das trevas  foi escrito em 1899.
A edição da Companhia das Letras. O livro foi escrito em 1899.

Como não conhecia o autor e como o livro não tem um prefácio fui ao posfácio mas, efetivamente, se trata de um posfácio. O livro é uma novela que teve inspiração em uma viagem de seis meses que o escritor fez ao Congo entre os anos de 1890-1891. Conrad é polonês e viveu o drama do colonialismo ou do imperialismo em seu país. Depois do posfácio fui a leitura. Fui meio acompanhado de um sentimento de que eu não o estava entendendo direito, isto é, em toda a profundidade do seu significado. Voltei ao posfácio. Este é extremamente esclarecedor. Veja com o que eu me deparei:

"Ensaios e comentários críticos sobre Coração das trevas privilegiam, de maneira geral, duas linhas de interpretação em boa medida  complementares. A primeira, cujo conteúdo está sobretudo explicitado na metade inicial do texto, concerne à desumanização e à violência engendradas pelo colonialismo europeu na África. Mais baseada na outra metade da novela, a segunda leitura aponta para a inquietação existencial e o desregramento de indivíduos confrontados com a ruptura dos laços sociais". Perfeito.

Fiz duas anotações a respeito da primeira parte: A primeira se refere ao - tudo é permitido - para o colonizador: "Ah, não. Céus! Existe afinal no mundo uma situação que permite a um homem roubar cavalos enquanto outro sequer tem o direito de pôr os olhos num cabresto". A segunda é mais profunda  e se refere ao caráter da missão 'civilizatória' dos colonizadores. Uma espécie de dever a cumprir: É retirada de uns papéis encontrados pelo narrador, que os apresenta. Eles teriam sido escritos por Kurtz, sempre apresentado como um 'homem notável': "O parágrafo inicial, entretanto, à luz do que fiquei sabendo mais tarde, hoje me parece especialmente inauspicioso. Começa com o argumento de que nós, os brancos, em função do grau de desenvolvimento a que chegamos, 'devemos necessariamente ser vistos por eles [os selvagens] como seres sobrenaturais - chegamos a eles com um poder que parece próprio de uma divindade', e assim por diante. 'Pelo simples exercício de nossa vontade, podemos exercer um poder praticamente ilimitado para o bem' etc. etc.". 

A segunda parte está no terceiro capítulo da novela, enquanto que a primeira está nos dois primeiros. O grande drama existencial de Kurtz, que está à beira da morte e que efetivamente irá morrer é a descrição dele feita por um arlequim russo que, com seus conhecimentos protelara a sua morte, porque acreditava que o 'notável homem' tinha o que dizer, - mostra a sua solidão e abandono, - embora toda a fortuna feita com o comércio do marfim. A palavra mais repetida é palavra "horror". Quanto aos desregramentos confrontados com a ruptura dos laços sociais, entra em cena a namorada de Kurtz, apresentada apenas como a Prometida. Um diálogo entre ela e arlequim russo encerra a novela.

Ela quer tudo saber sobre o amado, uma vez que era o Arlequim que mais sabia sobre ele. Ele lhe diz que a última palavra que ele proferira, ao morrer, foi o nome dela, ao que ela responde: "Eu sabia - eu tinha certeza!...".  E o arlequim complementa o seu raciocínio: "Ela sabia. E tinha certeza. Ouvi que começava a chorar; escondera o rosto nas mãos. Pareceu-me que a casa fosse desmoronar antes que eu começasse a fugir, que os céus fossem desabar na minha cabeça. Mas nada aconteceu. Os céus não desabam por tais ninharias. Será que teriam desabado, eu me pergunto. se eu tivesse prestado a Kurtz a justiça que lhe era devida? Ele não me dissera que só queria justiça? Mas não consegui. Não podia contar a ela. Teria sido tenebroso demais - decididamente tenebroso demais..."

É um pedaço da história da África do final do século XIX em que se guerreava e matava sob a proteção de muitas majestades europeias, neste momento da história em que se brigava por marfim, mas também por borracha e por ouro e diamantes. E como antecedentes tivemos três séculos de tráfico negreiro. A história da humanidade é uma longa sequência de violências. Aliás, uma das frases favoritas de Kurtz sempre fora: "Exterminem todos os brutos".

Na sequência vou ler Um posto avançado do progresso, uma novela bem mais curtinha e também vou ver Apocalipse Now, o filme de Coppola sobre o Vietnã, sob a inspiração de Joseph Conrad. Depois eu conto.






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