segunda-feira, 30 de maio de 2016

Sobre a impunidade não se constroi democracia.

No dia 29 de abril esteve em Curitiba um dos mais ilustres cidadãos da América Latina. O seu Nobel da Paz, o cidadão argentino, Adolfo Pérez Esquivel. Ele foi o laureado do ano de 1980. Veio ao Brasil para prestar solidariedade à presidente Dilma Rousseff, diante de um golpe iminente. Em Curitiba participou de duas atividades. Participou do ato de repúdio ao governador Beto Richa, pela passagem do primeiro ano da mais violenta agressão sofrida pelos professores e funcionários públicos do estado e para participar, no curso de direito da Universidade Federal do Paraná, de um ato em favor da democracia.
Com o Nobel da Paz, na Faculdade de Direito da UFPR.

Como hoje eu sou um administrador de "tempo livre", ouvir a sua fala se constituiu numa prioridade. Hoje, exatamente um mês depois, (29) me lembro perfeitamente de uma frase sua: "Sobre a impunidade não se constroi democracia". Isso é impossível. O seu alvo era, obviamente, o Brasil. Era uma referência à impunidade dos crimes, de tortura e morte, ocorridos ao longo da tenebrosa ditadura militar brasileira.

Convém lembrar que o Brasil, apesar da "Comissão da Verdade", foi o único país da América Latina que não puniu os torturadores envolvidos. Refletindo sobre a frase, podemos facilmente constatar o porquê da declaração do deputado Bolsonaro, na noite do golpe, em homenagem ao notório torturador, o coronel Ustra, sob urros complacentes e festivos de colegas parlamentares. Mas, pensando mais, a impunidade permite muitas outras coisas e se constitui hoje, num dos maiores problemas deste país, como o da não construção da democracia e de suas implicações.

Vejamos o recente caso da menina estuprada no Rio de Janeiro, estuprada por mais de trinta seres humanos degradados. Eu estava inclinado a escrever machos, destacando a sua qualidade animal, mas os machos - animais não praticam tais atos. O sexo entre os humanos é essencialmente um ato cultural, e como tal, uma invenção humana, por sinal, um ato dos mais controlados pelos moralistas, quase sempre de plantão. No entanto, agora silenciosos e omissos. Mas isso também é um fenômeno cultural.

Vamos lembrar mais uma vez o mesmo deputado. - Só não te estupro porque você não merece -, teria dito o tal deputado a uma colega sua do parlamento. E tudo ficou por isso. Anteriormente, numa frase que ficou famosa, o notório deputado Paulo Maluf proferira o dístico - estupra mas não mata - e tudo ficou por isso. Posteriormente uma ministra do Estado brasileiro, que já fora chamada pelo mesmo Paulo Maluf de professora de sexo na televisão, proferiu mais um dístico que lamentavelmente também ganhou fama - relaxa e goza - e, mais uma vez, nada acontece. Hoje esta mesma senhora integra a turma da malta.

Semana passada vimos outra cena lamentável. O novo ministro da educação (do DEM) recebe em seu gabinete de trabalho sugestões para a educação por parte de um ator do cinema porrnô, que conta em seu abonador currículo, a descrição de um estupro seu, num programa de televisão sob o delírio do apresentador e de sua plateia e, mais uma vez, - nada aconteceu. Opa, nada não! Foi recebido, isto é, mereceu a atenção de um Ministro da República. Pois é. Sobre a impunidade não se constroi  democracia pois esta é, fundamentalmente, uma sociedade em que impera o respeito. Por esses dias li, e achei interessante, que o presidente usurpador e golpista, instituiu no Brasil, uma falocracia. Como não achei a palavra no dicionário, passei até a acreditar, embora com dúvidas, que ele realmente a inventou.

O mesmo princípio de que não se constroi democracia sobre a impunidade também vale para a corrupção. O que fez o PT, para chegar e permanecer no poder? Simplesmente copiou a maneira de fazer política que sempre se fez no país. Não inventou nada diferente.  Como financiou as campanhas que lhe permitiram chegar e permanecer no poder? Simplesmente copiou as velhas fórmulas de fazer campanhas eleitorais. Afinal de contas, o mensalão não foi uma invenção do PSDB mineiro? Por que o PT se julgou no direito de assim proceder? A certeza da impunidade. Só que aí veio uma reação inesperada. A intolerância com a existência de políticas públicas em favor de quem realmente delas necessita. Aí uma velha estratégia fascista entrou em cena. Combater a corrupção. A dos outros. Não a das velhas elites. A Lava jato precisa acabar! Vamos recorrer aos velhos aliados para praticar um impeachment. Afinal, golpe - é uma palavra que não soa bem.

As elites brasileiras sempre quiseram construir um capitalismo sui generis. Um capitalismo sem mercado interno. Isso já foi observado por Joaquim Nabuco, que formulou um verdadeiro programa de integração econômica dos escravos libertos, mas a sua proposta não fez eco. Nacionalismo e distribuição de renda passaram a ser as palavras mais odiadas pela elite brasileira e por isso, por esses dias, mais uma vez ouvimos as frases "exportar é a solução" e "primeiro crescer para depois distribuir". Pobre país capitalista, sem mercado interno e eternamente dependente. O país é governado por uma elite cristã, que acredita que o único meio para se salvarem, para chegarem ao céu, é pela caridade. E a caridade, para ser praticada, precisa necessariamente da existência de pobres e miseráveis, nem que seja para lhes dar meras sobras de suas fartas mesas.

Enfim, - para não fugir do tema da impunidade! Quando não se pune o crime, seja ele de que natureza for, seja ele pelas abomináveis práticas da tortura, da violência física e simbólica contra as mulheres ou pela abominável degradação de todos os valores de uma cultura civilizatória, pela apropriação indevida dos aparelhos do Estado e dos bens públicos, quando estas práticas não são punidas, isso passa a ser um estímulo para a sua prática. A criminalidade não punida passa a ser, na verdade, incentivo, estímulo e propaganda para a sua perversa continuidade e perpetuação. Basta abrir os olhos para ver.



2 comentários:

  1. Exatamente! A impunidade parece ser um convite a cometer crimes e isso é o que mais revolta. Ótimo texto. Cheguei no seu blog através da Central do Textão e quero acompanhá-lo pois gostei bastante. Um beijo.

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  2. Oi Roberta. Impunidade é publicidade, é propaganda, é convite, como você diz. Que fase que este país está vivendo. Eu imaginava que não mais precisaria ver este espetáculo de horrores. Dois livros recentes me impressionaram muito, Jessé Souza com A Tolice da inteligência brasileira e Márcia Tiburi com o seu Como conversar com um fascista. Roberta, muito obrigado pelo seu comentário.

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