segunda-feira, 30 de maio de 2016

Sobre a impunidade não se constroi democracia.

No dia 29 de abril esteve em Curitiba um dos mais ilustres cidadãos da América Latina. O seu Nobel da Paz, o cidadão argentino, Adolfo Pérez Esquivel. Ele foi o laureado do ano de 1980. Veio ao Brasil para prestar solidariedade à presidente Dilma Rousseff, diante de um golpe iminente. Em Curitiba participou de duas atividades. Participou do ato de repúdio ao governador Beto Richa, pela passagem do primeiro ano da mais violenta agressão sofrida pelos professores e funcionários públicos do estado e para participar, no curso de direito da Universidade Federal do Paraná, de um ato em favor da democracia.
Com o Nobel da Paz, na Faculdade de Direito da UFPR.

Como hoje eu sou um administrador de "tempo livre", ouvir a sua fala se constituiu numa prioridade. Hoje, exatamente um mês depois, (29) me lembro perfeitamente de uma frase sua: "Sobre a impunidade não se constroi democracia". Isso é impossível. O seu alvo era, obviamente, o Brasil. Era uma referência à impunidade dos crimes, de tortura e morte, ocorridos ao longo da tenebrosa ditadura militar brasileira.

Convém lembrar que o Brasil, apesar da "Comissão da Verdade", foi o único país da América Latina que não puniu os torturadores envolvidos. Refletindo sobre a frase, podemos facilmente constatar o porquê da declaração do deputado Bolsonaro, na noite do golpe, em homenagem ao notório torturador, o coronel Ustra, sob urros complacentes e festivos de colegas parlamentares. Mas, pensando mais, a impunidade permite muitas outras coisas e se constitui hoje, num dos maiores problemas deste país, como o da não construção da democracia e de suas implicações.

Vejamos o recente caso da menina estuprada no Rio de Janeiro, estuprada por mais de trinta seres humanos degradados. Eu estava inclinado a escrever machos, destacando a sua qualidade animal, mas os machos - animais não praticam tais atos. O sexo entre os humanos é essencialmente um ato cultural, e como tal, uma invenção humana, por sinal, um ato dos mais controlados pelos moralistas, quase sempre de plantão. No entanto, agora silenciosos e omissos. Mas isso também é um fenômeno cultural.

Vamos lembrar mais uma vez o mesmo deputado. - Só não te estupro porque você não merece -, teria dito o tal deputado a uma colega sua do parlamento. E tudo ficou por isso. Anteriormente, numa frase que ficou famosa, o notório deputado Paulo Maluf proferira o dístico - estupra mas não mata - e tudo ficou por isso. Posteriormente uma ministra do Estado brasileiro, que já fora chamada pelo mesmo Paulo Maluf de professora de sexo na televisão, proferiu mais um dístico que lamentavelmente também ganhou fama - relaxa e goza - e, mais uma vez, nada acontece. Hoje esta mesma senhora integra a turma da malta.

Semana passada vimos outra cena lamentável. O novo ministro da educação (do DEM) recebe em seu gabinete de trabalho sugestões para a educação por parte de um ator do cinema porrnô, que conta em seu abonador currículo, a descrição de um estupro seu, num programa de televisão sob o delírio do apresentador e de sua plateia e, mais uma vez, - nada aconteceu. Opa, nada não! Foi recebido, isto é, mereceu a atenção de um Ministro da República. Pois é. Sobre a impunidade não se constroi  democracia pois esta é, fundamentalmente, uma sociedade em que impera o respeito. Por esses dias li, e achei interessante, que o presidente usurpador e golpista, instituiu no Brasil, uma falocracia. Como não achei a palavra no dicionário, passei até a acreditar, embora com dúvidas, que ele realmente a inventou.

O mesmo princípio de que não se constroi democracia sobre a impunidade também vale para a corrupção. O que fez o PT, para chegar e permanecer no poder? Simplesmente copiou a maneira de fazer política que sempre se fez no país. Não inventou nada diferente.  Como financiou as campanhas que lhe permitiram chegar e permanecer no poder? Simplesmente copiou as velhas fórmulas de fazer campanhas eleitorais. Afinal de contas, o mensalão não foi uma invenção do PSDB mineiro? Por que o PT se julgou no direito de assim proceder? A certeza da impunidade. Só que aí veio uma reação inesperada. A intolerância com a existência de políticas públicas em favor de quem realmente delas necessita. Aí uma velha estratégia fascista entrou em cena. Combater a corrupção. A dos outros. Não a das velhas elites. A Lava jato precisa acabar! Vamos recorrer aos velhos aliados para praticar um impeachment. Afinal, golpe - é uma palavra que não soa bem.

As elites brasileiras sempre quiseram construir um capitalismo sui generis. Um capitalismo sem mercado interno. Isso já foi observado por Joaquim Nabuco, que formulou um verdadeiro programa de integração econômica dos escravos libertos, mas a sua proposta não fez eco. Nacionalismo e distribuição de renda passaram a ser as palavras mais odiadas pela elite brasileira e por isso, por esses dias, mais uma vez ouvimos as frases "exportar é a solução" e "primeiro crescer para depois distribuir". Pobre país capitalista, sem mercado interno e eternamente dependente. O país é governado por uma elite cristã, que acredita que o único meio para se salvarem, para chegarem ao céu, é pela caridade. E a caridade, para ser praticada, precisa necessariamente da existência de pobres e miseráveis, nem que seja para lhes dar meras sobras de suas fartas mesas.

Enfim, - para não fugir do tema da impunidade! Quando não se pune o crime, seja ele de que natureza for, seja ele pelas abomináveis práticas da tortura, da violência física e simbólica contra as mulheres ou pela abominável degradação de todos os valores de uma cultura civilizatória, pela apropriação indevida dos aparelhos do Estado e dos bens públicos, quando estas práticas não são punidas, isso passa a ser um estímulo para a sua prática. A criminalidade não punida passa a ser, na verdade, incentivo, estímulo e propaganda para a sua perversa continuidade e perpetuação. Basta abrir os olhos para ver.



sábado, 28 de maio de 2016

A República Comunista Cristã dos Guaranis. Clóvis Lugon.

Clóvis Lugon é um padre jesuíta suíço. Creio não cometer nenhum erro ao afirmar que é ele o autor da melhor obra que foi escrita sobre a extraordinária façanha dos padres jesuítas paraguaios que conhecemos pelo nome de reduções ou simplesmente missões. Em fevereiro realizei o sonho de conhecer as terras missioneiras, tanto as do Paraguai, quanto as da Argentina e as do Brasil. Foi uma experiência extraordinária. Ela se completou posteriormente com a leitura de vários livros, que adquiri em São Miguel, nos stands de artesanato, junto às ruínas.
A melhor obra sobre a experiência das missões. Uma obra apaixonada.

Estas leituras me remeteram à obra de Clóvis Lugon  A República Comunista Cristã dos Guaranis. Já na capa interna está anotada a delimitação do tempo estudado, que é o tempo da experiência missioneira. 1610 - 1768. 1610 seria a data inicial e 1768 a final. Esta data de 1768 marca a expulsão dos jesuítas do território espanhol. Antes, já em 1759 eles tinham sido expulsos do Brasil. A experiência das missões, tidas por Umberto Eco como um santo experimento, são uma experiência que deve ser integralmente creditada aos jesuítas paraguaios. Todos os territórios ocupados pertenciam à Espanha. É importante levar também em consideração a data de 1750, o ano da realização do Tratado de Madri, quando foram trocados os sete povos das missões pela Colônia do Sacramento. Por ele, portugueses e espanhois se uniram contra os guaranis. Esta guerra deu ao Rio Grande do Sul um santo que não é Santo, ou seja, um santo popular. São Sepé Tiaraju. Esta data marca o declínio da experiência, que teve como data limítrofe o ano de 1768. 

Também é importante guardar a data de 1641, ano em que ocorreu a batalha de M'bororé, quando os guaranis venceram os bandeirantes e puderam viver, por mais de cem anos, em relativa paz, proporcionando a rica experiência, examinada à exaustão, no livro do padre Lugon. Encontrei alguns adjetivos qualificando a obra: profunda, instigante, polêmica e questionadora. Da minha parte, acrescentei mais um, apaixonada. A obra é uma defesa mais do que apaixonada dos padres jesuítas, ordem a qual Lugon pertencia, do comunismo e do cristianismo. É também uma obra extremamente erudita. Dá para dizer que ele leu tudo o que fora produzido sobre o tema até a data de sua escrita. Ela apareceu primeiramente em Paris, em 1949 e, no Brasil recebeu a sua primeira edição, pela Paz e Terra, em 1968.
Um mapa da região missioneira. Uma experiência dos jesuítas paraguaios.

A polêmica da obra começa pelo título, colocando lado a lado três palavras que seguramente não tem conceituações em uníssono: República - comunista e cristã. A defesa do comunismo é uma das mais bonitas que eu já encontrei. Constantemente ele alude aos valores superiores da civilização comum, coletiva dos guaranis e traça paralelos com a restante das colonizações ocorridas em todas as Américas, mostrando o genocídio dos indígenas e a escravidão dos negros. É, repito, uma defesa apaixonada e muito bonita, bem argumentada. Um livro profundamente humano.

