Leituras necessariamente chamam mais leituras. Bom escritor conduz à leitura de muitos de seus livros, se não a todos. De Eça de Queirós li primeiramente A Relíquia. Uma fábula de ironia e de sarcasmo. Adorei. Depois li Os Maias. Uma monumental tragédia e uma viva descrição da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX. Daí vi a minissérie produzida pela Rede Globo, numa adaptação de Maria Adelaide Amaral. É daqueles trabalhos do qual se pode dizer que complementou a compreensão da obra. Vi a entrevista dela falando do seu trabalho. Para realizá-lo estudou Eça por inteiro. Motivado fui adiante, agora com O Primo Basílio.
Li esta edição da Biblioteca Folha de O Primo Basílio.
É fácil escrever romances que envolvam o tema do adultério? Não creio que o seja, por vários motivos. Não deve ser fácil arranjar um final para obras com esse teor. Um final feliz é praticamente impossível. As alternativas também não são muitas. Muitas estão contidas no livro, especialmente, no imaginário do desespero de Luísa: suicídio, convento, fuga, assassinato para lavar a honra. Mas creio que o principal obstáculo era o tema, ainda como um tabu. A família era intocável. Deveria ser mostrada e vista como uma instituição perfeita. Os desejos deveriam ser totalmente controlados pela moral religiosa ou pela retilínea razão. O livro foi escrito entre os anos de 1876-1877. Flaubert, com a sua Madame Bovary, fora levado aos tribunais e só foi salvo da prisão pela autopunição de seu personagem. Nos tribunais Madame Bovary foi transformada numa obra moralista. Isso, apenas vinte anos antes.
Na coleção Os Imortais da Literatura Universal também está - O Primo Basílio.
Vamos à história. Luísa e Jorge formam um jovem casal. Jorge é engenheiro de minas, com cargo público. Luísa, diríamos hoje, era do lar. Vivia no ócio e tinha uma formação limitada. Pela descrição de Eça, devia ser muito bonita e sedutora. Tinham uma vida absolutamente normal. Tinham duas empregadas: Juliana e Joana. Luísa tinha uma amiga, insuportável aos olhos de Jorge e, com razão, - Leopoldina. Sebastião, o médico Julião e Dona Felicidade, praticamente completavam o círculo de amizades. Sim, falta ainda o outro personagem, o primo de Luísa, o personagem do título, O Primo Basílio.
Jorge fora ao Alentejo em visita de trabalho. Leopoldina visita Luísa que a recebe, mesmo sabendo das restrições de Jorge. Leopoldina não era um exemplo de virtudes. Ela e os livros promoviam as viagens imaginárias que faziam Luísa superar o tédio do ócio-ócio, diariamente feito repetição. O primo, que fora também o primeiro namorado, veio visitá-la. No lar havia um foco de intriga. A relação entre Juliana e Luísa não era das melhores. Juliana fora chamada por Jorge, numa espécie de gratidão, pela assistência de Juliana, no caso da morte de sua mãe. Luísa mal e mal a tolerava. Estavam longe da teoria de que o poder se estabelece na relação. Era imposição, no duro.
Eça de Queirós em O Primo Basílio traça o perfil da família pequeno burguesa de Lisboa.
Luísa não resiste ao jogo de sedução do primo. Dos encontros furtivos passam a encontros diários no Paraíso, uma pensão nada paradisíaca. Carecem de cuidados, para alegria e assunto da vizinhança. Um dia o primo falta ao encontro. Ela lhe escreve: Meu adorado Basílio. Juliana intercepta a carta. A chantagem começa. Basílio vai embora e Jorge, finalmente volta. Jorge estranha a mudança de Luísa com relação a Juliana. Os papéis se tinham invertido. Luísa, a empregada e Juliana, a patroa. Juliana pedira a Luísa uma fortuna pela devolução da carta. Juliana escreve para o primo, em Paris, para lhe mandar o dinheiro. Nada de resposta. Jorge estranha tudo, inclusive o amor intensificado de Luísa.
Sem solução e no extremo de seu desespero Luísa conta tudo a Sebastião. Este, com o auxílio de um policial resgata a carta e, aparentemente, tudo volta ao normal, senão quando, numa manhã chega uma carta vinda de Paris. Jorge a recebe. Se Luísa não tem mais preocupações, agora elas são de Jorge. E a história se encaminha para o seu final. Sebastião ajudara a Luísa, absolvendo-a de culpa. Ela foi totalmente atribuída à irresponsabilidade e à safadeza do primo. Quando Basílio, de volta a Lisboa, soube da morte da prima, ele simplesmente diz a um amigo: "Que ferro! Podia ter trazido a Alphonsine".
