Foi lançado em São Paulo, no dia 30 de março de 2017, o Manifesto do Projeto Brasil Nação. A iniciativa é do economista Luiz Carlos Bresser Pereira, autor de inúmeros livros sobre o Brasil, com grande destaque para o recente A Construção Política do Brasil - Sociedade, economia e Estado desde a Independência. Neste livro estão aprofundados os conceitos que norteiam o manifesto. O documento tem a assinatura de grandes estudiosos do país, entre professores, artistas e políticos. Pelo Manifesto eles propõem uma saída para a atual grave crise econômica, e tecem pesadas críticas à orientação econômica adotada pelo governo que se instaurou com o golpe de 2016.
O manifesta mostra a crise, os setores mais atingidos, as perdas de direitos sociais por parte da classe trabalhadora, para a desigualdade social e para os males do sistema financeiro-rentista e as políticas de seu favorecimento. Em suma, um pesado ataque às políticas neoliberais, a mais antissocial de todas as ideologias.
Aponta para cinco pontos econômicos, alvos iniciais do projeto, que não são os únicos. Grande destaque é dado para a questão da reindustrialização do país. É um documento para ser estudado e debatido por todos aqueles que discordam das políticas econômicas em curso e que buscam um projeto alternativo que privilegie os mais necessitados. Grupos de estudos e debates são sempre muito saudáveis. Transcrevemos o documento em sua íntegra, omitindo os muitos nomes dos signatários originais do documento, pelo exato motivo de serem muitos.
Bresser Pereira, o autor da iniciativa do lançamento do Manifesto.
XXX
O Brasil vive uma crise sem precedentes. O desemprego atinge níveis
assustadores. Endividadas, empresas cortam investimentos e vagas. A
indústria definha, esmagada pelos juros reais mais altos do mundo e pelo
câmbio sobreapreciado. Patrimônios construídos ao longo de décadas são
desnacionalizados.
Mudanças nas regras de conteúdo local atingem
a produção nacional. A indústria naval, que havia renascido, decai. Na
infraestrutura e na construção civil, o quadro é de recuo. Ciência,
cultura, educação e tecnologia sofrem cortes.
Programas e
direitos sociais estão ameaçados. Na saúde e na Previdência, os mais
pobres, os mais velhos, os mais vulneráveis são alvo de abandono.
A desigualdade volta a aumentar, após um período de ascensão dos mais
pobres. A sociedade se divide e se radicaliza, abrindo espaço para o
ódio e o preconceito.
No conjunto, são as ideias de nação e da
solidariedade nacional que estão em jogo. Todo esse retrocesso tem apoio
de uma coalizão de classes financeiro-rentista que estimula o país a
incorrer em deficits em conta corrente, facilitando assim, de um lado, a
apreciação cambial de longo prazo e a perda de competitividade de
nossas empresas, e, de outro, a ocupação de nosso mercado interno pelas
multinacionais, os financiamentos externos e o comércio desigual.
Esse ataque foi desfechado num momento em que o Brasil se projetava
como nação, se unindo a países fora da órbita exclusiva de Washington.
Buscava alianças com países em desenvolvimento e com seus vizinhos do
continente, realizando uma política externa de autonomia e cooperação. O
país construía projetos com autonomia no campo do petróleo, da defesa,
das relações internacionais, realizava políticas de ascensão social,
reduzia desigualdades, em que pesem os efeitos danosos da manutenção dos
juros altos e do câmbio apreciado.
Para o governo, a causa da
grande recessão atual é a irresponsabilidade fiscal; para nós, o que
ocorre é uma armadilha de juros altos e de câmbio apreciado que
inviabiliza o investimento privado. A política macroeconômica que o
governo impõe à nação apenas agravou a recessão. Quanto aos juros
altíssimos, alega que são “naturais”, decorrendo dos déficits fiscais,
quando, na verdade, permaneceram muito altos mesmo no período em que o
país atingiu suas metas de superávit primário (1999-2012).
Buscando reduzir o Estado a qualquer custo, o governo corta gastos e
investimentos públicos, esvazia o BNDES, esquarteja a Petrobrás,
desnacionaliza serviços públicos, oferece grandes obras públicas apenas a
empresas estrangeiras, abandona a política de conteúdo nacional,
enfraquece a indústria nacional e os programas de defesa do país, e
liberaliza a venda de terras a estrangeiros, inclusive em áreas
sensíveis ao interesse nacional.
Privatizar e desnacionalizar
monopólios serve apenas para aumentar os ganhos de rentistas nacionais e
estrangeiros e endividar o país.
O governo antinacional e
antipopular conta com o fim da recessão para se declarar vitorioso. A
recuperação econômica virá em algum momento, mas não significará a
retomada do desenvolvimento, com ascensão das famílias e avanço das
empresas. Ao contrário, o desmonte do país só levará à dependência
colonial e ao empobrecimento dos cidadãos, minando qualquer projeto de
desenvolvimento.