O livro se divide em quatro partes. Ele não atribuiu títulos a estas partes, apenas para os capítulos. Vou eu então tentar colocá-los sob a forma de uma ideia. Na primeira parte são mostrados os antecedentes e os primeiros dados da experiência. Nela figuram os seguintes capítulos: I. Os Guaranis antes da chegada dos Jesuítas; II. Fundações e III. Devastações dos Paulistas - Grandes Migrações. Teria a destacar, desta parte, a devastação dos paulistas, a sua extrema crueldade e as grandes migrações que eles provocaram. A crueldade foi tamanha, que os guaranis, inclusive, ganharam o direito de se armar, direito concedido por parte do rei da Espanha, para a sua defesa, atendendo a uma solicitação dos jesuítas (padre Montoya). Lembro da expressão irada da guia turística nas ruínas de Trinidad, no Paraguai: Ah! Estes bandeirantes!
Todas as reduções obedeciam mais ou menos a mesma planta.

A segunda parte é dedicada a sua organização institucional. Vejamos os capítulos: IV. Situação e aspecto das Reduções - População; V. A Organização Política; VI. O Exército e VII. Relações  com a Coroa da Espanha. Aqui você encontras as principais respostas para a sua curiosidade. Os números são impressionantes e a organização simplesmente foi fantástica.

A terceira parte continua respondendo às nossas curiosidades fundamentais, agora mais sobre a sua organização comunitária, sobre o seu cotidiano. Vejamos: VIII. A Agricultura; IX. O Artesanato e a Indústria; X. As Artes; XI. O Comércio e a Moeda; XII. O Regime de Propriedade; XIII. O Trabalho e a Repartição da Renda; XIV. A Vida Social e XV. A Vida Religiosa. Aí se localizam, no meu entendimento, os dois mais belos capítulos do livro. O que fala sobre o regime de propriedade e sobre o trabalho e a repartição da renda. Apenas uma curiosidade: trabalhavam entre seis e oito horas por dia. Aqui são simplesmente destruídos os argumentos da superioridade do regime individual da propriedade e também os ditos valores atribuídos à meritocracia. O interesse coletivo, do bem comum é mostrado como uma forma moral superior de organização da sociedade. Vejamos uma descrição:
Trinidad, no Paraguai. A mais bem conservada das Missões. Patrimônio da humanidade.


"De uma ponta a outra de sua história, a República Guarani viveu sob o regime de propriedade comum das terras. A propriedade individual do solo nunca se concretizou em parte alguma de seu território. Comprar, vender, alugar ou legar a mais modesta porção de terra, utilizar o trabalho de outrem para benefício e lucro próprio, transformar o solo em instrumento de dominação ou de exploração do homem pelo homem, são tantas outras operações que se mantiveram desconhecidas até ao fim. O lote vitalício que se tentou introduzir, encontrou a indiferença total dos guaranis, muito satisfeitos com seu regime de comunidade integral. A maioria dos padres, que só agiu sob pressão do rei e ameaça de seus adversários, também não insistiu, de resto, compreendendo muito bem que o desenvolvimento dos interesses egoístas acarretaria a decadência religiosa e social de suas comunidades, edificadas sobre o alicerce da solidariedade".

O interesse superior comum, que transcende o individualismo egoísta, também está muito presente na frase final do capítulo sobre o regime da propriedade: "Os guaranis, logo teremos ocasião de observar, estavam há muito tempo apaixonadamente vinculados às suas casas, às suas igrejas, às suas oficinas, às suas magníficas plantações, que certamente não estavam desprovidas de valor, aos seus rebanhos, a todos os seus bens, possuídos sem avareza, em comum".

A quarta parte seria uma análise do pós 1768, onde ganham força as guerras guaraníticas  e o esforço na destruição da rica experiência coletiva para a implantação das experiências coloniais tradicionais do genocídio da população indígena e da escravidão dos negros. Para isso os seus protetores foram expulsos destas terras. Também entra nos processos que conduziram estes povos às lutas de suas independências. Os capítulos são os seguintes: XVI. Assaltos do Mundo Colonial (1640-1750) - Méritos dos Jesuítas. XVII. Tratado dos Limites e Guerra Guarani - Expulsão dos Jesuítas e XVIII. Trágico Epílogo. Segue ainda uma conclusão e uma rica indicação bibliográfica. Uma observação instigante e intrigante. Nenhum guarani se tornou padre ou estudou na universidade de Córdoba, a grande universidade argentina dos jesuítas.
As ruínas de São Miguel, a melhor infraestrutura turística.


Mostro ainda duas frases, praticamente as primeiras da apresentação, que bem refletem o espírito da obra. "A república Guarani era, sem dúvida, comunista demais para os cristãos burgueses e cristã demais para os comunistas da época burguesa" e "Desde que se queira revelá-la, retirando-a do esquecimento sem procurar encobrir sua dupla luz, ela nos aparece na História como a mais fervorosa das sociedades cristãs e a mais original das sociedades comunistas até à criação da União Soviética".

Um último fato a observar. É impressionante o quanto este experimento comunista e cristão mereceu a atenção do mundo ilustrado da época. Praticamente todos os sábios da época se ocuparam dela. Uma visita às terras missioneiras também nos dá uma bela ideia do que foi este experimento, denominado por Umberto Eco, como já vimos, como um santo experimento.


segunda-feira, 23 de maio de 2016

Está o professorado perdendo o controle de suas qualificações e do currículo?

Michael W. Apple
Kennteh Teitelbaun.
  1. Transcrevo este texto por uma simples razão. Ele é muito difícil de ser encontrado. Poucas bibliotecas tem esta revista. Outro motivo é o de ter recebido vários pedidos para tirar um xerox, mas para isso a minha cópia está um tanto velha. Outro motivo é a atualidade do texto. Estamos diante de uma nova onda neoliberal, da escola sem partido, agravada com o crescimento das bancadas evangélicas, todos interessadíssimos em controlar o currículo. Finalmente fiz a transcrição porque este tema mexe profundamente com a identidade e a autoestima do professor. Bom proveito.
Está aí a fonte.


Para entender o que está acontecendo atualmente no currículo e no ensino, especialmente numa época que tem sido chamada de a "restauração conservadora", precisamos vê-los relacionalmente. Não apenas nos Estados Unidos, mas também na Grã- Bretanha, no Canadá, e em outros lugares, estão ocorrendo transformações no controle do currículo e do ensino que estão vinculadas de forma muito profunda a mudanças no controle da cultura, da política e da economia em geral. Estas transformações são a continuação de uma longa história na qual a escola é responsabilizada por crises que atravessam a sociedade mais ampla.Elas também precisam ser vistas como tendo seu maior efeito sobre um grupo determinado de trabalhadores - o professorado - constituído em sua maioria por mulheres.

Poderia ser prudente começar retornando brevemente a um período anterior na história educacional. As formas pelas quais o ensino e os currículos têm sido controlados, especialmente nos Estados Unidos, têm estado vinculados ao fato de que em geral o ensino foi construído em torno do trabalho das mulheres. Com frequência tanto o conteúdo do currículo quanto a vida pública e a vida privada do professorado foram rigorosamente "policiadas" por causa disso. Podemos ver parte disso no seguinte exemplo de um contrato padronizado para docentes de escola elementar para o ano de 1923:

Contrato de professora - 1923

Este é um contrato entre a senhorita..........................................., professora, e o Conselho de Educação da Escola............................................................, pelo qual a senhorita.....................................concorda em ensinar por um período de oito meses, começando em 1º de setembro de 1923. O Conselho de Educação concorda em pagar à senhorita........................................... a soma de 75 dólares por mês.
A senhorita.................................................concorda com as seguintes cláusulas:

1. Não casar-se. Este contrato torna-se nulo imediatamente se a professora se casar.
2. Não andar em companhia de homens.
3. Estar em casa entre as 8 horas da noite e as 6 horas da manhã, a menos que esteja assistindo a alguma função da escola.
4. Não ficar vagando pelo centro em sorveterias.
5. Não deixar a cidade em tempo algum sem a permissão do presidente do Conselho de Curadores.
6. Não fumar cigarros. Este contrato torna-se nulo imediatamente se a professora for encontrada fumando.
7. Não beber cerveja, vinho ou uísque. Este contrato torna-se nulo imediatamente se a professora for encontrada bebendo cerveja, vinho ou uísque.
8. Não andar de carruagem ou automóvel com qualquer homem exceto seu irmão ou pai.
9. Não vestir roupas demasiadamente coloridas.
10. Não tingir o cabelo.
11. Vestir ao menos duas combinações.
12. Não usar vestidos mais de duas polegadas acima dos tornozelos.
13. Conservar a sala de aula limpa.
(a) varrer o chão da sala de aula ao menos uma vez por dia.
(b) esfregar o chão da sala de aula uma vez por semana com água quente e sabão.
(c) limpar o quadro-negro ao menos uma vez por dia.
(d) acender a lareira às 7 horas da manhã de forma que a sala esteja quente às 8 horas quando as crianças chegarem.
14. Não usar pó no rosto, rímel, ou pintar os lábios.

Como este contrato mostra de forma expressiva, o controle do ensino sempre teve estreitas conexões com pressões sociais e ideológicas fora da educação. Ao pensarmos criticamente sobre o que está ocorrendo atualmente nas escolas durante a restauração conservadora e ao refletirmos sobre as possibilidades de agirmos contra esta restauração, é prudente conservar este contrato em mente. A história tem o hábito de não permanecer no passado.

Como o professorado está perdendo o controle.

