Curitiba seis de setembro de 2019, sexta feira., à noite. Vésperas do Independence Day. Esta escrita já obedece aos ditames do nacionalismo dos bozos. Ali, no campus Rebouças da UFPR, estávamos reunidos para praticar um ato de rebeldia dos bem grandes. Ler Paulo Freire e, pior, lê-lo e debatê-lo coletivamente. E, pior ainda, confrontá-lo com as políticas educacionais dos governos estadual e federal. O livro escolhido é Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa, o livro testamento de Paulo.
Richard, ou Paulo Freire, em cena.
Richard, ou Paulo Freire, em cena.
O momento era festivo e havia motivos para isso. Iniciávamos o II Ciclo de Leitura e Debate da Obra de Paulo Freire. O primeiro ocorrera ao longo de 2018, em comemoração aos 50 anos da primeira edição do Pedagogia do oprimido. Cerca de 40 grupos e mais de 500 pessoas estiveram envolvidas no projeto. O II Ciclo é uma iniciativa coletiva dos núcleos sindicais da APP-Sindicato Curitiba Norte e Londrina, do DEPLAE e do NESEF, ambos do setor de educação da UFPR e também do IFP, campus Curitiba. Segundo levantamentos preliminares, em torno de 1300 pessoas estão inscritas para a participação, extrapolando, inclusive, o território paranaense.
Na abertura se fez presente um grupo musical, com um nome bem sugestivo - Balbúrdia sonora. Logo depois vieram as saudações e as apresentações formais. Mas a noite estava reservada para um grupo de teatro, que veio do Rio de Janeiro, para encenar a peça Paulo Freire, o andarilho da utopia. Eu posso dizer que conheço relativamente bem a obra de Paulo Freire e tive a feliz oportunidade de com ele conviver em alguns momentos. Richard, este é o nome do ator que o representou, conseguiu nos trazer, tanto a pessoa de Paulo quanto uma síntese extraordinária de sua obra.
A peça começa com um pensamento do Paulo, que eu costumo apresentar como - voa livre pelo mundo que tem raízes plantadas em algum lugar. Assim Paulo partiu do regional, de sua Recife, de seu Pernambuco, de seu nordeste e de seu Brasil, para o universal atingindo a América Latina e o mundo. Um globo terrestre esteve presente ao longo de toda a peça. A peça passou por Angicos e pela prisão, 70 dias em Olinda. Na prisão, perguntado se podia alfabetizar os prisioneiros comuns, ele respondeu que, exatamente pelo seu trabalho de alfabetização é que ele estava preso.
A peça discorreu sobre toda a obra, terminando com os seus últimos livros, Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa e Pedagogia da indignação - cartas pedagógicas e outros escritos. Deste livro, sabiamente tomaram o mote do seu entusiasmo com as marchas do MST, em particular uma delas, a sua marcha em Brasília. Isso foi em 1996.Tomo a liberdade de transcrever os quatro últimos parágrafos, com duas ideias básicas, tão bem incorporadas à peça, o entusiasmo com as marchas e o rechaçar das ideias de fatalismos apregoadas com a ideologia do fim da história. Depois disso, Paulo ainda conseguiu manifestar a sua indignação com o botar fogo em Galdino, o índio pataxó, num banco em praça de Brasília. Mas vamos aos quatro parágrafos:
Um cartaz chamando para a participação do II Ciclo de Leituras.
"O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem há dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, na bravura de seus companheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo reacionário, colonial e perverso.
O importante porém é reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses das Ligas e os Sem Terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da história como 'façanha da liberdade'. No fundo, jamais se entregariam à falsidade ideológica da frase: 'a realidade é assim mesmo, não adianta lutar'. pelo contrário, apostaram na intervenção para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está.
Se os Sem Terra tivessem acreditado na 'morte da história', da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um 'neobobismo' que nada constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos discursos que falam de que o que vale hoje é 'pouca conversa, menos política e só resultados', se, acreditando nos discursos oficiais tivessem desistido das ocupações e voltado não para suas casas, mas para a negação de si mesmos, mais uma vez a reforma agrária seria arquivada.
A eles e elas, Sem Terra, a seu inconformismo, à sua determinação de ajudar a democratização deste país devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que bom seria para a ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marcha dos sem-teto, dos sem-escola, dos sem-hospital, dos renegados. A marcha esperançosa dos que sabem que mudar é possível".
Enfim, Paulo, por inteiro, esteve presente na peça. E o importante, sob outra forma de linguagem. Paulo fala muito de que também devemos atentar para a estética em nosso trabalho, revesti-lo de amorosidade e de belezura. Foi o que o grupo fez com maestria. A resposta dos participantes também se fez por inteiro: palmas, gargalhadas, olhares e lágrimas cheias de emoção e o coração leve e cheio de sonhos, utopias e uma fé inabalável, bem ao estilo de Paulo, de que a transformação do mundo é possível. O que não é possível é desistir do humano.
