quarta-feira, 11 de maio de 2016

O reino deste mundo. Alejo Carpentier.

Como cheguei à leitura de O reino deste mundo através das memórias de infância e juventude de Gabriel Garcia Marquez, Viver para contar, vou começar com este autor, a resenha de O reino deste mundo, o extraordinário livro do cubano Alejo Carpentier. O livro data de 1948.
Por meio deste livro cheguei a O reino deste mundo.

Na contracapa da edição da Biblioteca FOLHA de Cem anos de solidão se lê: "É possível interpretar o romance como uma metáfora do isolamento e da desesperança da América Latina". Pois bem, a frase mais marcante de Cem anos de solidão, para mim foi esta: "Não havia nenhum mistério no coração de um Buendía que fosse impenetrável para ela (Amaranta Úrsula), porque um século de cartas e de experiência lhe ensinara que a história da família era uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que continuaria dando voltas até a eternidade, se não fosse pelo desgaste progressivo e irremediável do eixo".
O monumental livro de Gabriel Garcia Marquez.


Em O reino deste mundo, reconhecidamente um romance de literatura latino americana, como também o é Cem anos de solidão, destaquei duas frases, com praticamente, o mesmo teor: "O velho começava a desesperar ante esse infindável renovar de cadeias, esse renascer de grilhões, essa proliferação de misérias, que os mais resignados terminavam por aceitar como prova da inutilidade de qualquer rebeldia".

E pouco mais adiante, ainda na mesma página, Ti Noel, um personagem meio místico que se metamorfoseava em diversos animais constata o seguinte: "Transformado em formiga - má ideia sua - foi obrigado a carregar pesadas cargas, por intermináveis caminhos, sob a vigilância de uns cabeçudos que muito lhe recordavam os feitores de Lenormand de Mezy, os guardas de Christophe e os mulatos de agora". Que sina! A América Latina não tem jeito. Inimigos sempre presentes. Internos e externos. Vejam o Brasil de hoje.

O reino deste mundo é um pequeno romance que conta a independência do Haiti, o primeiro país latino americano a se tornar independente e o primeiro a abolir a escravidão. Li uma vez, numa crônica do Veríssimo, que essa foi a sua maldição. O seu autor é Alejo Carpentier, cubano, pai francês e mãe russa. A história é a de Saint Domingue, que após a independência se transformou no Haiti.
O reino deste mundo, de Alejo Carpentier.


O pequeno livro se divide em quatro partes. Na primeira, enquanto Ti Noel sob o jugo dos franceses, na figura de Lenormande de Mezy, lembra com saudades da África, Mackandal tem seu braço engolido pelas moendas do engenho. Como escravo desvalorizado, afrouxa-se a vigilância e ele consegue fugir para as montanhas. Nas montanhas, incorpora os poderes sobrenaturais das divindades africanas e, primeiramente, morrem os animais dos colonizadores e depois os próprios. Como Mackandal passa a ser perseguido, os negros celebram um grande pacto de unidade.

Na segunda parte é mostrado o recrudescimento na dominação, que tem como consequência a rebelião geral dos negros. Os negros dominam a situação. A França vivia na época os problemas de sua revolução burguesa (1789). Os colonos não se conformavam com a declaração dos direitos. Como a França esteve envolvida em seus conflitos internos afrouxaram-se os controles em sua colônia e os colonos sofrem fragorosa derrota. Mezy foge para a vizinha Santiago de Cuba, conseguindo levar os seus escravos, entre eles Ti Noel. Mezy irá morrer em plena penúria.

Na terceira parte Ti Noel, já de volta para Saint Domingue, enquanto relembra os tempos de dominação francesa, se vê na condição de, forçosamente, ajudar a construir a cidadela do rei negro Henri Christophe. Depois se verá que a cidadela construída serviu apenas como o mausoléu para o rei negro. Durante a sua construção houve o desleixo com o plantio e as colheitas.

A quarta parte é, sem dúvida, a mais bonita. Nela, Ti Noel, proclama a grandeza das tradições de seu povo e canta as canções de exaltação da liberdade de seus ancestrais africanos e rejeita qualquer tirania, seja ela de brancos ou de negros. Com muita tristeza vê a chegada dos agrimensores, para medirem as propriedades privadas...
O escritor cubano, Alejo Carpentier.


Um parágrafo final, para relacionar com o título do livro. "...Ti Noel gastara sua herança, e apesar de ter chegado à extrema miséria, deixava a mesma herança recebida. Era um corpo de carne já vivida. E compreendia agora, que o homem nunca sabe por quem sofre e espera. Sofre, espera e trabalha para pessoas que nunca conhecerá e que, por sua vez, sofrerão e esperarão e trabalharão por outros que também não serão felizes, pois o homem deseja sempre uma felicidade muito além da porção que lhe foi outorgada. Mas a grandeza do homem consiste precisamente em querer melhorar a si mesmo, a impor-se tarefas. No Reinos dos Céus não há grandeza a conquistar, pois lá toda a hierarquia já está estabelecida, a incógnita solucionada, o viver sem fim, a impossibilidade do sacrifício, do repouso, do deleite."

Bem antes, depois da vitória dos negros, e Mackandal ter renunciado aos seus poderes sobrenaturais, se lê o seguinte: "Naquela tarde os escravos regressaram para as fazendas rindo durante todo o trajeto. Mackandal tinha cumprido sua promessa, permanecendo no reino deste mundo". Para melhor compreender o romance é bom dar uma conferida na história da independência de Saint Domingue, que depois passou a se chamar de Haiti. A independência ocorreu em 1804. A Revolução Francesa e as guerras napoleônicas precisam ser consideradas. Mas a beleza do livro está nos dois personagens africanos: Ti Noel e Mackandal.

O livro mereceu uma bela apresentação de Otto Maria Carpeaux.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.