A maior parte da ênfase de nosso pensamento crítico sobre o currículo e o ensino tem sido colocada sobre conteúdos e métodos. É o conteúdo representativo de grupos desprivilegiados, pessoas de outras raças, mulheres e assim por diante? Estabelecemos as condições necessárias para o estudo sério e a ação social nas salas de aula e na comunidade de forma que os estudantes não se limitem simplesmente a regurgitar e a nos devolver fatos desconexos e tenham alguma ideia das intoleráveis desigualdades em nossa sociedade? Não queremos descartar este tipo de preocupações. Elas são muito importantes, especialmente tendo em vista o poder crescente das grandes empresas para determinar os objetivos de nossas instituições políticas e educacionais e o poder crescente de movimentos de direita em todo o país, os quais estão pressionando editores, comissões estaduais de adoção de livros didáticos, conselhos distritais de educação, e outros para eliminar uma boa parte do conteúdo honesto que existe agora em alguns materiais curriculares. Uma ênfase exclusiva nas questões de conteúdo e métodos, entretanto, pode nos levar a ignorar outras coisas que estão ocorrendo que podem tornar quase impossível que um trabalho crítico sério sobre o currículo a ser feito em muitas partes do país.

Entre outras coisas, o mais importante é o que está ocorrendo ao ensino como uma ocupação e como um conjunto de ações qualificadas e autorefletidas. Estamos todos testemunhando ou experimentando algumas importantes transformações que terão um forte impacto sobre como  realizamos nossos trabalhos e quem decidirá se estamos realizando-o bem ou não. Em essência, nosso principal argumento neste artigo diz respeito exatamente a isso. As mudanças das estruturas de controle do trabalho dos professores em áreas algo distantes dos corredores e das salas de aula das escolas terá importantes implicações em relação a saber se o conteúdo e a pedagogia de nossas escolas terão afinal qualquer efeito crítico.

A fim de entender este argumento, precisamos pensar o ensino sob uma forma particular, pensá-lo como o que poderia ser chamado de um complexo processo de trabalho. Um processo de trabalho que é significativamente diferente daquele de uma linha de montagem, do trabalho doméstico ou do trabalho num escritório. Mas, mesmo tendo em vista essas diferenças, as mesmas pressões que atualmente afetam os empregos em geral estão agora sendo sentidas crescentemente no ensino. Na literatura sociológica geral, o rótulo atribuído ao que está ocorrendo é o de "degradação do trabalho". Esta degradação é um "presente" que nossos arranjos econômicos dominantes nos deram.

Na sociedade mais ampla, tem havido uma história excepcionalmente longa de racionalização e padronização do trabalho das pessoas. Na indústria, um exemplo familiar disso foi o uso pela gerência do taylorismo e dos estudos de tempo e movimento em sua contínua busca por maiores lucros e maior controle sobre seus empregados. Aqui, trabalhos complexos foram rigorosamente examinados por experts em administração. Cada elemento que fazia parte do trabalho era dividido em seus componentes mais elementares. Trabalhadores menos qualificados e menos bem pagos foram contratados para essas tarefas mais simples. Todo o planejamento deveria ser feito pela administração, não pelos trabalhadores. As consequências disso têm sido profundas; mas duas delas são especialmente importantes para nossa discussão.

A primeira é o que chamaremos de separação entre concepção e execução. Quando trabalhos complicados são divididos em elementos atomísticos, a pessoa que está realizando o trabalho perde a visão do processo global e perde o controle sobre seu próprio trabalho uma vez que alguém fora da situação imediata tem agora maior controle tanto sobre o planejamento quanto sobre o que deve realmente ser realizado. A segunda consequência está relacionada a esta, mas acrescenta uma característica ainda mais debilitante. Esta é conhecida como desqualificação. À medida que os empregados perdem o controle sobre seu próprio trabalho, as habilidades que eles desenvolveram ao longo dos anos se atrofiam. Elas se perdem lentamente, tornando portanto ainda mais fácil para a administração controlar uma parte ainda maior do trabalho de alguém porque as habilidades que fazem com que a própria pessoa seja capaz de planejá-lo não estão mais disponíveis. Um princípio geral emerge aqui: no nosso trabalho, a falta de uso leva à perda. Este tem sido particularmente o caso no trabalho das mulheres. O trabalho das mulheres tem sido particularmente sujeito às tendências de desqualificação e de perda de poder efetuadas por parte da administração. Estas tendências são bastante visíveis numa variedade de locais de trabalho em todo o país, desde fábricas e escritórios, até lojas, restaurantes, serviços públicos, e agora até mesmo o ensino. Cada vez mais empregos parecem estar sujeitos à "degradação".

Como este processo está agora agindo no trabalho de ensinar? Desde o início, é importante compreender que custou décadas para os professores obterem as habilidades e o poder que eles agora têm. Mesmo que em muitos sistemas escolares os professores na realidade tenham apenas um direito limitado para realmente escolher os textos e outros materiais curriculares que usam, estas condições são ainda bastante melhores que em períodos anteriores de nossa história educacional, quando a seleção de textos e do currículo era uma responsabilidade administrativa. Os ganhos que os professores tiveram não vieram facilmente. Foi necessário que milhares de professores de centenas de distritos escolares em todo o país constantemente reafirmassem seu direito de determinar o que ocorreria em suas salas de aula para retirar cada pequeno passo do controle administrativo total do currículo. Isto ocorreu ainda com mais frequência ao nível da escola elementar, onde a grande maioria dos professores têm historicamente sido mulheres. As professoras mulheres tiveram que lutar ainda mais duramente para obter reconhecimento de suas habilidades e valor.

Contudo, embora o planejamento e a determinação do currículo sejam agora mais formalmente democráticos na maior parte das áreas do currículo, existem forças agindo sobre as escolas que podem tornar essas escolhas quase sem sentido. Nos níveis local, estadual e federal, os movimentos por sistemas estritos de avaliação do trabalho dos professores, de educação baseada na competência, de testagem, sistemas gerenciais, uma visão truncada das "aprendizagens fundamentais", objetivos e conteúdos curriculares determinados por decreto e assim por diante, são visíveis e estão em ascensão. De forma crescente, métodos de ensino, textos, testes e resultados estão sendo retirados das mãos das pessoas que devem pô-los em prática. Em vez disso, eles estão sendo legislados por departamentos estaduais de educação ou por assembleias estaduais, e estão sendo ou apoiados ou estimulados por muitos dos relatórios nacionais, tais como A Nation on Risk, que são com frequência avaliações simplistas de problemas educacionais (ou soluções simplistas deles), relatórios que demonstram o crescente poder das ideologias conservadoras em nosso discurso público.

Por exemplo, na data em que escrevemos isto quase quarenta dos cinquenta estados tinham estabelecido alguma forma de testes de competência de âmbito estadual. Muitos desses sistemas são bastante reducionistas e relativamente pouco reflexivos. Embora ostensivamente isso seja feito para garantir alguma forma de "controle de qualidade", um dos principais efeitos dessa intervenção dos estados tem sido uma considerável pressão sobre os professores para ensinar meramente para os testes. Isso faz parte de um crescente processo de intervenção estatal no ensino e no currículo e significa uma outra instância na longa história da intervenção estatal nas atividades de uma força de trabalho amplamente formada por mulheres.

Estas forças têm bastante consequências e precisam ser analisadas estruturalmente para se ver o impacto duradouro que podem estar tendo sobre o ensinar. Exatamente da mesma forma que em outros empregos, estamos presenciando a desqualificação de nossos professores. Como observamos, quando os indivíduos deixam de planejar e controlar uma grande porção de seu próprio trabalho, as habilidades essenciais para fazer essas tarefas autoreflexivamente e de forma correta atrofiam-se e são esquecidas. As habilidades que os professores construíram ao longo de décadas de trabalho árduo - estabelecendo objetivos curriculares relevantes, determinando conteúdos, planejando lições e estratégias instrucionais, individualizando a instrução com base num conhecimento íntimo dos desejos e necessidades dos estudantes, e assim por diante - são perdidas. Sob muitas formas, tendo em vista a centralização da autoridade e do controle, elas simplesmente não são mais "necessárias". No processo, entretanto, as próprias coisas que tornam o ensino uma atividade profissional - o controle do seu próprio tempo e conhecimento - são também dissipadas. Não existe nenhuma fórmula melhor para a alienação e o desânimo que a perda de controle do próprio trabalho (embora seja bastante infeliz que termos tais como "desânimo" tenham tanta circulação uma vez que o tornam um problema psicológico ao invés de um problema realmente estrutural relacionado ao controle do trabalho do professor).

Portanto, a tendência para o currículo se tornar crescentemente planejado, sistematizado e padronizado a partir de um nível central, totalmente centrado em competências medidas por testes padronizados (e amplamente dependente de textos e materiais comerciais pré planejados escritos especificamente para aqueles estados que têm o controle centralizado mais rígido e, portanto, os maiores mercados garantidos) pode ter consequências que são exatamente o oposto do que muitas autoridades pretendem. Em vez de profissionais que se importam muito com o que fazem e por que o fazem, podemos ter executores alienados de planos alheios. De fato, a literatura sobre o processo de trabalho em geral está repleta de exemplos documentando os efeitos negativos de sistemas rígidos de administração e controle e a concomitante perda de habilidades, autonomia, perícia e orgulho resulta disso. Como é muitas vezes o caso, os burocratas educacionais tomam emprestadas a ideologia e as técnicas de gerência industrial sem reconhecer o que pode e tem acontecido à maioria dos empregados na própria indústria.

Estes tipos de movimentos intervencionistas não terão consequências apenas para a capacidade dos professores em controlar seu próprio trabalho. Está-se tornando também muito claro que eles estão tendo alguns resultados muito problemáticos em termos do tipo de conteúdo que está sendo enfatizado no currículo.