Para voltar a crescer de forma consistente, com
inclusão e independência, temos que nos unir, reconstruir nossa nação e
definir um projeto nacional. Um projeto que esteja baseado nas nossas
necessidades, potencialidades e no que queremos ser no futuro. Um
projeto que seja fruto de um amplo debate.
É isto que propomos
neste manifesto: o resgate do Brasil, a construção nacional. Temos todas
as condições para isso. Temos milhões de cidadãos criativos, que
compõem uma sociedade rica e diversificada. Temos música, poesia,
ciência, cinema, literatura, arte, esporte – vitais para a construção de
nossa identidade.
Temos riquezas naturais, um parque produtivo
amplo e sofisticado, dimensão continental, a maior biodiversidade do
mundo. Temos posição e peso estratégicos no planeta. Temos histórico de
cooperação multilateral, em defesa da autodeterminação dos povos e da
não intervenção.
O governo reacionário e carente de legitimidade
não tem um projeto para o Brasil. Nem pode tê-lo, porque a ideia de
construção nacional é inexistente no liberalismo econômico e na
financeirização planetária.
Cabe a nós repensarmos o Brasil para
projetar o seu futuro – hoje bloqueado, fadado à extinção do
empresariado privado industrial e à miséria dos cidadãos. Nossos pilares
são: autonomia nacional, democracia, liberdade individual,
desenvolvimento econômico, diminuição da desigualdade, segurança e
proteção do ambiente – os pilares de um regime desenvolvimentista e
social.
Para termos autonomia nacional, precisamos de uma
política externa independente, que valorize um maior entendimento entre
os países em desenvolvimento e um mundo multipolar.
Para termos
democracia, precisamos recuperar a credibilidade e a transparência dos
poderes da República. Precisamos garantir diversidade e pluralidade nos
meios de comunicação. Precisamos reduzir o custo das campanhas
eleitorais, e diminuir a influência do poder econômico no processo
político, para evitar que as instituições sejam cooptadas pelos
interesses dos mais ricos.
Para termos Justiça precisamos de um
Poder Judiciário que atue nos limites da Constituição e seja eficaz no
exercício de seu papel. Para termos segurança, precisamos de uma polícia
capacitada, agindo de acordo com os direitos humanos.
Para termos liberdade, precisamos que cada cidadão se julgue responsável pelo interesse público.
Precisamos estimular a cultura, dimensão fundamental para o
desenvolvimento humano pleno, protegendo e incentivando as manifestações
que incorporem a diversidade dos brasileiros.
Para termos
desenvolvimento econômico, precisamos de investimentos públicos
(financiados por poupança pública) e principalmente investimentos
privados. E para os termos precisamos de uma política fiscal, cambial
socialmente responsáveis; precisamos juros baixos e taxa de câmbio
competitiva; e precisamos ciência e tecnologia.
Para termos
diminuição da desigualdade, precisamos de impostos progressivos e de um
Estado de bem-estar social amplo, que garanta de forma universal
educação, saúde e renda básica. E precisamos garantir às mulheres, aos
negros, aos indígenas e aos LGBT direitos iguais aos dos homens brancos e
ricos. Para termos proteção do ambiente, precisamos cuidar de nossas
florestas, economizar energia, desenvolver fontes renováveis e
participar do esforço para evitar o aquecimento global.
Neste
manifesto inaugural estamos nos limitando a definir as políticas
públicas de caráter econômico. Apresentamos, assim, os cinco pontos
econômicos do Projeto Brasil Nação.
A Construção Política do Brasil -Os fundamentos do projeto.
1 Regra fiscal que permita a atuação contracíclica do gasto público, e assegure prioridade à educação e à saúde
2 Taxa básica de juros em nível mais baixo, compatível com o praticado
por economias de estatura e grau de desenvolvimento semelhantes aos do
Brasil
3 Superávit na conta corrente do balanço de pagamentos que é necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva
4 Retomada do investimento público em nível capaz de estimular a
economia e garantir investimento rentável para empresários e salários
que reflitam uma política de redução da desigualdade
5 Reforma tributária que torne os impostos progressivos
Esses cinco pontos são metas intermediárias, são políticas que levam ao
desenvolvimento econômico com estabilidade de preços, estabilidade
financeira e diminuição da desigualdade. São políticas que atendem a
todas as classes exceto a dos rentistas.
A missão do Projeto
Brasil Nação é pensar o Brasil, é ajudar a refundar a nação brasileira, é
unir os brasileiros em torno das ideias de nação e desenvolvimento –
não apenas do ponto de vista econômico, mas de forma integral:
desenvolvimento político, social, cultural, ambiental; em síntese,
desenvolvimento humano. Os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil são
seus instrumentos – não os únicos instrumentos, mas aqueles que mostram
que há uma alternativa viável e responsável para o Brasil.
Estamos hoje, os abaixo assinados, lançando o Projeto Brasil Nação e
solicitando que você também seja um dos seus subscritores e defensores.
30 de março de 2017