A cidade de Lisboa, o cenário de O Primo Basílio.
Ao final dos dezesseis capítulos do livro - Li a edição da Biblioteca Folha - tem uma carta do Eça para o amigo Teófilo Braga, escrita um ano após a publicação do livro. Esta carta é muito interessante e esclarecedora sobra a obra. Agradece o estímulo recebido e conta sobre o porquê de tê-la escrito. O amigo lhe cobrara sobre o tema da família. Ele escreve: "Perfeitamente: mas eu não ataco a família - ataco a família lisboeta, - a família lisboeta produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem, e mais tarde ou mais cedo centro de bambochata. No Primo Basílio que apresenta, sobretudo, um pequeno quadro doméstico, extremamente familiar a quem conhece bem a burguesia de Lisboa". Depois descreve os personagens do casal. Primeiro ela, depois ele:
" - A senhora sentimental, mal educada, nem espiritual (porque cristianismo já não o tem; sanção moral da justiça, não sabe o que isso é), arrasada de romance, lírica, sobreexcitada no temperamento pela ociosidade e pelo mesmo fim do casamento peninsular que é ordinariamente a luxúria, nervosa pela falta de exercício e disciplina moral, etc, etc, - enfim a burguesinha da baixa; por outro lado o amante - um maroto, sem paixão nem a justificação da sua tirania, que o que pretende é a vaidadezinha de uma aventura, e o amor grátis". Descreve ainda os outros personagens, entre eles, o conselheiro Acácio.
Tenho minhas dúvidas se Eça teria aprovado esta versão brasileira de O Primo Basílio para o cinema. Ela é ambientada em São Paulo nos anos JK.
A Acácio, o incrível personagem mais que centenário e imorredouro, define como representando "o formalismo oficial". O conselheiro é o personagem meio onipresente, atemporal e universal, que se faz de entendido em tudo, qua arrota sabedoria em citações e palavreado pomposo destituído de significado, aplicável a qualquer situação. É extremamente moralista, embora vivesse amasiado com a criada, que por sua vez o traía. Em O Primo Basílio faz o necrológio de Luísa, exaltando a sua casta pureza. Como podem ter notado, a obra se reveste de uma atualidade impressionante, tanto assim que o filme brasileiro, adaptado da obra, o ambienta em São Paulo - dos anos 1950.
Li esta edição da Biblioteca Folha de O Primo Basílio.
É fácil escrever romances que envolvam o tema do adultério? Não creio que o seja, por vários motivos. Não deve ser fácil arranjar um final para obras com esse teor. Um final feliz é praticamente impossível. As alternativas também não são muitas. Muitas estão contidas no livro, especialmente, no imaginário do desespero de Luísa: suicídio, convento, fuga, assassinato para lavar a honra. Mas creio que o principal obstáculo era o tema, ainda como um tabu. A família era intocável. Deveria ser mostrada e vista como uma instituição perfeita. Os desejos deveriam ser totalmente controlados pela moral religiosa ou pela retilínea razão. O livro foi escrito entre os anos de 1876-1877. Flaubert, com a sua Madame Bovary, fora levado aos tribunais e só foi salvo da prisão pela autopunição de seu personagem. Nos tribunais Madame Bovary foi transformada numa obra moralista. Isso, apenas vinte anos antes.
Na coleção Os Imortais da Literatura Universal também está - O Primo Basílio.
Vamos à história. Luísa e Jorge formam um jovem casal. Jorge é engenheiro de minas, com cargo público. Luísa, diríamos hoje, era do lar. Vivia no ócio e tinha uma formação limitada. Pela descrição de Eça, devia ser muito bonita e sedutora. Tinham uma vida absolutamente normal. Tinham duas empregadas: Juliana e Joana. Luísa tinha uma amiga, insuportável aos olhos de Jorge e, com razão, - Leopoldina. Sebastião, o médico Julião e Dona Felicidade, praticamente completavam o círculo de amizades. Sim, falta ainda o outro personagem, o primo de Luísa, o personagem do título, O Primo Basílio.