Uma forma simples de pensar sobre isso é dividir os tipos de conhecimento que queremos que nossos estudantes aprendam em três tipos: conhecimento do tipo "quê", do tipo "como" e do tipo "para". Conhecimento do tipo "quê" é informação factual, tal como saber que Madison é a capital de Wisconsin ou que Baton Rouge é a capital da Lousiana. Conhecimento do tipo "como" é constituído  por habilidades, tais como saber como usar a biblioteca ou como pesquisar a história, digamos, das mulheres ou dos sindicatos nos Estados Unidos. Conhecimento do tipo "para" inclui aquelas normas, valores e propensões que guiam nossa conduta futura. Exemplos desse tipo de conhecimento incluem saber ser honesto, ter orgulho da própria herança racial, saber aprender mais depois que a escolarização formal terminou, ser intelectualmente aberto, ou ver-se a si mesmo como parte de uma comunidade democrática e agir cooperativamente. Cada um desses conhecimentos é importante; mas se tivermos que colocá-los em alguma espécie de hierarquia, a maioria de nós concordaria que saber uma coleção de fatos é provavelmente menos importante que habilidades de investigação de ordem mais alta. E estas por sua vez tornam-se menos importantes do que deveriam se a pessoa não estiver disposta a usá-las de forma que seja educacional e socialmente importante.

Como o controle sobre o conteúdo, o ensino e a avaliação afastando-se da sala de aula, o foco desloca-se cada vez mais apenas para aqueles elementos de estudos sociais. leitura, ciência e assim por diante que possam ser facilmente medidos por testes padronizados. Conhecimentos do tipo "quê" e ocasionalmente conhecimento do tipo "como" de baixo nível são os focos primários. Qualquer outra coisa é, cada vez mais, considerada irrelevante.  Isto já é suficientemente ruim, naturalmente, mas no próprio processo o conhecimento do tipo "quê" que é ensinado é tornado "mais seguro", menos controvertido, menos crítico. Isto constitui não apenas uma fórmula para a desqualificação, mas também uma redução do universo do conhecimento social possível àquele conhecimento que, em grande medida, continua o processo de marginalização do conhecimento das mulheres, dos trabalhadores e das pessoas de outras raças, que observamos no início deste artigo.

Naturalmente, mesmo com as pressões que apontamos neste artigo, muitos professores têm claramente tentado manter  o controle de suas práticas. Entretanto, está-se tornando mais difícil fazer isso. Dois exemplos podem iluminar tanto as possibilidades quanto as limitações do que parece estar ocorrendo. Vários anos atrás, um dos autores estava ensinando estudos sociais numa escola de segundo grau no norte de Nova Iorque. Naquela escola, era "fortemente recomendado"  que os professores de História Americana usassem um certo livro didático relativamente inócuo e "inofensivo". O livro tinha um grande número de folhas de exercício e de "exercícios individualizados" que eram fornecidas pelas editoras e que deviam ser completadas quase diariamente. Entretanto, a pronta disponibilidade de uma excelente máquina copiadora permitia a ampla utilização de materiais suplementares que eram mais honestos e mais socialmente críticos. Em essência, um livro didático, mais progressivo foi criado pelos estudantes, um livro com diferentes tipos de conhecimento e diferentes atividades grupais e individuais. Neste caso, o chefe do departamento de estudos sociais apoiou os esforços dos professores. Ao mesmo tempo, entretanto, esses exemplos isolados não podiam superar o fato de que um teste departamental padronizado para todas as classes de História Americana era dado ao final de cada ano escolar, um teste que contava por 20% da nota total de cada estudante. Havia, portanto, uma imensa pressão sobre os professores e sobre os estudantes para enfatizar o que estava no teste e no livro didático padronizado e para tratar o material criativo e mais crítico socialmente como "extras" a serem discutidos no tempo que sobrasse.

O segundo exemplo diz respeito à experiência dos professores com material curricular pré empacotado, de venda maciça, no nível elementar, no qual os objetivos, os métodos de ensino, os pré e pós testes e as respostas apropriadas dos alunos estavam todas integradas de uma forma tal a tratar o professor como algo parecido com um autômato. O material neste caso era pré-determinado, mas uma vez mais alguns professores encontraram maneiras de alterá-lo (como todos os bons professores têm feito por anos). Entretanto, uma vez mais, da mesma forma, pressões e controles externos tornaram difícil para os professores fazer qualquer coisa que fosse muito diferente. Como disse uma professora: "Veja, não tenho escolha. Pessoalmente não gosto deste material, mas todo mundo no distrito escolar tem que usar esta série". Esta mesma professora, entretanto, estava tentando reter algum controle de seu trabalho ao utilizar o currículo padronizado apenas três dias por semana em vez dos cinco que eram estipulados. Ela explicou: "Escuta, se trabalharmos duro terminaremos esta coisa em dois ou três meses e além disso é algumas vezes confusa e aborrecida. Assim, tento ir além tão frequentemente quanto possível, desde que eu não ensine o que está no material para ser coberto por esta série no próximo ano". Observe outra vez o que ocorreu. A professora claramente reconhece que algo está dramaticamente faltando no currículo determinado e, como a maior parte dos bons professores o farão, tenta reter o controle sobre ele e mudá-lo, apenas para ser parcialmente imobilizada pela estrutura ainda mais racionalizada que organizou o sistema social mais amplo.

Estes exemplos poderiam, naturalmente, ser multiplicados muitas e muitas vezes. Se essas são ocorrências regulares no ambiente educacional, como nossas próprias experiências pessoais e as de outros pesquisadores parecem indicar, pense sobre como será mais difícil para os professores transformar o currículo em algo mais socialmente crítico e pessoalmente significativo para eles próprios e seus alunos - combinar concepção com execução e reter controle sobre seu próprio trabalho - quando existem testes não apenas no âmbito global da escola, mas no âmbito estadual (em cada vez mais estados), quando existem livros-didáticos obrigatórios não apenas para toda escola, mas para todo o estado, quando existem não objetivos individuais desenvolvidos conjuntamente por professores e pela comunidade local, mas objetivos obrigatórios para o estado todo, e quando existem não habilidades individuais usadas por professores, nas listas de competências docentes "apropriadas" para todo estado. As dificuldades aqui não devem ser encaradas de forma leviana.

Conclusão.

Neste artigo, vimos que o controle do ensino está-se movendo tanto para dentro quanto para fora. O controle externo do conteúdo e dos processos de sala de aula move-se cada vez mais diretamente para dentro do edifício escolar, atravessa os corredores e chega às salas de aula. Neste processo, o controle sobre o ensino e o currículo que o professorado tem ganho tão lenta e duramente move-se para fora. É retirado daquelas pessoas que estão dentro das salas de aula e atribuídos uma vez mais a corpos legislativos e administrativos, corpos cada vez mais dispostos a orientar a escola de acordo com as necessidades gerenciais e industriais. Desta forma, isto silenciosamente nos deixa mais perto da situação na qual o professorado se encontrava em períodos anteriores da história da escola.

Por uma considerável parte deste século, os professores e as professoras podiam ser, e eram repreendidos e/ou demitidos por não estarem com o material "correto" na hora "certa", e por suas ações e crenças políticas. Para as professoras mulheres era ainda pior. Elas podiam não apenas ser repreendidas ou demitidas pelas ações acima, mas, como vimos, estavam sujeitas à disciplina e à perda de emprego por toda uma lista de coisas, inclusive por serem vistas em companhia de homens, por se casarem, por ganharem um bebê, por se maquilarem ou usarem roupas muito coloridas, por não irem às funções religiosas e assim por diante. O fato de que muitas dessas coisas parecem tão cômicas hoje expressa de forma eloquente a grande distância percorrida pelo professorado na obtenção das habilidades e do direito a terem a palavra sobre o que serão suas vidas tanto dentro quanto fora de suas salas de aula. Isto também aponta para o fato de que construímos a qualidade (embora ainda insuficiente) que temos nas escolas às custas da atividade mal paga de uma força de trabalho amplamente feminina, um grupo de pessoas que teve que lutar para continuamente construir um ambiente que levasse suas emergentes habilidades a sério.

Está o professorado arriscado a perder aquelas habilidades e direitos outra vez? Acreditamos que esta é uma possibilidade a ser considerada. Apenas a ação organizada para defender estas habilidades e direitos e para defender práticas curriculares e de ensino críticas e progressistas podem assegurar que não retornaremos àqueles dias não tão bons de antigamente. O professorado não pode fazer isso sozinho, entretanto. Se a degradação do trabalho que descrevemos é generalizada em nossa economia, então é essencial que o professorado forme coalizões com outros grupos como enfermeiras e enfermeiros, assistentes sociais, pessoas que fazem trabalho de secretaria e de escritório, e outras que estão experimentando processos similares. A ação organizada é seguramente melhor que balançar nossas cabeças em desânimo para expressar quão difícil é ensinar, tendo em vista essas condições.

