"O encolhimento das consciências, junto às mistificações, constitui uma catástrofe social que precisamos conter com educação e cultura, e por isso, apesar do momento difícil, cabe escrever mais um livro e, por meio dele, manter viva a linguagem, o pensamento, a busca da verdade". É o que lemos na página 72 do livro da Márcia Tiburi. E isso, em tempos de desinformação. É esse o desafio do livro.
A experiência política de Márcia Tiburi feita texto.
Em primeiro lugar devo afirmar a minha admiração pela Márcia Tiburi. Gosto de suas falas, de seus livros e acompanho os seus lançamentos. Assim já estou aguardando o seu próximo livro sobre "religião, capitalismo e machismo", livro já em preparo e interrompido em função da campanha eleitoral em que Márcia se envolveu como candidata a governadora do Estado do Rio de Janeiro, pelo Partido dos Trabalhadores, em 2018. O relato e as análises dessa sua experiência são o teor do livro Delírio do poder. Psicopoder e loucura coletiva na era da desinformação. Gosto muito dos subtítulos dos livros. Loucura coletiva - era da desinformação - psicopoder.
O livro tem duas dedicatórias. "Para Lula, presidente e preso político" e "Em memória de Marielle Franco, vereadora, companheira de lutas, brutalmente assassinada em 14 de março de 2018, aos 38 anos". E uma frase em epígrafe: "A pequena burguesia ainda se arrepiava, imaginando os perigos de que se livraria em noite de bombardeios e sangueira, e os vencedores lhe surgiam como heróis a monopolizar a gratidão nacional". O livro tem apresentação de Luiz Inácio Lula da Silva.
Embora o livro tenha um formato voltado para uma leitura fácil, 77 pequenos capítulos, de duas a quatro páginas, a sua leitura exige pré requisitos, especialmente, conhecimentos de psicanálise, como o próprio título e subtítulo indicam. Delírio - loucura coletiva. Seria, aliás, o delírio a própria loucura coletiva? A era da desinformação e as fake news, o fenômeno novo das eleições de 2018, foram os agentes causadores desse delírio. E as consequências? O pesadelo que estamos vivendo.
Passando um rápido olhar pelos capítulos deparamos com categorias como poder, delírio, robôs, escravização digital, linguagem, alienistas e alienados, milícias midiáticas, política espectral, bullying, Totem e tabu, hipnose coletiva, entre outros tantos. A elucidação dessas categorias é feita à luz da experiência do cotidiano da campanha, reduzida a 45 dias. As experiências de uma mulher, filósofa, professora, intelectual e escritora como candidata ao executivo do estado do Rio de Janeiro. Estas análises constituem um belo material didático para a disciplina da teoria ou ciência política.
As páginas que mais me chamaram atenção são as dos relatos de campanha e a sua impotência na solução, ao menos imediata, dos problemas. São chocantes os relatos dos capítulos 49, a menina que vai à escola três vezes por semana; 50, aprisionada; 51, o menino e o carrinho sem pilhas e, de modo todo especial o 51, as mães meninas. Difícil não verter lágrimas. O livro traz também dados da realidade do Rio de Janeiro. 800 mil pessoas passaram a viver abaixo da linha da pobreza depois do golpe de 2016. E o que o capitalismo faz com essas pessoas? "A desigualdade é uma arma que sangra o corpo dos que são por ela violentados. Quem a maneja são os donos do capital, que atacam como criminosos as suas próprias vítimas". É impressionante também o capítulo de número 58, o sonho com os morcegos.
Anotei ainda outras passagens, como esta sobre o capitalismo pós industrial: "...Vivem no capitalismo pós-industrial rentista, na era do capital improdutivo, aplicando dinheiro em empresas, o que permite aos ricos situarem-se em bolhas assépticas. Desconhecem a ideia de sociedade, de direitos, de regras democráticas que seriam boas para todos, na mesma medida em que se locupletam na bolha que é o ambiente virtual". E ainda sobre este mesmo capitalismo: "Porque não se trata mais de um capitalismo de produção e consumo, trata-se agora de uma busca por algo mais do que lucro. O neoliberalismo é um extremismo do capital que exclui de si a ideia de sociedade, de alteridade e, por isso mesmo, faz da destruição dos direitos básicos a sua metodologia. É uma regra econômica que não prevê espaço para considerações éticas".
Também anotei algumas observações sobre a corrupção, tema dominante na campanha e atribuída quase que exclusivamente ao Partido dos Trabalhadores e a Lula: "O discurso da corrupção foi disponibilizado publicamente sem que as pessoas, desacostumadas à análise crítica, pudessem desconfiar dele". E ainda, o mantra do moralismo, sempre falso: "É que o moralismo é justamente a degeneração da ética".
Recorro ainda a duas outras afirmações: "Agora sinto pena do Brasil, sabendo que seu futuro está comprometido" e a última, retirada do último capítulo, como uma espécie de síntese de tudo "A verdade já não importa e a justiça desmoronou". Me permitam, desMOROnou.
Ainda, a contracapa do livro: "Em Delírio do poder, Márcia Tiburi analisa como a intensificação da lógica neoliberal afeta as instâncias políticas - subjetivas e institucionais - que deveriam assegurar uma vida digna a todas, todes e todos, sem que importem a cor da pele e a classe social. A partir de fatos públicos e vivências pessoais, a filósofa reflete sobre questões políticas em variados matizes - incluindo sua experiência como candidata ao governo do estado do Rio de Janeiro em 2018. A apresentação foi escrita por Luiz Inácio Lula da Silva, quase um ano depois de sua prisão, resultado de um processo jurídico seletivo, marcado por ações questionáveis cometidas por quem deveria julgá-lo de modo imparcial".
Segundo constatei, Márcia obteve 5,85% dos votos, que totalizaram 447.376 sufrágios.
Segundo constatei, Márcia obteve 5,85% dos votos, que totalizaram 447.376 sufrágios.