quarta-feira, 20 de abril de 2016

O Filho de Saul. O Oscar de melhor filme estrangeiro - 2016.

"A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação". Assim Adorno abre o seu conhecido texto, originário de uma entrevista em rádio, Educação após Auschwitz, que no Brasil faz parte do livro Educação e Emancipação. Tenho a nítida impressão que esta exigência, dia a dia está perdendo força. Dia a dia se elevam e se unem vozes em favor da repetição dos horrores ocorridos nos campos de concentração.
Auschwitz não pode se repetir. Educação e emancipação.

No Brasil, ainda no domingo (17 de abril 2016), no triste palco de horrores que foi a votação para a abertura do processo de impedimento da presidente da República, o deputado Jair Bolsonaro dedicou o seu voto ao coronel Ustra, um conhecido torturador do período da ditadura militar. Foi festejado por muitos como heroi. O fato de pontuar em pesquisas eleitorais como candidato a presidente da República, pelo, pasmem, Partido Social Cristão, nos dá a evidência de que muito poucos estão preocupados com a exigência que nos foi posta por Adorno.
Ontem fui ao cinema. Fui ver O filho de Saul. O filme tem a direção de László Nemes e é uma produção húngara, vencedora do Festival de Cinema de Cannes (2015) e o Oscar de melhor filme  estrangeiro (2016), da Academia Americana. Prêmios mais do que merecidos.

A história é simples e não fornece um roteiro de suspenses e de surpresas.  O filme se centra numa ideia, numa obsessão de Saul, que insiste em dar ao seu filho, um enterro decente, mas impossível. Dentro do campo de concentração, enterrar o seu filho, dentro da tradição judaica, com a presença de um rabino no comando do ritual.


Saul pertence ao Soderkommando. Na divisão do trabalho dentro do campo de concentração (Auschwitz - 1944) cabia aos membros deste grupo preparar os corpos dos judeus já mortos para a sua cremação nas câmaras de gás, bem como cuidar da  limpeza destas, removendo as cinzas e higienizando o ambiente, enquanto esperavam a sua vez. Trabalhavam naquilo que os alemães se recusavam a fazer e, diante da perspectiva iminente da morte. Que cenário.

A narrativa passa então a ter dois focos. Saul encontra um menino, ainda vivo, e o toma como um filho. Ele imediatamente é executado por um oficial alemão. Então a preocupação de Saul passa a ser o enterro do menino, o filho de Saul. O outro foco passa a ser a organização de uma rebelião dentro do campo. Um espelho do que o ser humano tem de pior. Delações, subornos e propinas também ocorrem num cenário destes. Inacreditável.

O filme tem o seu forte no visual. As técnicas de cinema devem ter sido muito bem empregadas, pois, geraram um impacto fabuloso. Você se sente incomodado e indignado o tempo todo. Expressões de rosto retratam o ser humano em seu momento de aflição maior.

E eu, cá comigo, fiquei pensando sobre a força do enterro, dentro dos rituais e das simbologias comandadas pela tradição. No caso, um enterro com a presença de um rabino recitando a Kadish dos enlutados. Me lembrei de Antígona afrontando as leis positivas contra as da natureza; me lembrei da interrupção da guerra de Troia, para que se cuidasse do funeral de Heitor; me lembrei dos laços de solidariedade em torno dos funerais dos primeiros cristãos das catacumbas; me lembrei dos enterros solidários dos quais se originaram as Ligas Camponesas e me lembrei da Colônia Cecília, em que os padres poloneses de Santa Bárbara impediam o enterro das crianças mortas ente os colonos anarquistas e que, ainda hoje, em Palmeira existe este cemitério dos renegados. Quer dizer, se sabe do lugar. Que força poderosa!

Este é o filme. Numa resenha li que ele é o anti espetáculo. Seguramente não é cinema de entretenimento, da indústria cultural. É cinema formador de consciência. E mais uma triste constatação. Fui a uma sessão das 19 horas. A das 13 foi eliminada já na primeira semana do filme em cartaz. Ao começar a projeção, eu era o único espectador. Passados uns cinco minutos se formou o público definitivo de cinco pessoas. E, apenas lembrando que Auschwitz foi uma invenção dos filhos da Aufklärung.

E, em se tratando de Auschwitz é impossível não fazer referência aos dois monumentais livros de Primo Levi. É isto um homem? e Os afogados e os sobreviventes. Reflexões de quem testemunhou e refletiu muito


4 comentários:

  1. Bravo, bravo querido Profº Pedro Eloy! De fato, infelizmente é sintomático, em razão de momentos tristes que vem marcando nossa realidade, que estejamos indo por esse caminho. A quantidade de bolsolovers que o mitificam e aplaudem e ali se veem representados, o descaso de anos com a Educação formadora, resultou nisto que vemos. O que virá ainda no bojo da serpente? Mil vezes agradecida por dividirmos ao mesmo tempo este tempo e lugar. Minha admiração e carinho sempre!

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  2. Mil agradecimentos Sucapoeta. Ainda bem que temos a consciência da gravidade do momento e deixamos o nosso alerta. E os agradecimentos são meus.

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  3. no meu pobre entender oque esta cada ves pior é o FANATISMO que cega mata e não sabem nem porque de tanto fanatismo e o unico fanatismo que deviria existir esse esta cada ves mais escasso o fanatismo pela ONESTIDADE.

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  4. Sr. Arnaldo. O fanatismo tem as suas causas. Elas já foram estudadas e são bem conhecidas. Só que ninguém insiste em erradicá-las. Um abraço.

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