Nosso objetivo aqui, portanto, não é simplesmente o de sermos alarmistas. O que fizemos foi apontar para algumas tendências perigosas que estão atualmente emergindo com respeito ao controle de ensino e do currículo. Ao solicitar ao leitor que considere o que está ocorrendo ao ensino estruturalmente, não queremos dar a entender que o professorado e os trabalhadores de currículo, em concerto com outros grupos, não devem coletiva ou individualmente continuar a longa e dura luta  para assegurar que o controle do currículo responda às necessidades, aspirações, cultura e história das pessoas de outras raças, mulheres, trabalhadores e outros. Claramente, uma tal ação é de importância crítica. Ela tem um passado longo, com valores e necessidades a serem continuados. Contudo precisamos ser cuidadosos em não supor que isto seja suficiente, pois seguramente existem condições prévias para que estes esforços sejam bem sucedidos. O ensino crítico precisa de uma base de autonomia responsável, uma autonomia que esteja vinculada, entretanto, às preocupações com as desigualdades que estão sendo ampliadas pelas mesmas forças que estão transformando o trabalho do professorado. Sem isso, há significativamente menos esperança de sucesso duradouro para essa ação. Não estão em jogo apenas as condições sob as quais o professorado trabalha, mas também os "quês", os "comos" e os "paras" a serem ensinados aos nossos alunos.

À medida que a desigualdade cresce firmemente na economia, à medida que as divisões de classe, de gênero e de raça nos empregos e nas riquezas crescem inexoravelmente ao longo do tempo (não importa o que diga a retórica oficial em Washington), estamos frente a uma situação em que os interesses e métodos empresariais tendem a dominar a maior parte de nosso discurso e decisões públicas. Não apenas na economia, mas nas escolas, as ideologias empresariais têm entrado mais diretamente no conteúdo do currículo e nas discussões sobre políticas nos níveis local, estadual e federal. Uma ética do lucro e do ganho privado está não apenas deslegitimando uma visão educacional mais progressista, mas está também tornando difícil para nós como um povo lembrar que existem alternativas mais democráticas para as formas como nossa economia e nosso trabalho são atualmente controlados. Possivelmente a fim de que o professorado retenha uma grande porção de sua autonomia, seja antes necessário lutar em favor dessas alternativas democráticas na sociedade mais ampla. Isto certamente merece uma reflexão mais profunda.

Texto retirado da revista Teoria & Educação, 4, 1991. páginas 62 a 73.

Michael W. Apple é professor da Escola de Educação da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos da América. Kenneth Teitelbaun é professor da Universidade de Syracuse, Estados Unidos da América.

Este artigo foi originalmente publicado no Journal of Curriculum Studies, 18 (2), 1986. Transcrito aqui com a autorização dos autores. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva.

Deixei de fora 18 notas, todas elas indicando bibliografia. Tudo bibliografia norte americana.
 



domingo, 22 de maio de 2016

Joseph Goebbels. Uma biografia. Peter Longerich.

Ufa! tarefa concluída. Uma longa biografia. Joseph Goebbels - Uma biografia. A autoria é de Peter Longerich. 654 páginas de biografia e mais quase 150 só de notas. Detalhes e minúcias, especialmente, das intrigas de poder. Acompanha um álbum de fotografias. A editora é a Objetiva. O livro divide-se em 29 capítulos e em três grandes partes.
Como diz na capa. A biografia definitiva. Diários e discursos.

A primeira, Ascensão a qualquer preço, é apresentada em nove capítulos e abrange os anos de 1897 e se estende até 1933, o ano da ascensão dos nazistas ao poder. A segunda, Controle da "Opinião Pública" a qualquer preço, abrange os anos de 1933 até 1939. São mais nove capítulos. A terceira e última, Guerra, Guerra Total - Ruína Total, abrange os anos de 1939 a 1945. Mais precisamente até o mês de abril e maio de 1945, quando tudo acabou. São os restantes 11 capítulos.

Se a leitura é exaustiva, imagina o trabalho de pesquisa. Duas são as suas fontes principais. Os diários e os discursos. É impressionante como ele foi fiel ao seu diário. Ele só o abandona alguns dias antes de sua morte. Eles eram para Goebbels uma importante fonte de renda, pois negociou a sua edição póstuma, obviamente, sem saber o seu desfecho. E os discursos, quantos ele não fez. O biógrafo leva em conta uma espécie de tese sobre a personalidade do biografado, a sua obsessão pelo chefe.
Ao lado do chefe. A sua obsessão maior.


A respeito desta sua obsessão vejamos dois trechos que constam no item V das conclusões: "A enorme falta de ideias político-pragmáticas em Goebbels corresponde à sua estrutura de personalidade inteiramente voltada para o reconhecimento e o sucesso a qualquer preço: quando ele era o centro das atenções, quando a sua causa triunfava, pouco lhe importava em que consistia o sucesso alcançado". O segundo trecho é o final do último parágrafo da obra:

"Os antigos rivais na preferência do ditador, os Göring, Speer e Himmler, estavam politicamente marginalizados, não sem a própria colaboração de Goebbels, enquanto Bormann parecia rebaixado ao papel de mero secretário.Nesse sentido, o ministro da Propaganda foi efetivamente até as últimas consequências na sua necessidade narcísica fundamental: acompanhar Hitler no suicídio com a família, fixou para todo o sempre a relação especial com seu ídolo tal como ele a enxergava. Ao final, a mentira da sua vida havia triunfado". Hitler junto com a sua esposa, casara no dia anterior ao do suicídio com a amante Eva Braun, se suicidam no dia 30 de abril de 1945. No dia seguinte foi a vez de Goebbels, de Magda e de seus seis filhos. O cenário foi o Bunker da resistência final.
Meio desajeitado, mas sempre uniformizado.


O meu interesse maior na leitura foi o aspecto da engenhosidade da peça de propaganda. A sua concepção. Nas páginas 90 a 94 são descritas as técnicas de propaganda que ele empregava. Era uma transposição das técnicas da propaganda comercial. Qual era o conteúdo? Os do chefe. Duas eram as questões fundamentais. O nacionalismo e o antissemitismo. Este antissemitismo se materializa no ódio à identificação dos judeus com a burguesia, responsáveis pela não concretização do sonho nacionalista da Alemanha. Pouco em termos de conteúdo. Muita repetição. Nos discursos, muita pregação da violência.  Ao final da guerra, a sua ideia-força era a da guerra total, o único instrumento com o qual poderiam vencer a guerra.

O livro também é interessante pelo aspecto da narrativa da guerra. Nesse sentido, ganha força o terceiro capítulo, onde os diferentes passos, o avanço e o recuo dos exércitos, os bombardeios, as esperanças nos aperfeiçoamentos técnicos como as bombas V1 e V2, são mostrados para neles inserir o objetivo do livro que é o de mostrar os preparativos e a interpretação dos diferentes fatos.  O desfecho é bem interessante. Nunca entregaram os pontos.
Em família. Um relacionamento a três.


Outro aspecto interessante é o relativo às fofocas e as intrigas no poder. Assim ocorre, já nos dias finais no Bunker, o fuzilamento de uma pessoa muito próxima ao Führer, o seu cunhado. Muitos detalhes das desventuras amorosas de Hitler também estão presentes, assim como o relacionamento a três da família Goebbels mais o Führer, bem como as suas intervenções na solução dos problemas do casal Joseph e Magda Goebbels.

Deixo ainda a última frase da contracapa do livro: "Resultado de uma pesquisa minuciosa, Josph Goebbels - Uma biografia desmonta a máquina nazista peça por peça e expõe a personalidade assombrosa  de um dos homens mais influentes do Terceiro Reich". Sim, uma última coisa. A propaganda era um departamento do Estado. E isto parece que permaneceu, ao menos pelo que se observa aqui no Brasil, quando os instrumentos do Estado são controlados pela burguesia.




terça-feira, 17 de maio de 2016

Modelos políticos e econômicos em disputa.

Para entender o que está se passando no Brasil, nestes momentos que seguem à tomada golpista dos aparelhos do Estado e do poder pela elite brasileira, é preciso fazer uma pequena retrospectiva histórica e conhecer os modelos políticos e econômicos ora em disputa, dentro do capitalismo, obviamente. Vou retroceder apenas até o final da Segunda Guerra Mundial.

Dois modelos estavam e estão em disputa. Um era o capitalismo ortodoxo, formulado pelos economistas clássicos e que preconizava o livre mercado, a não intervenção, o chamado Estado mínimo. O econômico e seus determinismos se antepõem ao político. O outro, formulado nos anos 1930, defendia intervenções estatais, para conter a barbárie decorrente da competição no livre mercado. Seu grande formulador teórico foi Keynes e o modelo passou a ser denominado de social democracia, ou estado de bem-estar social. Nele o político precede e direciona o econômico.
Os fundamentos teóricos do neoliberalismo. 1946.

O princípio maior da social democracia é o de que o indivíduo é visto como um cidadão e, como tal,  portador de direitos. Daí o princípio inscrito nas modernas constituições:Direito do cidadão - Dever do Estado. Já para os liberais ortodoxos ou neoliberais O Estado nada deve a ninguém. O atendimento às necessidades, ligadas à cidadania, se dá através de serviços e estes estão disponíveis no mercado e a sua compra cabe aos indivíduos, ou a seus familiares, nos supermercados de saúde, de educação e outros similares.

O neoliberalismo nada mais é do que o recrudescimento do liberalismo clássico. Seus principais formuladores foram Hayeck (O Caminho da Servidão) e Milton Friedman (Capitalismo e Liberdade e Liberdade de escolher). Friedman foi professor da Universidade de Chicago e os seus alunos passaram a ser os Chicago boys.

Ao final dos anos 1970 e começo dos 1980 esta doutrina se torna hegemônica entre os países do capitalismo desenvolvido. (Tatcher, Reagan e Khol). Na América Latina ele teve uma experiência precoce no Chile, sob a ditadura de Pinochet e se afirmou mesmo, na década de 1990 (Fujimori, Menem e FHC). Na década inicial do século XXI, começou a reversão na América Latina.
Friedman inspirou os chamados Chicago boys.