Jorge fora ao Alentejo em visita de trabalho. Leopoldina visita Luísa que a recebe, mesmo sabendo das restrições de Jorge. Leopoldina não era um exemplo de virtudes. Ela e os livros promoviam as viagens imaginárias que faziam Luísa superar o tédio do ócio-ócio, diariamente feito repetição. O primo, que fora também o primeiro namorado, veio visitá-la. No lar havia um foco de intriga. A relação entre Juliana e Luísa não era das melhores. Juliana fora chamada por Jorge, numa espécie de gratidão, pela assistência de Juliana, no caso da morte de sua mãe. Luísa mal e mal a tolerava. Estavam longe da teoria de que o poder se estabelece na relação. Era imposição, no duro.
Eça de Queirós em O Primo Basílio traça o perfil da família pequeno burguesa de Lisboa.
Luísa não resiste ao jogo de sedução do primo. Dos encontros furtivos passam a encontros diários no Paraíso, uma pensão nada paradisíaca. Carecem de cuidados, para alegria e assunto da vizinhança. Um dia o primo falta ao encontro. Ela lhe escreve: Meu adorado Basílio. Juliana intercepta a carta. A chantagem começa. Basílio vai embora e Jorge, finalmente volta. Jorge estranha a mudança de Luísa com relação a Juliana. Os papéis se tinham invertido. Luísa, a empregada e Juliana, a patroa. Juliana pedira a Luísa uma fortuna pela devolução da carta. Juliana escreve para o primo, em Paris, para lhe mandar o dinheiro. Nada de resposta. Jorge estranha tudo, inclusive o amor intensificado de Luísa.
Sem solução e no extremo de seu desespero Luísa conta tudo a Sebastião. Este, com o auxílio de um policial resgata a carta e, aparentemente, tudo volta ao normal, senão quando, numa manhã chega uma carta vinda de Paris. Jorge a recebe. Se Luísa não tem mais preocupações, agora elas são de Jorge. E a história se encaminha para o seu final. Sebastião ajudara a Luísa, absolvendo-a de culpa. Ela foi totalmente atribuída à irresponsabilidade e à safadeza do primo. Quando Basílio, de volta a Lisboa, soube da morte da prima, ele simplesmente diz a um amigo: "Que ferro! Podia ter trazido a Alphonsine".
A cidade de Lisboa, o cenário de O Primo Basílio.
Ao final dos dezesseis capítulos do livro - Li a edição da Biblioteca Folha - tem uma carta do Eça para o amigo Teófilo Braga, escrita um ano após a publicação do livro. Esta carta é muito interessante e esclarecedora sobra a obra. Agradece o estímulo recebido e conta sobre o porquê de tê-la escrito. O amigo lhe cobrara sobre o tema da família. Ele escreve: "Perfeitamente: mas eu não ataco a família - ataco a família lisboeta, - a família lisboeta produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem, e mais tarde ou mais cedo centro de bambochata. No Primo Basílio que apresenta, sobretudo, um pequeno quadro doméstico, extremamente familiar a quem conhece bem a burguesia de Lisboa". Depois descreve os personagens do casal. Primeiro ela, depois ele:
" - A senhora sentimental, mal educada, nem espiritual (porque cristianismo já não o tem; sanção moral da justiça, não sabe o que isso é), arrasada de romance, lírica, sobreexcitada no temperamento pela ociosidade e pelo mesmo fim do casamento peninsular que é ordinariamente a luxúria, nervosa pela falta de exercício e disciplina moral, etc, etc, - enfim a burguesinha da baixa; por outro lado o amante - um maroto, sem paixão nem a justificação da sua tirania, que o que pretende é a vaidadezinha de uma aventura, e o amor grátis". Descreve ainda os outros personagens, entre eles, o conselheiro Acácio.
Tenho minhas dúvidas se Eça teria aprovado esta versão brasileira de O Primo Basílio para o cinema. Ela é ambientada em São Paulo nos anos JK.
A Acácio, o incrível personagem mais que centenário e imorredouro, define como representando "o formalismo oficial". O conselheiro é o personagem meio onipresente, atemporal e universal, que se faz de entendido em tudo, qua arrota sabedoria em citações e palavreado pomposo destituído de significado, aplicável a qualquer situação. É extremamente moralista, embora vivesse amasiado com a criada, que por sua vez o traía. Em O Primo Basílio faz o necrológio de Luísa, exaltando a sua casta pureza. Como podem ter notado, a obra se reveste de uma atualidade impressionante, tanto assim que o filme brasileiro, adaptado da obra, o ambienta em São Paulo - dos anos 1950.