A ideia de escrever e de representar Paulo Freire. O andarilho da utopia está assim descrito no Projeto Oficial do grupo: "Encontrar com Nita Freire foi o nosso primeiro passo para iniciarmos a nossa andarilhagem. Ela nos encharcou de amorosidade e plantou em nós uma semente chamada Paulo Freire. O andarilho da utopia. O grupo é formado por Richard Riguetti, Junio Santos e Luiz Antônio Rocha.
Richard é ator, diretor, professor, fundador do grupo off-sina, companhia de Circo Teatro de Rua, itinerante e de repertório, com 10 anos de atividades, fundador da Escola Livre de Palhaço - ESLIPA, primeira escola do gênero da América Latina e a única gratuita. Tem formação em Teatro, Gestão Cultural e Música e já se apresentou em becos, ruas e vielas, nas praças e palcos de 3.232 cidades brasileiras.
Júnio é um dos principais nomes da cena cultural do nordeste. É ator, dramaturgo, diretor, poeta e palhaço. Como palhaço atende pelo nome de Cuz-cuz e atua junto a diversos grupos.
Luiz Antônio Rocha é produtor, autor, cenógrafo, figurinista e diretor teatral. É apontado como um dos mais conceituados diretores do teatro brasileiro e as suas peças tem forte marca autoral, valorizando o ator e a palavra. Entre as suas últimas peças estão Frida Kahlo, a deusa Tehuna e Zilda Arns, a Dona dos Lírios. e, por óbvio, o Andarilho da Utopia.
No sete de setembro O andarilho da Utopia esteve na Vigília do Lula Livre.
Mas as emoções não se limitaram à noite na universidade e estendida ao Gilda bar e restaurante. No dia seguinte, pela tarde, a apresentação seria levada à Vigília do Lula Livre. As emoções, os aplausos, as gargalhadas e as lágrimas novamente tomaram conta de todos, especialmente, creio eu, dos grandiosos seres humanos revestidos de atores para levar com toda a força a bela e humana mensagem do grande e imortal Paulo Freire. No dia seguinte andarilharam por Ponta Grossa, em evento da Secretaria Municipal de Educação e assim vão seguindo o seu destino, pois o caminho se faz de novas andanças, lembrando que a utopia nos presta este serviço de sempre continuar a andar.
Para trazer o grupo passamos o chapéu por vários sindicatos ligados à educação, da educação fundamental e básica até a superior. Digo isso para deixar a dica de como levar o espetáculo para as escolas e para as cidades. Eles são um grupo altamente profissional e vivem de sua arte. Deixo os contatos: Luiz Antônio Rocha. 21 96917-8180 ou luizsntoniorocha2015@gmail. com e Richard Rihuetti. 21 99535-3983 ou instituto eslipa.gestor@gemail.com
Na abertura se fez presente um grupo musical, com um nome bem sugestivo - Balbúrdia sonora. Logo depois vieram as saudações e as apresentações formais. Mas a noite estava reservada para um grupo de teatro, que veio do Rio de Janeiro, para encenar a peça Paulo Freire, o andarilho da utopia. Eu posso dizer que conheço relativamente bem a obra de Paulo Freire e tive a feliz oportunidade de com ele conviver em alguns momentos. Richard, este é o nome do ator que o representou, conseguiu nos trazer, tanto a pessoa de Paulo quanto uma síntese extraordinária de sua obra.
A peça começa com um pensamento do Paulo, que eu costumo apresentar como - voa livre pelo mundo que tem raízes plantadas em algum lugar. Assim Paulo partiu do regional, de sua Recife, de seu Pernambuco, de seu nordeste e de seu Brasil, para o universal atingindo a América Latina e o mundo. Um globo terrestre esteve presente ao longo de toda a peça. A peça passou por Angicos e pela prisão, 70 dias em Olinda. Na prisão, perguntado se podia alfabetizar os prisioneiros comuns, ele respondeu que, exatamente pelo seu trabalho de alfabetização é que ele estava preso.
A peça discorreu sobre toda a obra, terminando com os seus últimos livros, Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa e Pedagogia da indignação - cartas pedagógicas e outros escritos. Deste livro, sabiamente tomaram o mote do seu entusiasmo com as marchas do MST, em particular uma delas, a sua marcha em Brasília. Isso foi em 1996.Tomo a liberdade de transcrever os quatro últimos parágrafos, com duas ideias básicas, tão bem incorporadas à peça, o entusiasmo com as marchas e o rechaçar das ideias de fatalismos apregoadas com a ideologia do fim da história. Depois disso, Paulo ainda conseguiu manifestar a sua indignação com o botar fogo em Galdino, o índio pataxó, num banco em praça de Brasília. Mas vamos aos quatro parágrafos:
Um cartaz chamando para a participação do II Ciclo de Leituras.