A chegada ao poder, nestes anos iniciais do século XXI, das propostas da social democracia representaram grandes avanços sociais na América Latina e, creio que, a sua maior expressão, foi a exclusão do Brasil do mapa da fome mundial. Foram anos em que não se ouvia falar de inflação, de desemprego e de recessão econômica. Houve movimento, marcado pela ascensão, na estrutura da base da sociedade. Aí é que reside a questão chave. Isso não é suportável para as elites, ao menos para a elite brasileira, seguramente uma das mais perversas do mundo.

No belo livrinho de Jacques Rancière O ódio à democracia, está definida qual é a democracia desejada pelas elites e qual é a odiada. A desejada é estática e a odiada é a que movimenta a estrutura das classes, em ascensão, impulsionadas por políticas públicas. Este Estado que promove ascensão social através de políticas públicas (acesso à educação, aumento real nos salários, políticas de promoção da cidadania) deve ser capturado e voltar a ser instrumento apenas das elites e para as elites.

No Brasil, estas elites sempre se refestelavam em privilégios. Fazem de tudo para os manter. Ao mesmo tempo, se esforçam para que a população não os perceba como tais, para que os veja como direitos, direitos adquiridos através da meritocracia. Assim todos os meios de comunicação e de (de)formação devem estar comprometidos com a intelectualização do senso comum por eles idealizado. Combater a corrupção é mera estratégia (onipresente em todos os regimes fascistas) para conseguir a adesão dos incautos. As panelas já silenciaram.
O Banco Mundial formula e impõe políticas neoliberais também para a educação.

O momento que estamos vivendo é este. Sob um simulacro de democracia, estamos assistindo a mudança de mão no controle do poder e este novo poder obedece os ditames formulados e impostos pelo Banco Mundial e pelo Consenso de Washington. Estes executam as políticas neoliberais de desmonte das políticas públicas de construção da cidadania dos até então excluídos. O des - que precede palavras é emblemático e profundamente simbólico. Vejamos esta construção: desestatização/desnacionalização; desregulamentação/desconstitucionalização e desuniversalização /desproteção.

Para terminar, uma conceituação de democracia, dada por Márcia Tiburi, em seu belo livro Como conversar com um fascista: "A sedução capitalista que escamoteia a opressão organiza-se na forma de uma constelação de palavras mágicas, por meio das quais o falante e o ouvinte acreditam realizar todos os seus desejos. Palavras como felicidade, ética, liberdade, oportunidade, mérito, são todas mágicas. Uma dessas palavras mágicas usadas pelo capitalismo é a palavra "democracia". Antidemocrático, o capitalismo precisa ocultar sua única democracia verdadeira - a partilha da miséria".

Márcia Tiburi ainda define o neoliberalismo como uma redução da totalidade e complexidade do humano ao econômico e o define como um tanatopoder. Estes são os tempos e os desafios que nos aguardam.

Convém ainda lembrar lembrar a perversidade deste modelo pelas palavras de um de seus mentores brasileiros. FHC. Vejamos o seu discurso de despedida do Senado, em 1994, já eleito presidente da República: "Resta um pedaço de nosso passado que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da 'era Vargas' - ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista". Lembrando que o grande legado de Vargas foi o de ver o Brasil como Estado/Nação e a legislação trabalhista. Tempos definia o Brasil como um mercado emergente. O mercado é um espaço onde cabem apenas vencedores.


quarta-feira, 11 de maio de 2016

O reino deste mundo. Alejo Carpentier.

Como cheguei à leitura de O reino deste mundo através das memórias de infância e juventude de Gabriel Garcia Marquez, Viver para contar, vou começar com este autor, a resenha de O reino deste mundo, o extraordinário livro do cubano Alejo Carpentier. O livro data de 1948.
Por meio deste livro cheguei a O reino deste mundo.

Na contracapa da edição da Biblioteca FOLHA de Cem anos de solidão se lê: "É possível interpretar o romance como uma metáfora do isolamento e da desesperança da América Latina". Pois bem, a frase mais marcante de Cem anos de solidão, para mim foi esta: "Não havia nenhum mistério no coração de um Buendía que fosse impenetrável para ela (Amaranta Úrsula), porque um século de cartas e de experiência lhe ensinara que a história da família era uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que continuaria dando voltas até a eternidade, se não fosse pelo desgaste progressivo e irremediável do eixo".
O monumental livro de Gabriel Garcia Marquez.


Em O reino deste mundo, reconhecidamente um romance de literatura latino americana, como também o é Cem anos de solidão, destaquei duas frases, com praticamente, o mesmo teor: "O velho começava a desesperar ante esse infindável renovar de cadeias, esse renascer de grilhões, essa proliferação de misérias, que os mais resignados terminavam por aceitar como prova da inutilidade de qualquer rebeldia".

E pouco mais adiante, ainda na mesma página, Ti Noel, um personagem meio místico que se metamorfoseava em diversos animais constata o seguinte: "Transformado em formiga - má ideia sua - foi obrigado a carregar pesadas cargas, por intermináveis caminhos, sob a vigilância de uns cabeçudos que muito lhe recordavam os feitores de Lenormand de Mezy, os guardas de Christophe e os mulatos de agora". Que sina! A América Latina não tem jeito. Inimigos sempre presentes. Internos e externos. Vejam o Brasil de hoje.

O reino deste mundo é um pequeno romance que conta a independência do Haiti, o primeiro país latino americano a se tornar independente e o primeiro a abolir a escravidão. Li uma vez, numa crônica do Veríssimo, que essa foi a sua maldição. O seu autor é Alejo Carpentier, cubano, pai francês e mãe russa. A história é a de Saint Domingue, que após a independência se transformou no Haiti.
O reino deste mundo, de Alejo Carpentier.


O pequeno livro se divide em quatro partes. Na primeira, enquanto Ti Noel sob o jugo dos franceses, na figura de Lenormande de Mezy, lembra com saudades da África, Mackandal tem seu braço engolido pelas moendas do engenho. Como escravo desvalorizado, afrouxa-se a vigilância e ele consegue fugir para as montanhas. Nas montanhas, incorpora os poderes sobrenaturais das divindades africanas e, primeiramente, morrem os animais dos colonizadores e depois os próprios. Como Mackandal passa a ser perseguido, os negros celebram um grande pacto de unidade.

Na segunda parte é mostrado o recrudescimento na dominação, que tem como consequência a rebelião geral dos negros. Os negros dominam a situação. A França vivia na época os problemas de sua revolução burguesa (1789). Os colonos não se conformavam com a declaração dos direitos. Como a França esteve envolvida em seus conflitos internos afrouxaram-se os controles em sua colônia e os colonos sofrem fragorosa derrota. Mezy foge para a vizinha Santiago de Cuba, conseguindo levar os seus escravos, entre eles Ti Noel. Mezy irá morrer em plena penúria.

Na terceira parte Ti Noel, já de volta para Saint Domingue, enquanto relembra os tempos de dominação francesa, se vê na condição de, forçosamente, ajudar a construir a cidadela do rei negro Henri Christophe. Depois se verá que a cidadela construída serviu apenas como o mausoléu para o rei negro. Durante a sua construção houve o desleixo com o plantio e as colheitas.

A quarta parte é, sem dúvida, a mais bonita. Nela, Ti Noel, proclama a grandeza das tradições de seu povo e canta as canções de exaltação da liberdade de seus ancestrais africanos e rejeita qualquer tirania, seja ela de brancos ou de negros. Com muita tristeza vê a chegada dos agrimensores, para medirem as propriedades privadas...
O escritor cubano, Alejo Carpentier.


Um parágrafo final, para relacionar com o título do livro. "...Ti Noel gastara sua herança, e apesar de ter chegado à extrema miséria, deixava a mesma herança recebida. Era um corpo de carne já vivida. E compreendia agora, que o homem nunca sabe por quem sofre e espera. Sofre, espera e trabalha para pessoas que nunca conhecerá e que, por sua vez, sofrerão e esperarão e trabalharão por outros que também não serão felizes, pois o homem deseja sempre uma felicidade muito além da porção que lhe foi outorgada. Mas a grandeza do homem consiste precisamente em querer melhorar a si mesmo, a impor-se tarefas. No Reinos dos Céus não há grandeza a conquistar, pois lá toda a hierarquia já está estabelecida, a incógnita solucionada, o viver sem fim, a impossibilidade do sacrifício, do repouso, do deleite."

Bem antes, depois da vitória dos negros, e Mackandal ter renunciado aos seus poderes sobrenaturais, se lê o seguinte: "Naquela tarde os escravos regressaram para as fazendas rindo durante todo o trajeto. Mackandal tinha cumprido sua promessa, permanecendo no reino deste mundo". Para melhor compreender o romance é bom dar uma conferida na história da independência de Saint Domingue, que depois passou a se chamar de Haiti. A independência ocorreu em 1804. A Revolução Francesa e as guerras napoleônicas precisam ser consideradas. Mas a beleza do livro está nos dois personagens africanos: Ti Noel e Mackandal.

O livro mereceu uma bela apresentação de Otto Maria Carpeaux.


segunda-feira, 9 de maio de 2016

Zé Ramalho canta Raul Seixas.

Tenho por hábito, nas minhas caminhadas, entrar nos supermercados que encontro pelo caminho. Uma loja do Condor e outra do Big fazem parte dessa trajetória. O que me leva a estes mercados são os vinhos, em busca de alguma promoção e os DVDs novos que chegam. De vez em quando encontro coisas que valem a pena.

