Cheguei ao livro de Isabel Moustakas, Esta terra selvagem - quando o ódio e a intolerância assombram uma cidade, por uma indicação do blog do João Wanderley Geraldi. Geraldi assim apresenta o livro: O ROMANCE DO FASCISMO BRASILEIRO. O livro é uma prova de que ele não precisa ser necessariamente longo para conter uma grande denúncia.
Esta terra selvagem. O romance de estreia de Isabel Moustakas.
O momento atual vivido no Brasil é estarrecedor. Vi ontem no facebook, a declaração de um sociólogo paulista de que já vivemos em pleno fascismo no Brasil. Ele já está implantado, afirmava ele. Não guardei a informação e hoje não consegui mais localizar, em parte, pelo eficiente serviço de internet, esta maravilha de lentidão no paraíso da eficiência das privatizações, no altar sagrado do livre mercado. Tudo bem. Afinal de contas, a força do romance nos mostra exatamente isto e o epíteto ao livro, dado pelo Geraldi, não poderia ser mais portentoso.
João é um jornalista, repórter policial do Estadão. Ganhou notoriedade com uma matéria de impacto. A investigação de um grupo, assim descrito por Marta, a personagem por onde a investigação começa: "Tatuagem? Sim. Aqui em cima. Uma suástica. Usavam máscaras? Sim. Usavam. E calças e uns coturnos pretos, camisetas brancas [...] E tinha os cadarços. Verde amarelos".
Marta guardara silêncio por sete meses. Só conta a história para João. Questão de confiança. Depois de contar, busca o suicídio, enterrando uma faca em seus próprios olhos. Nos olhos. É profundamente simbólico.
O grupo escolhe as suas vítimas. A polícia conta: "Pelo menos dez ocorrências por noite. Os alvos de praxe: gays, nordestinos, imigrantes, judeus. É como se os filhos da puta tivessem, sei lá, despertado alguma coisa que estava latente (Adorno e Hannah ajudariam a explicar isso). A gente prende dez, aparecem trinta. Não sei de que buraco esses desgraçados são cuspidos".
Seriam todos aqueles que, o deputado gaúcho Luis Carlos Heize, que disputa exalar fascismo com o seu competidor, Jair Bolsonaro, assim nominou: "quilombolas, índios, gays, lésbicas". E não satisfeito, emendou: E "tudo o que não presta". Márcia Tiburi interpreta este "tudo o que não presta, em seu maravilhoso Como conversar com um fascista.
O romance vai num crescendo, inclusive com surpresas e suspenses. Afinal de contas, o mal sempre se supera. Não me sinto no direito de fazer antecipações. A provocação para a leitura já está feita. O romance é ambientado em São Paulo, a capital do Tukanistão. Não faço a mínima ideia do porque do nome de um policial, meio chefe, se chamar Saulo.
Transcrevo ainda dois parágrafos da contracapa do livro, informando também que o livro marca a estreia da autora, Isabel Moustakas, no mundo da literatura. Estreia auspiciosa. O livro já vem revestido de enorme prestígio. A edição é da Companhia das Letras.
"Sete meses. O caso fora muito noticiado durante algum tempo (até ser engolido por outros, tão escabrosos quanto, e cada vez mais frequentes). Uma ONG se dispusera a pagar pela internação hospitalar e, depois, pela estadia numa clínica ou coisa parecida, onde ela permaneceu por dois meses. A polícia não conseguiu identificar os responsáveis. Ninguém preso, ninguém acusado. Fantasmas".
"Encenado numa São Paulo subitamente tomada pelos mais tenebrosos crimes de ódio, Esta terra selvagem é um thriller sangrento sobre um repórter no encalço de uma gangue racista e homofóbica".
O livro termina com um triste prenúncio. João está sozinho numa praia em Santos. Ao final, até o vendedor de água e cerveja desaparecera e "restaram, então, o mar raivoso e a promessa de tempestade".