terça-feira, 17 de maio de 2016

Modelos políticos e econômicos em disputa.

Para entender o que está se passando no Brasil, nestes momentos que seguem à tomada golpista dos aparelhos do Estado e do poder pela elite brasileira, é preciso fazer uma pequena retrospectiva histórica e conhecer os modelos políticos e econômicos ora em disputa, dentro do capitalismo, obviamente. Vou retroceder apenas até o final da Segunda Guerra Mundial.

Dois modelos estavam e estão em disputa. Um era o capitalismo ortodoxo, formulado pelos economistas clássicos e que preconizava o livre mercado, a não intervenção, o chamado Estado mínimo. O econômico e seus determinismos se antepõem ao político. O outro, formulado nos anos 1930, defendia intervenções estatais, para conter a barbárie decorrente da competição no livre mercado. Seu grande formulador teórico foi Keynes e o modelo passou a ser denominado de social democracia, ou estado de bem-estar social. Nele o político precede e direciona o econômico.
Os fundamentos teóricos do neoliberalismo. 1946.

O princípio maior da social democracia é o de que o indivíduo é visto como um cidadão e, como tal,  portador de direitos. Daí o princípio inscrito nas modernas constituições:Direito do cidadão - Dever do Estado. Já para os liberais ortodoxos ou neoliberais O Estado nada deve a ninguém. O atendimento às necessidades, ligadas à cidadania, se dá através de serviços e estes estão disponíveis no mercado e a sua compra cabe aos indivíduos, ou a seus familiares, nos supermercados de saúde, de educação e outros similares.

O neoliberalismo nada mais é do que o recrudescimento do liberalismo clássico. Seus principais formuladores foram Hayeck (O Caminho da Servidão) e Milton Friedman (Capitalismo e Liberdade e Liberdade de escolher). Friedman foi professor da Universidade de Chicago e os seus alunos passaram a ser os Chicago boys.

Ao final dos anos 1970 e começo dos 1980 esta doutrina se torna hegemônica entre os países do capitalismo desenvolvido. (Tatcher, Reagan e Khol). Na América Latina ele teve uma experiência precoce no Chile, sob a ditadura de Pinochet e se afirmou mesmo, na década de 1990 (Fujimori, Menem e FHC). Na década inicial do século XXI, começou a reversão na América Latina.
Friedman inspirou os chamados Chicago boys.

A chegada ao poder, nestes anos iniciais do século XXI, das propostas da social democracia representaram grandes avanços sociais na América Latina e, creio que, a sua maior expressão, foi a exclusão do Brasil do mapa da fome mundial. Foram anos em que não se ouvia falar de inflação, de desemprego e de recessão econômica. Houve movimento, marcado pela ascensão, na estrutura da base da sociedade. Aí é que reside a questão chave. Isso não é suportável para as elites, ao menos para a elite brasileira, seguramente uma das mais perversas do mundo.

No belo livrinho de Jacques Rancière O ódio à democracia, está definida qual é a democracia desejada pelas elites e qual é a odiada. A desejada é estática e a odiada é a que movimenta a estrutura das classes, em ascensão, impulsionadas por políticas públicas. Este Estado que promove ascensão social através de políticas públicas (acesso à educação, aumento real nos salários, políticas de promoção da cidadania) deve ser capturado e voltar a ser instrumento apenas das elites e para as elites.

No Brasil, estas elites sempre se refestelavam em privilégios. Fazem de tudo para os manter. Ao mesmo tempo, se esforçam para que a população não os perceba como tais, para que os veja como direitos, direitos adquiridos através da meritocracia. Assim todos os meios de comunicação e de (de)formação devem estar comprometidos com a intelectualização do senso comum por eles idealizado. Combater a corrupção é mera estratégia (onipresente em todos os regimes fascistas) para conseguir a adesão dos incautos. As panelas já silenciaram.
O Banco Mundial formula e impõe políticas neoliberais também para a educação.

O momento que estamos vivendo é este. Sob um simulacro de democracia, estamos assistindo a mudança de mão no controle do poder e este novo poder obedece os ditames formulados e impostos pelo Banco Mundial e pelo Consenso de Washington. Estes executam as políticas neoliberais de desmonte das políticas públicas de construção da cidadania dos até então excluídos. O des - que precede palavras é emblemático e profundamente simbólico. Vejamos esta construção: desestatização/desnacionalização; desregulamentação/desconstitucionalização e desuniversalização /desproteção.

Para terminar, uma conceituação de democracia, dada por Márcia Tiburi, em seu belo livro Como conversar com um fascista: "A sedução capitalista que escamoteia a opressão organiza-se na forma de uma constelação de palavras mágicas, por meio das quais o falante e o ouvinte acreditam realizar todos os seus desejos. Palavras como felicidade, ética, liberdade, oportunidade, mérito, são todas mágicas. Uma dessas palavras mágicas usadas pelo capitalismo é a palavra "democracia". Antidemocrático, o capitalismo precisa ocultar sua única democracia verdadeira - a partilha da miséria".

Márcia Tiburi ainda define o neoliberalismo como uma redução da totalidade e complexidade do humano ao econômico e o define como um tanatopoder. Estes são os tempos e os desafios que nos aguardam.

Convém ainda lembrar lembrar a perversidade deste modelo pelas palavras de um de seus mentores brasileiros. FHC. Vejamos o seu discurso de despedida do Senado, em 1994, já eleito presidente da República: "Resta um pedaço de nosso passado que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da 'era Vargas' - ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista". Lembrando que o grande legado de Vargas foi o de ver o Brasil como Estado/Nação e a legislação trabalhista. Tempos definia o Brasil como um mercado emergente. O mercado é um espaço onde cabem apenas vencedores.


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