Os vinhos, como não puderam ser azedados no real, pelo nosso minúsculo governador beto richa, ele os azedou no preço, cobrando impostos absurdos para cobrir as patranhas de seus... Deixa para lá. É tanta coisa. Mas esta briga eu a deixo para o Luís Groff, da In Vino Veritas, pois a minha, como professor é bem maior. Enquanto isso, vou na procura da companhia de Jesus, não a dos jesuítas, mas a do próprio Jesus, na esperança de que, uma vez mais, a água seja transformada num vinho, num bom vinho.
Um DVD maravilhoso.Na promoção por 13,90, no Condor.

Quanto aos DVDs, por esses dias achei uma preciosidade, onde Zé Ramalho, na primeira parte, canta músicas de Raul Seixas. Zé Ramalho se dá ao luxo de, em algumas músicas, fazer introduções por meio de pequenos poemas. Uma dessas introduções me chamou, particularmente, a atenção. Trata-se da Metamorfose ambulante. Vejam que maravilha:

"Durante a edificação deste projeto, que eu já tinha imaginado há alguns anos atrás, principalmente na época em que a gente estava gravando disco, surgiram algumas dificuldades. Algumas pessoas que apareceram tentando impedir, outras tentando bloquear, não autorizar a realização do trabalho, parceiros que não permitiam gravações... Enfim, para esse tipo de gente - a sagrada escritura dos violeiros diz o seguinte:

A defesa é natural
Cada qual para o que nasce
Cada qual com a sua classe
Seus estilos de agradar.
Um nasce para trabalhar
Outro nasce para a briga
Outro vive da intriga
E outro de negociar.
Outro vive de enganar
O mundo só presta assim
Um é bom, outro é ruim
E outro tem jeito para dar
Para acabar de completar
Quem tem o mel dá o mel
Quem tem o fel dá o fel
Quem nada tem, nada dá".
A contracapa do DVD. Maravilhoso.


Mas melhor do que isso é um verso de Raul nesta beleza que é a sua música As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor. Diz assim:
"A arapuca está armada
E não adianta de fora protestar
Quando se quer entrar num buraco de rato
De rato você tem que transar".

Tenho uma ligeira impressão de que o Raul anteviu os políticos do nosso tempo presente, quando escreveu a letra dessa música, especialmente, os daquela fatídica noite em que votaram o impedimento da presidente Dilma.  Parece que, em grande maioria, tinham entrado num buraco de rato.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Cem anos de solidão. Gabriel Garcia Marquez.

Um enigma? Com certeza que Cem anos de solidão é um livro exclusivamente para leitores. A sua força está na linguagem e na descrição do psicológico dos personagens e não na história que conduz a sempre repetida história dos Buendía, no povoado, na progressista e decadente Macondo. Se existe um enigma a ser decifrado, ele está quase ao final do longo romance: "O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas".
O monumental livro de Gabriel Garcia Marquez.

O primeiro da estirpe é uma referência a Aureliano Buendía, o fundador da imaginária cidade de Macondo, que irá terminar os seus dias amarrado em um tronco de castanheiro e o último, que pela vontade da mãe seria Rodrigo, mas que também, se viesse a viver, seria, mais uma vez Aureliano, por imposição do pai.. "E então viu a criança. Era uma pelanca inchada  e ressecada que todas as formigas do mundo iam arrastando trabalhosamente para os seus canais pelo caminho das pedras do jardim".

A história da família Buendía se confunde com a história de Macondo. É uma eterna repetição, a começar pelo nome dos homens, pois todos se chamavam de Aureliano ou de José Arcádio e Remédios, todas as mulheres. "Não havia nenhum mistério no coração de um Buendía que fosse impenetrável para ela (Amaranta Úrsula), porque um século de cartas e de experiência lhe ensinara que a história da família era uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que continuaria dando voltas até a eternidade, se não fosse pelo desgaste progressivo e irremediável do eixo".

É um desfilar de personagens se repetindo sem nenhum refinamento humano, beirando a selvageria da contaminação da violência das infindáveis revoluções e das injustiças contra os trabalhadores pela companhia bananeira, que veio se estabelecer na cidade, no auge de seu progresso. Aureliano Buendía participara de 32 revoluções e perdeu todas. Aureliano pertencia ao Partido Liberal, sempre em luta contra o Partido Conservador, o partido que estava no poder. Os momentos de paz eram os momentos de conchavos entre estes dois partidos, profundamente iguais, especialmente em suas práticas políticas.
Certamente que Cem anos de solidão contribuiu muito para Garcia Marquez ganhasse o Nobel de literatura.

Macondo desde a sua fundação vai conhecendo o progresso. No começo eram os fundadores, visitados de vez em quando pelos ciganos e os seus visionários ilusionismos. Mas aos poucos chega a luz, o trem, mas também o delegado, o médico, a igreja e o padre. O auge do progresso vem com os americanos, que se dedicam ao plantio da banana. É o auge do progresso. 

Mas os donos da companhia tratam tão mal os operários, que estão sempre em atos de rebeldia contra a companhia. Em vez de terem atendidas as suas reivindicações, são simplesmente trucidados, até uma matança final, em que três mil são mortos e levados de trem para serem jogados ao mar, para o desaparecimento, para dar guarida à história oficial, de que sempre viveram em perfeita ordem e harmonia. Governo e interesses econômicos agiam em consonância. Depois da terra arrasada a companhia simplesmente vai embora. Junto com a companhia vão também os moradores da cidade. Ficam alguns poucos, cumprindo a sina da solidão.

Mesmo entre as poucas pessoas que ficaram, mesmo as enredadas em casamentos, se isolam tanto, que nem sequer conseguem partilhar a sua solidão, preferindo um esvaimento doloroso até a consumação final. Até Fernanda, que fora educada para ser uma rainha, é contaminada pelo meio e é violentamente punida por sua recatada e pudenda castidade, e que também  por causa disto, perde o marido para a fogosa Petra Cotes. Fernanda sonhava em ver o seu filho seguindo a carreira eclesiástica e se tornar papa. Em Macondo também se sonhava.
Viver para contar. As memórias da infância e juventude.

Eu só me animei a retomar a leitura de Cem anos de solidão, a primeira fora inconclusa, depois de ter lido o Viver para contar, em que Garcia Marquez rememora seus anos de infância e juventude. Ali está vivamente presente o cenário de Macondo e os principais personagens do romance. Provavelmente os seus familiares mais longínquos estejam presentes, quem sabe seus avós. Lá estão as brigas entre os conservadores e os liberais, que transformaram a história da Colômbia numa permanente guerra civil e lá também está presente a atuação da United Fruit Company e a matança de três mil pessoas, numa greve ocorrida no ano de 1928.

No livro que eu li, uma edição da Biblioteca FOLHA, na contracapa se lê: "É possível interpretar o romance como uma metáfora do isolamento e da desesperança da América Latina". Será que sempre vamos ser engolidos pelas dissensões internas e pelos interesses externos, sem nunca conseguirmos a nossa autodeterminação? Se isto for verdade, a corrosiva engrenagem do eixo está simplesmente apavorante, como nos atesta a atual crise política brasileira.




quarta-feira, 4 de maio de 2016

Viver para contar. A autobiografia de Gabriel Garcia Marquez.

Na contracapa do livro Viver para contar existe uma indicação importante. "Neste apaixonante relato, o Prêmio Nobel colombiano oferece a memória de seus anos de infância e juventude, aqueles em que  se funda o imaginário de suas narrativas e romances, clássicos do século XX em língua espanhola". Logo a seguir cita estes livros, como aqueles plasmados em sua infância e juventude: Cem anos de solidão; O amor nos tempos de cólera; Ninguém escreve ao coronel e Crônica de uma morte anunciada.

Esta autobiografia foi lançada em 2002 e como fiz questão de contar, já no primeiro parágrafo, estas memórias abrangem a infância e a juventude. Estas memórias alcançam até o ano de 1954, ano em que foi designado pelo El Universal, de Bogotá para cobrir a Conferência dos quatro grandes em Genebra. Não se sabe ao certo se foi efetivamente para cobrir a Conferência ou para retirá-lo de circulação das ruas de Bogotá, da violência da permanente ebulição social em seu país natal, pela eterna rivalidade entre liberais e conservadores, nas quais a sua família sempre esteve envolvida. Como Gabriel Garcia Marques nasceu em Aracataca, em 1927, contava nesta época com seus 27 anos de idade e sem ter feito nada de grandioso. Estava começando a ser bem sucedido no jornalismo, na arte das reportagens. Por isso, ao final, eu queria mais, muito mais, eu queria continuidade.
Para localizar as cidades por onde Gabo andou.

O que mais senti falta no livro foi de um bom mapa político da Colômbia, pois todo esse período de sua vida ele a passou perambulando por sua terra natal. Aracataca, Barranquilla, Cartagena, Sincé, Sucre e a capital, Bogotá. Esta na altitude e as de sua infância no litoral e no Caribe colombiano. O livro é estruturado em oito capítulos, mais ou menos de acordo com as suas passagens pelas diferentes cidades em que viveu, ou sozinho, ou com a sua numerosa família. A mãe era uma matriarca de onze filhos. Onze filhos órfãos.