"O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem há dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, na bravura de seus companheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo reacionário, colonial e perverso.
O importante porém é reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses das Ligas e os Sem Terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da história como 'façanha da liberdade'. No fundo, jamais se entregariam à falsidade ideológica da frase: 'a realidade é assim mesmo, não adianta lutar'. pelo contrário, apostaram na intervenção para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está.
Se os Sem Terra tivessem acreditado na 'morte da história', da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um 'neobobismo' que nada constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos discursos que falam de que o que vale hoje é 'pouca conversa, menos política e só resultados', se, acreditando nos discursos oficiais tivessem desistido das ocupações e voltado não para suas casas, mas para a negação de si mesmos, mais uma vez a reforma agrária seria arquivada.
A eles e elas, Sem Terra, a seu inconformismo, à sua determinação de ajudar a democratização deste país devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que bom seria para a ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marcha dos sem-teto, dos sem-escola, dos sem-hospital, dos renegados. A marcha esperançosa dos que sabem que mudar é possível".
Enfim, Paulo, por inteiro, esteve presente na peça. E o importante, sob outra forma de linguagem. Paulo fala muito de que também devemos atentar para a estética em nosso trabalho, revesti-lo de amorosidade e de belezura. Foi o que o grupo fez com maestria. A resposta dos participantes também se fez por inteiro: palmas, gargalhadas, olhares e lágrimas cheias de emoção e o coração leve e cheio de sonhos, utopias e uma fé inabalável, bem ao estilo de Paulo, de que a transformação do mundo é possível. O que não é possível é desistir do humano.
A ideia de escrever e de representar Paulo Freire. O andarilho da utopia está assim descrito no Projeto Oficial do grupo: "Encontrar com Nita Freire foi o nosso primeiro passo para iniciarmos a nossa andarilhagem. Ela nos encharcou de amorosidade e plantou em nós uma semente chamada Paulo Freire. O andarilho da utopia. O grupo é formado por Richard Riguetti, Junio Santos e Luiz Antônio Rocha.
Richard é ator, diretor, professor, fundador do grupo off-sina, companhia de Circo Teatro de Rua, itinerante e de repertório, com 10 anos de atividades, fundador da Escola Livre de Palhaço - ESLIPA, primeira escola do gênero da América Latina e a única gratuita. Tem formação em Teatro, Gestão Cultural e Música e já se apresentou em becos, ruas e vielas, nas praças e palcos de 3.232 cidades brasileiras.
Júnio é um dos principais nomes da cena cultural do nordeste. É ator, dramaturgo, diretor, poeta e palhaço. Como palhaço atende pelo nome de Cuz-cuz e atua junto a diversos grupos.
Luiz Antônio Rocha é produtor, autor, cenógrafo, figurinista e diretor teatral. É apontado como um dos mais conceituados diretores do teatro brasileiro e as suas peças tem forte marca autoral, valorizando o ator e a palavra. Entre as suas últimas peças estão Frida Kahlo, a deusa Tehuna e Zilda Arns, a Dona dos Lírios. e, por óbvio, o Andarilho da Utopia.
No sete de setembro O andarilho da Utopia esteve na Vigília do Lula Livre.
Mas as emoções não se limitaram à noite na universidade e estendida ao Gilda bar e restaurante. No dia seguinte, pela tarde, a apresentação seria levada à Vigília do Lula Livre. As emoções, os aplausos, as gargalhadas e as lágrimas novamente tomaram conta de todos, especialmente, creio eu, dos grandiosos seres humanos revestidos de atores para levar com toda a força a bela e humana mensagem do grande e imortal Paulo Freire. No dia seguinte andarilharam por Ponta Grossa, em evento da Secretaria Municipal de Educação e assim vão seguindo o seu destino, pois o caminho se faz de novas andanças, lembrando que a utopia nos presta este serviço de sempre continuar a andar.
Para trazer o grupo passamos o chapéu por vários sindicatos ligados à educação, da educação fundamental e básica até a superior. Digo isso para deixar a dica de como levar o espetáculo para as escolas e para as cidades. Eles são um grupo altamente profissional e vivem de sua arte. Deixo os contatos: Luiz Antônio Rocha. 21 96917-8180 ou luizsntoniorocha2015@gmail. com e Richard Rihuetti. 21 99535-3983 ou instituto eslipa.gestor@gemail.com
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