Ao final da leitura, na penúltima página, ou seja, a de 473 o porteiro do "Arranha-céus" o encontra na rodoviária de Cartagena e lhe lança um pergunta, que conforme Gabo "me bateu na alma". " - O que eu não entendo, dom Gabriel, é por que o senhor nunca me disse quem era". A resposta foi genial: " - Ah!, meu caro Lácides - respondi, mais dolorido que ele -, eu não podia dizer porque até hoje nem eu mesmo sei quem sou". Na mesma página conta ainda que lançou um olhar para a casa de Mercedes Barcha, que há cinco anos fazia parte de sua vida. Conto isso para dizer, que mesmo após a leitura de Viver para contar, Gabriel Garcia Marquez continua sendo para mim um enigma.
Neste livro está retratada a infância e a juventude de Gabriel Garcia Marquez

Gabo sempre teve problemas com a escola. Já de saída, logo no início, conta citando Bernard Shaw: "Desde pequeno tive que interromper a minha educação para ir à escola". Ao que consta só foi razoavelmente bem nos tempos de Liceu, nos estudos equivalentes ao ensino médio. Na Universidade, no curso de Direito, em Bogotá e depois em Barranquilla, nunca foi um bom aluno. E para desgosto de pai e mãe, o interrompeu e nunca mais a ele voltou. Sua paixão era outra. A escrita. Apesar dos erros de ortografia. Trabalhou em vários jornais mas, nesses tempos, nunca ganhou o suficiente para viver. A vida financeira de sua família sempre foi atribulada. O pai, com curso de medicina interrompido, ganhou a vida fazendo consultas de homeopatia e se dedicando a uma farmácia, melhor, a várias, sem nunca precisar se esforçar para fali-las.

O avô é muito lembrado. Era um típico coronel nos tempos das bananas da United Fruit Company. O massacre de 1828 também ganha importância. Com a retirada da Companhia as coisas pioraram ainda mais. Sofre com a quase permanente guerra civil colombiana, entre conservadores e liberais. Ele e a sua família. De sua Aracataca natal e arredores sai a paisagem perfeita de Macondo. 

Sempre tenho uma curiosidade particular quando eu leio biografias. O que eles leram e como estas leituras influenciaram em sua formação. Anotei apenas um nome - o de William Faulkner. Não anotei mais, não porque ele não lesse outros, mas simplesmente porque ele leu tudo e todos. Leu desde os clássicos gregos e todos os seus contemporâneos. Os livros chegavam à Colômbia pelas editoras de Buenos Aires, mais mesmo do que das de Madri, envolvida com a Guerra Civil Espanhola. Russos, ingleses, americanos e todos os de língua espanhola. A Montanha Mágica também não faltou. Sempre esteve rodeado de amigos leitores e escritores. Passava o seu tempo entre as livrarias e os jornais. Nas horas vagas bebiam e fumavam. Porres espetaculares.
Gabriel Garcia Marquez, o Nobel de literatura de 1982.

Os lampejos de escritor apareciam em seus artigos de jornal. Se destacava na escrita de editoriais, que muito contribuíram em sua formação política, crítica de cinema e a reportagem. Estas o consagraram. Cobriu a rebelião de El Chocó, contou a história de um sobrevivente de um naufrágio e a história do tesouro de Simon Bolívar, quando foi chamado para a cobertura da Conferência dos Quatro em Genebra. 

No livro também nos dá algumas pistas sobre os seus livros como Cem Anos de Solidão, escrito entre 1965/6 na cidade do México, sobre O amor em tempos do cólera, especialmente estes. Ao final da leitura, confesso que eu queria mais. Pois Gabo ainda teria muita história para contar, do tempo posterior aos seus 27 anos. Afinal ele chegou aos quase noventa anos. Daria, no mínimo, mais dois - iguais ao Viver para contar. Quanto a mim, já retirei da estante, para atenta releitura Cem Anos de Solidão.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Encontro com Adolfo Pérez Esquivel. O Nobel da Paz.

Dia 29 de abril de 2016. No âmbito estadual,o primeiro aniversário do massacre dos professores e funcionários públicos, com intensos bombardeios de mais de duas horas de duração e com mais de duzentas pessoas feridas fisicamente, e milhares, simbolicamente. No âmbito nacional, um golpe de estado em curso, promovido pela mídia, pelo parlamento e pelo poder judiciário. No âmbito internacional, uma nova onda conservadora, desta vez mais voltada contra a América Latina e contra os direitos vinculados ao trabalho.
Adolfo Pérez Esquivel chegando ao salão nobre da Faculdade de Direito.


No espaço do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná, que abriga a Faculdade de Direito, houve uma promoção organizada pelos advogados pró democracia e o ilustre convidado da noite era Adolfo Pérez Esquivel, um Prêmio Nobel da Paz, do ano de 1980. Esquivel foi agraciado com este título em função de sua intensa luta pelos direitos humanos dos menos favorecidos e pela luta por democracia, esta concebida como efetiva igualdade de oportunidades.

Adolfo Pérez Esquivel conta hoje com 86 anos de idade mas com um vigor dos tempos de juventude. É filho de imigrante italiano e mãe guarani. As atividades no Brasil foram intensas. Visita de apoio para a presidente Dilma, manifestação anti golpe no senado e a consequente irritação dos senadores golpistas, participação nos atos em memória do primeiro aniversário do massacre promovido pelo governador Beto Richa, no assalto institucional à previdência dos servidores públicos do estado e, ainda, o ato em defesa da democracia.
Muito feliz postado ao lado do Nobel, da luta por democracia e direitos iguais.


A sua fala esteve acompanhada de forte emoção. Esta emoção ocorreu em função das memórias de sua bela trajetória de vida, lembrada por seus apresentadores e pela música de um dos grandes violeiros brasileiros, Pereira da Viola, que além do Hino Nacional lhe homenageou com uma música de sua terra.

A sua fala esteve revestida de toda a autoridade de um Nobel da Paz. Começou agradecendo a música, sempre uma carícia para a alma. Seguiu com duas afirmações absolutamente categóricas. Que sob a impunidade não se constroi uma democracia e que esta tem um significado para muito além do voto, qual seja, proporcionar uma efetiva igualdade de oportunidades. A primeira referência, obviamente, atingiu a ditadura militar brasileira e a impunidade para os seus torturadores.

Quanto à democracia, lembrou que ela é uma árdua luta em torno de conquistas e que estas jamais podem ser vistas como um regalo, usando a bela palavra espanhola, pois os ataques contra ela são permanentes. Lembrou do clima da guerra fria, da Escola das Américas, do War College e da Ideologia da Segurança Nacional, responsáveis pela guerra permanente contra os povos da América Latina.

Lembrou da especialização dos exércitos na tortura, em seus processos de aprendizagem. Os americanos com a guerra do Vietnã e os franceses na guerra da independência da Argélia, sendo que os franceses foram os inventores dos desaparecimentos, especialmente de crianças. Recordou, ainda, os aprendizados ocorridos ao longo da Guerra Civil Espanhola.
Pereira da Viola propiciou a todos uma carícia para a alma.

Voltou a tocar na questão da impunidade para os torturadores e sobre a necessidade da unidade dos povos na luta pela democracia, alertando para a importância do Brasil neste processo. Alertou também para a nova metodologia dos golpes, onde as intervenções militares já não são mais necessárias. Hoje basta a mídia, aliada com setores de classe média e parlamentares conservadores para que os golpes sejam aplicados. Lembrou que assim ocorreu com os defensores do meio ambiente em Honduras e nas denúncias contra um exército revolucionário paraguaio, para a derrubada do presidente Lugo. A mídia implanta o descrédito dos governantes indesejados pelas elites..

Os alertas mais contundentes vieram em cima das finalidades desta nova onda golpista: a privatização de todas as empresas nacionais e a supressão das históricas conquistas trabalhistas  e dos direitos sociais dos mais necessitados.

Lembrou o caso argentino, em que os conservadores chegaram ao poder pela via democrática, mas que, em apenas quatro meses de governo, já rebaixaram, para abaixo da linha de pobreza, mais de 1,4 milhão de pessoas.

Lembrou que os golpes não começam pelo econômico mas sempre pelo aspecto cultural, pelo desenraizamento das culturas locais, para implantar uma cultura padrão, uniformizada, para sob ela implantar os ditames do livre mercado. E esta uniformidade é que conduz aos totalitarismos.
Toda a serenidade e tranquilidade de um Nobel da Paz.

Lembrou ainda da madre tierra e da generosidade de todos os bens por ela concedidos mas devastados pelas monoculturas. Em locais onde se implantaram as monoculturas não há vida, não há pássaros e, nem sequer, sapos. Falou da urgente necessidade de um novo Contrato Social, em nome da sobrevivência da humanidade. 

Já ao final da fala, após a conclamação pela unidade em torno da não recolonização do continente usou de uma belíssima imagem, lembrando que quando perdemos o rumo em nossa caminhada, devemos fazer o caminho do regresso para lembrar de onde viemos. A conclamação também se fez em torno da multiplicação de agentes na luta pela democracia e pelos direitos iguais para todos, para uma grande caminhada de todos, todos muito juntos.

Eu cá comigo, já na volta para casa, refleti sobre a ausência de vida nos campos das monoculturas. Transportei esta imagem para o campo da monocultura do pensamento, que seriam as enormes fazendas ou latifúndios do cultivo do pensamento único e uniformizado, que até mesmo a escola ajuda a produzir, e mais do que isso, que ela impõe - pela padronização de currículos e avaliações. Me invadiu uma tristeza. Mas lembrei do Nobel convocando para a esperança.E esta mensagem se sobrepôs a minha tristeza.